Guerra Mauritânia-Senegal
Conflito mauritano-senegalês | |||
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Imagem da NASA do rio Senegal; o Senegal está ao sul, e a Mauritânia ao norte. | |||
Data | 9 de abril de 1989 – 18 de julho de 1991 | ||
Local | rio Senegal, África Ocidental | ||
Desfecho | Relações diplomáticas entre ambos os países restauradas, e fronteiras reabertas. | ||
Situação | Conflito terminado | ||
Mudanças territoriais | Fronteira Mauritânia—Senegal | ||
Beligerantes | |||
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Comandantes | |||
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Baixas | |||
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A Guerra de fronteira Mauritânia-Senegal foi um conflito armado travado entre países do Oeste Africano, a Mauritânia e o Senegal, entre os anos de 1989 e 1991. O conflito começou ao redor da fronteira dos dois países no rio Senegal pelos direitos de pastagem.
Esta crise resultou na ruptura das relações diplomáticas entre ambos os países por muitos anos, dezenas de milhares de vítimas, milhares de refugiados de ambos os lados, para não mencionar um impacto significativo na política interna no Senegal.
Origem
[editar | editar código-fonte]Durante séculos, a região do rio é habitada tanto pelas populações negras autóctones fulas, uolofes, Bambaras e Soninquês como por populações árabes - berberes do norte. Secas sucessivas exacerbam essas migrações e os mouros nômades tendem a se sedentarizar, especialmente nas cidades. A Organização para o desenvolvimento do vale do rio Senegal (OMVS), incluiu a construção de barragens, como a Barragem de Diama, inclusive alterando o delicado equilíbrio entre pastores e agricultores. A Mauritânia fez sua reforma agrária em 1983 reforçando o papel do Estado e distanciando de regimes alimentares tradicionais, aumentando de forma mais aguda o problema de muitos agricultores através de fronteiras. Em paralelo, o país, ansioso para reforçar a sua identidade após a independência, fortaleceu seus laços com o mundo árabe, enquanto o Senegal esteveligado à francofonia.
Assim, o peso da história e especialmente a sua colonização pelas fronteiras artificiais, os confrontos inter-étnicos, a degradação do ambiente físico e econômico, levaram em 1988 a uma deterioração das relações entre os dois estados, que de incidente a incidente, endurecem as suas posições. Uma situação explosiva é criada, que certamente incitou os meios de comunicação a enfatizar a dimensão étnica do conflito.[1]
O conflito
[editar | editar código-fonte]Em 9 de abril de 1989, em Diawara, uma cidade do leste do Senegal, é o cenário de um novo choque entre pastores fulas mauritanos e camponeses soninquês senegaleses. Com a intervenção do exército da Mauritânia, dois senegaleses foram mortos e vários feridos gravemente e uma dezena mantidos como reféns.[2]
Durante o resto do mês, centenas de senegaleses são mortos ou mutilados em Nuaquexote e várias outras cidades mauritanas, e quando as repatriações começaram, os mouros sofreram várias represálias a partir do dia 28 de abril. Até então, as cifras oficiais eram de 60 vítimas. Um toque de recolher, seguido de um estado de emergência, foi decretado na região de Dacar. A partir daí, cada país começou a repatriar seus habitantes, graças a uma ponte aérea feita por França, Argélia, Espanha e Marrocos. Como resultado, a população da margem sul do Senegal se revoltou. No Senegal, onde muitos comerciantes eram mauritanos, lojas foram saqueadas e mais mauritanos foram expulsos para a Mauritânia. Na Mauritânia, linchamentos e violência policial terminaram com o exílio forçado de cerca de 70 mil sulistas para o Senegal, apesar de a maioria delas sem ligações ao país.
Cerca de 250.000 pessoas fugiram de suas casas como ambos os lados envolvidos em ataques transfronteiriços.[2] Centenas de pessoas morreram nos dois países..[3] A Organização da Unidade Africana tentou negociar um acordo para reabrir a fronteira, mas acabou por ser um iniciativa do presidente senegalês Abdou Diouf, que levou a assinatura de um tratado em 18 de julho de 1991.
É neste momento que Abdou Diouf, presidente do Senegal, ordena ao exército que proteja os mauritanos, enviando-os ao batalhão de trens para que sejam repatriados à Mauritânia. Até então, cerca de 160.000 mauritanos e 70.000 senegaleses são repatriados. As relações diplomáticas entre os dois países são rompidas no dia 21 de agosto de 1989, e só serão relatadas em abril de 1992. A fronteira mauritano-senegalesa foi reaberta no dia 2 de maio de 1992.
Consequências
[editar | editar código-fonte]Mauritânia
[editar | editar código-fonte]O conflito trouxe várias consequências ambientais, entre as quais uma baixa da produção agrícola e o aumento do desmatamento. O setor de pesca da Mauritânia sofre com as expulsões, porque ele foi em grande parte exercido por senegaleses. O retorno dos refugiados (cerca de 250.000) no lado esquerdo do rio leva a uma menor disponibilidade de recursos naturais e equipamentos sanitários, e os departamentos do norte do Senegal tiveram um aumento populacional que osciou entre 12~14%.
