Usuário(a):Jeangft: diferenças entre revisões

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
Conteúdo apagado Conteúdo adicionado
Jeangft (discussão | contribs)
Jeangft (discussão | contribs)
Linha 6: Linha 6:
(Ésquilo, ''Se.'' 729-30)
(Ésquilo, ''Se.'' 729-30)
</center>
</center>
[[Imagem:Gardner-Philomena and Procne.jpg|thumb|350px|center|Filomena e Procne]]
[[Imagem:Gardner-Philomena and Procne.jpg|thumb|350px|center|Filomena e Procne]][3] PARMÊNIDES DE ELEIA é considerado, de maneira geral, o mais importante e

influente dos filósofos pré-socráticos. 1 Com sua rejeição a o-que-não-é e seu

compromisso com o monismo, Parmênides lançou um desafio que mudou a natureza

do pensamento pré-socrático. O próprio Platão, através do Estrangeiro de Eleia,

personagem do Sofista, refere-se a ele como o “pai Parmênides” e sugere que uma

reavaliação de suas teses poderia ser considerada como um tipo de parricídio (241d3).

A interpretação atualmente dominante de Parmênides (pelo menos entre os filósofos

de língua inglesa) vê a filosofia pré-socrática anterior a Parmênides como um

conjunto de tentativas de fazer aquilo que Parmênides afirma não poder ser feito, ao

passo que o pensamento pré-socrático posterior seria composto de uma série de

esforços no sentido de salvar a investigação da natureza da rejeição parmenidiana da

mudança e de seu monismo. Frequentemente se argumenta que, se Parmênides estiver

correto, então a filosofia e a ciência (como os primeiros cientistas-filósofos da Grécia

a entendiam) são impossíveis. Porém, a despeito dos argumentos de Parmênides, os

pré-socráticos tardios continuaram a propor sistemas cosmológicos para explicar o

mundo segundo o relato da experiência sensível. Se estes pensadores realmente

entenderam Parmênides e se sua influência era tal como afirma a interpretação

tradicional, como eles podiam continuar fazendo isso?

As descrições até agora predominantes a respeito do pensamento pré-socrático

tardio têm falhado em explicar de forma adequada um aspecto importante das visões

destes pensadores. Pois, apesar de serem muito diferentes entre si, as principais

respostas que foram dadas a Parmênides – o atomismo, o pluralismo e a teoria

platônica das formas – compartilham uma característica comum: todas elas postulam,

para explicar o mundo segundo o relato dos sentidos, uma pluralidade numérica de

entidades fundamentais sem, no entanto, apresentar um argumento que a justifique.

Mas se o monismo numérico resulta dos argumentos de Parmênides sobre o-que-é e

se do monismo e dos argumentos a respeito da mudança resulta que a ciência é

impossível, então as teorias pluralistas não podem derrubar ou evitar as conclusões de

1 Sigo a convenção de se referir aos primeiros filósofos gregos como pré-socráticos, embora muitas das

figuras que eu discuta estavam ativas durante a vida de Sócrates, não sendo pré-socráticas neste sentido.

A convenção nos permite tomar um grupo particular de pensadores de modo relativamente fácil e,

uma vez que a discrepância cronológica seja considerada, ela provê uma nomenclatura útil para se

referir a este grupo.

Parmênides simplesmente postulando sem justificativa a pluralidade de entidades

básicas, como eles parecem fazer. O silêncio geral sobre o monismo numérico entre

os pré-socráticos tardios é sugestivo. Os primeiros filósofos gregos não eram

exatamente tímidos quanto a dar voz a discordâncias (ver, por exemplo, Heráclito

B40, B42, B129 e o próprio Parmênides em B6 e B7). Enquanto tanto Anaxágoras

quanto Empédocles [4] deixam clara sua insatisfação com aqueles que afirmam que

existe geração e ambos insistem na realidade genuína de suas entidades básicas,

nenhum dos dois argumenta contra o monismo ou a favor do pluralismo numérico.

Antes, eles assumem que a uma pluralidade de entidades básicas é metafisicamente

aceitável.2 Assim, segundo a leitura tradicional da história da filosofia pré-socrática,

pluralistas e atomistas evitam a questão de Parmênides, embora a maior parte das

interpretações do pensamento pré-socrático descarte o silêncio sobre o monismo de

Parmênides como um aspecto menor dessas teorias. 3 Mas se os argumentos de

Parmênides resultam em monismo, eles não podem ser simplesmente ignorados, nem

se pode adotar o restante de seu sistema de modo legítimo ao abraçar o pluralismo. A

noção de que Parmênides era um monista é normalmente baseada na interpretação

existencial do “ser” em Parmênides. Neste sentido, quando Parmênides afirma que

somente o caminho “do que é” é um caminho aceitável de investigação, seu objeto

deve ser tomado como o que quer que possa ser pensado ou estudado, de modo que

sua afirmação será: o que quer que possa ser legitimamente investigado existe. Além

disso, estes argumentos têm o intuito de demonstrar que somente uma coisa como

esta existe.4

Este livro oferece uma abordagem alternativa a respeito das teses de Parmênides e

de sua influência sobre o pensamento pré-socrático tardio, especialmente sobre o

pluralismo e o atomismo, no período imediatamente precedente à teoria das formas

de Platão. Ele desafia o que se fixou como explicação tradicional relativa ao

2 A pluralidade é presumida até Diógenes de Apolônia, o qual acredito ter sido influenciado pelo

argumento de Melisso em favor do monismo numérico. Eu discuto os argumentos de Melisso no cap.

V, seção 4.

3 Ver, por exemplo, as discussões em volumes tradicionais de história da filosofia como KRS ou Guthrie,

HGP, vol. II. A questão é descartada normalmente pela afirmação de que os argumentos de Parmênides

em favor do monismo numérico são fracos (embora nem sempre seja claro em que ponto os

comentadores pensam que está sua fraqueza) e assim podem ser tranquilamente ignorados pelos présocráticos

tardios.

4 Ver, por exemplo, o influente “Eleatic Questions” de Owen.

desenvolvimento do pluralismo (nas teorias de Empédocles e Anaxágoras) e do

atomismo (adotado por Leucipo e Demócrito). Esta interpretação alternativa põe

Parmênides firmemente no seio da tradição da investigação acerca da natureza no

pensamento pré-socrático, sustentando que ele estava interessado no mesmo tipo de

problema que tinha ocupado seus predecessores (muito embora sua preocupação

tenha assumido uma forma diferente). Além disso, esta abordagem explica como as

doutrinas metafísicas e cosmológicas de Parmênides tiveram influência decisiva sobre

seus sucessores e também como elas foram usadas e modificadas pelos eleatas

posteriores, Zenão e Melisso.

No decorrer do livro, irei apresentar argumentos contra a interpretação mais

prevalecente do monismo parmenidiano e a explicação usual do “ser” de Parmênides.

Ao invés disso, defenderei que o objeto da investigação de Parmênides é o que é ser a

natureza genuína de algo, ligando-o assim às pesquisas sobre a natureza de seus

predecessores filosóficos. Deste ponto de vista, o “ser” que interessa a Parmênides é

mais um “ser” predicativo de um tipo particularmente forte do que um “ser”

existencial. Admito que Parmênides seja um monista, mas nego que ele seja um

monista numérico. Antes, [5] afirmo que Parmênides está comprometido com o que

eu chamo de monismo predicativo.5 O monismo numérico afirma que existe somente

uma única coisa: uma lista completa de todas as entidades do universo teria apenas um

único item. Este é o tipo de monismo que tem sido tradicionalmente atribuído a

Parmênides e (corretamente) a Melisso. O monismo predicativo é a afirmação de que

cada coisa que é só pode ser uma única coisa e deve ser isso de um modo

particularmente forte. Para ser uma entidade genuína, algo que seja metafisicamente

básico, uma coisa precisa ser uma unidade predicativa, um ser de um único tipo

(mounogenes , como diz Parmênides em B8.4), com um único discurso a respeito do

que ela é, mas não é necessariamente o caso que exista somente uma única coisa desse

tipo. O que é necessariamente o caso é que a coisa ela mesma deve ser um todo

unificado. Se ela é, digamos, F (o que quer seja F), ela deve ser total, somente e

completamente F. No monismo predicativo, uma pluralidade numérica de tais seres

unitários (como poderíamos denominá-los) é possível.6 A interpretação do “ser” de

5 Mourelatos (em Route ) e Barnes (“Eleatic One”) também questionaram a visão predominante de que

Parmênides é um monista numérico; Barnes nega qualquer tipo de monismo em Parmênides, enquanto

Mourelatos enfatiza o antidualismo de Parmênides.

6 Deste modo, a falha por parte de pensadores pré-socráticos tardios em defender suas teorias pluralistas,

enquanto trabalhando em um arcabouço parmenidiano e enfatizando a realidade e unidade predicativa

Parmênides se torna relevante aqui, pois eu defendo que ser para Parmênides é ser a

natureza de uma coisa, o que uma coisa genuinamente é e, portanto, metafisicamente

básica. Os argumentos do fragmento B8 de Parmênides dizem respeito aos critérios

do-que-é, isto é, para ser a natureza de algo, onde tal natureza é o que uma coisa

realmente é. Esses argumentos se prestam a mostrar que o-que-é deve ser inteiro,

completo, imutável e de um único tipo. Cada coisa que é pode ter somente uma

natureza, mas pode haver muitas coisas que satisfaçam os critérios de Parmênides.7

Estas questões são o assunto dos capítulos I e II.

Entre os estudos sobre Parmênides, uma questão complicada diz respeito a prover

uma interpretação apropriada da segunda parte do seu poema, a Doxa. Segundo a

interpretação tradicional, Parmênides primeiro defende que a investigação científica

é impossível, mas em seguida resolve apresentar sua própria cosmologia. Qual é o

propósito disso, considerando particularmente o fato de ele ter anunciado que a

discussão cosmológica é enganosa (em B8.50-52)? Há uma interpretação que diz que

a Doxa é inteiramente falsa e enganadora, e seu propósito é puramente dialético.8

Outra diz que enquanto a Doxa (e, por conseguinte, toda cosmologia) é falsa, ela é,

entretanto, o melhor (embora incorreto) relato possível da experiência. O ponto de

Parmênides seria que nenhuma cosmologia enquanto tal poderia ser racional no

sentido de atender aos requisitos [6] de entidades genuínas que ele formula em B8.9

No capítulo III, eu ofereço uma interpretação diferente da Doxa, movendo seu

engano para o caráter inaceitável das entidades fundamentais da teoria cosmológica

apresentada nesta seção do poema. Parmênides rejeita candidatos dualistas para as

entidades básicas de uma cosmologia, mas não repudia com isso todas as tentativas de

prover uma explicação racional para o mundo conforme experimentado pelos

sentidos. Segundo esta visão, Parmênides está rejeitando como candidatos para

entidades básicas teoréticas opostos de um tipo particular, uma vez que estes não

conseguem atender aos critérios do-que-é expostos nos argumentos de B8, mais

especificamente o requisito do monismo predicativo. Deste modo, os opostos da Doxa

de suas entidades básicas, é evidência para a minha visão de que é possível haver uma pluralidade

numérica de entidades em que cada uma é predicativamente uma.

7 Usando uma terminologia posterior, poderíamos dizer que Parmênides está procurando por uma

descrição do que é ser a essência de algo, embora eu tenha evitado a palavra essência pelo fato de ser

um termo anacrônico ao pensamento pré-socrático.

8 Esta é a visão de Owen em “Eleatic Questions.” Ele é seguido por Mourelatos e Barnes.

9 Ver, por exemplo, Long em “Principles.”

são inaceitáveis como entidades genuínas. Não obstante, no relato enganoso da deusa,

eles se misturam e se separam para formar os céus e para explicar os diversos

fenômenos que nos são reportados pelos sentidos. A lição da Doxa não é nem que

uma cosmologia é inaceitável, nem que, como descrição da experiência sensível, ela

tem menos valor. Ao contrário, eu defendo que Parmênides supõe que seu modelo da

Doxa forneceria uma cosmologia racionalmente embasada se as entidades básicas de

tal teoria atendessem aos critérios de B8 com respeito ao-que-é. Além disso, eu

sustento que a cosmologia modelo de Parmênides, baseada em um conjunto de

realidades básicas que se misturam e se separam, foram tão influentes sobre os présocráticos

que vieram depois dele quanto seus argumentos a respeito do-que-é.

Diante da interpretação de Parmênides que eu defendo, a visão tradicional a

respeito da influência de Parmênides sobre a filosofia pré-socrática tardia deve ser

revisada. Seu monismo predicativo é consistente com o pluralismo numérico, pois,

desde que cada coisa que é seja uma unidade no sentido apropriado, isto é, predicativo,

não há nenhum impedimento teórico para que haja na realidade mais do que uma

coisa deste tipo. A história da filosofia pré-socrática tardia é, em grande medida, a

história da exploração da natureza de entidades básicas teoréticas, sua relação com o

mundo da experiência reportada por nossos sentidos e seu papel na explicação desse

mundo. Os pluralistas (Empédocles e Anaxágoras) e os atomistas (Leucipo e

Demócrito) aceitam as conclusões de Parmênides de que o-que-é tem uma natureza

imutável e deve ser um em um sentido apropriado. Mas eles não acreditam que das

conclusões de Parmênides resulta que o conhecimento cosmológico ou outras formas

de conhecimento científico sejam impossíveis. Ao mesmo tempo em que se

preocupam em afirmar a unidade imutável e a homogeneidade dos elementos

fundamentais – os chrēmata for Anaxágoras; terra, água, ar e fogo (junto com Amor

e Ódio) para Empédocles –, Anaxágoras e Empédocles não veem necessidade de

argumentar em favor de uma pluralidade original. Pelo contrário, eles se concentram

na questão sobre se a separação e a mistura destes elementos dará conta das mudanças

aparentes no mundo sensível. Seu silêncio sobre o tema do monismo, sua preocupação

em estabelecer a natureza e o caráter das entidades básicas e seu interesse em explicar

o mundo conforme o relato dos sentidos me parecem ser confirmações da

interpretação de [7] Parmênides que eu defendo. O capítulo IV é uma exploração da

influência parmenidiana sobre os fundamentos metafísicos do pluralismo, com

especial atenção ao problema da natureza das “coisas” (chrēmata ) em Anaxágoras e das

quatro raízes em Empédocles e ao problema de se justificar as mudanças aparentes

através de mistura e separação de entidades que permanecem elas mesmas sem

modificação. O capítulo IV também examina os argumentos de Zenão relativos à

divisão e o retrata argumentando contra a ideia de que as entidades básicas adotadas

pelos pluralistas possam efetivamente ser capazes de atender aos critérios de

Parmênides para o-que-é.

Leucipo e Demócrito também seguem o modelo de Parmênides ao propor uma

explicação racional sobre como as coisas são. Eles afirmam a unidade monogênica de

cada átomo (atendendo assim aos critérios parmenidianos para o que é, ao mesmo

tempo em que evitam os argumentos zenonianos relativos à divisão) e lançam mão da

mistura e da separação de átomos para explicar os fenômenos sensíveis: “Por

convenção doce, por convenção amargo, por convenção quente, por convenção frio,

por convenção cor; mas na realidade átomos e vazio” (Demócrito B9; B125). Uma

questão fundamental para minha interpretação (abordada no capítulo V) é o problema

da realidade do vazio. Como algo que os atomistas chamam explicitamente de “nada”

e “o-que-não-é” pode ser qualificado como real em um modelo parmenidiano?

Defendo que os atomistas concebem tanto átomos quanto o vazio como entidades

que têm seu próprio caráter ou natureza imutável e cognoscível, satisfazendo assim os

critérios de Parmênides para o-que-é. Como Parmênides, os cosmólogos présocráticos

tardios defendem que a mudança é meramente aparente e não real, mas

que, não obstante, o mundo fenomênico pode ser objeto de uma explicação racional.

Melisso, porém, o último dos três eleatas, apresenta objeções contra todas as teorias

pluralistas, em primeiro lugar, dizendo que o pluralismo em si seria incompatível com

a explicação correta do-que-é e, em segundo lugar, que, de todo modo, as teorias

pluralistas não conseguiriam explicar o mundo conforme o relato de nossos sentidos.

Nestes argumentos Melisso avança para além de Parmênides.10

O livro se conclui (no capítulo VI) com duas breves discussões a respeito de Filolau

e Diógenes de Apolônia, terminando com uma palavra sobre a influência do monismo

de Parmênides no desenvolvimento dos aspectos metafísico e epistemológico da teoria

10 Os três eleatas, ao mesmo tempo em que compartilham certas premissas básicas, diferem de modo

significativo uns dos outros. Eu pretendo mostrar que o eleatismo não foi um conjunto monolítico de

noções e que Zenão e Melisso não estavam meramente repetindo os argumentos de Parmênides. Pelo

contrário, eles tinham teorias distintas e próprias, as quais às vezes conflitavam com as de Parmênides

ou iam além daquilo com que o próprio Parmênides estava comprometido.

das formas de Platão. A teoria das formas é vista com frequência como uma teoria

original, notadamente diferente das teorias filosóficas daqueles que (exceto Sócrates)

precederam Platão. Eu sugiro que há uma forte influência eleática nas ideias de Platão

desde o início nos primeiros diálogos e que os argumentos de Parmênides sobre oque-

é estão [8] por trás de algumas das mais notáveis e importantes porções da teoria

platônica, especialmente a autopredicação e a participação. Deste modo, o próprio

sistema platônico seria parte do legado de Parmênides.

Meu tema é a base filosófica das teorias de Parmênides e a importância de suas ideias

para o pensamento pré-socrático tardio. Embora eu discuta cosmologia, minha

investigação não está voltada propriamente para a cosmologia pré-socrática. Por isso,

eu não examino as várias versões dos turbilhões cósmicos ou a composição das estrelas

e dos planetas, nem discuto as muitas teorias pré-socráticas sobre a formação da terra

ou sobre os seres que nela habitam. Além disso, passo muito rapidamente sobre outros

aspectos das teorias destes pensadores. Empédocles e Demócrito, por exemplo, tinham

ideias interessantes a respeito de como os seres humanos devem viver. Estas questões

são importantes e interessantes por si só, mas elas não são o assunto deste livro. Nele,

estou explorando como os argumentos metafísicos de Parmênides afetaram o curso

do pensamento pré-socrático, como ele critica as teorias anteriores a respeito do que

há e como estas críticas ajudaram a moldar o arcabouço metafísico aceito por aqueles

que vieram depois dele. Por causa do caráter fundamental dos argumentos e posições

de Parmênides, há ainda outros aspectos das teorias pré-socráticas que são

indiretamente afetados por eles. O fato de eu não os discutir não significa que eu esteja

sugerindo que eles seriam irrelevantes para a compreensão da natureza da filosofia

pré-socrática ou que eles seriam detalhes sem importância que não vale a pena

examinar. Uma vez que meu tema é o efeito direto dos argumentos metateóricos de

Parmênides sobre os princípios que moldam os fundamentos do pensamento présocrático

sobre o que há, não terei muito a dizer sobre os detalhes dos aspectos

cosmológicos ou outros aspectos das teorias que discuto. A história que eu conto pode,

em certos aspectos, ser semelhante a relatos tradicionais da influência de Parmênides,

mas há uma diferença importante na ênfase. Isto porque eu vejo os pré-socráticos

tardios como aceitando a influência dos argumentos de Parmênides ao invés tentarem

evitá-los e de serem marcadamente influenciados tanto pela [via da] Alētheia quanto

pela [via da] Doxa do poema de Parmênides. Não interpreto estes pensadores

posteriores como lutando ou tentando contornar o monismo numérico de

Parmênides. Eles não estão tentando evitar certos argumentos de Parmênides, mas,

pelo contrário, procuram se dedicar a uma cosmologia racional, uma pesquisa pela

natureza das coisas que leva em conta as intuições e os argumentos metafísicos de

Parmênides.

