Genocídio cambojano
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O genocídio cambojano foi o assassinato em massa promovido no Camboja pelo regime do Khmer Vermelho liderado por Pol Pot, entre 1975 e 1979,[1] que empurrou radicalmente o Camboja para o comunismo. Estima-se que, em quatro anos, cerca de 1,7 a 2 milhões de pessoas foram executadas - cerca de 25% da população da época.[2]
Antecedentes históricos[editar | editar código-fonte]
Surgido por volta de 1969, o Khmer Vermelho era uma pequena guerrilha comunista composta por cerca de 4 mil membros que atacava postos militares isolados.[3] De 1970 a 1973, uma campanha massiva de bombardeio dos Estados Unidos contra o Khmer Vermelho devastou a zona rural do Camboja,[4] sendo esta ação um fator significativo que levou ao aumento do apoio ao Khmer Vermelho entre o campesinato cambojano. De acordo com Ben Kiernan, o Khmer Vermelho “não teria ganhado o poder sem a desestabilização econômica e militar do Camboja pelos Estados Unidos ... a devastação e o massacre de civis causados pelo bombardeio foram usados como propaganda de recrutamento e como desculpa para suas políticas brutais e radicais e o expurgo de comunistas moderados e sihanoukistas”[5]
Posteriormente, em 1975, os aliados de Pol Pot tomaram Phnom Penh, a capital cambojana, e expulsaram Lon Nol, o primeiro-ministro do país.
O massacre[editar | editar código-fonte]
Uma vez no poder, o Khmer Vermelho queria transformar o país em uma república socialista agrária baseada no maoísmo e influenciada pela Revolução Cultural.[6][7][8] Pol Pot, junto com alguns funcionários, encontrou-se com Mao em Pequim em 1975, onde recebeu aprovação e aconselhamento.[9] Durante o genocídio, a China foi o principal patrocinador internacional do Khmer Vermelho, fornecendo "mais de 15.000 conselheiros militares" e a maior parte da ajuda externa.[10][11] Estima-se que pelo menos 90% da ajuda externa ao Khmer Vermelho veio da China.[5][12]
O Khmer Vermelho tentou "aplicar o comunismo integral imediatamente, sem aquele período de transição que parecia fazer parte dos fundamentos da ortodoxia marxista-leninista", eles tinham certeza de que teriam sucesso porque o Camboja era um país menor, mais homogêneo e governável do que a China.[13] Para atingir seus objetivos, o Khmer Vermelho aboliu a moeda, aniquilou as classes proprietárias, intelectuais e comerciais para acabar com as diferenças sociais e esvaziou as cidades[13], obrigando os cambojanos a se mudarem para campos de trabalho forçado no campo, onde ocorreram execuções em massa, trabalho forçado, abuso físico, desnutrição e doenças.[14][15] Em 1976, o nome do país foi alterado para Kampuchea Democrático.
O Khmer Vermelho frequentemente prendia e executava qualquer pessoa suspeita de ter ligações com o antigo governo cambojano ou governos estrangeiros, bem como profissionais, intelectuais, monges budistas, cristãos, muçulmanos e minorias étnicas. Mesmo aqueles que eram estereotipados como tendo qualidades intelectuais (como usar óculos ou falar vários idiomas) foram executados por medo de se rebelarem contra o Khmer Vermelho.[16]
Pessoas foram presas e torturadas simplesmente porque suspeitavam que se opunham ao regime ou porque outros prisioneiros deram seus nomes sob tortura. Famílias inteiras (incluindo mulheres e crianças) acabaram na prisão e foram torturadas. Pol Pot disse "se você quer matar a grama, você também tem que matar as raízes".[17] A maioria dos presos nem sabia o motivo da sua prisão e se ousaram perguntar aos guardas, os guardas apenas responderam dizendo que o Angkar (Partido Comunista do Kampuchea) nunca comete erros, o que significa que devem ter feito algo ilegal.[18]
Vida diária[editar | editar código-fonte]
As famílias foram separadas e os membros foram enviados durante meses a diferentes áreas para trabalhar,[19] não houve tempo para a família,[20] as crianças foram doutrinadas e separadas dos pais. As possibilidades de convivência íntima restringiam-se ao permitido pelo Partido - especialmente para a reprodução - e os jovens eram estimulados a denunciar os pais.[21] A única causa era a vontade do regime comunista de alcançar o poder total isolando o indivíduo e submetendo-o ao Partido.[22]
A relação sexual era proibida, o adultério ou a fornicação eram punidos com a morte (...) os membros de casais casados eram proibidos de [ter] conversas prolongadas, pois se dizia que se tratava de "briga" e [reincidência] era punia com a morte (...) Quando a fome e a epidemia se espalharam, os velhos e os doentes e os muito jovens, especialmente [os] órfãos, foram abandonados. Pessoas eram executadas em público e seus parentes eram forçados a assistir enquanto o irmão, mãe ou filho eram submetidos ao vil clube ou decapitados, esfaqueados, espancados até à morte ou (...) esfaqueados até à morte. Às vezes famílias inteiras eram executadas. (...) um professor chamado Tan Samay, que desobedeceu à ordem de ensinar aos seus alunos apenas o trabalho da terra, foi enforcado; seus próprios alunos, de oito a dez anos, tiveram que realizar a execução gritando: "Professor incapaz!" A terrível lista de crueldades é interminável. [23]
O Khmer Vermelho explorou milhares de crianças recrutadas e dessensibilizadas na adolescência para cometer assassinatos em massa e outras atrocidades durante e após o genocídio.[24] Crianças doutrinadas eram ensinadas a seguir qualquer ordem sem hesitação.
