Haçane ibne Ali Alcalbi

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Haçane ibne Ali ibne Abi Huceine Alcalbi
Morte 964
Palermo
Nacionalidade Califado Fatímida Califado Fatímida
Etnia Árabe
Progenitores Pai: Ali
Ocupação General e governador

Haçane ibne Ali ibne Abi Huceine Alcalbi (em árabe: ﺍﻟﺤﺴﻦ ﺍﺑﻦ ﻋﻠﻲ ﺍﺑﻦ ﺍﺑﻲ ﺍﻟﺤﺴﻴﻦ الكلبي; romaniz.:Al-Ḥasan ibn ʿAlī ibn Abī al-Ḥusayn al-Kalbī), conhecido nas fontes bizantinas como Bulquásenes (em grego: Βουλχάσενης; romaniz.:Boulchásenes) e Abúlquare (em grego: Ἀβουλχαρέ; romaniz.:Aboulchare),[1] foi o primeiro emir da Sicília dos cálbidas. Membro duma família aristocrática pertencente ao círculo reinante do Califado Fatímida, ajudou a suprimir a grande revolta de Abu Iázide em 943–947 e foi enviado como governador da Sicília de 948 até 953, quando retornou para a Ifríquia. Foi sucedido na Sicília por seu filho Amade ibne Haçane Alcalbi, mas liderou várias campanhas na Sicília e sul da Itália contra o Império Bizantino em 955–958, bem como invadiu Almeria que deflagou um conflito aberto com o Califado de Córdoba em 955. Ele morreu em Palermo em 964, durante outra campanha contra os bizantinos.

Vida[editar | editar código-fonte]

Soldo de Constantino VII Porfirogênito (r. 913–959) e Romano II (r. 959–963)
Mapa da região por volta do ano 1000

Como evidenciado por seu nisba, Haçane originou-se no seio dos calbitas e pertenceu a família aristocrática estabelecida na Ifríquia desde a conquista muçulmana do Magrebe. A família evidentemente abraçou o regime fatímida após a derrubada do Emirado Aglábida em 909 e seu pai Ali serviu aos fatímidas com distinção, sendo morto pela população rebelde em Agrigento em 938, e tanto Haçane como seu irmão Jafar foram íntimos associados de Jaudar, o poderoso camareiro e ministro chefe do califa Ismail Almançor (r. 946–953).[2] Haçane veio a proeminência pela primeira vez durante a revolta carijita de Abu Iázide, que durou de 944 a 947 e espalhou-se pela Ifríquia, quase resultando na queda do Califado Fatímida.[3][4]

Durante este conflito, Haçane fez Constantina sua base, e com ajuda dos berberes cotamas foi capaz de reclamar para os fatímidas o norte da Ifríquia, incluindo Béja e Túnis, do qual foi nomeado governador.[5] Após a morte de Abu Iázide e o fim de sua revolta, o califa Almançor enviou-o para a Sicília, onde outra revolta eclodiu em Palermo em abril de 947, derrubando o governador fatímida, Abu Atafe. Ao mesmo tempo o Império Bizantino, encorajado pela fraqueza fatímida, parou de pagar o tributo acordado em 932 por suas possessões na Sicília e sul da Itália.[4] Velejando para a Sicília, Haçane suprimiu a rebelião em Palermo com tamanha rapidez e severidade que os bizantinos se apressaram para pagar o montante de três anos de tributo em atraso, embora é incerto se isso foi feito pelo governo central em Constantinopla ou por iniciativa local.[1][6]

Ao mesmo tempo, os bizantinos entraram em contato com os rivais ocidentais dos fatímidas, o Califado Omíada de Córdoba no Alandalus, para uma ação conjunta contra os fatímidas.[7] O imperador Constantino VII Porfirogênito (r. 913–959) também enviou reforços para a Itália sob o comando de Malaceno e Macrioanes, que chegaram em Otranto e uniram-se com as forças locais do Tema da Calábria sob seu estratego, Pasquálio. Em resposta, Haçane notificou Almançor e solicitou reforços. Um exército de 7 000 cavaleiros e 3 500 infantes foi preparado, e sob o comando do eunuco Faraje Muadade  chegou em Palermo em junho de 951.[8] Um ano depois, em junho/julho, os dois comandantes fatímidas velejaram da Sicília e invadiram a Calábria, atacando várias cidades, incluindo Gerace e Cassano. As tropas bizantinas não apenas falharam em confrontá-los, mas retiraram-se para Bari e as cidades sitiadas preferiram pagar resgate em vez de serem saqueadas. Depois de Cassano, os fatímidas retiraram-se para seus quarteis de inverno em Messina, embora Almançor ordenou que permanecessem na Itália.[1][9]

O califa bruscamente repreendeu os comandantes e ordenou-os retornar para a Itália continental, mas isso não aconteceu até a primavera seguinte. Em 7 de maio de 952, Haçane derrotou o exército bizantino sob Malaceno e Pasquálio em Gerace. Ele então liderou certo à cidade e saqueou Bitracuca (Petracuca). Após a derrota em Gerace, Constantino VII enviou um emissário, João Pilato, que acordou uma trégua com Haçane que foi seguida por um tratado concluído em 7 de setembro diante de Almançor. Não apenas fez os bizantinos recomeçaram a pagar tributo, mas antes de deixar a Calábria, Haçane erigiu uma mesquita em Régio e obrigou os bizantinos a respeitarem o direito muçulmano de professar e convocar a oração lá, e que qualquer prisioneiro muçulmano que procurasse refúgio lá seria libertado. O tratado também estipulou que se "tanto quanto uma única pedra" fosse removida da mesquita, todas as igrejas da Sicília e Ifríquia seriam arrasadas. Após a morte de Almançor em 19 de março de 953, Haçane retornou para a Ifríquia para apresentar-se para o novo governante, Almuiz (r. 953–975) Ele permaneceu lá depois disso, retendo sua posição como um dos comandantes chefe, e como chefe da família cálbida. Seu posto como governador na Sicília passou para seu filho Amade.[1][10] Essa sucessão dinástica anunciou o começo do governo cálbida sobre a Sicília como vice-reis fatímidas,[11] o que duraria até a guerra civil e a fragmentação política da ilha na década de 1030.[12]