Antes de me voltar para estes temas nos capítulos seguintes, irei agora considerar

algumas questões que são preliminares para os argumentos que formam a parte

principal deste livro. Começo por examinar uma descrição de Parmênides que tem

sido amplamente aceita, explorando algumas das deficiências que eu encontro nesta

visão da importância de Parmênides para o pensamento pré-socrático tardio. Depois

eu me volto para o complicado problema da cronologia dos pensadores do século V.

Por fim, concluo com alguns breves comentários sobre Parmênides B1 – a primeira e

introdutória seção de seu poema filosófico. [9]

1. A INTERPRETAÇÃO TRADICIONAL DE PARMÊNIDES

A maior parte das discussões em língua inglesa sobre Parmênides foram influenciadas

por G. E. L. Owen em sua descrição da teoria de Parmênides e seu lugar no

pensamento pré-socrático. A visão de Owen (ou as várias versões e adaptações dela)

se tornaram a interpretação tradicional de Parmênides. 11 Eu argumento contra a

posição de Owen nos capítulos I e II. Aqui, porém, eu gostaria de explorar a

explicação sobre o desenvolvimento do pensamento de Parmênides com a qual a

posição de Owen (ou outra semelhante a ela) está comprometida, pois creio que a

minha interpretação de Parmênides e do desenvolvimento da filosofia pré-socrática

torna mais compreensível a história do pensamento pré-socrático, pelo menos do

modo como a temos nos fragmentos que sobreviveram.12

11 Na maior parte dos textos sobre Parmênides em língua inglesa assume que a descrição de Owen (ou

alguma versão dela) é correta. No entanto, a interpretação de Tarán é uma alternativa à visão de Owen,

tomando o Ser como o objeto de investigação de Parmênides. Discuto a posição de Tarán abaixo, na

n. 27.

12 Não estou sugerindo que eu possa provar que aquilo que eu chamo de interpretação tradicional e as

demais visões baseadas nela são falsas. Pelo contrário, apenas me parece que a história que eu conto

torna mais compreensível a história da filosofia pré-socrática. A natureza fragmentária da evidência

disponível e as dificuldades em interpretar tal evidência (particularmente os testemunhos) faz com que

seja improvável que qualquer interpretação possa ser tomada como final ou definitiva. O que tentei

fazer neste livro é interpretar os fragmentos e testemunhos do modo mais cuidadoso possível, impondo

o menor número possível de preconcepções sobre este material. É impossível ler a filosofia pré-socrática

como os próprios pré-socráticos fizeram. Qualquer interpretação é filtrada por meio de atitudes

filosóficas contemporâneas e colorida pelo conhecimento do que “aconteceu depois” (como evidencia

Qualquer explicação do pensamento de Parmênides deve levar em conta a natureza

do esti (é) em B2 e ao longo de todo o poema, além de explicar qual é o sujeito desse

esti . A posição de Owen é que o sujeito de esti é “o que pode ser pensado ou dito” e

que o esti é existencial.13 Assim, de acordo com Owen, a doutrina de Parmênides é

que somente aquilo que pode ser pensado ou falado pode existir e, de fato, deve existir.

Diante dos argumentos de B8, somente uma única coisa pode e deve existir. Uma

coisa solitária que não vem a ser nem se desfaz e nem é sujeita a qualquer mudança é

o que constitui aquilo que há.14 Barnes sugere uma modificação da visão de Owen.

De acordo com Barnes, ao invés [10] de investigar “de modo kantiano, as implicações

da racionalidade,” Parmênides explora “a possibilidade, não exatamente do

pensamento racional, mas da pesquisa científica.”15 Como Owen, Barnes adota uma

leitura existencial do esti de Parmênides e, assim, de acordo com Barnes, Parmênides

estaria dizendo que o que quer que seja objeto de estudo existe.16 Diferentemente de

o próprio nome “pré-socráticos”). Mas isto não me parece significar que nós não possamos ter base

para preferir uma determinada interpretação das evidências em detrimento de outra. Em relação à

questão das diferentes interpretações do pensamento pré-socrático, ver Mourelatos, “Alternatives”. Eu

discuto várias das interpretações correntes de Parmênides nesta seção, mas não espero que este seja um

balanço completo das posições a respeito de Parmênides, nem pretendo que seja. Pesquisas mais

abrangentes podem ser encontrados em Tarán, Guthrie e Bormann. Meu objetivo aqui é discutir duas

visões acerca de Parmênides: uma que estabelece que o seu objeto de investigação é “o que pode ser

pensado ou investigado” e outra que afirma que seu objeto de investigação é o Ser. Mourelatos, em

Route e em um certo número de artigos, oferece uma importante e atraente alternativa para a

interpretação de Parmênides, que eu discuto aqui. Vejo minha própria visão como um

desenvolvimento da posição de Mourelatos acerca da seção da Alētheia do poema de Parmênides.

Falarei mais sobre os detalhes da posição de Mourelatos e sobre as similaridades e diferenças entre sua

visão e a minha nos capítulos I e II.

13 Owen, “Eleatic,” pp. 14-16.

14 A visão de Owen é aceita por (entre outros) Stokes (One and Many), Furley (em seu artigo sobre

Parmênides na Encyclopedia of Philosophy, muito embora ele opte por uma interpretação “fundida”

[10] do esti em “Notes”), Gallop (Parmenides ) e McKirahan. Ver também cap. I, n. 9. Em sua obra

tardia, Owen abandonou a leitura existencial de esti (ver cap. I, n. 7), mas sua interpretação existencial

em “Eleatic” continua influente. O’Brien rejeita boa parte da interpretação de Owen, mas ele também

opta por uma leitura existencial de esti (ver o que ele diz em “Le Poème de Parménide”).

15 As duas citações ocorrem na p. 163 do vol. I de PP de Barnes.

16 Minha formulação aqui é intencionalmente solta, com o intuito de capturar algumas obscuridades

que Barnes vê nas posições de Parmênides. Barnes acredita que a afirmação de Parmênides não permite

decidir se ela se refere à pesquisa sobre e, portanto, à existência de (1a) “coisas de um certo tipo (estrelas,

ventos, cavalos)” e (1b) coisas particulares (“o sol, Bóreas, Pégaso”) (PP, vol. I, p. 163). Além disso, de

acordo com Barnes, Parmênides não “percebe que duas proposições distintas estão em jogo” nos

operadores modais da segunda metade das linhas B2.3 e B2.5. De acordo com Barnes, a afirmação de

Parmênides é neutra em relação a (2a) “Se uma coisa é estudada, ela tem a propriedade de existir

Owen, Barnes não pensa que Parmênides estivesse comprometido com o monismo

numérico, de modo que ele não vê em Parmênides a afirmação de que somente um

único objeto de estudo pode, e de fato deve, existir.17

Esta interpretação do argumento de Parmênides enfrenta uma série de dificuldades.

A questão a respeito de quem seria o alvo do ataque de Parmênides tem interpelado

os comentadores por um bom tempo. Nenhum dos predecessores de Parmênides, pelo

menos até onde nós sabemos, sustentou a tese de que alguém poderia ou deveria se

perguntar a respeito do que não existe. Ao contrário, os pensadores pré-socráticos que

precederam Parmênides buscavam explicações para os fenômenos físicos do mundo

conforme os sentidos, oferecendo descrições tanto do desenvolvimento do kosmos

quanto das características físicas, astronômicas e meteorológicas dele. A julgar pelas

evidências que sobreviveram, não havia preocupação ou interesse em questões do tipo

“significado, referência e existência”18 que a [11] visão de Owen e de Barnes atribui a

Parmênides. Owen nega especificamente que o alvo de Parmênides fosse alguma das

teorias cosmológicas de seus predecessores (ou os pressupostos embutidos nessas

teorias). Barnes assume uma posição semelhante. Ambos assumem que o alvo de

Parmênides seja a pressuposição de que se possa falar sobre as coisas ou estudá-las

quando elas não existem. Owen afirma que as pessoas comuns que pensam que

algumas coisas não existem ou que existem aqui e não lá são aqueles que tomam o

necessariamente” e (2b) “É necessariamente verdadeiro que qualquer coisa estudada existe” (PP, vol. I,

p. 164).

17 Uma versão da posição de Barnes parece ter sido adotada por Schofield em KRS (ver pp. 245-246).

Como Barnes, Schofield afirma que o sujeito de esti é “o quer que seja objeto de investigação” (p. 245),

mas ele concede que tanto a interpretação predicativa quanto a interpretação existencial de esti são

possíveis: “O uso de estin por Parmênides é simultaneamente existencial e predicativo ..., mas não,

portanto ... confundido” (p. 246). No entanto, deve-se notar que, ao mesmo tempo em que adota um

esti fundido, Schofield enfatiza a componente existencial: ele interpreta a via negativa primariamente

como uma tentativa de fazer afirmações existenciais negativas (ver p. 246). De acordo com Schofield,

as afirmações de Parmênides de que uma asserção de não existência não expressa “nenhum pensamento

claro” é paradoxal, “mas como todo bom paradoxo ela nos força a examinar mais profundamente nossa

apreensão do conceito que ela emprega – notadamente neste caso as relações entre significado,

referência e existência” (p. 246). Diferentemente de Barnes, Schofield pensa que Parmênides é

comprometido com o monismo numérico, embora o argumento em defesa do monismo não lhe pareça

claro (p. 251). Uma reavaliação de algumas destas questões pode ser encontrada em Mason, que sugere

que, ao explorar conexões entre pensamento e realidade, Parmênides está preocupado em dar uma

explicação sobre como caracterizar propriamente o que é.

18 Ver Schofield em KRS, p. 246.

“caminho dos mortais” e são, portanto, o objeto do escárnio de Parmênides em B6.19

Mas que evidência há para esta explicação a respeito do alvo de Parmênides? Owen e

Barnes não oferecem nada que conecte Parmênides a teses ou argumentos de filósofos

anteriores.20 Neste registro, Parmênides está fora da linha de desenvolvimento do

pensamento pré-socrático e não parece estar muito preocupado em criticar os detalhes

das teses filosóficas de seus predecessores. Além disso, se levarmos em conta a

interpretação tradicional, dado que aqueles que vieram depois dele aparentemente se

sentiam livres para ignorar partes de seu argumento, Parmênides deve parecer

irrelevante para o desenvolvimento futuro da filosofia pré-socrática. Owen não

explica como as teorias pré-socráticas tardias poderiam responder a Parmênides e ao

mesmo tempo continuar a fazer cosmologia e se engajar em pesquisa. De acordo com

Barnes, um filósofo que realmente compreendeu Parmênides não mais se envolveria

com a investigação da natureza: “um raciocínio a priori revela que os fenômenos que

a ciência tenta compreender e explicar são ficções de nossos sentidos enganosos. O

cientista tem pouco ou nada para investigar – que ele se volte para a poesia ou para a

jardinagem.”21 No entanto, os pensadores pré-socráticos tardios foram claramente

influenciados pelos argumentos de Parmênides (a evidência para esta afirmação será

examinada nos capítulos IV e V). A questão é qual é a natureza desta influência. Na

interpretação tradicional, os pré-socráticos tardios, tais como os pluralistas e os

atomistas, não conseguindo ver a futilidade de se dedicar à investigação cosmológica,

tentam responder a Parmênides aceitando que geração e corrupção não são reais. Não

obstante, eles ainda tentam dar uma explicação racional para a mudança no mundo

sensível, insistindo que uma pluralidade de coisas imutáveis subjaz e [12] explica o

19 Owen, “Eleatic,” pp. 14-15; Barnes, PP, vol. I, pp. 165-170.

20 Barnes oferece uma passagem dos Dissoi Logoi . Mas este é muito posterior à Parmênides e sem

dúvida foi influenciado pelos debates filosóficos posteriores a ele, incluindo o trabalho dos sofistas.

(Sobre os Dissoi Logoi , ver Robinson, Contrasting Arguments . Robinson defende [pp. 34-41] que os

Dissoi Logoi teriam sido escritos entre 403-395.) Owen diz, “É claro que eu não estou negando que

algumas das ideias empregadas no decorrer do argumento [de Parmênides] podem ter sido herdadas

de teorias anteriores. Isto deve ser verdade para algumas das cosmogonias e provavelmente é o caso

pelo menos da ideia de πεῖρας na [via da] Ἀλήθεια” (“Eleatic,” p. 16, n. 51). Mas Owen não admite

que os primeiros pré-socráticos tinham qualquer outra importância para Parmênides, muito embora

ele também afirme na última linha de seu artigo que Parmênides “queria demolir” a tradição das

primeiras cosmologias pré-socráticas. Como pessoas comuns tanto quanto como investigadores

praticantes, os primeiros pensadores pré-socráticos teriam sido o alvo dos argumentos de Parmênides.

Mas Owen não vê em Parmênides nenhuma preocupação especial com o pensamento ou a pesquisa

cosmológica anterior.

21 Barnes, PP, vol. II, p. 3.

mundo. 22 Além disso, estes pré-socráticos tardios não dão qualquer atenção aos

problemas de referência e significado, não fornecendo nenhuma evidência de que

tenham reconhecido essas questões como preocupações de Parmênides. Portanto, ou

eles entenderam Parmênides muito mal ou suas respostas foram muito frágeis.23 Neste

registro, a primeira resposta genuína a Parmênides viria no Sofista de Platão e esta é a

visão da relação entre Platão e o eleatismo aceita pela maior parte dos comentadores.

Além disso, em interpretações como as de Owen e Barnes, o papel da seção da Doxa

do poema de Parmênides fica inexplicado. Owen diz que o ponto da Doxa é

inteiramente dialético. Barnes afirma que a Doxa é completamente falsa.24 E, no

entanto, (segundo o que nos permitem dizer as evidências) a Doxa ocupava uma

porção significativa do poema de Parmênides e parece ter influenciado os pensadores

pré-socráticos posteriores. Como explicar isso? Da visão de Owen e Barnes de que a

Doxa é inteiramente falsa e tem propósito dialético, não é possível extrair nenhuma

resposta para esta pergunta. Nem há uma explicação adequada para esta influência na

22 Pluralidade não é um problema para Barnes, que duvida que Parmênides fosse um monista numérico.

Mas o pluralismo pré-socrático tardio é um constrangimento para outros comentadores. A resposta

usual é afirmar, como faz Schofield em KRS ou Inwood em Empedocles , que os argumentos de

Parmênides a favor do monismo são fracos.

23 Esta parece ser a visão de Barnes. Ver PP, vol. I, p. 155, onde ele sugere que “sua defesa era, em geral,

frágil e pouco convincente,” e vol. II, p. 3, onde Barnes reconhece que há “muitas coisas de interesse e

de influência permanente” nos sistemas pré-socráticos tardios, mas insinua que ao invés de serem

“respostas genuínas à metafísica eleática” elas são “tentativas obstinadas de seguir uma profissão fora de

moda.” (Barnes remete a questão para uma discussão posterior, mas sua aparição na primeira página de

um capítulo chamado “O Reavivamento Jônico” sugere que essa é sua visão.) Kirk e Raven (em KR, p.

319) forneceram uma visão diferente sobre as lições que os pensadores pré-socráticos tardios tiveram

que aprender com Parmênides. De acordo com eles, cada um dos sistemas que se seguiram a ele “era,

à sua maneira, uma resposta deliberada a Parmênides.” Segundo KR, Parmênides “parecia ... ter

estabelecido de uma vez por todas” quatro princípios que todos os cosmólogos deveriam adotar (pelo

menos até que Platão revelasse “as falácias sobre as quais eles se baseavam”). Esses quatro princípios

eram que “Ser ... não deve surgir do Não-Ser,” que o vazio é impossível, que a “pluralidade não pode

vir de uma unidade original” e que o movimento deve ser explicado ao invés de pressuposto. Esta

descrição tem sido bastante influente – estes princípios foram certa vez recitados para mim de cor por

alguém que discordava da minha descrição do pensamento pré-socrático tardio –, mas ela é

acertadamente refutada na segunda edição de The Presocratic Philosophers (KRS), onde, numa

introdução mais nuançada daqueles filósofos que constituem “A Resposta Jônica,” é afirmado que

somente o princípio de que o-que-é não pode vir do-que-não-é é aceito por todos, tanto por

Anaxágoras quanto por Empédocles, os atomistas e Diógenes de Apolônia. KRS aceitam que “a

metafísica de Parmênides dominou a filosofia jônica do século V,” mas parecem limitar sua influência

às “descobertas da Verdade [seção do poema de Parmênides] (mediadas, no caso dos atomistas, por

Melisso)” (KRS, p. 351).

24 Owen, “Eleatic,” p. 9; Barnes, PP, vol. I, pp. 156-157.

visão alternativa mais amplamente aceita, de que a Doxa (como um dualismo de

princípios opostos) representa a melhor explicação falsa que os mortais poderiam dar.25

Nestas interpretações da Doxa, os filósofos que vêm depois de Parmênides [13] não o

teriam compreendido, na medida em que se dedicaram à cosmologia e endossaram

uma pluralidade de entidades básicas e porque aceitaram os aspectos da Doxa como

modelo de uma cosmologia aceitável.26

Segundo a interpretação tradicional, ou somos obrigados a atribuir erros sérios à

compreensão de Parmênides por parte dos pensadores pré-socráticos tardios, ou temos

que afirmar que eles se sentiram livres para ignorar seus argumentos enquanto

aceitavam algumas de suas premissas sobre o-que-é.27 Embora seja possível que esta

25 Esta é a interpretação sugerida por Long em “Principles.” Eu discuto várias explicações sobre a Doxa

mais detalhadamente no capítulo III.

26 Os erros são sutilmente diferentes da explicação de Barnes, pois Barnes não aceita que Parmênides

era um monista. Porém, como a passagem citada anteriormente demonstra, Barnes claramente entende

que os pré-socráticos tardios estavam enganados ao pensar que os argumentos não refutados de

Parmênides seriam compatíveis com a prática da investigação da natureza.

