Língua tigrínia

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Tigrínia

ትግርኛ

Pronúncia:/tɨg.rɨ.ɲo/
Falado(a) em: Eritreia,  Etiópia,  Israel
Total de falantes: 6,75 milhões
Família: Afro-asiática
 Semítica
  Semítica meridional
   Etiópica
    Etiópica setentrional
     Tigrínia
Estatuto oficial
Língua oficial de: Eritreia
Regulado por: sem regulação oficial
Códigos de língua
ISO 639-1: ti
ISO 639-2: tir
ISO 639-3: tir

O tigrinha ou tigrínia (ትግርኛ, transl. tigriññā) é uma língua semítica etiópica falada pelo povo tigrínio, da região homônima do norte da Etiópia e da Eritreia, onde é a língua nacional, e entre emigrantes destas regiões residentes em Israel (os Beta Israel).

História[editar | editar código-fonte]

O mais antigo exemplo escrito do tigrínia é um texto sobre legislação local no distrito de Logosarda, no sul da Eritreia, que data do século XIII.[1]

Na mesma Eritreia, durante o domínio britânico, o Ministro da Informação mandou publicar um jornal semanal em tigrínia, vendendo 5 mil cópias por semana - primeiro periódico impresso no idioma.[2]

Até antes do curto tempo em que a Eritreia formou uma federação com a Etiópia, a língua tigrínia, junto com o árabe, foi a língua oficial do país. Em 1958, antes da anexação, foi substituída pelo amárico. Desde a independência da Eritreia em 1993, o tigrínia mantém-se com o status de "língua de trabalho" dessa nação, sendo o único estado onde é reconhecida num nível nacional.

Falantes[editar | editar código-fonte]

Não há uma denominação definida para os falantes do tigrínia. Um nativo da Região Tigré do norte da Etiópia é referido em tigrínia como tigrāwāy ("homem"), tigrāweytī ("mulher"), tigrāwōt, tegaru (plural).

Na Eritreia, os falantes do tigrínia são oficialmente conhecidos como Bihér-Tigrigna, cujo significado é "nação dos falantes de tigrínia", sendo que Bihér a rigor significa "nação" no sentido étnico, tanto no tigrínia quanto nas línguas tigré, amárica, e ge'ez, originadas do tigrínia. Os muçulmanos que são falantes nativos do tigrínia são chamados de Jeberti, uma palavra de origem árabe para africanos convertidos ao Islão e é também usado para um sub-clã somali.

Na Etiópia, o tigrínia é a terceira língua mais falada, depois do amárico e do oromo. É a língua mais falada na Eritreia, sendo falada também em comunidades de emigrantes noutros países, tais como o Sudão, Arábia Saudita, Estados Unidos, Alemanha, Itália, Reino Unido, Canadá e Suécia.

Os diversos dialetos do tigrínia apresentam variações fonéticas, léxicas e gramaticais.[3] Nenhum dialeto é aceito como sendo o padrão.

Escrita[editar | editar código-fonte]

A escrita tigrínia é derivada da escrita ge'ez, tendo aparecido pela primeira vez escrita no século XIII.[4]

É um abugida, onde cada uma das 37 consoantes sofrem pequenas modificações no seu símbolo para indicar cada uma das possíveis 7 vogais associadas (E, U, I longo, A, IE, O, "I" quase mudo, curto). Quatro das consoantes (kwa, qwa, kxwa, khwa) não se associam com as vogais U ou O). A consoante kwa não se associa com U, O ou I curto.

Há caracteres para cinco diferentes pontuações: a vírgula, o ponto final e três tipos de dois pontos. O ponto de interrogação tinha um símbolo próprio, que não é mais usado. Existem símbolos próprios para os numerais de 1 até 10 e para as dezenas inteiras de 20 até 100.

Fonologia[editar | editar código-fonte]

Consoantes[editar | editar código-fonte]

O tigrínia tem um significativo número de fonemas para uma língua semítica etiópicas. Apresenta diversas consoantes ejetivas.

São sete os seus fonemas vocálicos. Diferentemente das línguas semíticas etiópicas modernas, o tigrínia apresenta duas consoante faringais, que aparentemente vieram da antiga língua ge'ez. Outra diferença do tigrínia para as demais línguas correlatas (como o amárico) é a consoante [x'], velar ou uvular ejetiva fricativa (a língua tigré, no entanto, também mantém as consoantes faringeais).

As tabelas abaixo mostram os fonemas do tigrínia: A consoante /v/ aparece entre parênteses, pois ocorre somente nas palavras recentemente vindas de línguas europeias. As consoantes fricativas [x], [xʷ], [x'], [xʷ'] ocorrem como alofones.

