Fordlândia

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Fordlândia
  Distrito do Brasil  
Caixa d'água e Escritório Central de Fordlândia, em Setembro de 2010.
Caixa d'água e Escritório Central de Fordlândia, em Setembro de 2010.
Caixa d'água e Escritório Central de Fordlândia, em Setembro de 2010.
Localização
Mapa
Mapa de Fordlândia
Coordenadas 3° 49' 43.9" S 55° 29' 48.8" O
Estado Pará
Município Aveiro
História
Criado em 30 de setembro de 1927 (96 anos)
Características geográficas
Área total 14 568
População total 1 176 (IBGE/2 010)[1] hab.

Fordlândia (inicialmente: projeto agroindustrial) é um distrito brasileiro[2][3] de 14 568 km² de extensão, no município paraense de Aveiro (estado do Pará), situado às margens do Rio Tapajós, na Amazônia. Recebeu este nome porque foi uma cidade operária do projeto agroindustrial "Fordlândia" do empresário norte-americano Henry Ford em 1927.[4][5]

O projeto, que emprestou o nome ao atual distrito, foi uma vasta área de terras adquirida pelo empresário, através de sua empresa Companhia Ford Industrial do Brasil,[5] por concessão do estado do Pará de iniciativa do então governador Dionísio Bentes.

O projeto foi oficialmente encerrado em 24 de dezembro de 1945, em acordo entre a Ford e o governo federal.[6][7] A partir de então, conhecido pela metáfora cidade fantasma, após os funcionários abandonarem os galpões e o maquinário.[8] Mas legalmente virou uma Região Rural de Aveiro, na década de 1970 ocorreu a criação da rodovia Cuiabá-Santarém que trouxe para a região uma nova fronteira agrícola.[9] Em 2017 foi elevada à categoria de Distrito (conforme Lei Municipal 134/2017).[10]

Ford também sonhava em recriar uma nova América, que estava se deteriorando em seu país.[11] Assim ergueu, nas margens do rio Tapajós, uma localidade com boa infraestrutura: luz elétrica, praças, cinemas, piscinas, campos de golfe e casas nos moldes das pequenas cidades dos Estados Unidos.[11] Atualmente pleiteia emancipação política.[12][13]

Em 1990, foi iniciada uma petição IPHAN para tombamento e preservação do patrimônio material das áreas de Fordlândia e Belterra, ainda em análise devido a necessidade de regularização fundiária e a dificuldade de acesso ao local (distante quatro horas de Santarém por via fluvial).[8]

História[editar | editar código-fonte]

Vista aérea de Fordlândia em 1934

Ford com este projeto tinha dois objetivos: sonhava em recriar uma nova América, que sob seu ponto de vista, estava se deteriorando aceleradamente em seu país natal;[11] além da intenção de tornar Fordlândia o polo fornecedor de látex aos seus empreendimentos (que causou entusiasmo nos Estados Unidos),[11] já que o material era necessário a confecção de pneus para seus automóveis, pois o estado Pará foi uma potência neste segmento, no período chamado Ciclo da borracha (1879-1912).[14] Até então, as empresas de Ford eram dependentes da borracha produzida no Sudeste da Ásia (como na Malásia na época colônia britânica).[11]

Os termos da concessão, proposta pelo então governador Dionísio Bentes, isentavam a Companhia Ford do Brasil pagamento de qualquer taxa de exportação dos bens produzidos na gleba (borracha, látex, pele, couro, petróleo, sementes, madeira e outros). Jorge Dumont Villares, representante do governador, conduziu as negociações em visita a Henry Ford nos EUA, enquanto no Brasil "O. Z. Ide" e "W. L. Reeves Blakeley" representaram a Ford.[15] A concessão foi aprovada pela Assembleia Legislativa, em 30 de setembro de 1927.