27 Tarán oferece uma interpretação de Parmênides alternativa à visão de Owen e Barnes, mas

compartilha algumas de suas dificuldades. Segundo Tarán, o objeto de investigação de Parmênides é o

Ser e sua doutrina é que “o que quer que exista (seja isso o que for) só pode ter a característica da

existência mais algumas determinações estabelecidas pela razão” (Parmenides , p. 38). Parmênides seria

um monista numérico cujos argumentos demonstram que o mundo fenomênico mutável dos sentidos

é uma ilusão. Consequentemente, qualquer tentativa de explicar o surgimento da mudança e da

diferença no mundo fenomênico é fadada ao fracasso. Tarán interpreta os pensadores pré-socráticos

tardios como tentando reconciliar a descrição do Ser de Parmênides com a mudança fenomênica,

apelando para coisas básicas reais que podem ser rearranjadas. Esta proposta de reconciliação deve

fracassar porque (1) ela assume, falsamente, que mais de uma coisa existe e (2) ela ignora o argumento

de Parmênides de que o mundo da mudança fenomênica não é real. Na visão de Tarán, então, todos

os predecessores de Parmênides são refutados, assim como seus sucessores que tentam explicar o mundo

sensível. Esta descrição compartilha com a interpretação de Owen e Barnes os problemas de não

explicar o propósito da Doxa e de dar sentido para as respostas posteriores a Parmênides. Como Barnes,

Tarán deve sustentar que os pré-socráticos tardios não entenderam Parmênides, pois eles tentaram fazer

exatamente o que (na interpretação de Tarán) seus argumentos vetavam. Além disso, a explicação de

Tarán tem dificuldade com a aceitação parcial dos argumentos de Parmênides que ele pensa encontrar

nas teorias posteriores. Pois, em sua interpretação, o pluralismo dessas teorias é um problema duplo.

Primeiro, Tarán afirma que Parmênides teria defendido que o Ser é único (ele encontra a afirmação da

unicidade em B8.34-41), de modo que a simples pressuposição da pluralidade pelas teorias pluralistas

seria inconsistente com os argumentos de Parmênides. Segundo, para Tarán, a unicidade do Ser é parte

da prova de que o mundo sensível é uma ilusão. Deste modo, nesta visão, ao mesmo tempo em que

aceitam os argumentos contra a geração e a corrupção (que são parte da prova de que somente o Ser

pode ser), os pluralistas (e os atomistas) demonstram sua incompreensão de Parmênides ao tentar

explicar uma ilusão apelando para uma pluralidade impossível. O fato de aceitarem alguns dos

argumentos de Parmênides demonstra que os pré-socráticos tardios o entenderam em alguma medida

e tomaram suas ideias de modo sério, mas sua insistência em continuar se dedicando à investigação da

descrição seja uma representação precisa da história da filosofia pré-socrática tardia,

eu prefiro adotar uma visão mais favorável aos sucessores de Parmênides. Creio que a

interpretação de Parmênides oferecida neste livro permite [14] isso.28 As dificuldades

natureza (sem refutar as afirmações de Parmênides de que tal investigação é impossível) ilustra como o

seu entendimento era somente parcial. Os sucessores pré-socráticos de Parmênides não só não

entenderam a força de seus argumentos em favor do monismo, mas também falharam em perceber a

falsidade da Doxa e, pelo contrário, tomaram erroneamente a inclusão dela em seu poema como uma

sugestão de que a investigação cosmológica era tanto possível quanto aceitável. Para uma crítica da

posição de Tarán de que o objeto de investigação de Parmênides seria o Ser, ver Robinson,

“Ascertainment of the Real,” p. 628, que argumenta que o entendimento por parte de Tarán de einai

como “Ser” (e sua tradução de to eon como “Ser”) “não tem paralelo linguístico.”

28 A versão de Coxon do lugar de Parmênides na história do pensamento pré-socrático é mais ampla

do que as de Owen, Barnes e Tarán. Coxon interpreta Parmênides como crítico de teorias filosóficas

que supõem que o mundo físico é real e que a mudança, particularmente a mudança de uma “substância

primeira,” é possível (Coxon, Fragments , p. 18). Coxon nega que a polêmica de B6 seja dirigida a

pessoas comuns. Como evidência, ele cita a afirmação de Parmênides de que a rota proibida é um

caminho de investigação, além das afirmações de B8.54. Ele escolhe Anaxímenes e Heráclito como

alvos especiais. Para Coxon há também uma conexão especial com o pitagorismo na obra de

Parmênides. Ele vê Parmênides como um crítico das ideias pitagóricas, mas que é, apesar de tudo,

profundamente influenciado por elas. De fato, de acordo com Coxon, “Parmênides representa a si

mesmo no prólogo como um filósofo pitagórico enfrentando uma crise em sua carreira” (p. 170). Esta

afirmação é difícil de sustentar diante da nossa imensa ignorância a respeito dos detalhes do pitagorismo

pré-parmenidiano. Diferentemente de Tarán, Coxon adota uma leitura predicativa do esti de

Parmênides, mas, como ele, diz que seu objeto de investigação é o Ser (a discussão de Coxon a respeito

destas questões está em Fragments , pp. 19-21). O Ser ele equaciona com realidade, pois toma o poema

de Parmênides como uma tentativa de responder à questão “O que deve ser a realidade, se ela é

cognoscível pela mente humana e o que é a natureza da experiência humana?” (Fragments , p. 19). Na

visão de Coxon, a resposta de Parmênides é que o Ser deve ser imutável (e atemporal), único e

indivisível. Não é claro o que Coxon quer dizer com a afirmação de que “Ser” é o objeto de investigação

de Parmênides. Segundo Coxon, Parmênides vê “o Ser ele mesmo como o único objeto de investigação

legítimo” e considera “os predicados afirmados sobre este sujeito como nomes, não dos atributos do

Ser, mas do Ser ele mesmo.” (Fragments , p. 194; ver também as pp. 20-21). Os sucessores de

Parmênides, segundo Coxon, buscaram “evadir-se” de suas conclusões e “reestabelecer a realidade do

mundo sensível diante dos argumentos de Parmênides” (p. 22). Todos eles adotaram algumas das teses

de Parmênides, mas rejeitaram o monismo numérico. Coxon vê esta rejeição como correta, pois em

sua visão da Doxa , Parmênides defende que qualquer descrição das aparências do mundo físico não

deve ser monista, mas dualista. (É por esta razão que Coxon acusa Diógenes de Apolônia de ser um

reacionário e diz que ele “deixa transparecer uma notável insensibilidade à crítica de Parmênides”;

Fragments , pp. 185-186.) De acordo com Coxon, porém, estes pensadores erraram ao aplicar as

afirmações de Parmênides não ao Ser, mas aos elementos do mundo físico. Eu rejeito a explicação de

Coxon sobre o objeto de investigação de Parmênides (ver a resenha de Coxon por Renahan; Renahan

cita Burnet com bom efeito contra esta explicação na p. 398), bem como sua explicação da Doxa (ver

cap. III). Além disso, também para Coxon, os pensadores pré-socráticos tardios deveriam ser vistos

como não tendo apreciado completamente a força dos argumentos de Parmênides, pois eles não

argumentam contra suas conclusões, mas simplesmente afirmam, diante delas, que explicações racionais

sobre o mundo sensível poderiam ser dadas.

que eu levanto não provam que as interpretações que eu discuti são falsas. Parmênides

pode ter sido um inovador historicamente independente e um pensador muito à frente

de seu tempo. Os pensadores pré-socráticos tardios podem não ter compreendido a

força de seus argumentos ou terem se sentido livres para ignorá-los. Entretanto, penso

que uma interpretação que acomoda mais seguramente as teses de Parmênides na

história da filosofia pré-socrática e que não atribui aos pensadores pré-socráticos

tardios uma incompreensão fundamental dos argumentos de Parmênides ou uma

aceitação incompleta de suas doutrinas é tanto desejável quanto possível.29 Neste livro,

eu defendo uma explicação alternativa de Parmênides [15] e da história do

pensamento pré-socrático tardio. Rejeitando a tese de que o esti de Parmênides é

existencial, eu defendo que o interesse de Parmênides é explorar a natureza de

entidades metafísicas básicas em uma explicação do mundo conforme o relato dos

sentidos, um interesse em que a Doxa tem um importante papel. Em minha visão,

Parmênides está engajado em uma análise metafísica da possibilidade do tipo de

investigação da natureza a que se dedicaram seus predecessores e suas conclusões são

de grande interesse e importância para os filósofos que vieram depois dele. Sua obra

se encontra, assim, firmemente assentada na tradição do pensamento filosófico e da

investigação pré-socrática. Uma vez que, como eu afirmo, Parmênides não era um

monista numérico (embora ele tenha sido, sim, um monista de outro tipo, adotando

o que eu chamo de monismo predicativo), o pluralismo das teorias posteriores não é

uma dificuldade que precisa ser superada ou explicada. Com efeito, eu considero este

pluralismo como evidência da minha explicação de Parmênides, junto com a

preocupação que os pré-socráticos tardios têm em mostrar que suas substâncias básicas

são entidades genuínas que atendem aos critérios parmenidianos. Além disso, eu

defendo que há uma lição positiva a ser extraída da Doxa. Embora seja enganosa, ela

serve como modelo para uma explicação bem-sucedida do mundo conforme o

29 Pode ser sugerido que a afirmação do pluralismo numérico diante de um argumento sobre o-que-é

que resulta em monismo numérico é menos uma incompreensão do que uma rejeição frontal a esta

parte dos argumentos de Parmênides. Explicações pluralistas poderiam então demonstrar as falhas do

argumento de Parmênides simplesmente fornecendo descrições pluralistas do mundo sensível. No

entanto, eu discutirei que o monismo numérico (se é que ele pode ser encontrado em Parmênides) é

uma consequência da rejeição do-que-não-é. Os sucessores de Parmênides não podem

consistentemente se recusar a aceitar somente [15] esta parte do seu argumento e ao mesmo tempo

aceitar suas premissas básicas a respeito do-que-é. Portanto, eu afirmo que, para aqueles que defendem

que Parmênides é um monista numérico, seus sucessores ou teriam falhado seriamente em

compreender os argumentos de Parmênides, ou eram péssimos em lógica. Eu prefiro evitar ambas as

conclusões, se possível.

relatado pelos sentidos. Todos estes aspectos de interpretação se combinam e

permitem uma explicação das teses de Parmênides e de seu papel na história do

pensamento pré-socrático que reconhece tanto sua imensa importância para a filosofia

pré-socrática (e platônica), quanto o vê como parte da tradição pré-socrática, alguém

que está ciente de seus predecessores e os critica, além de colocar importantes

problemas filosóficos para seus sucessores.

2. CRONOLOGIA

Nenhuma área dos estudos pré-socráticos está livre de controvérsias. Uma das

questões mais disputadas é a da ordem cronológica dos filósofos que vieram depois de

Parmênides. As evidências que possuímos (de fontes como Apolodoro e Diógenes

Laércio) em geral não ajudam muito e há poucas datas fixas que podem ser usadas

como referência. Deste modo, devemos contar primariamente com evidências

internas, as quais são notoriamente difíceis de decifrar e são particularmente sujeitas a

interpretações conflitantes. Neste livro eu assumi uma sequência para os pensadores

pré-socráticos que eu discuto, mas não quero dizer com isso que esta seja a única

sequência possível. Nesta seção, quero discutir a cronologia por mim adotada.

No Parmênides , Platão descreve um encontro entre Sócrates e Parmênides, que,

junto com Zenão, teria ido a Atenas para o festival da Grande [16] Panateneia. No

diálogo, Platão diz que Parmênides tinha por volta de sessenta e cinco anos, Zenão,

quarenta, e Sócrates era muito jovem (Prm. 127b3-4; c4-5). 30 Considerando o

nascimento de Sócrates como tendo ocorrido por volta de 470 a.C., o encontro deve

ter acontecido na época da Grande Panateneia de 450.31 Isto colocaria o nascimento

de Parmênides em torno do ano 515. Infelizmente, saber a possível data de nascimento

de Parmênides não ajuda a estabelecer a época de sua obra filosófica, nem quando esta

obra ficou disponível para outras pessoas (a não ser que adotemos uma convenção

como a de Apolodoro e posicionemos a acmē de alguém no seu 40º aniversário). Não

obstante, parece razoável pensar que o poema de Parmênides tenha sido escrito por

30 Embora haja razões para duvidar que as teses atribuídas a Parmênides no diálogo reflitam de modo

preciso as do Parmênides histórico (ver cap. VI, seção 2), não me parece haver muitas razões para

desconfiar das prováveis idades atribuídas por Platão a Parmênides e Zenão.

31 Ver Allen, Parmenides , p. 64. O festival ocorria em agosto.

volta do fim dos primeiros 25 a 30 anos do quinto século. Isto colocaria Parmênides

depois de Xenófanes, Pitágoras e Heráclito.32

Algumas pessoas encontram respostas a Xenófanes ou ao pitagorismo na obra de

Parmênides. Heráclito, com sua teoria da unidade dos opostos e seu interesse em

distinguir as coisas de acordo com a natureza é, a meu ver, uma influência mais

importante.33 Michael Stokes afirma que Heráclito não tinha importância nenhuma

para Parmênides e que considerações a respeito das teses heraclitianas são irrelevantes

para o entendimento de Parmênides. Sua posição se baseia na rejeição da tese de que

um dos dois caminhos repudiados em Parmênides B6 deve ser identificado com

teorias que remontam a Heráclito.34 A visão de Stokes se baseia em sua própria leitura

de B6 e na afirmação de que Parmênides pode ser compreendido independentemente

de quaisquer considerações a respeito das teses de Heráclito. Recentemente, as teses

de Stokes foram desafiadas por Daniel Graham, que mostrou que há um grande

número de paralelos literários entre Parmênides e Heráclito e que esses paralelos

sugerem que Parmênides conhecia a [17] obra de Heráclito.35 Graham defende ainda

que há boas razões filosóficas (além de considerações sobre B6) para ler Parmênides

sob a luz de teses heraclitianas. Eu afirmo que a leitura de B6 sugerida por Owen, que

Stokes aceita e usa como evidência para suas afirmações contra a influência de

32 Sobre as datas de Xenófanes, ver Lesher, Xenophanes , p. 3; sobre Heráclito, ver Kahn, Art and

Thought , p. 1.

33 KRS afirmam que há “ecos, não meramente verbais, da teologia e da epistemologia de Xenófanes em

Parmênides” e sugerem que Parmênides poderia estar imitando Xenófanes quando ele resolve escrever

em versos hexâmetros (p. 241). Coxon vê Parmênides como apresentando uma “revisão radical” da

teologia de Xenófanes (Fragments , p. 18). Em geral se concorda que a afirmação de Platão de que

Parmênides era um seguidor de Xenófanes (Sph. 242d4-6) é exagerada. Coxon dá mais ênfase à

conexão pitagórica (Fragments , p. 18), mas diante de nossa ignorância a respeito dos detalhes da teoria

pitagórica pré-parmenidiana, este tipo de afirmação é difícil de avaliar.

34 Stokes, One and Many, pp. 109-127. Stokes afirma que tratar Parmênides e Heráclito de modo

independente se justifica “mesmo se Parmênides conhecesse Heráclito, pelo menos até que se prove

(como nunca foi feito) que Parmênides teria escrito uma única sílaba sequer diferentemente caso

Heráclito nunca tivesse aberto sua boca ou colocado sua pena sobre um papiro” (ibid., p. 127).

35 Graham, “Heraclitus and Parmenides,” apresentado no encontro de outubro de 1994 da Society for

Ancient Greek Philosophy, Binghamton, NY. Sou grata ao prof. Graham por me enviar uma cópia de

seu artigo ainda não publicado e por me permitir referir a ele. Eu também defendi em outras

publicações (“Monism” e “Deception”) que Heráclito exerceu influência importante sobre Parmênides.

Heráclito, não é a melhor maneira de entender esta passagem.36 Deste modo, irei

defender que não há boas razões para aceitar a tese de Stokes de que Parmênides pode

ser considerado de modo independente de Heráclito (e, incidentalmente, de todos os

outros filósofos pré-socráticos). Eu sugiro que Heráclito e outros dentre os primeiros

pensadores pré-socráticos foram muito importantes para Parmênides e que é

esclarecedor pensar nele como trabalhando dentro de uma tradição de teses sobre o

que existe e sobre como podemos entender o mundo conforme relatado pelos

sentidos.

É com os pré-socráticos pós-parmenidianos que surgem as verdadeiras dificuldades

cronológicas. Primeiro, há o problema das relações entre Anaxágoras, Empédocles e

Zenão. Depois, Leucipo, Demócrito, Melisso e Diógenes de Apolônia devem ser

incorporados ao esquema. Muitos destes pensadores foram contemporâneos e

qualquer ordem de discussão (implicando uma ordenação cronológica) pode levantar

questões e objeções. Apesar da dificuldade em fixar a cronologia, eu assumo que

Anaxágoras escreveu antes de Empédocles.37 Além disso, considero que Zenão está

reagindo a teses que podem ser encontradas tanto em Anaxágoras quanto em

Empédocles.38 A visão usual é de que os atomistas estariam respondendo a Zenão, ao

fazer suas entidades básicas indivisíveis, e também a Melisso, cujo fragmento B8 é, às

vezes, (falsamente, eu direi) tomado como sanção a uma tese semelhante à teoria

atômica, que faz cada unidade básica (ou cada átomo, no caso atomista) ser como o

Um de Melisso. Mas Melisso [18] parece estar argumentando contra o atomismo

36 Em seu influente artigo “Eleatic Questions,” Owen defende que Parmênides é melhor entendido se

lido de modo independente da tradição pré-socrática. Eu argumento contra a visão de Owen no cap.

I. Sobre B6, ver cap. I, seção 3.

37 Ao colocar Anaxágoras antes de Empédocles, sigo O’Brien, que defende que “Empédocles escreveu

depois de Anaxágoras e foi influenciado por ele.” Para a defesa desta tese por O’Brien, ver “Relation”;

a passagem citada está na p. 113. O’Brien, em relação a esta tese, tem a companhia de Schofield, Essay,

p. 35, n. 86 (Schofield também coloca Anaxágoras antes de Zenão, pp. 80-82); de Sider, Anaxagoras ,

pp. 5-6, que concorda com as datas relativas de Anaxágoras e Empédocles; de Kahn em “Historical

Position”; de Inwood em seu Empedocles ; e por Furth, em “Anaxagoras.” Wright inverte a cronologia,

colocando Empédocles primeiro. Ela vê Anaxágoras respondendo a Empédocles e Zenão. Mansfeld

defende vigorosamente a prioridade da obra de Empédocles em “Chronology.” Woodbury, em

“Anaxagoras in Athens,” responde a Mansfeld, mostrando que as evidências da presença de Anaxágoras

em Atenas o colocam antes de Empédocles.

