Estatuto da Cidade

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Constituição do Brasil de 1988 que tem um capítulo sobre os direitos e deveres da política urbana.

O Estatuto da Cidade é a denominação oficial da lei 10.257 de 10 de julho de 2001[1], que regulamenta o capítulo "Política urbana" da atual Constituição brasileira.[2] Seus princípios básicos são o planejamento participativo e a função social da propriedade.

A União regulamentou as disposições constitucionais acerca de desenvolvimento urbano com base em competência prevista na própria constituição[3].

Histórico[editar | editar código-fonte]

O Estatuto da Cidade surgiu como projeto de lei em 1988, proposto pelo então senador Pompeu de Sousa (1914-1991),[4][5]. Apresentado no plenário do Senado em junho de 1989, o Estatuto foi aprovado e remetido à Câmara Federal no ano seguinte. Só saiu da gaveta quando o então deputado e ex-senador Inácio Arruda assumiu a presidência da Comissão de Desenvolvimento Urbano, em 1999, só tendo sido aprovado em 2001 - mais de doze anos depois - e sancionado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso em 10 de julho daquele ano.

Estrutura da lei[editar | editar código-fonte]

O Estatuto é dividido em cinco capítulos:

I - Diretrizes Gerais (artigos 1º a 3º);

II - Dos Instrumentos da Política Urbana (artigos 4º a 38);

III - Do Plano Diretor (artigos 39 a 42);

IV - Da Gestão Democrática da Cidade (artigos 43 a 45); e

V - Disposições Gerais (artigos 46 a 58).

Instrumentos de desenvolvimento urbano[editar | editar código-fonte]

O Estatuto criou uma série de instrumentos para que a cidade pudesse buscar seu desenvolvimento urbano, sendo o principal o plano diretor, que deve articular a implementação de planos diretores participativos, definindo uma série de instrumentos urbanísticos que têm no combate à especulação imobiliária e na regularização fundiária dos imóveis urbanos seus principais objetivos.

Além de definir uma nova regulamentação para o uso do solo urbano, o Estatuto prevê a cobrança de IPTU progressivo de até 15% para terrenos ociosos, a simplificação da legislação de parcelamento, uso e ocupação do solo, de modo a aumentar a oferta de lotes, e a proteção e a recuperação do meio ambiente urbano.

Para Raquel Rolnik, urbanista ligada ao Instituto Pólis, o Estatuto da Cidade poderá trazer benefícios ambientais aos grandes centros urbanos ao estimular a instalação da população de baixa renda em áreas dotadas de infraestrutura e evitar a ocupação de áreas frágeis ambientalmente, como mangues, encostas de morros e zonas inundáveis. A nova lei estimula as prefeituras a adotar a sustentabilidade ambiental como diretriz para o planejamento urbano e, ainda, prevê normas como a obrigatoriedade de estudos de impacto urbanístico para grandes obras, como a construção de shopping centers. Também lista, entre os instrumentos do planejamento municipal, a gestão orçamentária participativa.

Plano Diretor[editar | editar código-fonte]

De acordo com a própria lei, é "o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana"[6], obrigatório para municípios:

  • Com mais de vinte mil habitantes[7] ou conurbados;[8]
  • Integrantes de "área de especial interesse turístico"[9] ou área em que haja atividades com significativo impacto ambiental;[10]
  • Que queiram utilizar de parcelamento, edificação ou utilização compulsórios de imóvel.[11]

Em virtude da complexidade da tarefa, dentre outros motivos, muitos municípios deixaram de cumprir o prazo original de cinco anos dado pelo Estatuto para criarem seus planos diretores[12]. Diante dessa situação, foi promulgada a lei 11.673 em 2008, adiando o fim do prazo para 30 de junho de 2008.[13]

O Estatuto exige que o plano diretor ao menos delimite as áreas em que se poderão aplicar:

  • O parcelamento, edificação e utilização compulsórios de imóvel;[14]
  • O direito de preempção;[15]
  • O direito de outorga onerosa do direito de construir;[16]
  • O direito de alterar onerosamente o uso do solo;[17]
  • Operações urbanas consorciadas;[18]
  • O direito de transferir o direito de construir.[19]

Parcelamento, edificação e utilização compulsórios[editar | editar código-fonte]

O plano diretor de um município pode estabelecer coeficientes de aproveitamento[20] para certas áreas da cidade. O administrador público pode exigir, por meio de lei específica, que o proprietário que tenha imóvel subutilizado, ou seja, com ocupação inferior ao coeficiente[21], realize o parcelamento, edificação ou a utilização desse imóvel.[22]

O proprietário deverá ser notificado da subutilização pela prefeitura[23] e, no prazo máximo de um ano, apresentar projeto de utilização de forma a enquadrar-se no plano diretor.[24] Esse projeto deverá ser iniciado em até dois anos após sua apresentação[25], podendo ser excepcionalmente realizado em etapas.