A terra era infértil e pedregosa e os gerentes da fabricante de automóveis Ford Motor Company tinham pouca experiência em agricultura equatorial, acarretando no plantio incorreto das seringueiras – árvores de onde se extrai o látex – plantadas muito próximas umas das outras, o oposto das naturalmente muito espaçadas na selva, as quais foram presa fácil para pragas agrícolas, principalmente micro-organismos do gênero Microcyclus, que dizimaram as plantações.[6]

Revolta[editar | editar código-fonte]

Com o passar do tempo, os empregados ficaram insatisfeitos com regras que, na época, eram muito novas para os trabalhadores da região, como sirenes, relógios de ponto e regras de comportamento.[16][17]

Os trabalhadores das plantações recebiam uma alimentação típica norte-americana, como hambúrgueres - da qual se cansaram -, instalados em habitações também ao estilo norte-americano, obrigados a usar crachás e comandados em um estilo a que não estavam habituados, o que causava conflitos e baixa produtividade. Em 1930, os trabalhadores locais se revoltaram - no refeitório em uma ação conhecida como quebra-panelas - contra gerentes truculentos, que tiveram que se esconder na selva da Amazônia até o exército brasileiro intervir e restabelecer a ordem.[18][19] Acordos foram feitos sobre o tipo de comida que os trabalhadores seriam servidos.

Falhas no projeto Ford[editar | editar código-fonte]

O governo brasileiro suspeitava dos investimentos estrangeiros, especialmente na Amazônia, que oferecia pouca ajuda. Ford ainda tentou realocar as plantações em Belterra, mais para o norte, onde as condições para a seringueira eram melhores, mas, a partir de 1945, novas tecnologias permitiam fabricar pneus a partir de derivados de petróleo, o que tornou o empreendimento um total desastre, causando prejuízos de mais de vinte milhões de dólares.

Fim do projeto[editar | editar código-fonte]

Com o falecimento de Henry Ford, seu neto Henry Ford II assumiu o comando da empresa nos Estados Unidos e decidiu encerrar o projeto de plantação de seringueiras no Brasil. Através do Decreto 8.440 de 24 de dezembro de 1945, o governo federal brasileiro definiu as condições de compra do acervo da Companhia Ford Industrial do Brasil: a Ford foi indenizada em aproximadamente US$ 250 000, e o governo brasileiro assumiu as obrigações trabalhistas dos trabalhadores remanescentes, além de receber seis escolas (quatro em Belterra e duas em Fordlândia); dois hospitais; estações de captação, tratamento e distribuição de água nas duas cidades; usinas de força; mais de 70 quilômetros de estradas; dois portos fluviais; estação de rádio e telefonia; duas mil casas para trabalhadores; trinta galpões; centros de análise de doenças e autópsias; duas unidades de beneficiamento de látex; vilas de casas para a administração; departamento de pesquisa e análise de solo; plantação de 1 900 000 seringueiras em Fordlândia e 3 200 000 em Belterra.[20]

1945 - Presente[editar | editar código-fonte]

Após a desativação do projeto, os antigos trabalhadores da Ford preferiram ficar estabelecidos na localidade, visto que era dotada de grande infraestrutura. Isso atraiu também moradores do entorno, que viram a oportunidade de fixar residência na localidade, após o abandono de muitas edificações em boas condições.

A economia de Fordlândia passou a depender, desde então, da agropecuária, do extrativismo e da pesca. O boom agropecuário ocorreu com maior intensidade com a abertura, na década de 1970, da rodovia Cuiabá-Santarém, que trouxe para a região uma nova fronteira agrícola, que atraiu para o entorno de Fordlândia, na década de 2000, as grandes áreas cultivadas de soja, transformando profundamente a economia local.[9]

Embora seja caracterizada na imprensa como "cidade fantasma"[5][10][8] - metáfora por ter sido abandonada pelos funcionários deixando galpões e maquinário inutilizados[8] - o distrito possui moradores fixos e permanentes.[10][8] Em 2010 o IBGE contabilizou cerca de 1 200 residentes somente na vila.[1]

Ruínas de Fordlândia, por volta de 2005
Ruínas de Fordlândia, por volta de 2005.

Instalações[editar | editar código-fonte]

A maioria dos prédios originais ainda está de pé, com exceção do hospital, que foi desmontado por saqueadores.