38 Furley examina a possibilidade de que Zenão estivesse atacando Anaxágoras (“Anaxagoras in

Reponse,” esp. pp. 58-62), enquanto Longrigg degende que Zenão responde a Empédocles (“Zeno’s

Cosmology?”).

quando ele nega a realidade do vazio. Uma solução para a dificuldade é ver Melisso

como estando talvez entre Leucipo e Demócrito, atacando certos aspectos da versão

de Leucipo do atomismo, ao passo que Demócrito estaria defendendo o atomismo

contra os argumentos de Melisso.39 Minha discussão sobre Melisso se encontra no fim

do capítulo em que trato com o atomismo, de modo a permitir esta possibilidade, mas

isto não implica que eu queira dizer, com isso, que estou certa de que está é a ordem

correta. Filolau e Diógenes de Apolônia (os quais podem ter sido mais ou menos

contemporâneos de Melisso) eu discuto no último capítulo do livro.40 O ordenamento

dos filósofos pós-parmenidianos por mim selecionado não é definitivo, mas também

não é arbitrário. Embora evidências internas, como citações aproximadas ou

compromissos filosóficos possam ser bastante escorregadias, eu tenho razões para as

posições que assumi e, ao longo do livro, pretendo defender minhas afirmações sobre

influência e cronologia.

3. O PROÊMIO

O poema de Parmênides, escrito em versos hexâmetros, começa com uma introdução

que descreve a jornada de um jovem, um kouros , para encontrar uma deusa.41 Esta

deusa se dirige a ele dizendo que é justo que ele “aprenda todas as coisas” (B1.28: χρεὼ

δέ σε πάντα πυθέσθαι) e seus ensinamentos constituem o restante do poema.42 Este

39 Sobre a possibilidade de Leucipo anteceder a Melisso, ver Klowski. Tanto Barnes (PP, vol. II, pp.

40-75) quanto Solmsen (“Abdera’s Arguments”) defenderam que o comprometimento do atomismo

com o vazio é uma resposta aos argumentos sobre a divisibilidade de Zenão e que o argumento de

Melisso contra o movimento e o vazio são dirigidos contra a posição atomista. Por outro lado, Tannery

diz que Melisso não conhecia as obras de Empédocles, Anaxágoras e dos atomistas (l’Histoire ; a

discussão de Tannery sobre Melisso está nas pp. 271-283). Temos relatos de que Melisso comandou a

frota sâmia que derrotou Péricles em 441, mas não sabemos a idade de Melisso naquela época, nem se

ele já tinha terminado, estava trabalhando ou tinha recém iniciado sua obra filosófica.

40 Huffman põe Filolau depois de Anaxágoras e Empédocles (Philolaus , p. 9). Filolau nasceu por volta

de 470 e Huffman acredita que sua obra circulou não antes de 440. Deste modo, os escritos de

Anaxágoras e Empédocles podem ter precedido os dele. Os argumentos de Diller defendendo que

Melisso estava atacando tanto Leucipo quanto Diógenes de Apolônia têm sido rejeitados

veementemente. Mas KRS concordam (p. 437, n. 1) que “a cronologia destes três pensadores é

reconhecidamente solta o suficiente para permitir que eles estivessem todos ativos, como sugere Diller,

na década de 440-430 a.C.”

41 Diógenes Laércio lista Parmênides entre os filósofos que deixaram apenas uma obra (Lives , I.16).

Sobre o termo kouros como tendo um significado religioso especial, ver Burkert, “Proömium.”

42 Sobreviveram cerca de 150 linhas do texto grego. Há um número de fragmentos que são partes de

linhas ou (no caso de B15a) uma única palavra. B18 sobreviveu em uma tradução latina e há uma

passagem no Teeteto de Platão (180e1) que, segundo Cornford, constitui um fragmento separado. Eu

fragmento de abertura, com sua história de éguas, uma biga (de eixo brilhante e

ressonante), virgens (filhas do sol), a Casa da Noite, os Portões dos caminhos da Noite

e do Dia (completos com uma descrição detalhada de seus postes, portas e das chaves

para abri-los), guardados pela “Justiça polivingadora” (Dikē polupoinos ), tem sido ora

analisado exaustivamente, ora ignorado pelos comentadores.43 A aparente influência

de Homero e Hesíodo no proêmio tem sido catalogada, mas não existe um consenso

geral sobre como o fragmento 1 deve ser interpretado.44 Parece claro que o proêmio

tem um aspecto alegórico, mas não é tão claro sobre o que seria esta alegoria.45 Alguns

comentadores têm visto a jornada como sendo destinada à luz e ao esclarecimento.

Outros, como um progresso ao longo da estrada para a Casa da Noite. Mas, apesar das

afirmações em contrário, a topografia do proêmio é confusa, e não me parece claro

para onde o kouros teria ido.46 Além disso, existem dificuldades para decifrar os

elementos alegóricos: aludem eles à seção da Doxa ou da Alētheia do poema? Se eles

tiverem que ser interpretados à luz da Doxa, permanece a questão de por que

Parmênides teria incluído, bem no início do seu poema, referências alegóricas à parte

da obra que, segundo a maioria dos comentadores, seria inteiramente falsa. Embora

discuto o fragmento de Cornford no cap. II, n. 72. Sobre a tradição de manuscritos, ver Coxon,

Fragments , pp. 1-7.

43 Para uma discussão a respeito das várias interpretações de B1, ver Fränkel, “Studies,” pp. 1-14 e Early

Greek, pp. 351-353; Bowra, “Proem”; Verdenius, “Parmenides’ Conception”; Mansfeld, Offenbarung,

chap. IV, pp. 222-273; Tarán, Parmenides , pp. 22-31; Guthrie, HGP, vol. II, pp. 6-13; e Bormann, pp.

56-69. Para interpretações mais recentes, ver (entre outros) Burkert, “Proömium”; Furley, “Notes”;

Coxon, Fragments , pp. 153-171; Bollack, “Cosmologies”; Laks, “Proem.” Barnes, por sua vez, faz o

seguinte comentário sobre a porção da jornada no proêmio (linhas 1-27): “O proêmio começa com

um longo prólogo alegórico, cuja interpretação é, em sua maior parte, de pouca importância filosófica”

(PP, vol. I, p. 156). Floyd (“Verse”) relaciona o proêmio ao propósito de Parmênides ao escrever em

verso. De acordo com Floyd, o uso do verso permite que Parmênides inclua tanto a verdade quanto a

opinião na mesma obra.

44 Sobre a influência de Homero e Hesíodo, ver Havelock, “Parmenides”; Schwabl, “Hesiod und

Parmenides”; Mourelatos, Route , cap. 1; Pellikaan-Engel; Pfeiffer; e Coxon, Fragments . Kigsley vê

uma influência babilônica (Ancient Philosophy, pp. 54-55 and pp. 392-393); outros, incluindo

Burkert, têm visto uma influência da tradição órfica.

45 Sexto Empírico descreve uma interpretação alegórica antiga em M. VII.112-114. Laks (“Proem”)

apresenta um tratamento abrangente das interpretações alegóricas. (Sou grata ao professor Laks por me

permitir utilizar e me referir a seu artigo ainda não publicado.)

46 Sobre a primeira visão, ver Fränkel, “Studies,” pp. 5-6. Sobre a outra, ver Morrison, “Er”; Burkert,

“Proömium”; e Furley, “Notes.” Ver também Coxon, Fragments , pp. 13-17, que diz que “a jornada

para a deusa é uma antecipação da morte” (p. 16). Mourelatos defende (Route , pp. 15-16) que “a

conclusão honesta de tudo isso é que a topografia da jornada é irreconhecivelmente nebulosa.” Ver

também Fränkel, “Studies,” p. 5: “não há uma rota que possa ser localizada.”

seja possível encontrar relações com outras formas da poesia grega antiga, suspeito

que, para certos elementos do proêmio, nenhuma interpretação poderá ser aceita com

segurança. As evidências relativas às fontes deste aspecto do pensamento de

Parmênides e a outras formas antigas de alegoria é escassa demais para conferir

certeza.47

[20] Mas este pessimismo em relação ao significado alegórico da jornada do kouros

não deve gerar desconfiança a respeito de outras afirmações sobre o proêmio. As linhas

de abertura do poema compartilham com outras formas da poesia do tempo de

Parmênides uma representação do processo de inspiração, junto com um recurso à

autoridade divina para as verdades que o poema como um todo irá declarar a seus

ouvintes e leitores.48 Parmênides, assim como outros poetas de sua época, atribui ao

divino a inspiração que permitiu que ele tivesse as ideias que são transmitidas no corpo

do poema. Mas, diferentemente de outros apelos pré-parmenidianos às Musas e de

outras representações de inspiração divina, o poema inspirado de Parmênides é uma

obra de filosofia.49 Isto pode parecer minar um pouco a força de seus argumentos, mas

a própria deusa não dá nenhuma evidência de que haja qualquer conflito entre sua fala

inspirada dirigida a Parmênides e o uso do pensamento e do julgamento racional. É a

própria deusa, afinal, quem diz ao kouros (em B7.5-6) para “julgar pela razão a mui

contestada prova” (κρῖναι δὲ λόγῳ πολύδηριν ἔλεγχον) que ela lhe presentou.50 Há

uma diferença entre apelar para uma deusa como fonte de inspiração e usar da

47 Um grande obstáculo para entender isso é a nossa falta de evidências sobre o pensamento pitagórico

pré-parmenidiano. Coxon defende uma influência pesada do pitagorismo sobre Parmênides e ele [20]

pode mesmo estar correto. Mas há tão pouca evidência que é muito difícil assumir qualquer detalhe

com segurança quando se trata da influência dos pitagóricos sobre Parmênides.

48 Para uma discussão destas questões, especialmente a respeito das similaridades com outros registros

de inspiração poética, ver Lesher, “Significance.” Lesher defende que, apesar de não haver nenhum

manuscrito que autorize a leitura de astē na linha B1.3 (como Coxon apontou em 1968), há boas razões

para pensar que ela possa, de fato, originalmente ter sido escrita assim: κατὰ πάντ’ ἄστη. Lesher

também formula claramente e discute o aparente problema de se recorrer à autoridade de uma deusa

para garantir argumentos filosóficos (ver esp. pp. 16-19).

49 Há razões para pensar que nos faltam as linhas iniciais de qualquer um dos poemas de Xenófanes, de

modo que não sabemos se ele também não incluía introduções como essa em seus poemas filosóficos

(nem sabemos se é possível distinguir textos estritamente filosóficos no interior da obra de Xenófanes).

Também não sabemos se tal recurso à autoridade divina era uma prática padrão entre os pitagóricos.

Empédocles invoca as Musas (em B3, B4 e B131), mas ele pode estar simplesmente seguindo

Parmênides, ao invés de uma tradição filosófica anterior.

50 Sobre esta tradução de B7.5-6, ver o cap. I, nn. 107 e 109. Eu discuto mais o papel do argumento na

obra de Parmênides em “Eleatic Arguments.”

autoridade divina como justificativa para o que alguém diz. O apelo de Parmênides

cai mais dentro da primeira classificação do que da segunda. Apesar de representar o

kouros como o receptor da história contada pela deusa, Parmênides não o apresenta

como um ouvinte passivo do que a deusa tem para dizer. Ela o exorta a assumir o

controle do seu noos e a julgar por si mesmo as afirmações que ela faz.51 A inspiração

divina pode ter sido necessária para que Parmênides obtivesse suas ideias, mas é só o

julgamento e o pensamento filosófico aplicado que poderá lhe mostrar se aquelas

ideias são verdadeiras.52

[21] Seja qual for o cenário do proêmio, uma das coisas que são claras é sua distância

do mundo cotidiano da vida humana. A deusa enfatiza isso em sua saudação ao kouros ,

descrevendo (em B1.27) a rota pela qual ele chegou até ela como estando “longe do

caminho assentado pelos seres humanos” (ἢ γὰρ ἀπ’ ἀνθρώπων ἐκτὸς πάτου ἐστὶν).

Para alcançar a deusa, a biga teve que viajar até os portões dos caminhos do Dia e da

Noite e, depois de passar por esses portões, seguir viagem pela estrada até encontrar a

deusa que narra a história (B1.20-21). O cenário distante (onde quer que ele seja) do

encontro entre o kouros e a deusa, os detalhes das filhas do sol e dos grandes portões,

e a presença da própria deusa se combinam para indicar que esta não é uma jornada

comum e que a história que Parmênides conta também não é uma história comum. A

narrativa da deusa será sobre a investigação filosófica, o conhecimento e seu objeto,

mas o cenário sugere que os métodos usuais de investigação, adotados por aqueles que

a deusa chama de mortais, não serão adequados para avaliar ou utilizar a informação

que ela irá oferecer.

Depois de saudar e incentivar o kouros, a deusa lhe diz o que ele irá aprender dela:

51 Sobre o contraste entre a passividade do kouros durante o passeio de biga e a exortação que lhe faz a

deusa quando começa seu relato, ver Lesher, “Parmenides’ Critique,” p. 29. Eu discuto mais estas

questões no cap. I, seção 2; ver também a n. 72 naquele capítulo.

52 Qualquer leitor de Hesíodo saberá que as Musas podem confundir se elas assim o quiserem. Ver a

afirmação das Musas em Th. 27-28: ἴδμεν ψεύδεα πολλὰ λέγειν ἐτύμοισιν ὁμοῖα, ἴδμεν δ’ εὖτ’ [21]

ἐθέλωμεν ἀληθέα γηρύσασθαι (Sabemos dizer muitas coisas falsas semelhantes à verdade, mas quando

queremos sabemos dizer a verdade). Em seu comentário sobre a Teogonia , West nota a similaridade

entre a descrição que as Musas fazem de si mesmas e o retrato de Odisseu em Od. XIX.203. A afirmação

das Musas é frequentemente invocada em explicações sobre por que a deusa teria incluído tanto a

Alētheia quanto a Doxa em seu relato. Mas se (como sugere Hesíodo) o engano divino é possível, então

as afirmações da deusa deveriam ser submetidas à verificação independente da razão.

. . . χρέὼ δέ σε πάντα πυθέσθαι

ἠμὲν ἀληθείης εὐπειθέος53 ἀτρεμὲς ἦτορ

ἠδὲ βροτῶν δόξας, ταῖς οὐκ ἔνι πίστις ἀληθής.

ἀλλ’ ἔμπης καὶ ταῦτα μαθήσεαι, ὡς τὰ δοκοῦντα

χρῆν δοκίμως εἶναι, διὰ παντὸς πάντα περ ὄντα.54 (B1.28-32)

. . . é justo que aprendas todas as coisas,

tanto o coração inabalável da verdade bem persuasiva

quanto as opiniões dos mortais, nas quais não há crença verdadeira.

Não obstante, aprenderás também estas coisas, como se fosse correto que

as coisas que parecem sejam de modo confiável, sendo, de fato, a totalidade das coisas.

Ao prometer que o kouros aprenderá “todas as coisas”, a deusa, com efeito, assegura

um relato completo tanto do que é verdadeiro, quanto do que é [22] considerado (por

engano) pelos mortais como verdadeiro. Mais adiante, em B8 (linhas 60-61), ela dirá

ao kouros que ele aprenderá as crenças dos mortais para não ser nunca surpreendido

ou enganosamente persuadido por elas. Em B1 não há uma afirmação clara da

natureza da verdade persuasiva que a deusa irá declarar, mas as linhas 31-32 (que

relatam o erro dos mortais) oferecem uma pista, especialmente quando consideradas

à luz de B1.29, que promete o relato de uma verdade persuasiva.55

De acordo com a deusa, o erro dos mortais está em pensar que as coisas que parecem

(ta dokounta), o que quer que elas sejam, são de modo confiável ou genuíno. Dokimōs

aqui deve significar algo como “genuinamente” ou “de modo confiável.” 56 Isso

implica que algo é dokimōs somente quando foi certificadamente atestado ou passou

por testes específicos, pois uma dokimasia é um exame ou julgamente. Aquilo que é

de modo confiável é algo que passou (ou poderia passar) por algum teste para o que é

e, assim, sendo de modo confiável, poderia, portanto, se qualificar como uma “verdade

53 Para εὐπειθέος ao invés de εὐκυκλέος, sigo os argumentos de Mourelatos; ver, Route , pp. 154-156,

com a n. 50 (que lista posições contrárias e favoráveis a esta leitura). Ver também Coxon, Fragments ,

p. 168 e Finkelberg, “Parmenides’ Foundation,” p. 65. Tarán, Guthrie e Bormann seguem DK in

reading εὐκυκλέος.

54 Seguindo Owen, eu leio aqui περ ὄντα ao invés de περῶντα. Ver cap. III, nn. 48 e 52.

55 Para o argumento de que estas linhas contêm a descrição da deusa do erro dos mortais, ver Owen,

“Eleatic,” pp. 3-9. Embora eu discorde da tese de Owen de que a Doxa é inexoravelmente falsa (ver

cap. III), eu aceito sua descrição a respeito destas linhas do proêmio.

56 Owen, “Eleatic,” p. 6: “onde dokimōs é atestada em outros lugares (Ésquilo, Persae 547; Xenofonte,

Cyr. 1.6.7), os léxicos e os editores corretamente a traduzem como ‘realmente, genuinamente’ . . . .

Dokimos é o homem confiável.”

bem persuasiva” (ἀληθείης εὐπειθέος).57 Os mortais estão errados em tomar as coisas

que parecem (ta dokounta) como sendo genuinamente reais. O que eles creem ser

verdadeiro é, na verdade, falso. Seu erro pode ser resultado da falha em compreender

os testes para o ser confiável, de modo que eles confundem coisas que meramente

parecem com coisas que são genuinamente, ou eles podem ser até mesmo tão sem

critério ao ponto de pensar que não existem tais testes.58 B7, com suas referências aos

órgãos da experiência sensória, indica que os mortais são enganados pela percepção

sensível ao tomar como reais aquilo que eles percebem, enquanto B1.32 sugere que

este erro ocorre porque os mortais confundem ta dokounta com a totalidade das

coisas. Ta dokounta não são apenas as coisas que podem ser percebidas pelos sentidos.

Os mortais, pensando que a experiência sensível é um guia confiável para o que é real,

tomam ta dokounta como constituintes da natureza das coisas, sem perceber que o

que é genuinamente real pode não estar disponível somente pela percepção sensória.

Ao prometer ensinar ao kouros “todas as coisas”, a deusa se põe a declarar para ele

o que é preciso saber para evitar os erros dos mortais. Ele precisa aprender o que é,

para algo, o ser confiável e também precisa aprender tanto os critérios de

confiabilidade quanto os testes que o permitirão investigar e avaliar as diversas

afirmações do ser confiável, ou do-que-é. De [23] modo a poder ensinar ao kouros

estas coisas, a deusa, então, precisa conduzir uma investigação completa a respeito doque-

é, mostrando a ele como deve se perguntar pelo-que-é e o que ele deve buscar

enquanto faz isso. Seus ensinamentos, como aparecem nos argumentos de

Parmênides, serão relatados no decorrer do poema. Eles e sua influência sobre o

pensamento pré-socrático tardio são o assunto do restante deste livro.

57 Sobre a conexão entre ser de modo confiável e o qualificar-se como uma verdade bem persuasiva,

ver Lesher, “Parmenides’ Critique” e “Philosophical Interest”.