Caso o titular não adequar sua propriedade, o município poderá aumentar progressivamente a alíquota do IPTU sobre o imóvel nos próximos cinco anos[26], não podendo cobrar mais do que o dobro exigido no ano anterior, até o teto de 15%.[27]

Se o proprietário do imóvel subutilizado não cumprir com as determinações da prefeitura após cinco anos, poderá tê-lo desapropriado, sendo indenizado com títulos da dívida pública, no regime de precatórios.[28]

Preempção[editar | editar código-fonte]

Ver artigo principal: Direito de preempção

Se o município tiver especial interesse[29] em adquirir imóveis em determinada região, poderá delimitá-la em lei específica e, nos cinco anos seguintes, terá direito de preempção, ou seja, preferência na compra de qualquer imóvel que venha a ser vendido naquela área[30]. A lei poderá ser reeditada após um ano do esgotamento da vigência da anterior[31].

Usucapião especial de imóvel urbano[editar | editar código-fonte]

Ver artigo principal: Usucapião#Especial

Atendendo à função social da propriedade, o legislador criou uma espécie nova de usucapião, exigindo menor prazo prescricional do que a usucapião comum, regida pelo código civil: cinco anos em vez de quinze.[32][33]

A fim de dar maior segurança aos moradores de favela, criou-se a usucapião especial coletiva[34], por meio da qual uma coletividade adquire a titularidade de uma área, cabendo a cada indivíduo uma fração ideal, a exemplo do que acontece com o condomínio.[35]