Torre de água[editar | editar código-fonte]

Considerada o símbolo de Fordlândia, a torre de água com seus os 50 metros de altura foi construída como a maioria dos equipamentos da cidade, em Michigan e trazido para Fordlândia em navio mercante. A torre de água, estação de tratamento de água e todas as suas canalizações originais ainda estão operacionais.[21]

Hospital[editar | editar código-fonte]

O Hospital Fordlândia foi desmontado completamente depois que as pessoas retiraram todo o seu conteúdo. O hospital foi deixado intacto até o final dos anos 2000, quando saqueadores desmontaram completamente o hospital e removeram seu conteúdo.[22][23]

Antes de ser desmontado, várias controvérsias ocorreram em relação às máquinas de raios X do hospital. Como relatou uma estação de TV local, várias caixas marcadas contendo material radioativo foram deixadas para trás. Isso gerou temores de contaminação entre a população das cidades vizinhas, com muitas citações sobre o acidente de Goiânia com césio-137,[24] fazendo com que as autoridades retirassem os materiais após protestos.

Serraria[editar | editar código-fonte]

A cidade possuía uma serraria responsável pelo fornecimento de madeira para todas as obras ao redor. A serraria e o forno ainda estão de pé; no entanto, a maioria dos equipamentos sumiu.[17]

Workshop[editar | editar código-fonte]

A oficina da cidade era um depósito de três andares responsável pela fabricação de peças para as máquinas que operavam na cidade. Ele ainda está de pé e tem a maior parte do equipamento original.[25] Agora é usado como um depósito onde a maioria dos artefatos da era Ford são mantidos. Camas hospitalares, equipamentos, um caixão de chumbo e peças de uma máquina de raios-X estão armazenados neste depósito.

O segundo andar do armazém foi autorizado a ser utilizado para o processamento de sementes para um projeto comunitário. O óleo extraído dessas sementes acelerou muito o apodrecimento do piso de madeira, que entrou em colapso em algumas áreas.

American Village[editar | editar código-fonte]

As seis casas da American Village ainda tinham seus móveis originais, talheres e até roupas que ficaram para trás quando a cidade estava deserta. As casas foram reivindicadas por habitantes locais e a maioria dos itens foram vendidos ou levados como lembranças. Uma das casas foi perdida em um incêndio.

Na cultura popular[editar | editar código-fonte]

Fordlândia não foi completamente esquecida. Músicos e escritores já destacaram a utopia de Ford em suas obras. A cantora e compositora Kate Campbell, por exemplo, imortalizou Fordlândia e sua decadência em seu álbum de 2008 "Save the Day". No nesmo ano, o compositor islandês Jóhann Jóhannsson lançou um álbum intitulado Fordlândia.

Na literatura, o historiador da Universidade de Nova Iorque Greg Grandin lançou o livro "Fordlândia – A ascensão e a queda da cidade perdida na selva de Henry Ford",[11] considerado um dos cem melhores livros publicados em 2009 (no ranking do The New York Times).[11][26] Além disso, um documentário sobre a cidade também foi desenvolvido pelos brasileiros Marinho Andrade e Daniel Augusto.[27] O escritor argentino Eduardo Sguiglia lançou o livro "Fordlândia" (Editora Iluminuras, 1997), escolhido como um dos quatro melhores trabalhos de ficção pela The Washington Post (2000).

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

  • Dempsey, Mary A (1994), «Fordlandia», Michigan History, 78 (4): 24-33 .
  • Galey, John (1979), «Industrialist in the Wilderness: Henry Ford's Amazon Venture», Journal of Interamerican Studies and World Affairs, ISSN 0022-1937, 21 (2): 261-89 .
  • Grandin, Greg (2009), Fordlandia: The Rise and Fall of Henry Ford's Forgotten Jungle City, ISBN 0-80508236-0 .