58 As linhas B1.31-32, portanto, contêm um primeiro contraste entre parecer e ser; ver também

Xenófanes B34 e B35.

Revisão das 17h56min de 17 de outubro de 2015

"Divisor de bens e de posses

o amargo e cruel ferro."

(Ésquilo, Se. 729-30)

Filomena e Procne

[3] PARMÊNIDES DE ELEIA é considerado, de maneira geral, o mais importante e

influente dos filósofos pré-socráticos. 1 Com sua rejeição a o-que-não-é e seu

compromisso com o monismo, Parmênides lançou um desafio que mudou a natureza

do pensamento pré-socrático. O próprio Platão, através do Estrangeiro de Eleia,

personagem do Sofista, refere-se a ele como o “pai Parmênides” e sugere que uma

reavaliação de suas teses poderia ser considerada como um tipo de parricídio (241d3).

A interpretação atualmente dominante de Parmênides (pelo menos entre os filósofos

de língua inglesa) vê a filosofia pré-socrática anterior a Parmênides como um

conjunto de tentativas de fazer aquilo que Parmênides afirma não poder ser feito, ao

passo que o pensamento pré-socrático posterior seria composto de uma série de

esforços no sentido de salvar a investigação da natureza da rejeição parmenidiana da

mudança e de seu monismo. Frequentemente se argumenta que, se Parmênides estiver

correto, então a filosofia e a ciência (como os primeiros cientistas-filósofos da Grécia

a entendiam) são impossíveis. Porém, a despeito dos argumentos de Parmênides, os

pré-socráticos tardios continuaram a propor sistemas cosmológicos para explicar o

mundo segundo o relato da experiência sensível. Se estes pensadores realmente

entenderam Parmênides e se sua influência era tal como afirma a interpretação

tradicional, como eles podiam continuar fazendo isso?

As descrições até agora predominantes a respeito do pensamento pré-socrático

tardio têm falhado em explicar de forma adequada um aspecto importante das visões

destes pensadores. Pois, apesar de serem muito diferentes entre si, as principais

respostas que foram dadas a Parmênides – o atomismo, o pluralismo e a teoria

platônica das formas – compartilham uma característica comum: todas elas postulam,

para explicar o mundo segundo o relato dos sentidos, uma pluralidade numérica de

entidades fundamentais sem, no entanto, apresentar um argumento que a justifique.

Mas se o monismo numérico resulta dos argumentos de Parmênides sobre o-que-é e

se do monismo e dos argumentos a respeito da mudança resulta que a ciência é

impossível, então as teorias pluralistas não podem derrubar ou evitar as conclusões de

1 Sigo a convenção de se referir aos primeiros filósofos gregos como pré-socráticos, embora muitas das

figuras que eu discuta estavam ativas durante a vida de Sócrates, não sendo pré-socráticas neste sentido.

A convenção nos permite tomar um grupo particular de pensadores de modo relativamente fácil e,

uma vez que a discrepância cronológica seja considerada, ela provê uma nomenclatura útil para se

referir a este grupo.

Parmênides simplesmente postulando sem justificativa a pluralidade de entidades

básicas, como eles parecem fazer. O silêncio geral sobre o monismo numérico entre

os pré-socráticos tardios é sugestivo. Os primeiros filósofos gregos não eram

exatamente tímidos quanto a dar voz a discordâncias (ver, por exemplo, Heráclito

B40, B42, B129 e o próprio Parmênides em B6 e B7). Enquanto tanto Anaxágoras

quanto Empédocles [4] deixam clara sua insatisfação com aqueles que afirmam que

existe geração e ambos insistem na realidade genuína de suas entidades básicas,

nenhum dos dois argumenta contra o monismo ou a favor do pluralismo numérico.

Antes, eles assumem que a uma pluralidade de entidades básicas é metafisicamente

aceitável.2 Assim, segundo a leitura tradicional da história da filosofia pré-socrática,

pluralistas e atomistas evitam a questão de Parmênides, embora a maior parte das

interpretações do pensamento pré-socrático descarte o silêncio sobre o monismo de

Parmênides como um aspecto menor dessas teorias. 3 Mas se os argumentos de

Parmênides resultam em monismo, eles não podem ser simplesmente ignorados, nem

se pode adotar o restante de seu sistema de modo legítimo ao abraçar o pluralismo. A

noção de que Parmênides era um monista é normalmente baseada na interpretação

existencial do “ser” em Parmênides. Neste sentido, quando Parmênides afirma que

somente o caminho “do que é” é um caminho aceitável de investigação, seu objeto

deve ser tomado como o que quer que possa ser pensado ou estudado, de modo que

sua afirmação será: o que quer que possa ser legitimamente investigado existe. Além

disso, estes argumentos têm o intuito de demonstrar que somente uma coisa como

esta existe.4

Este livro oferece uma abordagem alternativa a respeito das teses de Parmênides e

de sua influência sobre o pensamento pré-socrático tardio, especialmente sobre o

pluralismo e o atomismo, no período imediatamente precedente à teoria das formas

de Platão. Ele desafia o que se fixou como explicação tradicional relativa ao

2 A pluralidade é presumida até Diógenes de Apolônia, o qual acredito ter sido influenciado pelo

argumento de Melisso em favor do monismo numérico. Eu discuto os argumentos de Melisso no cap.

V, seção 4.

3 Ver, por exemplo, as discussões em volumes tradicionais de história da filosofia como KRS ou Guthrie,

HGP, vol. II. A questão é descartada normalmente pela afirmação de que os argumentos de Parmênides

em favor do monismo numérico são fracos (embora nem sempre seja claro em que ponto os

comentadores pensam que está sua fraqueza) e assim podem ser tranquilamente ignorados pelos présocráticos

tardios.

4 Ver, por exemplo, o influente “Eleatic Questions” de Owen.

desenvolvimento do pluralismo (nas teorias de Empédocles e Anaxágoras) e do

atomismo (adotado por Leucipo e Demócrito). Esta interpretação alternativa põe

Parmênides firmemente no seio da tradição da investigação acerca da natureza no

pensamento pré-socrático, sustentando que ele estava interessado no mesmo tipo de

problema que tinha ocupado seus predecessores (muito embora sua preocupação

tenha assumido uma forma diferente). Além disso, esta abordagem explica como as

doutrinas metafísicas e cosmológicas de Parmênides tiveram influência decisiva sobre

seus sucessores e também como elas foram usadas e modificadas pelos eleatas

posteriores, Zenão e Melisso.

No decorrer do livro, irei apresentar argumentos contra a interpretação mais

prevalecente do monismo parmenidiano e a explicação usual do “ser” de Parmênides.

Ao invés disso, defenderei que o objeto da investigação de Parmênides é o que é ser a

natureza genuína de algo, ligando-o assim às pesquisas sobre a natureza de seus

predecessores filosóficos. Deste ponto de vista, o “ser” que interessa a Parmênides é

mais um “ser” predicativo de um tipo particularmente forte do que um “ser”

existencial. Admito que Parmênides seja um monista, mas nego que ele seja um

monista numérico. Antes, [5] afirmo que Parmênides está comprometido com o que

eu chamo de monismo predicativo.5 O monismo numérico afirma que existe somente

uma única coisa: uma lista completa de todas as entidades do universo teria apenas um

único item. Este é o tipo de monismo que tem sido tradicionalmente atribuído a

Parmênides e (corretamente) a Melisso. O monismo predicativo é a afirmação de que

cada coisa que é só pode ser uma única coisa e deve ser isso de um modo

particularmente forte. Para ser uma entidade genuína, algo que seja metafisicamente

básico, uma coisa precisa ser uma unidade predicativa, um ser de um único tipo

(mounogenes , como diz Parmênides em B8.4), com um único discurso a respeito do

que ela é, mas não é necessariamente o caso que exista somente uma única coisa desse

tipo. O que é necessariamente o caso é que a coisa ela mesma deve ser um todo

unificado. Se ela é, digamos, F (o que quer seja F), ela deve ser total, somente e

completamente F. No monismo predicativo, uma pluralidade numérica de tais seres

unitários (como poderíamos denominá-los) é possível.6 A interpretação do “ser” de

5 Mourelatos (em Route ) e Barnes (“Eleatic One”) também questionaram a visão predominante de que

Parmênides é um monista numérico; Barnes nega qualquer tipo de monismo em Parmênides, enquanto

Mourelatos enfatiza o antidualismo de Parmênides.

6 Deste modo, a falha por parte de pensadores pré-socráticos tardios em defender suas teorias pluralistas,

enquanto trabalhando em um arcabouço parmenidiano e enfatizando a realidade e unidade predicativa

Parmênides se torna relevante aqui, pois eu defendo que ser para Parmênides é ser a

natureza de uma coisa, o que uma coisa genuinamente é e, portanto, metafisicamente

básica. Os argumentos do fragmento B8 de Parmênides dizem respeito aos critérios

do-que-é, isto é, para ser a natureza de algo, onde tal natureza é o que uma coisa

realmente é. Esses argumentos se prestam a mostrar que o-que-é deve ser inteiro,

completo, imutável e de um único tipo. Cada coisa que é pode ter somente uma

natureza, mas pode haver muitas coisas que satisfaçam os critérios de Parmênides.7

Estas questões são o assunto dos capítulos I e II.

Entre os estudos sobre Parmênides, uma questão complicada diz respeito a prover

uma interpretação apropriada da segunda parte do seu poema, a Doxa. Segundo a

interpretação tradicional, Parmênides primeiro defende que a investigação científica

é impossível, mas em seguida resolve apresentar sua própria cosmologia. Qual é o

propósito disso, considerando particularmente o fato de ele ter anunciado que a

discussão cosmológica é enganosa (em B8.50-52)? Há uma interpretação que diz que

a Doxa é inteiramente falsa e enganadora, e seu propósito é puramente dialético.8

Outra diz que enquanto a Doxa (e, por conseguinte, toda cosmologia) é falsa, ela é,

entretanto, o melhor (embora incorreto) relato possível da experiência. O ponto de

Parmênides seria que nenhuma cosmologia enquanto tal poderia ser racional no

sentido de atender aos requisitos [6] de entidades genuínas que ele formula em B8.9

No capítulo III, eu ofereço uma interpretação diferente da Doxa, movendo seu

engano para o caráter inaceitável das entidades fundamentais da teoria cosmológica

apresentada nesta seção do poema. Parmênides rejeita candidatos dualistas para as

entidades básicas de uma cosmologia, mas não repudia com isso todas as tentativas de

prover uma explicação racional para o mundo conforme experimentado pelos

sentidos. Segundo esta visão, Parmênides está rejeitando como candidatos para

entidades básicas teoréticas opostos de um tipo particular, uma vez que estes não

conseguem atender aos critérios do-que-é expostos nos argumentos de B8, mais

especificamente o requisito do monismo predicativo. Deste modo, os opostos da Doxa

de suas entidades básicas, é evidência para a minha visão de que é possível haver uma pluralidade

numérica de entidades em que cada uma é predicativamente uma.

7 Usando uma terminologia posterior, poderíamos dizer que Parmênides está procurando por uma

descrição do que é ser a essência de algo, embora eu tenha evitado a palavra essência pelo fato de ser

um termo anacrônico ao pensamento pré-socrático.

8 Esta é a visão de Owen em “Eleatic Questions.” Ele é seguido por Mourelatos e Barnes.

9 Ver, por exemplo, Long em “Principles.”

são inaceitáveis como entidades genuínas. Não obstante, no relato enganoso da deusa,

eles se misturam e se separam para formar os céus e para explicar os diversos

fenômenos que nos são reportados pelos sentidos. A lição da Doxa não é nem que

uma cosmologia é inaceitável, nem que, como descrição da experiência sensível, ela

tem menos valor. Ao contrário, eu defendo que Parmênides supõe que seu modelo da

Doxa forneceria uma cosmologia racionalmente embasada se as entidades básicas de

tal teoria atendessem aos critérios de B8 com respeito ao-que-é. Além disso, eu

sustento que a cosmologia modelo de Parmênides, baseada em um conjunto de

realidades básicas que se misturam e se separam, foram tão influentes sobre os présocráticos

que vieram depois dele quanto seus argumentos a respeito do-que-é.

Diante da interpretação de Parmênides que eu defendo, a visão tradicional a

respeito da influência de Parmênides sobre a filosofia pré-socrática tardia deve ser

revisada. Seu monismo predicativo é consistente com o pluralismo numérico, pois,

desde que cada coisa que é seja uma unidade no sentido apropriado, isto é, predicativo,

não há nenhum impedimento teórico para que haja na realidade mais do que uma

coisa deste tipo. A história da filosofia pré-socrática tardia é, em grande medida, a

história da exploração da natureza de entidades básicas teoréticas, sua relação com o

mundo da experiência reportada por nossos sentidos e seu papel na explicação desse

mundo. Os pluralistas (Empédocles e Anaxágoras) e os atomistas (Leucipo e

Demócrito) aceitam as conclusões de Parmênides de que o-que-é tem uma natureza

imutável e deve ser um em um sentido apropriado. Mas eles não acreditam que das

conclusões de Parmênides resulta que o conhecimento cosmológico ou outras formas

de conhecimento científico sejam impossíveis. Ao mesmo tempo em que se

preocupam em afirmar a unidade imutável e a homogeneidade dos elementos

fundamentais – os chrēmata for Anaxágoras; terra, água, ar e fogo (junto com Amor

e Ódio) para Empédocles –, Anaxágoras e Empédocles não veem necessidade de

argumentar em favor de uma pluralidade original. Pelo contrário, eles se concentram

na questão sobre se a separação e a mistura destes elementos dará conta das mudanças

aparentes no mundo sensível. Seu silêncio sobre o tema do monismo, sua preocupação

em estabelecer a natureza e o caráter das entidades básicas e seu interesse em explicar

o mundo conforme o relato dos sentidos me parecem ser confirmações da

interpretação de [7] Parmênides que eu defendo. O capítulo IV é uma exploração da

influência parmenidiana sobre os fundamentos metafísicos do pluralismo, com

especial atenção ao problema da natureza das “coisas” (chrēmata ) em Anaxágoras e das

quatro raízes em Empédocles e ao problema de se justificar as mudanças aparentes

através de mistura e separação de entidades que permanecem elas mesmas sem

modificação. O capítulo IV também examina os argumentos de Zenão relativos à

divisão e o retrata argumentando contra a ideia de que as entidades básicas adotadas

pelos pluralistas possam efetivamente ser capazes de atender aos critérios de

Parmênides para o-que-é.

Leucipo e Demócrito também seguem o modelo de Parmênides ao propor uma

explicação racional sobre como as coisas são. Eles afirmam a unidade monogênica de

cada átomo (atendendo assim aos critérios parmenidianos para o que é, ao mesmo

tempo em que evitam os argumentos zenonianos relativos à divisão) e lançam mão da

mistura e da separação de átomos para explicar os fenômenos sensíveis: “Por

convenção doce, por convenção amargo, por convenção quente, por convenção frio,

por convenção cor; mas na realidade átomos e vazio” (Demócrito B9; B125). Uma

questão fundamental para minha interpretação (abordada no capítulo V) é o problema

da realidade do vazio. Como algo que os atomistas chamam explicitamente de “nada”

e “o-que-não-é” pode ser qualificado como real em um modelo parmenidiano?

Defendo que os atomistas concebem tanto átomos quanto o vazio como entidades

que têm seu próprio caráter ou natureza imutável e cognoscível, satisfazendo assim os

critérios de Parmênides para o-que-é. Como Parmênides, os cosmólogos présocráticos

tardios defendem que a mudança é meramente aparente e não real, mas

que, não obstante, o mundo fenomênico pode ser objeto de uma explicação racional.

Melisso, porém, o último dos três eleatas, apresenta objeções contra todas as teorias

pluralistas, em primeiro lugar, dizendo que o pluralismo em si seria incompatível com

a explicação correta do-que-é e, em segundo lugar, que, de todo modo, as teorias

pluralistas não conseguiriam explicar o mundo conforme o relato de nossos sentidos.

Nestes argumentos Melisso avança para além de Parmênides.10

O livro se conclui (no capítulo VI) com duas breves discussões a respeito de Filolau

e Diógenes de Apolônia, terminando com uma palavra sobre a influência do monismo

de Parmênides no desenvolvimento dos aspectos metafísico e epistemológico da teoria

10 Os três eleatas, ao mesmo tempo em que compartilham certas premissas básicas, diferem de modo

significativo uns dos outros. Eu pretendo mostrar que o eleatismo não foi um conjunto monolítico de

noções e que Zenão e Melisso não estavam meramente repetindo os argumentos de Parmênides. Pelo

contrário, eles tinham teorias distintas e próprias, as quais às vezes conflitavam com as de Parmênides

ou iam além daquilo com que o próprio Parmênides estava comprometido.

das formas de Platão. A teoria das formas é vista com frequência como uma teoria

original, notadamente diferente das teorias filosóficas daqueles que (exceto Sócrates)

precederam Platão. Eu sugiro que há uma forte influência eleática nas ideias de Platão

desde o início nos primeiros diálogos e que os argumentos de Parmênides sobre oque-

é estão [8] por trás de algumas das mais notáveis e importantes porções da teoria

platônica, especialmente a autopredicação e a participação. Deste modo, o próprio

sistema platônico seria parte do legado de Parmênides.

Meu tema é a base filosófica das teorias de Parmênides e a importância de suas ideias

para o pensamento pré-socrático tardio. Embora eu discuta cosmologia, minha

investigação não está voltada propriamente para a cosmologia pré-socrática. Por isso,

eu não examino as várias versões dos turbilhões cósmicos ou a composição das estrelas

e dos planetas, nem discuto as muitas teorias pré-socráticas sobre a formação da terra

ou sobre os seres que nela habitam. Além disso, passo muito rapidamente sobre outros

aspectos das teorias destes pensadores. Empédocles e Demócrito, por exemplo, tinham

ideias interessantes a respeito de como os seres humanos devem viver. Estas questões

são importantes e interessantes por si só, mas elas não são o assunto deste livro. Nele,

estou explorando como os argumentos metafísicos de Parmênides afetaram o curso

do pensamento pré-socrático, como ele critica as teorias anteriores a respeito do que

há e como estas críticas ajudaram a moldar o arcabouço metafísico aceito por aqueles

que vieram depois dele. Por causa do caráter fundamental dos argumentos e posições

de Parmênides, há ainda outros aspectos das teorias pré-socráticas que são

indiretamente afetados por eles. O fato de eu não os discutir não significa que eu esteja

sugerindo que eles seriam irrelevantes para a compreensão da natureza da filosofia

pré-socrática ou que eles seriam detalhes sem importância que não vale a pena

examinar. Uma vez que meu tema é o efeito direto dos argumentos metateóricos de

Parmênides sobre os princípios que moldam os fundamentos do pensamento présocrático

sobre o que há, não terei muito a dizer sobre os detalhes dos aspectos

cosmológicos ou outros aspectos das teorias que discuto. A história que eu conto pode,

em certos aspectos, ser semelhante a relatos tradicionais da influência de Parmênides,

mas há uma diferença importante na ênfase. Isto porque eu vejo os pré-socráticos

tardios como aceitando a influência dos argumentos de Parmênides ao invés tentarem

evitá-los e de serem marcadamente influenciados tanto pela [via da] Alētheia quanto

pela [via da] Doxa do poema de Parmênides. Não interpreto estes pensadores

posteriores como lutando ou tentando contornar o monismo numérico de

Parmênides. Eles não estão tentando evitar certos argumentos de Parmênides, mas,

pelo contrário, procuram se dedicar a uma cosmologia racional, uma pesquisa pela

natureza das coisas que leva em conta as intuições e os argumentos metafísicos de

Parmênides.