Consoantes
Bilabial/
Labiodental
Dental Palato-alveolar/
Palatal
Velar Faringal Glotal
Simples Labialização
Nasal m n ñ [ɲ]
Consoante oclusiva Surda p t č [tʃ] k ’ [ʔ]
Sonora b d ǧ [dʒ] g g
Ejetiva č' [tʃʼ] k' kʷ'
Fricativa Surda f s š [ʃ] (x) (xʷ) ḥ [ħ] h
Sonora (v) z ž [ʒ] ‘ [ʕ]
Ejetiva (x') (xʷʼ)
Aproximante l y [j] w
Rótica r

Fonemas vocálicos[editar | editar código-fonte]

vogais
Anterior Central Posterior
Fechada i ə [ɨ] u
Média e ä [ɐ] o
Aberta a

Geminação[editar | editar código-fonte]

A geminação (extensão) das consoantes, o fato de dobrar o som das mesmas, é bem significativo no tigrínia por alterar o significado de palavras. Essa geminação é muito importante na morfologia dos verbos, sendo também acompanhada de outras marcas. São poucos os pares de palavras diferenciadas entre si pela geminação. Exemplo: /kʼɐrrɐbɐ/, ("produzir", "causar"); /kʼɐrɐbɐ/, ("aproximar"). Todas as consoantes, com exceção das faringais e glotais, podem apresentar geminação.[5]

Alofones[editar | editar código-fonte]

As consoantes velares /k/ e /kʼ/ são pronunciadas de forma diferente quando aparecem imediatamente após uma vogal e não são geminadas. Desse modo, a vogal /k/ é pronunciada como uma velar fricativa. Já /kʼ/ é pronunciada como africativa às vezes; essas fricativas ou africativas são pronunciadas mais de forma posterior, na localização uvular de articulação (embora seja representada aqui como [xʼ]). Todas essas possíveis percepções (velar ejetiva fricativa, uvular ejetiva fricativa, velar ejetiva africativa e uvular ejetiva africativa) são sons muito raros na forma translinguística.

Como esses dois sons são inteiramente condicionados nos seus ambientes, podem ser ainda considerados como alofones de /k/ e /kʼ/. Isso fica especialmente claro nas raízes de verbos nas quais uma consoante é percebida como um ou outro alofone, dependendo do que precede a mesma. Como exemplo, o verbo que significa "chorar", que tem uma raiz de três consoantes, |bky|, pode assumir formas como /məbkaj/ ("chorar") e /bɐxɐjɐ/ ("ele chorou"). Para o verbo que significa "roubar", que tem também uma raiz tricosonontal, srkʼ, existem formas como /jəsɐrkʼu/ ("eles roubam") e /jəsɐrrəxʼ/ ("ele rouba").

O que é especialmente marcante sobre esses pares de fonemas é que eles quase não são diferenciados na grafia do tigrínia. Como esses alofones são totalmente previsíveis e conhecidos, os mesmos não são usualmente expressos com símbolos diferentes na forma escrita da língua.

Sílabas[editar | editar código-fonte]

As sílabas no tigrínia são formadas por consoante-vogal ou por consoante-vogal-consoante. Quando três consoantes (ou uma consoante geminada e uma simples) aparecem juntas numa palavra, esse conjunto consonantal é "quebrado" pela introdução de uma vogal (epêntese) /ə/. Quando duas constantes (ou uma geminada) ficam no fim de uma palavra, a vogal /i/ aparece depois dessas duas consoantes; quando isso mesmo ocorre devido à presença de um sufixo, ə é introduzido antes do sufixo.

Exemplos:

  • käbdi "estômago", ləbbi "coração"
  • -äy "meu", käbdäy "meu estômago", ləbbäy "meu coração"
  • -ka "seu (dele)", käbdəxa "seu (dele) estômago", ልብኻ ləbbəxa "seu (dele) coração"
  • -n...-n 'e', käbdən ləbbən "estômago e coração"

A tonicidade não é nem contrastiva, nem particularmente especial, no tigrínia; parece depender da geminação, mas isso ainda não foi investigado sistematicamente.

Gramática[editar | editar código-fonte]

Principais características[editar | editar código-fonte]

Gramaticalmente, é tipicamente uma língua semítica etiópica em vários aspectos:

  • Os substantivos do tigrínia são masculinos ou femininos, sendo que a maior parte dos seres inanimados não apresentam gênero.
  • Os substantivos apresentam número gramatical, distinguindo entre singular e plural, porém, o plural não é obrigatório quando o contexto gramatical ou mesmo pragamático deixa claro esse número. Como também ocorre no tigré, em ge'ez e no árabe, o plural pode ser formado por transformações internas na palavra, em plurais "quebrados", ou ainda por afixos (sufixos/prefixos. Como exemplo, temos: färäs, "cavalo" e ’afras, "cavalos".
  • Adjetivos apresentam variações similares às dos substantivos. A maioria, como no tigré e no ge'ez, têm formas diferentes para masculino, feminino e para o plural comum aos gêneros: s'ǝbbux', "bom" (masc.sg.), s'ǝbbǝx'ti "boa" (fem.sg.)', ጽቡቓት s'ǝbbux'at "bons"/"boas" (pl.)
  • A concordância verbal com os pronomes e os sujeitos, apresenta variações para gênero tanto na terceira pessoa, como na segunda pessoa. Exemplo: täzaräb "fale!" (masc.sg.)', täzaräbi "fale!" (fem.sg.).
  • Adjetivos possessivos se apresentam como sufixos dos substantivos: gäza "casa", ገዛይ gäza-y "minha casa", gäza-xi "tua (fem.sg) casa".
  • Verbos se baseiam nas raízes consonantais, geralmente consistindo de três consoantes. Exemplos: {sbr} "quebra", säbärä "ele quebrou", yǝsäbbǝr "ele quebra", ምስባር mǝsbar "quebrar".
  • O tempo gramatical se apresenta dom distinção entre o perfeito, conjugado com sufixos que indicam o passado, e o imperfeito, com o uso de prefixos, às vezes sufixos, para marcar o presente e o futuro: säbär-u "eles quebraram", yǝ-säbr-u "eles quebram".
  • Há um gerúndio específico, como ocore em ge'ez e em amárico, com sufixos para ligar os verbos dentro da frase: gädifka täzaräb "pare (com isso)" e "fale (masc.sg.)".
  • Há também o modo jussivo/imperativo, similar ao imperfeito: yǝ-sbär-u "Deixe-os quebrar".
  • As vozes passiva e reflexiva são obtidas por derivação morfológica (mudanças internas à raiz do verbo ou por sufixos). Isso também ocore para indicar os modos causativo, frequentativo, recíproco ou recíproco-causativo: fälät'-u "eles conhecem", ተፈልጡ tä-fält'-u "eles foram (re)conhecidos", ’a-fält'-u "eles fizeram conhecer (apresentaram)", ተፋለጡ tä-falät'-u "eles se conheceram (reciprocamente)", ’a-f-falät'-u "eles fizeram de conhecer (um a o outro)".
  • Os verbos tomam objeto direto e pronome aposicional por sufixos: fälät'ä-nni "ele me conhece", ፈለጠለይ fälät'ä-lläy "ele conheceu para mim".
  • A negação é expressa pelo prefixo ay- e, numa sentença não subordinada, pelo sufixo -n: ay-fälät'ä-n "ele não soube".
  • O verbo de "ligação" (equivalente Ser - Estar) e o que indica existência são iregulares no Presente: ’allo "existe", "ele existe", ǝyyu "ele é", yällän ou yälbon "não existe", "ele não existe", aykʷänän "ele não é", näbärä "ele existiu", "ele era, havia', yǝ-xäwwǝn "ele será", ይነብር yǝ-näbbǝr "ele vai existir", "haverá".
  • O verbo de existência junto com sufixos de objeto para quem possui algo pode expressar a posse ou a necessidade/obrigação de se fazer algo: ’allo-nni "Eu tenho que..", "Eu preciso" (lit. "há (ou é) para mim")
  • As orações relativas (que começam com "que", "o qual", etc) são expressas por prefixo junto ao verbo: zǝ-fälät'ä "que (o qual) soube"
  • São muito comuns frases partidas, com orações relativas seguindo o verbo de ligação: män ǝyyu zǝ-fälät'ä "quem soube" (lit. "quem é ele que soube?").
  • A forma acusativa para objeto direto definido é marcada pelo prefixo nǝ-. ḥagʷäs ’almaz räxibuwwa "Hagos encontrou Almaz".
  • Como nas línguas semíticas etíopes atuais, a forma básica das sentenças é Sujeito-Objeto-Verbo. Geralmente, os modificadores de substantivos (adjetivos, por exemplo) ficam antes dos mesmos.