Referências

  1. a b «Sinopse por setores», Instituto Brasileiro de Geografia Estatística, Censo, 2010 .
  2. «Fordlândia: a cidade utópica que Henry Ford construiu na Amazônia», FlatOut Brasil .
  3. Gonçalves, Vilson (26 de outubro de 2017). «Lei Municipal nº 134/2017». Aveiro, PA: Câmara Municipal 
  4. MOTA, G; SILVA, C.N.; PALHETA, J.N.; et.al. (2009), Caminhos e Lugares da Amazônia: Ciência, Natureza e Território, Belém: GAPTA/UFPA, p. 125 .
  5. a b c Moura, Paulo (1 de abril de 2014). «Seleção Hypeness: as 20 cidades-fantasma mais impressionantes do planeta». Hypeness (em inglês). Consultado em 6 de março de 2023 
  6. a b Reed, Drew (19 de agosto de 2016). «Lost cities #10: Fordlandia – the failure of Henry Ford's utopian city in the Amazon». The Guardian (em inglês). ISSN 0261-3077. Consultado em 2 de janeiro de 2021 
  7. Romero, Simon (20 de fevereiro de 2017). «Deep in Brazil's Amazon, Exploring the Ruins of Ford's Fantasyland (Published 2017)». The New York Times (em inglês). ISSN 0362-4331. Consultado em 2 de janeiro de 2021 
  8. a b c d e «Após 30 anos, tombamento ainda não é consenso entre moradores da Fordlândia no Pará». Portal Amazônia. Consultado em 7 de março de 2023 
  9. a b «Os Impactos Sociais da Soja no Pará» (PDF), Comissão Pastoral da Terra/Diocese de Santarém, Observatório do agronegócio, 29 de ago. de 2008 .
  10. a b c Lima, Zâmara Elaine Anunciata (2019). patrimonialização de company towns: o caso de Fordlândia e Belterra (PDF). Col: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO. Belém: Universidade Federal do Pará. Resumo divulgativo 
  11. a b c d e f g «Fordlândia». Rocco. Consultado em 7 de março de 2023 
  12. «Luta pela emancipação de Fordlândia», Elias júnior notícias, março de 2012  Arquivado em 12 de abril de 2015, no Wayback Machine.
  13. Santos, WHP, Belterra e Fordlandia: a busca da emancipação, BDPA Embrapa .
  14. «Ciclo da Borracha». Toda Matéria. Consultado em 20 de outubro de 2022 
  15. Grandin 2009, p. 183.
  16. «Conheça Fordlândia, a cidade construída pela Ford na Amazônia». www.tecmundo.com.br. Consultado em 2 de janeiro de 2021 
  17. a b «Matem todos os americanos». revista piauí. Consultado em 2 de janeiro de 2021 
  18. «Fordlândia, um lugar no futuro». Gazeta Revolucionária. 21 de julho de 2018. Consultado em 5 de janeiro de 2021 
  19. Galey, John (1979). "Industrialista no deserto: o empreendimento de Henry Ford na Amazônia". Journal of Interamerican Studies and World Affairs . 21 (2): 261–289. doi : 10.2307 / 165528 . ISSN  0022-1937 . JSTOR  165528 .
  20. «Breve Relato da Presença Americana na Amazônia», Conexão Oeste, maio de 2009 [ligação inativa]
  21. «Fordlândia do Brasil». ISTOÉ Independente. 6 de agosto de 2010. Consultado em 2 de janeiro de 2021 
  22. «O eldorado que enferrujou - Fordlândia». www.em.com.br. Consultado em 2 de janeiro de 2021 
  23. «MPF manda preservar patrimônios em Fordlândia». Gazeta de Santarém. 9 de março de 2012. Consultado em 2 de janeiro de 2021 
  24. Matteo, Giovanna de. «Aventuras na História · Césio-137: Há 33 anos, ocorria o maior acidente radioativo do Brasil». Aventuras na História. Consultado em 2 de janeiro de 2021 
  25. «Fordlândia: um projeto de Henry Ford na região da Amazônia». Engenharia 360 | Engenharia para Todos. 16 de setembro de 2020. Consultado em 2 de janeiro de 2021 
  26. «Mente Aberta - NOTÍCIAS - Como a Amazônia derrotou o maior industrial da história». revistaepoca.globo.com. Consultado em 2 de janeiro de 2021 
  27. «O delírio perdido de Ford», Terra .

Ver também[editar | editar código-fonte]

O Commons possui uma categoria com imagens e outros ficheiros sobre Fordlândia

Ligações externas[editar | editar código-fonte]