Antes de me voltar para estes temas nos capítulos seguintes, irei agora considerar

algumas questões que são preliminares para os argumentos que formam a parte

principal deste livro. Começo por examinar uma descrição de Parmênides que tem

sido amplamente aceita, explorando algumas das deficiências que eu encontro nesta

visão da importância de Parmênides para o pensamento pré-socrático tardio. Depois

eu me volto para o complicado problema da cronologia dos pensadores do século V.

Por fim, concluo com alguns breves comentários sobre Parmênides B1 – a primeira e

introdutória seção de seu poema filosófico. [9]

1. A INTERPRETAÇÃO TRADICIONAL DE PARMÊNIDES

A maior parte das discussões em língua inglesa sobre Parmênides foram influenciadas

por G. E. L. Owen em sua descrição da teoria de Parmênides e seu lugar no

pensamento pré-socrático. A visão de Owen (ou as várias versões e adaptações dela)

se tornaram a interpretação tradicional de Parmênides. 11 Eu argumento contra a

posição de Owen nos capítulos I e II. Aqui, porém, eu gostaria de explorar a

explicação sobre o desenvolvimento do pensamento de Parmênides com a qual a

posição de Owen (ou outra semelhante a ela) está comprometida, pois creio que a

minha interpretação de Parmênides e do desenvolvimento da filosofia pré-socrática

torna mais compreensível a história do pensamento pré-socrático, pelo menos do

modo como a temos nos fragmentos que sobreviveram.12

11 Na maior parte dos textos sobre Parmênides em língua inglesa assume que a descrição de Owen (ou

alguma versão dela) é correta. No entanto, a interpretação de Tarán é uma alternativa à visão de Owen,

tomando o Ser como o objeto de investigação de Parmênides. Discuto a posição de Tarán abaixo, na

n. 27.

12 Não estou sugerindo que eu possa provar que aquilo que eu chamo de interpretação tradicional e as

demais visões baseadas nela são falsas. Pelo contrário, apenas me parece que a história que eu conto

torna mais compreensível a história da filosofia pré-socrática. A natureza fragmentária da evidência

disponível e as dificuldades em interpretar tal evidência (particularmente os testemunhos) faz com que

seja improvável que qualquer interpretação possa ser tomada como final ou definitiva. O que tentei

fazer neste livro é interpretar os fragmentos e testemunhos do modo mais cuidadoso possível, impondo

o menor número possível de preconcepções sobre este material. É impossível ler a filosofia pré-socrática

como os próprios pré-socráticos fizeram. Qualquer interpretação é filtrada por meio de atitudes

filosóficas contemporâneas e colorida pelo conhecimento do que “aconteceu depois” (como evidencia

Qualquer explicação do pensamento de Parmênides deve levar em conta a natureza

do esti (é) em B2 e ao longo de todo o poema, além de explicar qual é o sujeito desse

esti . A posição de Owen é que o sujeito de esti é “o que pode ser pensado ou dito” e

que o esti é existencial.13 Assim, de acordo com Owen, a doutrina de Parmênides é

que somente aquilo que pode ser pensado ou falado pode existir e, de fato, deve existir.

Diante dos argumentos de B8, somente uma única coisa pode e deve existir. Uma

coisa solitária que não vem a ser nem se desfaz e nem é sujeita a qualquer mudança é

o que constitui aquilo que há.14 Barnes sugere uma modificação da visão de Owen.

De acordo com Barnes, ao invés [10] de investigar “de modo kantiano, as implicações

da racionalidade,” Parmênides explora “a possibilidade, não exatamente do

pensamento racional, mas da pesquisa científica.”15 Como Owen, Barnes adota uma

leitura existencial do esti de Parmênides e, assim, de acordo com Barnes, Parmênides

estaria dizendo que o que quer que seja objeto de estudo existe.16 Diferentemente de

o próprio nome “pré-socráticos”). Mas isto não me parece significar que nós não possamos ter base

para preferir uma determinada interpretação das evidências em detrimento de outra. Em relação à

questão das diferentes interpretações do pensamento pré-socrático, ver Mourelatos, “Alternatives”. Eu

discuto várias das interpretações correntes de Parmênides nesta seção, mas não espero que este seja um

balanço completo das posições a respeito de Parmênides, nem pretendo que seja. Pesquisas mais

abrangentes podem ser encontrados em Tarán, Guthrie e Bormann. Meu objetivo aqui é discutir duas

visões acerca de Parmênides: uma que estabelece que o seu objeto de investigação é “o que pode ser

pensado ou investigado” e outra que afirma que seu objeto de investigação é o Ser. Mourelatos, em

Route e em um certo número de artigos, oferece uma importante e atraente alternativa para a

interpretação de Parmênides, que eu discuto aqui. Vejo minha própria visão como um

desenvolvimento da posição de Mourelatos acerca da seção da Alētheia do poema de Parmênides.

Falarei mais sobre os detalhes da posição de Mourelatos e sobre as similaridades e diferenças entre sua

visão e a minha nos capítulos I e II.

13 Owen, “Eleatic,” pp. 14-16.

14 A visão de Owen é aceita por (entre outros) Stokes (One and Many), Furley (em seu artigo sobre

Parmênides na Encyclopedia of Philosophy, muito embora ele opte por uma interpretação “fundida”

[10] do esti em “Notes”), Gallop (Parmenides ) e McKirahan. Ver também cap. I, n. 9. Em sua obra

tardia, Owen abandonou a leitura existencial de esti (ver cap. I, n. 7), mas sua interpretação existencial

em “Eleatic” continua influente. O’Brien rejeita boa parte da interpretação de Owen, mas ele também

opta por uma leitura existencial de esti (ver o que ele diz em “Le Poème de Parménide”).

15 As duas citações ocorrem na p. 163 do vol. I de PP de Barnes.

16 Minha formulação aqui é intencionalmente solta, com o intuito de capturar algumas obscuridades

que Barnes vê nas posições de Parmênides. Barnes acredita que a afirmação de Parmênides não permite

decidir se ela se refere à pesquisa sobre e, portanto, à existência de (1a) “coisas de um certo tipo (estrelas,

ventos, cavalos)” e (1b) coisas particulares (“o sol, Bóreas, Pégaso”) (PP, vol. I, p. 163). Além disso, de

acordo com Barnes, Parmênides não “percebe que duas proposições distintas estão em jogo” nos

operadores modais da segunda metade das linhas B2.3 e B2.5. De acordo com Barnes, a afirmação de

Parmênides é neutra em relação a (2a) “Se uma coisa é estudada, ela tem a propriedade de existir

Owen, Barnes não pensa que Parmênides estivesse comprometido com o monismo

numérico, de modo que ele não vê em Parmênides a afirmação de que somente um

único objeto de estudo pode, e de fato deve, existir.17

Esta interpretação do argumento de Parmênides enfrenta uma série de dificuldades.

A questão a respeito de quem seria o alvo do ataque de Parmênides tem interpelado

os comentadores por um bom tempo. Nenhum dos predecessores de Parmênides, pelo

menos até onde nós sabemos, sustentou a tese de que alguém poderia ou deveria se

perguntar a respeito do que não existe. Ao contrário, os pensadores pré-socráticos que

precederam Parmênides buscavam explicações para os fenômenos físicos do mundo

conforme os sentidos, oferecendo descrições tanto do desenvolvimento do kosmos

quanto das características físicas, astronômicas e meteorológicas dele. A julgar pelas

evidências que sobreviveram, não havia preocupação ou interesse em questões do tipo

“significado, referência e existência”18 que a [11] visão de Owen e de Barnes atribui a

Parmênides. Owen nega especificamente que o alvo de Parmênides fosse alguma das

teorias cosmológicas de seus predecessores (ou os pressupostos embutidos nessas

teorias). Barnes assume uma posição semelhante. Ambos assumem que o alvo de

Parmênides seja a pressuposição de que se possa falar sobre as coisas ou estudá-las

quando elas não existem. Owen afirma que as pessoas comuns que pensam que

algumas coisas não existem ou que existem aqui e não lá são aqueles que tomam o

necessariamente” e (2b) “É necessariamente verdadeiro que qualquer coisa estudada existe” (PP, vol. I,

p. 164).

17 Uma versão da posição de Barnes parece ter sido adotada por Schofield em KRS (ver pp. 245-246).

Como Barnes, Schofield afirma que o sujeito de esti é “o quer que seja objeto de investigação” (p. 245),

mas ele concede que tanto a interpretação predicativa quanto a interpretação existencial de esti são

possíveis: “O uso de estin por Parmênides é simultaneamente existencial e predicativo ..., mas não,

portanto ... confundido” (p. 246). No entanto, deve-se notar que, ao mesmo tempo em que adota um

esti fundido, Schofield enfatiza a componente existencial: ele interpreta a via negativa primariamente

como uma tentativa de fazer afirmações existenciais negativas (ver p. 246). De acordo com Schofield,

as afirmações de Parmênides de que uma asserção de não existência não expressa “nenhum pensamento

claro” é paradoxal, “mas como todo bom paradoxo ela nos força a examinar mais profundamente nossa

apreensão do conceito que ela emprega – notadamente neste caso as relações entre significado,

referência e existência” (p. 246). Diferentemente de Barnes, Schofield pensa que Parmênides é

comprometido com o monismo numérico, embora o argumento em defesa do monismo não lhe pareça

claro (p. 251). Uma reavaliação de algumas destas questões pode ser encontrada em Mason, que sugere

que, ao explorar conexões entre pensamento e realidade, Parmênides está preocupado em dar uma

explicação sobre como caracterizar propriamente o que é.

18 Ver Schofield em KRS, p. 246.

“caminho dos mortais” e são, portanto, o objeto do escárnio de Parmênides em B6.19

Mas que evidência há para esta explicação a respeito do alvo de Parmênides? Owen e

Barnes não oferecem nada que conecte Parmênides a teses ou argumentos de filósofos

anteriores.20 Neste registro, Parmênides está fora da linha de desenvolvimento do

pensamento pré-socrático e não parece estar muito preocupado em criticar os detalhes

das teses filosóficas de seus predecessores. Além disso, se levarmos em conta a

interpretação tradicional, dado que aqueles que vieram depois dele aparentemente se

sentiam livres para ignorar partes de seu argumento, Parmênides deve parecer

irrelevante para o desenvolvimento futuro da filosofia pré-socrática. Owen não

explica como as teorias pré-socráticas tardias poderiam responder a Parmênides e ao

mesmo tempo continuar a fazer cosmologia e se engajar em pesquisa. De acordo com

Barnes, um filósofo que realmente compreendeu Parmênides não mais se envolveria

com a investigação da natureza: “um raciocínio a priori revela que os fenômenos que

a ciência tenta compreender e explicar são ficções de nossos sentidos enganosos. O

cientista tem pouco ou nada para investigar – que ele se volte para a poesia ou para a

jardinagem.”21 No entanto, os pensadores pré-socráticos tardios foram claramente

influenciados pelos argumentos de Parmênides (a evidência para esta afirmação será

examinada nos capítulos IV e V). A questão é qual é a natureza desta influência. Na

interpretação tradicional, os pré-socráticos tardios, tais como os pluralistas e os

atomistas, não conseguindo ver a futilidade de se dedicar à investigação cosmológica,

tentam responder a Parmênides aceitando que geração e corrupção não são reais. Não

obstante, eles ainda tentam dar uma explicação racional para a mudança no mundo

sensível, insistindo que uma pluralidade de coisas imutáveis subjaz e [12] explica o

19 Owen, “Eleatic,” pp. 14-15; Barnes, PP, vol. I, pp. 165-170.

20 Barnes oferece uma passagem dos Dissoi Logoi . Mas este é muito posterior à Parmênides e sem

dúvida foi influenciado pelos debates filosóficos posteriores a ele, incluindo o trabalho dos sofistas.

(Sobre os Dissoi Logoi , ver Robinson, Contrasting Arguments . Robinson defende [pp. 34-41] que os

Dissoi Logoi teriam sido escritos entre 403-395.) Owen diz, “É claro que eu não estou negando que

algumas das ideias empregadas no decorrer do argumento [de Parmênides] podem ter sido herdadas

de teorias anteriores. Isto deve ser verdade para algumas das cosmogonias e provavelmente é o caso

pelo menos da ideia de πεῖρας na [via da] Ἀλήθεια” (“Eleatic,” p. 16, n. 51). Mas Owen não admite

que os primeiros pré-socráticos tinham qualquer outra importância para Parmênides, muito embora

ele também afirme na última linha de seu artigo que Parmênides “queria demolir” a tradição das

primeiras cosmologias pré-socráticas. Como pessoas comuns tanto quanto como investigadores

praticantes, os primeiros pensadores pré-socráticos teriam sido o alvo dos argumentos de Parmênides.

Mas Owen não vê em Parmênides nenhuma preocupação especial com o pensamento ou a pesquisa

cosmológica anterior.

21 Barnes, PP, vol. II, p. 3.

mundo. 22 Além disso, estes pré-socráticos tardios não dão qualquer atenção aos

problemas de referência e significado, não fornecendo nenhuma evidência de que

tenham reconhecido essas questões como preocupações de Parmênides. Portanto, ou

eles entenderam Parmênides muito mal ou suas respostas foram muito frágeis.23 Neste

registro, a primeira resposta genuína a Parmênides viria no Sofista de Platão e esta é a

visão da relação entre Platão e o eleatismo aceita pela maior parte dos comentadores.

Além disso, em interpretações como as de Owen e Barnes, o papel da seção da Doxa

do poema de Parmênides fica inexplicado. Owen diz que o ponto da Doxa é

inteiramente dialético. Barnes afirma que a Doxa é completamente falsa.24 E, no

entanto, (segundo o que nos permitem dizer as evidências) a Doxa ocupava uma

porção significativa do poema de Parmênides e parece ter influenciado os pensadores

pré-socráticos posteriores. Como explicar isso? Da visão de Owen e Barnes de que a

Doxa é inteiramente falsa e tem propósito dialético, não é possível extrair nenhuma

resposta para esta pergunta. Nem há uma explicação adequada para esta influência na

22 Pluralidade não é um problema para Barnes, que duvida que Parmênides fosse um monista numérico.

Mas o pluralismo pré-socrático tardio é um constrangimento para outros comentadores. A resposta

usual é afirmar, como faz Schofield em KRS ou Inwood em Empedocles , que os argumentos de

Parmênides a favor do monismo são fracos.

23 Esta parece ser a visão de Barnes. Ver PP, vol. I, p. 155, onde ele sugere que “sua defesa era, em geral,

frágil e pouco convincente,” e vol. II, p. 3, onde Barnes reconhece que há “muitas coisas de interesse e

de influência permanente” nos sistemas pré-socráticos tardios, mas insinua que ao invés de serem

“respostas genuínas à metafísica eleática” elas são “tentativas obstinadas de seguir uma profissão fora de

moda.” (Barnes remete a questão para uma discussão posterior, mas sua aparição na primeira página de

um capítulo chamado “O Reavivamento Jônico” sugere que essa é sua visão.) Kirk e Raven (em KR, p.

319) forneceram uma visão diferente sobre as lições que os pensadores pré-socráticos tardios tiveram

que aprender com Parmênides. De acordo com eles, cada um dos sistemas que se seguiram a ele “era,

à sua maneira, uma resposta deliberada a Parmênides.” Segundo KR, Parmênides “parecia ... ter

estabelecido de uma vez por todas” quatro princípios que todos os cosmólogos deveriam adotar (pelo

menos até que Platão revelasse “as falácias sobre as quais eles se baseavam”). Esses quatro princípios

eram que “Ser ... não deve surgir do Não-Ser,” que o vazio é impossível, que a “pluralidade não pode

vir de uma unidade original” e que o movimento deve ser explicado ao invés de pressuposto. Esta

descrição tem sido bastante influente – estes princípios foram certa vez recitados para mim de cor por

alguém que discordava da minha descrição do pensamento pré-socrático tardio –, mas ela é

acertadamente refutada na segunda edição de The Presocratic Philosophers (KRS), onde, numa

introdução mais nuançada daqueles filósofos que constituem “A Resposta Jônica,” é afirmado que

somente o princípio de que o-que-é não pode vir do-que-não-é é aceito por todos, tanto por

Anaxágoras quanto por Empédocles, os atomistas e Diógenes de Apolônia. KRS aceitam que “a

metafísica de Parmênides dominou a filosofia jônica do século V,” mas parecem limitar sua influência

às “descobertas da Verdade [seção do poema de Parmênides] (mediadas, no caso dos atomistas, por

Melisso)” (KRS, p. 351).

24 Owen, “Eleatic,” p. 9; Barnes, PP, vol. I, pp. 156-157.

visão alternativa mais amplamente aceita, de que a Doxa (como um dualismo de

princípios opostos) representa a melhor explicação falsa que os mortais poderiam dar.25

Nestas interpretações da Doxa, os filósofos que vêm depois de Parmênides [13] não o

teriam compreendido, na medida em que se dedicaram à cosmologia e endossaram

uma pluralidade de entidades básicas e porque aceitaram os aspectos da Doxa como

modelo de uma cosmologia aceitável.26

Segundo a interpretação tradicional, ou somos obrigados a atribuir erros sérios à

compreensão de Parmênides por parte dos pensadores pré-socráticos tardios, ou temos

que afirmar que eles se sentiram livres para ignorar seus argumentos enquanto

aceitavam algumas de suas premissas sobre o-que-é.27 Embora seja possível que esta

25 Esta é a interpretação sugerida por Long em “Principles.” Eu discuto várias explicações sobre a Doxa

mais detalhadamente no capítulo III.

26 Os erros são sutilmente diferentes da explicação de Barnes, pois Barnes não aceita que Parmênides

era um monista. Porém, como a passagem citada anteriormente demonstra, Barnes claramente entende

que os pré-socráticos tardios estavam enganados ao pensar que os argumentos não refutados de

Parmênides seriam compatíveis com a prática da investigação da natureza.