O governo buscou controlar a população monopolizando o acesso a qualquer fonte de alimento.[25] Árvores frutíferas foram destruídas, eliminando uma fonte descontrolada de nutrição. Muitos morreram comendo - em segredo - animais ou plantas venenosos ou mal cozidos.[26]
Tuol Sleng[editar | editar código-fonte]
Foi uma escola que foi usada como Prisão de Segurança 21 (S-21) pelo Khmer Vermelho. De 1976 a 1979, cerca de 20.000 pessoas foram presas em Tuol Sleng, um dos pelo menos 150 centros de tortura e execução estabelecidos pelo Khmer Vermelho.[27] De acordo com um dos sobreviventes, Bou Meng, a tortura foi tão atroz que os prisioneiros tentaram suicídio por todos os meios, até com colheres. O sistema de tortura em Tuol Sleng foi projetado para fazer os presos confessarem os "crimes" dos quais foram acusados pelo Partido Comunista. Os presos eram rotineiramente espancados e torturados com choques elétricos, instrumentos de metal incandescente, sufocados com sacos plásticos, simulava-se o afogamento, as unhas dos presos eram removidas jogando álcool na ferida, a pele era retirada de algumas partes do corpo, os guardas estupraram as mulheres, mutilaram seus órgãos genitais e amputaram seus seios.
No primeiro ano de existência do S-21, os corpos foram enterrados perto da prisão. Nos anos seguintes, no entanto, os guardas ficaram sem espaço físico, de modo que os prisioneiros e suas famílias foram levados para o Centro de Extermínio Choeung Ek, onde foram mortos com machados, porretes, barras de ferro, rosários, motosserras e muitas outras armas.[28]
Depois do Kampuchea Democrático[editar | editar código-fonte]
O regime só teve seu fim no começo de 1979, com a invasão de forças vietnamitas aliadas aos dissidentes de Pol Pot.[29][30]
Desde 1997, o governo do Camboja e a ONU negociam a criação de um tribunal para o julgamento dos membros do regime de Pol Pot, o Khmer Vermelho. Em junho de 2000, a ONU e o governo do Camboja apresentaram um memorando de acordo em que de delineava "tribunal nacional com presença internacional". [31] Em 1996, sob assédio das forças de coalizão de governo, os guerrilheiros começaram a desertar e o grupo se dividiu. Son Sen, o substituto de Pol Pot, ensaiou negociar a paz — e, por isso, acabou executado junto com toda a sua família. Em meio à desordem, Pol Pot fugiu, acompanhado de seus fiéis seguidores, mas logo foi capturado por Ta Mok, um antigo líder do Khmer Vermelho, submetido a um julgamento-espetáculo na selva e condenado à prisão perpétua. Na noite de 16 de abril de 1998, Pol Pot foi encontrado misteriosamente morto, quando estava prestes a ser entregue à corte e ao julgamento.[32]
Ver também[editar | editar código-fonte]
- Assassinatos em massa sob regimes comunistas
- Terrorismo comunista
- A Grande Repressão na Mongólia
- Tuol Sleng
Referências
- ↑ Bazelaire 2004, pp. 41.