Várias associações e partidos políticos foram criados para ajudar os refugiados, mas duraram pouco. A ajuda internacional diminui cada vez mais, e seu destino é desconhecido. De acordo com o ACNUR — o organismo internacional que mais ajudou os refugiados —, as populações refugiadas ainda habitam o rio Senegal.[4] Em 2007, o Presidente da Mauritânia, quando ainda candidato, discursou a favor do retirno de seus compatriotas vivendo no Senegal e no Mali, ainda que contra sua vontade.[5]
Em junho de 2007, o governo da Mauritânia, sob o presidente Sidi Ould Cheikh Abdallahi pediu ao ACNUR que o ajudasse a repatriar os negros mauritanos que tinham sido forçados para fora do país na guerra, e estavam vivendo em campos de refugiados no Mali e no Senegal. O ACNUR ajudou a repatriar mais de 24.000 mauritanos vivendo no Senegal, entre janeiro de 2008 e março de 2012, quando o programa terminou.[6]
Senegal
[editar | editar código-fonte]O conflito ajudou na ascensão do PDS (Partido Democrata Senegalês, Parti démocratique sénégalais), do político Abdoulaye Wade, que serviu para revelar as dificuldades do afluxo de refugiados. Desde o final do conflito, o Senegal tem sido fragilizado pelos países vizinhos, em especial a Mauritânia.
O problema da demarcação de territórios com a Guiné-Bissau foi retomado após o final do conflito, e outras dificuldades com a Gâmbia levaram à dissolução da Confederação da Senegâmbia em 1989. No fim, este episódio da história contemporânea marcou duramente os espíritos e alimentou alguns ressentimentos em ambos os lados.
Referências
- ↑ Institut Panos,Journalisme et conflits dans la vallée du fleuve Sénégal, 1996
- ↑ a b «Mauitanian-Senegalese Border War 1989-1991». OnWar.com. 16 de dezembro de 2000. Consultado em 23 de novembro de 2007
- ↑ «New cattle migration accord cools long-standing flashpoint». IRIN news. IRIN. 5 de maio de 2006. Consultado em 23 de novembro de 2007
- ↑ « HCR : La Mauritanie prête à autoriser 20 000 réfugiés à rentrer du Mali et du Sénégal »[1]
- ↑ «« Retour des réfugiés mauritaniens »». Consultado em 4 de fevereiro de 2013. Arquivado do original em 13 de outubro de 2007
- ↑ "UNHCR completes repatriation of more than 24,000 Mauritanians", UNHCR: The UN Refugee Agency, 27 March 2012
Bibliografia
[editar | editar código-fonte]- (em inglês) J. V. Magistro, « Crossing Over: Ethnicity and Transboundary Conflict in the Senegal River Valley », Cahiers d'études africaines, XXXIII-2 (130), p. 201-232
- (em inglês) R. Parker, « The Senegal-Mauritania Conflict of 1989: a Fragile Equilibrium », Journal of Modern African Studies, n° 29, 1 (1991), p. 155-171
- (em francês) Livre blanc sur le différend avec le Sénégal, Nuaquexote, República Islâmica da Mauritânia, 1989, 79 p. (supplément Chaab, 31 août 1989)
- (em francês) Journalisme et conflits dans la vallée du fleuve Sénégal, publication tirée du séminaire "Environnement et gestion de l'espace frontalier dans la Vallée du fleuve Sénégal : quelles responsabilités des journalistes en matière de prévention des conflits?", organisé par l'Institut Panos et l'université de Saint-Louis du Sénégal, du 8 au 18 août 1994, Paris, L'Harmattan, 1996, 172 p. ISBN 2738445322
- (em francês) Charles Becker et André Lericollais, « Le problème frontalier dans le conflit sénégalo-mauritanien », Politique africaine, n° 35, 1989, p. 149-155
- (em francês) Abdoulaye Mamadou Dia, Les conflits entre sédentaires et nomades dans la vallée du Sénégal (Fuuta Tooro) de la fin de la conquête coloniale à l’indépendance de la Mauritanie et du Sénégal. Approche critique des sources, Dakar, Université Cheikh Anta Diop, 1990, 42 p. (Mémoire de DEA)
- (em francês) Momar Coumba Diop et Mamadou Diouf, « Le conflit sénégalo-mauritanien » dans Le Sénégal sous Abdou Diouf, Paris, Karthala, 1990, p. 387-404 ISBN 2-86537-275-8
- (em francês) Marion Fresia, Les Mauritaniens réfugiés au Sénégal : une anthropologie critique de l'asile et de l'aide humanitaire, L'Harmattan, Paris, 2009, 379 p. ISBN 978-2-296-07730-0 (texte remanié d'une thèse de doctorat d'Anthropologie sociale et ethnologie, EHESS, Paris, 2005)
- (em francês) Christian Santoir, « Les Peul "refusés". Les Peul mauritaniens réfugiés au Sénégal (département de Matam) », Cahiers des sciences humaines, 1990, vol. 26, n° 4, p. 577-603
- (em francês) Christian Santoir, « D'une rive à l'autre. Les Peul mauritaniens réfugiés au Sénégal (département de Dagana et Podor) », Cahiers des sciences humaines, 1990, vol. 29, n° 1, p. 195-229
- (em francês) J. Schmitz, « Anthropologie des conflits fonciers et hydropolitiques du fleuve Sénégal (1975-1991) », Cahiers des Sciences humaines, 1993, vol. 29, n° 4, p. 591-623
- (em francês) Céline Vandermotten, Géopolitique de la vallée du Sénégal. Les flots de la discorde, Paris, L’Harmattan, juin 2004, 165 p. ISBN 2-7475-5855-X
Ligações Externas
[editar | editar código-fonte]- HRW Report
- (em inglês) Mauritanian-Senegalese Border War 1989-1991 (OnWar.com)
- (em francês) « Le conflit mauritano-sénégalais : la genèse. Le cas des Peul de la haute vallée du Sénégal », (article de Christian Santoir, Cahiers des Sciences humaines, n° 26 (4), 1990, p. 553-576)
- (em francês) « Les naufragés du fleuve : le problème des réfugiés mauritaniens dans la vallée du fleuve Sénégal » (article de Christian Santoir, Autrepart, n° 5, 1998, p. 95-119)