27 Tarán oferece uma interpretação de Parmênides alternativa à visão de Owen e Barnes, mas

compartilha algumas de suas dificuldades. Segundo Tarán, o objeto de investigação de Parmênides é o

Ser e sua doutrina é que “o que quer que exista (seja isso o que for) só pode ter a característica da

existência mais algumas determinações estabelecidas pela razão” (Parmenides , p. 38). Parmênides seria

um monista numérico cujos argumentos demonstram que o mundo fenomênico mutável dos sentidos

é uma ilusão. Consequentemente, qualquer tentativa de explicar o surgimento da mudança e da

diferença no mundo fenomênico é fadada ao fracasso. Tarán interpreta os pensadores pré-socráticos

tardios como tentando reconciliar a descrição do Ser de Parmênides com a mudança fenomênica,

apelando para coisas básicas reais que podem ser rearranjadas. Esta proposta de reconciliação deve

fracassar porque (1) ela assume, falsamente, que mais de uma coisa existe e (2) ela ignora o argumento

de Parmênides de que o mundo da mudança fenomênica não é real. Na visão de Tarán, então, todos

os predecessores de Parmênides são refutados, assim como seus sucessores que tentam explicar o mundo

sensível. Esta descrição compartilha com a interpretação de Owen e Barnes os problemas de não

explicar o propósito da Doxa e de dar sentido para as respostas posteriores a Parmênides. Como Barnes,

Tarán deve sustentar que os pré-socráticos tardios não entenderam Parmênides, pois eles tentaram fazer

exatamente o que (na interpretação de Tarán) seus argumentos vetavam. Além disso, a explicação de

Tarán tem dificuldade com a aceitação parcial dos argumentos de Parmênides que ele pensa encontrar

nas teorias posteriores. Pois, em sua interpretação, o pluralismo dessas teorias é um problema duplo.

Primeiro, Tarán afirma que Parmênides teria defendido que o Ser é único (ele encontra a afirmação da

unicidade em B8.34-41), de modo que a simples pressuposição da pluralidade pelas teorias pluralistas

seria inconsistente com os argumentos de Parmênides. Segundo, para Tarán, a unicidade do Ser é parte

da prova de que o mundo sensível é uma ilusão. Deste modo, nesta visão, ao mesmo tempo em que

aceitam os argumentos contra a geração e a corrupção (que são parte da prova de que somente o Ser

pode ser), os pluralistas (e os atomistas) demonstram sua incompreensão de Parmênides ao tentar

explicar uma ilusão apelando para uma pluralidade impossível. O fato de aceitarem alguns dos

argumentos de Parmênides demonstra que os pré-socráticos tardios o entenderam em alguma medida

e tomaram suas ideias de modo sério, mas sua insistência em continuar se dedicando à investigação da

descrição seja uma representação precisa da história da filosofia pré-socrática tardia,

eu prefiro adotar uma visão mais favorável aos sucessores de Parmênides. Creio que a

interpretação de Parmênides oferecida neste livro permite [14] isso.28 As dificuldades

natureza (sem refutar as afirmações de Parmênides de que tal investigação é impossível) ilustra como o

seu entendimento era somente parcial. Os sucessores pré-socráticos de Parmênides não só não

entenderam a força de seus argumentos em favor do monismo, mas também falharam em perceber a

falsidade da Doxa e, pelo contrário, tomaram erroneamente a inclusão dela em seu poema como uma

sugestão de que a investigação cosmológica era tanto possível quanto aceitável. Para uma crítica da

posição de Tarán de que o objeto de investigação de Parmênides seria o Ser, ver Robinson,

“Ascertainment of the Real,” p. 628, que argumenta que o entendimento por parte de Tarán de einai

como “Ser” (e sua tradução de to eon como “Ser”) “não tem paralelo linguístico.”

28 A versão de Coxon do lugar de Parmênides na história do pensamento pré-socrático é mais ampla

do que as de Owen, Barnes e Tarán. Coxon interpreta Parmênides como crítico de teorias filosóficas

que supõem que o mundo físico é real e que a mudança, particularmente a mudança de uma “substância

primeira,” é possível (Coxon, Fragments , p. 18). Coxon nega que a polêmica de B6 seja dirigida a

pessoas comuns. Como evidência, ele cita a afirmação de Parmênides de que a rota proibida é um

caminho de investigação, além das afirmações de B8.54. Ele escolhe Anaxímenes e Heráclito como

alvos especiais. Para Coxon há também uma conexão especial com o pitagorismo na obra de

Parmênides. Ele vê Parmênides como um crítico das ideias pitagóricas, mas que é, apesar de tudo,

profundamente influenciado por elas. De fato, de acordo com Coxon, “Parmênides representa a si

mesmo no prólogo como um filósofo pitagórico enfrentando uma crise em sua carreira” (p. 170). Esta

afirmação é difícil de sustentar diante da nossa imensa ignorância a respeito dos detalhes do pitagorismo

pré-parmenidiano. Diferentemente de Tarán, Coxon adota uma leitura predicativa do esti de

Parmênides, mas, como ele, diz que seu objeto de investigação é o Ser (a discussão de Coxon a respeito

destas questões está em Fragments , pp. 19-21). O Ser ele equaciona com realidade, pois toma o poema

de Parmênides como uma tentativa de responder à questão “O que deve ser a realidade, se ela é

cognoscível pela mente humana e o que é a natureza da experiência humana?” (Fragments , p. 19). Na

visão de Coxon, a resposta de Parmênides é que o Ser deve ser imutável (e atemporal), único e

indivisível. Não é claro o que Coxon quer dizer com a afirmação de que “Ser” é o objeto de investigação

de Parmênides. Segundo Coxon, Parmênides vê “o Ser ele mesmo como o único objeto de investigação

legítimo” e considera “os predicados afirmados sobre este sujeito como nomes, não dos atributos do

Ser, mas do Ser ele mesmo.” (Fragments , p. 194; ver também as pp. 20-21). Os sucessores de

Parmênides, segundo Coxon, buscaram “evadir-se” de suas conclusões e “reestabelecer a realidade do

mundo sensível diante dos argumentos de Parmênides” (p. 22). Todos eles adotaram algumas das teses

de Parmênides, mas rejeitaram o monismo numérico. Coxon vê esta rejeição como correta, pois em

sua visão da Doxa , Parmênides defende que qualquer descrição das aparências do mundo físico não

deve ser monista, mas dualista. (É por esta razão que Coxon acusa Diógenes de Apolônia de ser um

reacionário e diz que ele “deixa transparecer uma notável insensibilidade à crítica de Parmênides”;

Fragments , pp. 185-186.) De acordo com Coxon, porém, estes pensadores erraram ao aplicar as

afirmações de Parmênides não ao Ser, mas aos elementos do mundo físico. Eu rejeito a explicação de

Coxon sobre o objeto de investigação de Parmênides (ver a resenha de Coxon por Renahan; Renahan

cita Burnet com bom efeito contra esta explicação na p. 398), bem como sua explicação da Doxa (ver

cap. III). Além disso, também para Coxon, os pensadores pré-socráticos tardios deveriam ser vistos

como não tendo apreciado completamente a força dos argumentos de Parmênides, pois eles não

argumentam contra suas conclusões, mas simplesmente afirmam, diante delas, que explicações racionais

sobre o mundo sensível poderiam ser dadas.

que eu levanto não provam que as interpretações que eu discuti são falsas. Parmênides

pode ter sido um inovador historicamente independente e um pensador muito à frente

de seu tempo. Os pensadores pré-socráticos tardios podem não ter compreendido a

força de seus argumentos ou terem se sentido livres para ignorá-los. Entretanto, penso

que uma interpretação que acomoda mais seguramente as teses de Parmênides na

história da filosofia pré-socrática e que não atribui aos pensadores pré-socráticos

tardios uma incompreensão fundamental dos argumentos de Parmênides ou uma

aceitação incompleta de suas doutrinas é tanto desejável quanto possível.29 Neste livro,

eu defendo uma explicação alternativa de Parmênides [15] e da história do

pensamento pré-socrático tardio. Rejeitando a tese de que o esti de Parmênides é

existencial, eu defendo que o interesse de Parmênides é explorar a natureza de

entidades metafísicas básicas em uma explicação do mundo conforme o relato dos

sentidos, um interesse em que a Doxa tem um importante papel. Em minha visão,

Parmênides está engajado em uma análise metafísica da possibilidade do tipo de

investigação da natureza a que se dedicaram seus predecessores e suas conclusões são

de grande interesse e importância para os filósofos que vieram depois dele. Sua obra

se encontra, assim, firmemente assentada na tradição do pensamento filosófico e da

investigação pré-socrática. Uma vez que, como eu afirmo, Parmênides não era um

monista numérico (embora ele tenha sido, sim, um monista de outro tipo, adotando

o que eu chamo de monismo predicativo), o pluralismo das teorias posteriores não é

uma dificuldade que precisa ser superada ou explicada. Com efeito, eu considero este

pluralismo como evidência da minha explicação de Parmênides, junto com a

preocupação que os pré-socráticos tardios têm em mostrar que suas substâncias básicas

são entidades genuínas que atendem aos critérios parmenidianos. Além disso, eu

defendo que há uma lição positiva a ser extraída da Doxa. Embora seja enganosa, ela

serve como modelo para uma explicação bem-sucedida do mundo conforme o

29 Pode ser sugerido que a afirmação do pluralismo numérico diante de um argumento sobre o-que-é

que resulta em monismo numérico é menos uma incompreensão do que uma rejeição frontal a esta

parte dos argumentos de Parmênides. Explicações pluralistas poderiam então demonstrar as falhas do

argumento de Parmênides simplesmente fornecendo descrições pluralistas do mundo sensível. No

entanto, eu discutirei que o monismo numérico (se é que ele pode ser encontrado em Parmênides) é

uma consequência da rejeição do-que-não-é. Os sucessores de Parmênides não podem

consistentemente se recusar a aceitar somente [15] esta parte do seu argumento e ao mesmo tempo

aceitar suas premissas básicas a respeito do-que-é. Portanto, eu afirmo que, para aqueles que defendem

que Parmênides é um monista numérico, seus sucessores ou teriam falhado seriamente em

compreender os argumentos de Parmênides, ou eram péssimos em lógica. Eu prefiro evitar ambas as

conclusões, se possível.

relatado pelos sentidos. Todos estes aspectos de interpretação se combinam e

permitem uma explicação das teses de Parmênides e de seu papel na história do

pensamento pré-socrático que reconhece tanto sua imensa importância para a filosofia

pré-socrática (e platônica), quanto o vê como parte da tradição pré-socrática, alguém

que está ciente de seus predecessores e os critica, além de colocar importantes

problemas filosóficos para seus sucessores.

2. CRONOLOGIA

Nenhuma área dos estudos pré-socráticos está livre de controvérsias. Uma das

questões mais disputadas é a da ordem cronológica dos filósofos que vieram depois de

Parmênides. As evidências que possuímos (de fontes como Apolodoro e Diógenes

Laércio) em geral não ajudam muito e há poucas datas fixas que podem ser usadas

como referência. Deste modo, devemos contar primariamente com evidências

internas, as quais são notoriamente difíceis de decifrar e são particularmente sujeitas a

interpretações conflitantes. Neste livro eu assumi uma sequência para os pensadores

pré-socráticos que eu discuto, mas não quero dizer com isso que esta seja a única

sequência possível. Nesta seção, quero discutir a cronologia por mim adotada.

No Parmênides , Platão descreve um encontro entre Sócrates e Parmênides, que,

junto com Zenão, teria ido a Atenas para o festival da Grande [16] Panateneia. No

diálogo, Platão diz que Parmênides tinha por volta de sessenta e cinco anos, Zenão,

quarenta, e Sócrates era muito jovem (Prm. 127b3-4; c4-5). 30 Considerando o

nascimento de Sócrates como tendo ocorrido por volta de 470 a.C., o encontro deve

ter acontecido na época da Grande Panateneia de 450.31 Isto colocaria o nascimento

de Parmênides em torno do ano 515. Infelizmente, saber a possível data de nascimento

de Parmênides não ajuda a estabelecer a época de sua obra filosófica, nem quando esta

obra ficou disponível para outras pessoas (a não ser que adotemos uma convenção

como a de Apolodoro e posicionemos a acmē de alguém no seu 40º aniversário). Não

obstante, parece razoável pensar que o poema de Parmênides tenha sido escrito por

30 Embora haja razões para duvidar que as teses atribuídas a Parmênides no diálogo reflitam de modo

preciso as do Parmênides histórico (ver cap. VI, seção 2), não me parece haver muitas razões para

desconfiar das prováveis idades atribuídas por Platão a Parmênides e Zenão.

31 Ver Allen, Parmenides , p. 64. O festival ocorria em agosto.

volta do fim dos primeiros 25 a 30 anos do quinto século. Isto colocaria Parmênides

depois de Xenófanes, Pitágoras e Heráclito.32

Algumas pessoas encontram respostas a Xenófanes ou ao pitagorismo na obra de

Parmênides. Heráclito, com sua teoria da unidade dos opostos e seu interesse em

distinguir as coisas de acordo com a natureza é, a meu ver, uma influência mais

importante.33 Michael Stokes afirma que Heráclito não tinha importância nenhuma

para Parmênides e que considerações a respeito das teses heraclitianas são irrelevantes

para o entendimento de Parmênides. Sua posição se baseia na rejeição da tese de que

um dos dois caminhos repudiados em Parmênides B6 deve ser identificado com

teorias que remontam a Heráclito.34 A visão de Stokes se baseia em sua própria leitura

de B6 e na afirmação de que Parmênides pode ser compreendido independentemente

de quaisquer considerações a respeito das teses de Heráclito. Recentemente, as teses

de Stokes foram desafiadas por Daniel Graham, que mostrou que há um grande

número de paralelos literários entre Parmênides e Heráclito e que esses paralelos

sugerem que Parmênides conhecia a [17] obra de Heráclito.35 Graham defende ainda

que há boas razões filosóficas (além de considerações sobre B6) para ler Parmênides

sob a luz de teses heraclitianas. Eu afirmo que a leitura de B6 sugerida por Owen, que

Stokes aceita e usa como evidência para suas afirmações contra a influência de

32 Sobre as datas de Xenófanes, ver Lesher, Xenophanes , p. 3; sobre Heráclito, ver Kahn, Art and

Thought , p. 1.

33 KRS afirmam que há “ecos, não meramente verbais, da teologia e da epistemologia de Xenófanes em

Parmênides” e sugerem que Parmênides poderia estar imitando Xenófanes quando ele resolve escrever

em versos hexâmetros (p. 241). Coxon vê Parmênides como apresentando uma “revisão radical” da

teologia de Xenófanes (Fragments , p. 18). Em geral se concorda que a afirmação de Platão de que

Parmênides era um seguidor de Xenófanes (Sph. 242d4-6) é exagerada. Coxon dá mais ênfase à

conexão pitagórica (Fragments , p. 18), mas diante de nossa ignorância a respeito dos detalhes da teoria

pitagórica pré-parmenidiana, este tipo de afirmação é difícil de avaliar.

34 Stokes, One and Many, pp. 109-127. Stokes afirma que tratar Parmênides e Heráclito de modo

independente se justifica “mesmo se Parmênides conhecesse Heráclito, pelo menos até que se prove

(como nunca foi feito) que Parmênides teria escrito uma única sílaba sequer diferentemente caso

Heráclito nunca tivesse aberto sua boca ou colocado sua pena sobre um papiro” (ibid., p. 127).

35 Graham, “Heraclitus and Parmenides,” apresentado no encontro de outubro de 1994 da Society for

Ancient Greek Philosophy, Binghamton, NY. Sou grata ao prof. Graham por me enviar uma cópia de

seu artigo ainda não publicado e por me permitir referir a ele. Eu também defendi em outras

publicações (“Monism” e “Deception”) que Heráclito exerceu influência importante sobre Parmênides.

Heráclito, não é a melhor maneira de entender esta passagem.36 Deste modo, irei

defender que não há boas razões para aceitar a tese de Stokes de que Parmênides pode

ser considerado de modo independente de Heráclito (e, incidentalmente, de todos os

outros filósofos pré-socráticos). Eu sugiro que Heráclito e outros dentre os primeiros

pensadores pré-socráticos foram muito importantes para Parmênides e que é

esclarecedor pensar nele como trabalhando dentro de uma tradição de teses sobre o

que existe e sobre como podemos entender o mundo conforme relatado pelos

sentidos.

É com os pré-socráticos pós-parmenidianos que surgem as verdadeiras dificuldades

cronológicas. Primeiro, há o problema das relações entre Anaxágoras, Empédocles e

Zenão. Depois, Leucipo, Demócrito, Melisso e Diógenes de Apolônia devem ser

incorporados ao esquema. Muitos destes pensadores foram contemporâneos e

qualquer ordem de discussão (implicando uma ordenação cronológica) pode levantar

questões e objeções. Apesar da dificuldade em fixar a cronologia, eu assumo que

Anaxágoras escreveu antes de Empédocles.37 Além disso, considero que Zenão está

reagindo a teses que podem ser encontradas tanto em Anaxágoras quanto em

Empédocles.38 A visão usual é de que os atomistas estariam respondendo a Zenão, ao

fazer suas entidades básicas indivisíveis, e também a Melisso, cujo fragmento B8 é, às

vezes, (falsamente, eu direi) tomado como sanção a uma tese semelhante à teoria

atômica, que faz cada unidade básica (ou cada átomo, no caso atomista) ser como o

Um de Melisso. Mas Melisso [18] parece estar argumentando contra o atomismo

36 Em seu influente artigo “Eleatic Questions,” Owen defende que Parmênides é melhor entendido se

lido de modo independente da tradição pré-socrática. Eu argumento contra a visão de Owen no cap.

I. Sobre B6, ver cap. I, seção 3.

37 Ao colocar Anaxágoras antes de Empédocles, sigo O’Brien, que defende que “Empédocles escreveu

depois de Anaxágoras e foi influenciado por ele.” Para a defesa desta tese por O’Brien, ver “Relation”;

a passagem citada está na p. 113. O’Brien, em relação a esta tese, tem a companhia de Schofield, Essay,

p. 35, n. 86 (Schofield também coloca Anaxágoras antes de Zenão, pp. 80-82); de Sider, Anaxagoras ,

pp. 5-6, que concorda com as datas relativas de Anaxágoras e Empédocles; de Kahn em “Historical

Position”; de Inwood em seu Empedocles ; e por Furth, em “Anaxagoras.” Wright inverte a cronologia,

colocando Empédocles primeiro. Ela vê Anaxágoras respondendo a Empédocles e Zenão. Mansfeld

defende vigorosamente a prioridade da obra de Empédocles em “Chronology.” Woodbury, em

“Anaxagoras in Athens,” responde a Mansfeld, mostrando que as evidências da presença de Anaxágoras

em Atenas o colocam antes de Empédocles.

