Ayvú Rapyta

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Ayvú rapyta é uma compilação de mitos orais dos mbyá-guaranis do Guairá feita pelo antropólogo paraguaio León Cadogan, segundo o relato oral dos nativos e do cacique Pablo Verá.

Sua publicação foi precedida por um ensaio com o mesmo nome no boletim da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, Brasil.[1] Estudiosos e organizações de uma dezena de países reproduziram em suas revistas e boletins uma grande quantidade de artigos de León Cadogan. Posteriormente, foi publicada com o nome completo de Ayvú Rapyta: textos míticos de los mbya-guarani ("Ayvú Rapyta: textos míticos dos mbyá-guarani"), em 1959, sendo considerado um dos trabalhos mais importantes sobre o povo guarani. Ela foi traduzida por outros antropólogos posteriores, como Pierre Clastres (1990) e Kaká Werá Jecupé,[2] este último tendo adaptado a tradução poética em seu livro Tupã Tenondé (2001),[3] com base em sua ascendência e convivência indígena em aldeias guarani desde a década de 80, coletando relatos orais dos caciques.[4] A poeta e tradutora Josely Vianna Baptista publicou também uma versão em 2011.[2]

Conteúdo[editar | editar código-fonte]

O Ayvú rapyta é composto por textos majoritariamente narrativos que relatam a aparição do ser criador e a cosmogonia seguinte, intercalados com hinos, orações, mensagens recebidas, receitas de medicamentos e normas sociais variadas. No conjunto, destaca-se a cosmologia do deus criador Nhamandú (Ñande Ru) tenondé, que após manifestar a si mesmo, manifesta em desdobramento os fundamentos da Criação; dentre os quais figura primeiro o "Mborayu", cujo significado pode ser compreendido entre os conceitos de "amor",[1][3] "solidariedade"[5] e "reciprocidade".[6] Nhamandú é considerado por Kaká Werá a essência de Tupã tenondé, que se apresenta sob o aspecto de colibri e em sua manifestação é o "Grande Som Primeiro", em uma analogia de que a Criação é também uma música.

Conceito[editar | editar código-fonte]

O fundamento (rapyta) da linguagem humana (Ayvú), expressão que dá nome à obra, é um conceito que possui em seu âmago a dualidade entre alma e palavra, uma das características da metafísica guarani;[7] o escritor indígena Kaká Werá traduziu o termo ayvu como "linguagem" e "ser", respectivamente, em trechos distintos de sua publicação Tupã Tenondé; sentidos estes que ele une no conceito de "alma-palavra", o ser humano em sua divina essência;[8] o ser é linguagem, e é um desdobramento de Ñande Ru Tenondé.[9]

Índice[editar | editar código-fonte]

Versão de León Cadogan, em espanhol:

  • Las primitivas costumbres del colibrí.
  • El fundamento del lenguaje humano.
  • La primera tierra.
  • Se está por dar asiento a un ser para alegría de los bien amados.
  • De la paternidad y de la muerte.
  • El diluvio.
  • La nueva tierra.
  • El señor del cuerpo como el sol.
  • Los que se inspiran en la buena ciencia, conjurando los maleficios: los lugartenientes de los jakairá.
  • Los remedios imperfectos.
  • Los preceptos que dejaron nuestros buenos padres para nuestro gobierno.
  • Un señor da consejos a su hijo que quiere casarse.
  • Las aves migratorias. Palabras referentes a otros pájaros.
  • Amuletos-filtros.
  • Capitán Chikú.
  • La lengua de nuestros padres y otros datos lingüísticos.
  • Cuentos. Cantos infantiles. Saludos.
  • El concepto guaraní del "alma".
  • La carta de Yvaroty.

Versão de Kaká Werá Jecupé, em português brasileiro:

  • Os primeiros costumes do colibri
  • Os fundamentos do ser
  • A primeira Terra
  • Está-se a dar assento a um ser para alegria dos bem-amados

Referências

  1. a b Cadogan, León (12 de junho de 1953). «Ayvu Rapyta: Textos míticos de los Mbyá-Guarani del Guairá». Revista de Antropologia. 1 (1): 35–42. ISSN 1678-9857. doi:10.11606/2179-0892.ra.1953.130577 
  2. a b Quaresma, Carline Cunha Ramos; Leal, Izabela Guimarães Guerra (2018). «Kaká Werá Jecupé e a Tradução dos Cantos Sagrados Mbyá Guarani». Letras Escreve. 8 (1) 
  3. a b Jecupé, Kaka Werá (2001). Tupã Tenondé. [S.l.]: Editora Peirópolis. ISBN 978-85-85663-51-3 
  4. Jecupé, Kaká Werá. «A Voz do Trovão (A criação do mundo segundo os guaranis)» (PDF). Grupo de Estudos Pindorama 
  5. Clastres, Pierre (1990). A Fala Sagrada. Mitos e cantos sagrados dos índios Guarani. Campinas: Papirus. pp. 29–31 
  6. Clastres, Hélène (1978). A terra sem mal. O profetismo Tupi-Guarani. São Paulo: Brasiliense 
  7. Jecupé, Kaká Werá (2001). Tupã tenondé. [S.l.]: Peirópolis. p. 55. Para o pensamento Guarani, ser e linguagem, alma e palavra são uma coisa só. A palavra ayvu expressa o espírito como som vivo, sopro-luz primeiro, aquilo que é eterno em cada indivíduo e que vivifica o corpo e manifesta-se no reino humano sob a pele da palavra, pelo sopro que a preenche. 
  8. Jecupé, Kaka Werá (2001). Tupã tenondé. [S.l.]: Peirópolis. p. 56. ISBN 978-85-85663-51-3. O ser humano é percebido como 'alma-palavra' -- é o que se expressa mediante a linguagem e por meio do pensamento. Ser e som têm o mesmo sentido. Para essa percepção é necessário ampliar o nosso conceito de som para além da vibração sonora, percebê-lo como corpo-vida, princípio dinâmico da luz cuja forma denominamos 'consciência'. 
  9. "Ayvu rapyta oguero-jera, oguero-yvára Ñande Ru tenondé ñen'ey mbyterã" ('O ser fundamenta-se no fato de ter sido desdobrado de nosso Pai Primeiro, o ser fez-se parte da divindade primeira, como medula, palavra-alma, da coluna do Criador'). (Werá, Pablo, 1979 apud Jecupé, Kaká Werá, 2001. Tupã tenondé. São Paulo: Peirópolis.)

Referências bibliográficas[editar | editar código-fonte]

Ver também[editar | editar código-fonte]