- ↑ Heuveline, Patrick (2001). "The Demographic Analysis of Mortality Crises: The Case of Cambodia, 1970–1979" Forced Migration and Mortality. [S.l.]: National Academies Press. pp. 102 – 105
- ↑ Escobar 1997, pp. 320.
- ↑ «Roots of Genocide: New Evidence on the US Bombardment of Cambodia». www.culturalsurvival.org (em inglês). Consultado em 11 de outubro de 2020
- ↑ a b Kiernan, Ben (2008). The Pol Pot Regime: Race, Power, and Genocide in Cambodia under the Khmer Rouge, 1975–1979. [S.l.]: Yale University Press. pp. 16–19
- ↑ Chandler, David P. (2 de fevereiro de 2018). Brother Number One: A Political Biography Of Pol Pot (em inglês). [S.l.]: Routledge
- ↑ «The Chinese Communist Party's Relationship with the Khmer Rouge in the 1970s: An Ideological Victory and a Strategic Failure | Wilson Center». www.wilsoncenter.org (em inglês). Consultado em 11 de outubro de 2020
- ↑ Jackson, Karl D. (1989). Cambodia, 1975–1978: Rendezvous with Death. [S.l.]: Princeton University Press. p. 219
- ↑ «China-Cambodia Relations». www.rfa.org. Consultado em 11 de outubro de 2020
- ↑ «China's Aid Emboldens Cambodia | YaleGlobal Online». yaleglobal.yale.edu. Consultado em 11 de outubro de 2020
- ↑ Kurlantzick 2008, p. 193
- ↑ Laura, Southgate (8 de maio de 2019). ASEAN Resistance to Sovereignty Violation: Interests, Balancing and the Role of the Vanguard State (em inglês). [S.l.]: Policy Press
- ↑ a b Mangolin, 1998: 648
- ↑ Etcheson 2005, p. 119.
- ↑ Heuveline 1998 , págs. 49–65
- ↑ «Khmer Rouge - HISTORY». www.history.com. Consultado em 11 de outubro de 2020
- ↑ «Dealing with Cambodia's past and life nowadays». Now or never - Kathrin's RTW diary (em inglês). 1 de julho de 2015. Consultado em 11 de outubro de 2020
- ↑ Huy Vannak (2010), págs. 32-35
- ↑ Margolin, 1998a: 671, 679; Page, 1993: 568
- ↑ Margolin, 1998a: 676
- ↑ Page, 1993: 568
- ↑ Margolin, 1998a: 679
- ↑ Johnson, 2000: 804
- ↑ «Cambodia Diary 6: Child Soldiers — Driven by Fear and Hate». Radio Free Asia (em inglês). Consultado em 11 de outubro de 2020
- ↑ Margolin, 1998a: 684s
- ↑ Margolin, 1998a: 677
- ↑ Locard, Henri. «State Violence in Democratic Kampuchea (1975 –1979) and Retribution (1979 –2004)» (PDF)
- ↑ «Home» (em inglês). Consultado em 12 de outubro de 2020
- ↑ Furiati 2002, pp. 556.
- ↑ Mendes 1999, pp. 270.
- ↑ Machado 2004, pp. 123.
- ↑ Magnoli 2013.
Bibliografia[editar | editar código-fonte]
- Bazelaire, Jean-Paul; Cretin, Thierry (2004). A justiça penal internacional: sua evolução, seu futuro de Nuremberg a Haia. Barueri, São Paulo: Editora Manole Ltda. ISBN 8520417124
- Escobar, Pepe (1997). 21 O Século da Ásia. São Paulo - SP: Editora Iluminuras Ltda. ISBN 8573210532
- Furiati, Claudia (2002). Fidel Castro: uma biografia consentida 4ª ed. Rio de Janeiro - RJ: Editora Revan. ISBN 8571062765
- Machado, Maíra Rocha; Cabral de Mello, Evaldo (2004). A outra independência: o federalismo pernambucano de 1817 a 1824. São Paulo - SP: Editora 34. ISBN 8573263113
- Magnoli, Demétrio (2003). A vida louca dos revolucionários. Rio de Janeiro - RJ: Leya. ISBN 8580449332
- Mendes, Pedro Rosa (1999). Baía dos tigres reimpressão ed. [S.l.]: Leya. ISBN 9722016644