38 Furley examina a possibilidade de que Zenão estivesse atacando Anaxágoras (“Anaxagoras in

Reponse,” esp. pp. 58-62), enquanto Longrigg degende que Zenão responde a Empédocles (“Zeno’s

Cosmology?”).

quando ele nega a realidade do vazio. Uma solução para a dificuldade é ver Melisso

como estando talvez entre Leucipo e Demócrito, atacando certos aspectos da versão

de Leucipo do atomismo, ao passo que Demócrito estaria defendendo o atomismo

contra os argumentos de Melisso.39 Minha discussão sobre Melisso se encontra no fim

do capítulo em que trato com o atomismo, de modo a permitir esta possibilidade, mas

isto não implica que eu queira dizer, com isso, que estou certa de que está é a ordem

correta. Filolau e Diógenes de Apolônia (os quais podem ter sido mais ou menos

contemporâneos de Melisso) eu discuto no último capítulo do livro.40 O ordenamento

dos filósofos pós-parmenidianos por mim selecionado não é definitivo, mas também

não é arbitrário. Embora evidências internas, como citações aproximadas ou

compromissos filosóficos possam ser bastante escorregadias, eu tenho razões para as

posições que assumi e, ao longo do livro, pretendo defender minhas afirmações sobre

influência e cronologia.

3. O PROÊMIO

O poema de Parmênides, escrito em versos hexâmetros, começa com uma introdução

que descreve a jornada de um jovem, um kouros , para encontrar uma deusa.41 Esta

deusa se dirige a ele dizendo que é justo que ele “aprenda todas as coisas” (B1.28: χρεὼ

δέ σε πάντα πυθέσθαι) e seus ensinamentos constituem o restante do poema.42 Este

39 Sobre a possibilidade de Leucipo anteceder a Melisso, ver Klowski. Tanto Barnes (PP, vol. II, pp.

40-75) quanto Solmsen (“Abdera’s Arguments”) defenderam que o comprometimento do atomismo

com o vazio é uma resposta aos argumentos sobre a divisibilidade de Zenão e que o argumento de

Melisso contra o movimento e o vazio são dirigidos contra a posição atomista. Por outro lado, Tannery

diz que Melisso não conhecia as obras de Empédocles, Anaxágoras e dos atomistas (l’Histoire ; a

discussão de Tannery sobre Melisso está nas pp. 271-283). Temos relatos de que Melisso comandou a

frota sâmia que derrotou Péricles em 441, mas não sabemos a idade de Melisso naquela época, nem se

ele já tinha terminado, estava trabalhando ou tinha recém iniciado sua obra filosófica.

40 Huffman põe Filolau depois de Anaxágoras e Empédocles (Philolaus , p. 9). Filolau nasceu por volta

de 470 e Huffman acredita que sua obra circulou não antes de 440. Deste modo, os escritos de

Anaxágoras e Empédocles podem ter precedido os dele. Os argumentos de Diller defendendo que

Melisso estava atacando tanto Leucipo quanto Diógenes de Apolônia têm sido rejeitados

veementemente. Mas KRS concordam (p. 437, n. 1) que “a cronologia destes três pensadores é

reconhecidamente solta o suficiente para permitir que eles estivessem todos ativos, como sugere Diller,

na década de 440-430 a.C.”

41 Diógenes Laércio lista Parmênides entre os filósofos que deixaram apenas uma obra (Lives , I.16).

Sobre o termo kouros como tendo um significado religioso especial, ver Burkert, “Proömium.”

42 Sobreviveram cerca de 150 linhas do texto grego. Há um número de fragmentos que são partes de

linhas ou (no caso de B15a) uma única palavra. B18 sobreviveu em uma tradução latina e há uma

passagem no Teeteto de Platão (180e1) que, segundo Cornford, constitui um fragmento separado. Eu

fragmento de abertura, com sua história de éguas, uma biga (de eixo brilhante e

ressonante), virgens (filhas do sol), a Casa da Noite, os Portões dos caminhos da Noite

e do Dia (completos com uma descrição detalhada de seus postes, portas e das chaves

para abri-los), guardados pela “Justiça polivingadora” (Dikē polupoinos ), tem sido ora

analisado exaustivamente, ora ignorado pelos comentadores.43 A aparente influência

de Homero e Hesíodo no proêmio tem sido catalogada, mas não existe um consenso

geral sobre como o fragmento 1 deve ser interpretado.44 Parece claro que o proêmio

tem um aspecto alegórico, mas não é tão claro sobre o que seria esta alegoria.45 Alguns

comentadores têm visto a jornada como sendo destinada à luz e ao esclarecimento.

Outros, como um progresso ao longo da estrada para a Casa da Noite. Mas, apesar das

afirmações em contrário, a topografia do proêmio é confusa, e não me parece claro

para onde o kouros teria ido.46 Além disso, existem dificuldades para decifrar os

elementos alegóricos: aludem eles à seção da Doxa ou da Alētheia do poema? Se eles

tiverem que ser interpretados à luz da Doxa, permanece a questão de por que

Parmênides teria incluído, bem no início do seu poema, referências alegóricas à parte

da obra que, segundo a maioria dos comentadores, seria inteiramente falsa. Embora

discuto o fragmento de Cornford no cap. II, n. 72. Sobre a tradição de manuscritos, ver Coxon,

Fragments , pp. 1-7.

43 Para uma discussão a respeito das várias interpretações de B1, ver Fränkel, “Studies,” pp. 1-14 e Early

Greek, pp. 351-353; Bowra, “Proem”; Verdenius, “Parmenides’ Conception”; Mansfeld, Offenbarung,

chap. IV, pp. 222-273; Tarán, Parmenides , pp. 22-31; Guthrie, HGP, vol. II, pp. 6-13; e Bormann, pp.

56-69. Para interpretações mais recentes, ver (entre outros) Burkert, “Proömium”; Furley, “Notes”;

Coxon, Fragments , pp. 153-171; Bollack, “Cosmologies”; Laks, “Proem.” Barnes, por sua vez, faz o

seguinte comentário sobre a porção da jornada no proêmio (linhas 1-27): “O proêmio começa com

um longo prólogo alegórico, cuja interpretação é, em sua maior parte, de pouca importância filosófica”

(PP, vol. I, p. 156). Floyd (“Verse”) relaciona o proêmio ao propósito de Parmênides ao escrever em

verso. De acordo com Floyd, o uso do verso permite que Parmênides inclua tanto a verdade quanto a

opinião na mesma obra.

44 Sobre a influência de Homero e Hesíodo, ver Havelock, “Parmenides”; Schwabl, “Hesiod und

Parmenides”; Mourelatos, Route , cap. 1; Pellikaan-Engel; Pfeiffer; e Coxon, Fragments . Kigsley vê

uma influência babilônica (Ancient Philosophy, pp. 54-55 and pp. 392-393); outros, incluindo

Burkert, têm visto uma influência da tradição órfica.

45 Sexto Empírico descreve uma interpretação alegórica antiga em M. VII.112-114. Laks (“Proem”)

apresenta um tratamento abrangente das interpretações alegóricas. (Sou grata ao professor Laks por me

permitir utilizar e me referir a seu artigo ainda não publicado.)

46 Sobre a primeira visão, ver Fränkel, “Studies,” pp. 5-6. Sobre a outra, ver Morrison, “Er”; Burkert,

“Proömium”; e Furley, “Notes.” Ver também Coxon, Fragments , pp. 13-17, que diz que “a jornada

para a deusa é uma antecipação da morte” (p. 16). Mourelatos defende (Route , pp. 15-16) que “a

conclusão honesta de tudo isso é que a topografia da jornada é irreconhecivelmente nebulosa.” Ver

também Fränkel, “Studies,” p. 5: “não há uma rota que possa ser localizada.”

seja possível encontrar relações com outras formas da poesia grega antiga, suspeito

que, para certos elementos do proêmio, nenhuma interpretação poderá ser aceita com

segurança. As evidências relativas às fontes deste aspecto do pensamento de

Parmênides e a outras formas antigas de alegoria é escassa demais para conferir

certeza.47

[20] Mas este pessimismo em relação ao significado alegórico da jornada do kouros

não deve gerar desconfiança a respeito de outras afirmações sobre o proêmio. As linhas

de abertura do poema compartilham com outras formas da poesia do tempo de

Parmênides uma representação do processo de inspiração, junto com um recurso à

autoridade divina para as verdades que o poema como um todo irá declarar a seus

ouvintes e leitores.48 Parmênides, assim como outros poetas de sua época, atribui ao

divino a inspiração que permitiu que ele tivesse as ideias que são transmitidas no corpo

do poema. Mas, diferentemente de outros apelos pré-parmenidianos às Musas e de

outras representações de inspiração divina, o poema inspirado de Parmênides é uma

obra de filosofia.49 Isto pode parecer minar um pouco a força de seus argumentos, mas

a própria deusa não dá nenhuma evidência de que haja qualquer conflito entre sua fala

inspirada dirigida a Parmênides e o uso do pensamento e do julgamento racional. É a

própria deusa, afinal, quem diz ao kouros (em B7.5-6) para “julgar pela razão a mui

contestada prova” (κρῖναι δὲ λόγῳ πολύδηριν ἔλεγχον) que ela lhe presentou.50 Há

uma diferença entre apelar para uma deusa como fonte de inspiração e usar da

47 Um grande obstáculo para entender isso é a nossa falta de evidências sobre o pensamento pitagórico

pré-parmenidiano. Coxon defende uma influência pesada do pitagorismo sobre Parmênides e ele [20]

pode mesmo estar correto. Mas há tão pouca evidência que é muito difícil assumir qualquer detalhe

com segurança quando se trata da influência dos pitagóricos sobre Parmênides.

48 Para uma discussão destas questões, especialmente a respeito das similaridades com outros registros

de inspiração poética, ver Lesher, “Significance.” Lesher defende que, apesar de não haver nenhum

manuscrito que autorize a leitura de astē na linha B1.3 (como Coxon apontou em 1968), há boas razões

para pensar que ela possa, de fato, originalmente ter sido escrita assim: κατὰ πάντ’ ἄστη. Lesher

também formula claramente e discute o aparente problema de se recorrer à autoridade de uma deusa

para garantir argumentos filosóficos (ver esp. pp. 16-19).

49 Há razões para pensar que nos faltam as linhas iniciais de qualquer um dos poemas de Xenófanes, de

modo que não sabemos se ele também não incluía introduções como essa em seus poemas filosóficos

(nem sabemos se é possível distinguir textos estritamente filosóficos no interior da obra de Xenófanes).

Também não sabemos se tal recurso à autoridade divina era uma prática padrão entre os pitagóricos.

Empédocles invoca as Musas (em B3, B4 e B131), mas ele pode estar simplesmente seguindo

Parmênides, ao invés de uma tradição filosófica anterior.

50 Sobre esta tradução de B7.5-6, ver o cap. I, nn. 107 e 109. Eu discuto mais o papel do argumento na

obra de Parmênides em “Eleatic Arguments.”

autoridade divina como justificativa para o que alguém diz. O apelo de Parmênides

cai mais dentro da primeira classificação do que da segunda. Apesar de representar o

kouros como o receptor da história contada pela deusa, Parmênides não o apresenta

como um ouvinte passivo do que a deusa tem para dizer. Ela o exorta a assumir o

controle do seu noos e a julgar por si mesmo as afirmações que ela faz.51 A inspiração

divina pode ter sido necessária para que Parmênides obtivesse suas ideias, mas é só o

julgamento e o pensamento filosófico aplicado que poderá lhe mostrar se aquelas

ideias são verdadeiras.52

[21] Seja qual for o cenário do proêmio, uma das coisas que são claras é sua distância

do mundo cotidiano da vida humana. A deusa enfatiza isso em sua saudação ao kouros ,

descrevendo (em B1.27) a rota pela qual ele chegou até ela como estando “longe do

caminho assentado pelos seres humanos” (ἢ γὰρ ἀπ’ ἀνθρώπων ἐκτὸς πάτου ἐστὶν).

Para alcançar a deusa, a biga teve que viajar até os portões dos caminhos do Dia e da

Noite e, depois de passar por esses portões, seguir viagem pela estrada até encontrar a

deusa que narra a história (B1.20-21). O cenário distante (onde quer que ele seja) do

encontro entre o kouros e a deusa, os detalhes das filhas do sol e dos grandes portões,

e a presença da própria deusa se combinam para indicar que esta não é uma jornada

comum e que a história que Parmênides conta também não é uma história comum. A

narrativa da deusa será sobre a investigação filosófica, o conhecimento e seu objeto,

mas o cenário sugere que os métodos usuais de investigação, adotados por aqueles que

a deusa chama de mortais, não serão adequados para avaliar ou utilizar a informação

que ela irá oferecer.

Depois de saudar e incentivar o kouros, a deusa lhe diz o que ele irá aprender dela:

51 Sobre o contraste entre a passividade do kouros durante o passeio de biga e a exortação que lhe faz a

deusa quando começa seu relato, ver Lesher, “Parmenides’ Critique,” p. 29. Eu discuto mais estas

questões no cap. I, seção 2; ver também a n. 72 naquele capítulo.

52 Qualquer leitor de Hesíodo saberá que as Musas podem confundir se elas assim o quiserem. Ver a

afirmação das Musas em Th. 27-28: ἴδμεν ψεύδεα πολλὰ λέγειν ἐτύμοισιν ὁμοῖα, ἴδμεν δ’ εὖτ’ [21]

ἐθέλωμεν ἀληθέα γηρύσασθαι (Sabemos dizer muitas coisas falsas semelhantes à verdade, mas quando

queremos sabemos dizer a verdade). Em seu comentário sobre a Teogonia , West nota a similaridade

entre a descrição que as Musas fazem de si mesmas e o retrato de Odisseu em Od. XIX.203. A afirmação

das Musas é frequentemente invocada em explicações sobre por que a deusa teria incluído tanto a

Alētheia quanto a Doxa em seu relato. Mas se (como sugere Hesíodo) o engano divino é possível, então

as afirmações da deusa deveriam ser submetidas à verificação independente da razão.

. . . χρέὼ δέ σε πάντα πυθέσθαι

ἠμὲν ἀληθείης εὐπειθέος53 ἀτρεμὲς ἦτορ

ἠδὲ βροτῶν δόξας, ταῖς οὐκ ἔνι πίστις ἀληθής.

ἀλλ’ ἔμπης καὶ ταῦτα μαθήσεαι, ὡς τὰ δοκοῦντα

χρῆν δοκίμως εἶναι, διὰ παντὸς πάντα περ ὄντα.54 (B1.28-32)

. . . é justo que aprendas todas as coisas,

tanto o coração inabalável da verdade bem persuasiva

quanto as opiniões dos mortais, nas quais não há crença verdadeira.

Não obstante, aprenderás também estas coisas, como se fosse correto que

as coisas que parecem sejam de modo confiável, sendo, de fato, a totalidade das coisas.

Ao prometer que o kouros aprenderá “todas as coisas”, a deusa, com efeito, assegura

um relato completo tanto do que é verdadeiro, quanto do que é [22] considerado (por

engano) pelos mortais como verdadeiro. Mais adiante, em B8 (linhas 60-61), ela dirá

ao kouros que ele aprenderá as crenças dos mortais para não ser nunca surpreendido

ou enganosamente persuadido por elas. Em B1 não há uma afirmação clara da

natureza da verdade persuasiva que a deusa irá declarar, mas as linhas 31-32 (que

relatam o erro dos mortais) oferecem uma pista, especialmente quando consideradas

à luz de B1.29, que promete o relato de uma verdade persuasiva.55

De acordo com a deusa, o erro dos mortais está em pensar que as coisas que parecem

(ta dokounta), o que quer que elas sejam, são de modo confiável ou genuíno. Dokimōs

aqui deve significar algo como “genuinamente” ou “de modo confiável.” 56 Isso

implica que algo é dokimōs somente quando foi certificadamente atestado ou passou

por testes específicos, pois uma dokimasia é um exame ou julgamente. Aquilo que é

de modo confiável é algo que passou (ou poderia passar) por algum teste para o que é

e, assim, sendo de modo confiável, poderia, portanto, se qualificar como uma “verdade

53 Para εὐπειθέος ao invés de εὐκυκλέος, sigo os argumentos de Mourelatos; ver, Route , pp. 154-156,

com a n. 50 (que lista posições contrárias e favoráveis a esta leitura). Ver também Coxon, Fragments ,

p. 168 e Finkelberg, “Parmenides’ Foundation,” p. 65. Tarán, Guthrie e Bormann seguem DK in

reading εὐκυκλέος.

54 Seguindo Owen, eu leio aqui περ ὄντα ao invés de περῶντα. Ver cap. III, nn. 48 e 52.

55 Para o argumento de que estas linhas contêm a descrição da deusa do erro dos mortais, ver Owen,

“Eleatic,” pp. 3-9. Embora eu discorde da tese de Owen de que a Doxa é inexoravelmente falsa (ver

cap. III), eu aceito sua descrição a respeito destas linhas do proêmio.

56 Owen, “Eleatic,” p. 6: “onde dokimōs é atestada em outros lugares (Ésquilo, Persae 547; Xenofonte,

Cyr. 1.6.7), os léxicos e os editores corretamente a traduzem como ‘realmente, genuinamente’ . . . .

Dokimos é o homem confiável.”

bem persuasiva” (ἀληθείης εὐπειθέος).57 Os mortais estão errados em tomar as coisas

que parecem (ta dokounta) como sendo genuinamente reais. O que eles creem ser

verdadeiro é, na verdade, falso. Seu erro pode ser resultado da falha em compreender

os testes para o ser confiável, de modo que eles confundem coisas que meramente

parecem com coisas que são genuinamente, ou eles podem ser até mesmo tão sem

critério ao ponto de pensar que não existem tais testes.58 B7, com suas referências aos

órgãos da experiência sensória, indica que os mortais são enganados pela percepção

sensível ao tomar como reais aquilo que eles percebem, enquanto B1.32 sugere que

este erro ocorre porque os mortais confundem ta dokounta com a totalidade das

coisas. Ta dokounta não são apenas as coisas que podem ser percebidas pelos sentidos.

Os mortais, pensando que a experiência sensível é um guia confiável para o que é real,

tomam ta dokounta como constituintes da natureza das coisas, sem perceber que o

que é genuinamente real pode não estar disponível somente pela percepção sensória.

Ao prometer ensinar ao kouros “todas as coisas”, a deusa se põe a declarar para ele

o que é preciso saber para evitar os erros dos mortais. Ele precisa aprender o que é,

para algo, o ser confiável e também precisa aprender tanto os critérios de

confiabilidade quanto os testes que o permitirão investigar e avaliar as diversas

afirmações do ser confiável, ou do-que-é. De [23] modo a poder ensinar ao kouros

estas coisas, a deusa, então, precisa conduzir uma investigação completa a respeito doque-

é, mostrando a ele como deve se perguntar pelo-que-é e o que ele deve buscar

enquanto faz isso. Seus ensinamentos, como aparecem nos argumentos de

Parmênides, serão relatados no decorrer do poema. Eles e sua influência sobre o

pensamento pré-socrático tardio são o assunto do restante deste livro.

57 Sobre a conexão entre ser de modo confiável e o qualificar-se como uma verdade bem persuasiva,

ver Lesher, “Parmenides’ Critique” e “Philosophical Interest”.

58 As linhas B1.31-32, portanto, contêm um primeiro contraste entre parecer e ser; ver também

Xenófanes B34 e B35.