Referências

  1. Artigo 1º, parágrafo único da Lei: "Para todos os efeitos, esta Lei, denominada Estatuto da Cidade, (...)".
  2. Artigos 182 e 183 da Constituição brasileira.
  3. Artigo 21, inciso XX: "Compete à União: XX - instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos".
  4. Projeto de lei do Senado 181 de 1989, conforme site do Senado brasileiro.
  5. Dados biográficos do Senador Pompeu de Souza. Dicionário do Jornalismo Brasileiro. ECA-USP.
  6. Cabeça do artigo 40 da lei.
  7. Artigo 41, I, da lei: "O plano diretor é obrigatório para cidades: I – com mais de vinte mil habitantes".
  8. Artigo 41, II, da lei: "O plano diretor é obrigatório para cidades: (...) II – integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas".
  9. Art. 41, IV, da lei.
  10. Art. 41, V da lei: "O plano diretor é obrigatório para cidades: (...) V – inseridas na área de influência de empreendimentos ou atividades com significativo impacto ambiental de âmbito regional ou nacional".
  11. Art. 41, III, da lei: "O plano diretor é obrigatório para cidades: (...) III – onde o Poder Público municipal pretenda utilizar os instrumentos previstos no § 4o do art. 182 da Constituição Federal".
  12. Art. 50 da lei: "Os Municípios que estejam enquadrados na obrigação prevista nos incisos I e II do art. 41 desta Lei que não tenham plano diretor aprovado na data de entrada em vigor desta Lei, deverão aprová-lo no prazo de cinco anos".
  13. Art. 1º da lei 11.673: "O art. 50 da Lei no 10.257, de 10 de julho de 2001, passa a vigorar com a seguinte redação: 'Art. 50. Os Municípios que estejam enquadrados na obrigação prevista nos incisos I e II do caput do art. 41 desta Lei e que não tenham plano diretor aprovado na data de entrada em vigor desta Lei deverão aprová-lo até 30 de junho de 2008'".
  14. Art. 42, I, da lei: "(...) a delimitação das áreas urbanas onde poderá ser aplicado o parcelamento, edificação ou utilização compulsórios, considerando a existência de infra-estrutura e de demanda para utilização, na forma do art. 5º desta Lei".
  15. Art. 42, II, da lei: "O plano diretor deverá conter no mínimo: (...) II – disposições requeridas pelos arts. 25 (...) desta Lei".
  16. Art. 42, II, da lei: "O plano diretor deverá conter no mínimo: (...) II – disposições requeridas pelos arts. (...) 28 (...) desta Lei".
  17. Art. 42, II, da lei: "O plano diretor deverá conter no mínimo: (...) II – disposições requeridas pelos arts. (...) 29 (...) desta Lei"
  18. Art. 42, II, da lei: "O plano diretor deverá conter no mínimo: (...) II – disposições requeridas pelos arts. (...) 32 (...) desta Lei".
  19. Art. 42, II, da lei: "O plano diretor deverá conter no mínimo: (...) II – disposições requeridas pelos arts. (...) 35 desta Lei".
  20. Art. 28, par. 1º, da lei: "Para os efeitos desta Lei, coeficiente de aproveitamento é a relação entre a área edificável e a área do terreno".
  21. Art. 5º, par. 1º, da lei: "Considera-se subutilizado o imóvel: I – cujo aproveitamento seja inferior ao mínimo definido no plano diretor ou em legislação dele decorrente".
  22. Art. 5º, caput, da lei: "Lei municipal específica para área incluída no plano diretor poderá determinar o parcelamento, a edificação ou a utilização compulsórios do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, devendo fixar as condições e os prazos para implementação da referida obrigação".
  23. Art. 5º, par. 2º, da lei: "O proprietário será notificado pelo Poder Executivo municipal para o cumprimento da obrigação, devendo a notificação ser averbada no cartório de registro de imóveis".
  24. Art. 5º, parágrafo 4º, I, "Os prazos a que se refere o caput não poderão ser inferiores a: I - um ano, a partir da notificação, para que seja protocolado o projeto no órgão municipal competente".
  25. Art. 5º, parágrafo 4º, II, "Os prazos a que se refere o caput não poderão ser inferiores a: (...) II - dois anos, a partir da aprovação do projeto, para iniciar as obras do empreendimento".
  26. Art. 7º, caput, da lei: "Em caso de descumprimento das condições e dos prazos previstos na forma do caput do art. 5o desta Lei, ou não sendo cumpridas as etapas previstas no § 5o do art. 5o desta Lei, o Município procederá à aplicação do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana (IPTU) progressivo no tempo, mediante a majoração da alíquota pelo prazo de cinco anos consecutivos".
  27. Art. 7º, par. 1º, da lei: "O valor da alíquota a ser aplicado a cada ano será fixado na lei específica a que se refere o caput do art. 5o desta Lei e não excederá a duas vezes o valor referente ao ano anterior, respeitada a alíquota máxima de quinze por cento".
  28. Art. 8º, caput, da lei: "Decorridos cinco anos de cobrança do IPTU progressivo sem que o proprietário tenha cumprido a obrigação de parcelamento, edificação ou utilização, o Município poderá proceder à desapropriação do imóvel, com pagamento em títulos da dívida pública".
  29. O art. 26 da lei fixa todas as hipóteses.
  30. Art. 25, caput, da lei: "O direito de preempção confere ao Poder Público municipal preferência para aquisição de imóvel urbano objeto de alienação onerosa entre particulares".
  31. Art. 25, par. 1º, "Lei municipal, baseada no plano diretor, delimitará as áreas em que incidirá o direito de preempção e fixará prazo de vigência, não superior a cinco anos, renovável a partir de um ano após o decurso do prazo inicial de vigência"
  32. Art. 9º, caput, do Estatuto: "Aquele que possuir como sua área ou edificação urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural".
  33. Art. 1.238, caput, do código civil: "Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis".
  34. Art. 10, caput, do Estatuto: "As áreas urbanas com mais de duzentos e cinqüenta metros quadrados, ocupadas por população de baixa renda para sua moradia, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor, são susceptíveis de serem usucapidas coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural".
  35. Art. 10, par. 3º, do Estatuto: "Na sentença, o juiz atribuirá igual fração ideal de terreno a cada possuidor, independentemente da dimensão do terreno que cada um ocupe, salvo hipótese de acordo escrito entre os condôminos, estabelecendo frações ideais diferenciadas".

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

  • SILVA, José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, 22ª edição, São Paulo: Malheiros, 2003.

Ver também[editar | editar código-fonte]

Ligações externas[editar | editar código-fonte]

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