Peculiaridades gramaticais[editar | editar código-fonte]

A língua tigrínia difere das demais semíticas etiópicas em vários aspectos:

  • Para os pronomes de segunda pessoa há uma forma vocativa separada, usada para chamar a atenção do interlocutor: nǝssǝxa "você" (masc.sg.), ኣታ ’atta "(ei) você" (masc.sg.).
  • Há um artigo definido relacionado ao adjetivo demonstrativo, que significa "aquele(a)": ’ǝta gʷal "A menina".
  • O gerúndio pode ser usado no passado, também como em uma função de ligação, como ocorre no ge'ez e no amárico: täzaribu "(ele) falando", "(ele) falou".
  • As perguntas "Sim-Não" são marcadas pela partícula ዶ, do, que se segue à palavra questionada: ḥaftäydo rǝ’ixi "você (fem.sg.) viu minha irmã?".
  • O circunfixo negativo para verbos ay-(antes) -n(depois do verbo) pode também marcar substantivos, pronomes e adjetivos: ay-’anä-n "eu não", ኣይዓብይን ay‘abǝy-ǝn "não grande"
  • O sistema de tempos/aspectos é extremamente complexo, com muitas nuances sendo obtidas pelas trê combinações de tempos e aspectos: perfeito, imperfeito, gerúndio; e vários verbos auxliares, dentre os quais os de ligação (ǝyyu, etc.), o de existência (’allo, etc.) e os verbos näbärä "existir", "viver", konä "tornar-se", ጸንሔ s'änḥe "ficar".
  • Há preposições compostas correspondendo a pósposições e preposições compostas, similares às do amárico: ab lǝ‘li ‘arat "na (sobre a) cama", ab tǝḥti ‘arat "sob a cama"
  • Ao contrário do que ocorre nas demais línguas semíticas etiópicas, o tigrínia tem apenas um conjunto de sufixos verbais para objeto, que são usados tanto para o caso dativo, como para o benefativo, locativo e o adversativo: täx'ämmit'a-llu' "ela sentou-se para ele", ou "ela sentou-se sobre ele", ou "ela sentou-se em seu detrimento".

Amostra de texto[editar | editar código-fonte]

Transliterado

Bəmäns̤ər kəbrən mäsälen kulom säbat əntəwläṣu näs̤an maʿərän əyom. Məstəwʿalen ḥəlenan zətäʿadälom bəməxʷanom bəḥəwnätawi mänfäs kətäḥalaläyu aläwom.

Tradução

Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São providos de razão e consciência e devem agir uns em relação aos outros num espírito de fraternidade. (artigo 1 da Declaração Universal dos Direitos do Homem)

Referências

  1. «UCLA Language Materials Project Language - Profiles Page: Tigrinya». UCLA. Consultado em 10 de novembro de 2006. Arquivado do original em 2 de março de 2007 
  2. Ministério da Informação (1944) The First to be Freed - The record of British military administration in Eritrea and Somalia, 1941-1943. Londres: His Majesty's Stationery Office.
  3. Leslau, Wolf (1941) Documents Tigrigna (Éthiopien Septentrional): Grammaire et Textes. Paris: Librairie C. Klincksieck.
  4. Escrita tigrínia - Onmiglot (em inglês)
  5. Rehman, Abdel. English Tigrigna Dictionary (Asmara) Simon Wallenberg Press

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

  • Amanuel Sahle (1998) Säwasäsǝw Tǝgrǝñña bǝsäfiḥ. Lawrencevill, NJ, USA: Red Sea Press. ISBN 1-56902-096-5
  • Dan'el Täxlu Räda (1996, Eth. Cal.) Zäbänawi säwasəw kʷ'ankʷ'a Təgrəñña. Mäx'älä
  • Rehman, Abdel. English Tigrigna Dictionary: A Dictionary of the Tigrinya Language: (Asmara) Simon Wallenberg Press. Introduction Pages to the Tigrinya Language ISBN 1-84356-006-2
  • Eritrean People's Liberation Front (1985) Dictionary, English-Tigrigna-Arabic. Rome: EPLF.
  • ----- (1986) Dictionary, Tigrigna-English, mesgebe qalat tigrinya englizenya. Rome: EPLF.
  • Kane, Thomas L. (2000) Tigrinya-English Dictionary (2 vols). Springfield, VA: Dunwoody Press. ISBN 1-881265-68-4
  • Leslau, Wolf (1941) Documents tigrigna: grammaire et textes. Paris: Libraire C. Klincksieck.
  • Mason, John (Ed.) (1996) Säwasǝw Tǝgrǝñña, Tigrinya Grammar. Lawrenceville, NJ, USA: Red Sea Press. ISBN 0-932415-20-2 (ISBN 0-932415-21-0, paperback)
  • Praetorius, F. (1871) Grammatik der Tigriñasprache in Abessinien. Halle. ISBN 3-487-05191-5 (1974 reprint)
  • Täxästä Täxlä et al. (1989, Eth. Cal.) Mäzgäbä k'alat Təgrəñña bə-Təgrəñña. Addis Ababa: Nəgd matämiya dərəǧǧət.
  • Ullendorff, E. (1985) A Tigrinya Chrestomathy. Stuttgart: F. Steiner. ISBN 3-515-04314-4
  • Ze'im Girma (1983) Lǝsanä Ag’azi. Asmara: Government Printing Press.

Ligações externas[editar | editar código-fonte]