Dinar de ouro de Almuiz (r. 953–975) cunhado em Mançoria em 955
Histameno de Nicéforo II (r. 963–969) e Basílio II Bulgaróctono (r. 976–1025)

Em 955, a guerra recomeçou, quando um navio mercante de al-Andalus interceptou um navio fatímida carregando correspondência diplomática; temendo que ele iria alertar corsários fatímidas, os andaluzes não apenas removeram seu leme, mas levou a caixa contendo os despachos por ele carregados. Enfurecido, Almuiz ordenou a Haçane que perseguisse-o, mas ele foi incapaz de pegar o navio antes dele alcançar o porto de Almeria. Sem hesitar, Haçane reuniu seu esquadrão no porto, saqueou-o e seu arsenal, queimou os navios omíadas ancorados ali e retornou para a Ifríquia.[13][14] Os omíadas responderam enviando o almirante Galibe com uma frota de 70 navios para a Ifríquia. A frota omíada invadiu o porto de Alcaraz e as proximidades de Susa e Tabarca.[15] As fontes fatímidas relatam que os omíadas propuseram uma ação conjunta ao Império Bizantino, mas embora uma força expedicionária sob Mariano Argiro foi enviara para a Itália, ela ocupou-se com a supressão de revoltas locais em vez de confrontar os fatímidas, e os emissários bizantinos ofereceram a renovação e extensão da trégua existente. Almuiz, contudo, determinado a expor a colaboração dos omíadas com o inimigo infiel e emulando as realizações de seu pai, recusou.[16][17][18]

O califa enviou duas frotas para a Sicília, a primeira sobre o irmão de Haçane, Amar ibne Ali Alcalbi, e a segunda sob o próprio Haçane. O oficial fatímida Alcaide Anumane relata que a frota bizantina foi pesadamente derrotada no estreito de Messina, e que os fatímidas saquearam a Calábria, depois do que Mariano Argiro visitou a corte califal e conseguiu renovar a paz. Em 957, contudo, os bizantinos sob o protocárabo Basílio destruíram a mesquita em Régio e invadiram Termini, próximo de Palermo. Haçane sofreu pesadas baixas numa tempestade fora de Mazara, que dispersou sua frota e matou muitos de sua tripulação; os sobreviventes foram então atacados pelos bizantinos, que destruíram 12 navios. Outro esforço de Argiro para renovar a paz em outono falhou, e no ano seguinte, Haçane e Amar derrotaram suas forças na Sicília; mas logo depois, a frota fatímida foi novamente afundada numa tempestade, na qual Amar pereceu (em 24 de setembro de 958, segundo a Crônica de Cambridge). Como resultado, Almuiz aceitou as propostas para uma trégua de cinco anos em 958.[1][17][19]

Após a reconquista bizantina de Creta em 960–961, onde os fatímidas, constrangidos por sua trégua com o império e devido a distância envolvida, foram incapazes ou relutantes de interferir,[20][21] os fatímidas novamente viraram sua atenção para a Sicília, onde decidiram reduzir os entrepostos bizantinos remanescentes: Taormina, os fortes no Val de Demona e Val di Noto e Rometa. Taormina caiu para Amade, filho de Haçane, no natal de 962, após mais de nove meses de cerco, e no ano seguinte seu primo, Haçane ibne Amar Alcalbi, liderou cerco a Rometa. A guarnição da última enviou um pedido de ajuda para Nicéforo II Focas (r. 963–969), que preparou uma grande expedição, liderada pelo patrício Nicetas Abalanta e seu próprio sobrinho, Manuel Focas, que aportou em Messina em outubro de 964.[22][23][24] Ao mesmo tempo Haçane liderou tropas berberes como reforços para a Sicília para auxiliar os esforços para capturar Rometta. Enquanto o exército fatímida derrotou os bizantinos diante de Rometta e então destruiu sua frota na Batalha do Estreito, Haçane permaneceu em Palermo, onde morreu em novembro/dezembro de 964 aos 53 anos.[1][25]

Referências

  1. a b c d e f Lilie 2013, al-Ḥasan b. ʻAlī b. Abī l-Ḥusayn al-Kalbī (#22558).
  2. Brett 2001, p. 240.
  3. Brett 2001, p. 165–170.
  4. a b Metcalfe 2009, p. 53.
  5. Halm 1996, p. 331–332.
  6. Brett 2001, p. 185.
  7. Halm 1996, p. 333–334.
  8. Halm 1996, p. 334.
  9. Halm 1996, p. 334–335.
  10. Halm 1996, p. 335.
  11. Metcalfe 2009, p. 53, 54, 58.
  12. Metcalfe 2009, p. 80–85.
  13. Lev 1984, p. 234.
  14. Halm 1996, p. 393–394.
  15. Lev 1984, p. 234–235.
  16. Halm 1996, p. 394.
  17. a b Lev 1984, p. 235.
  18. Brett 2001, p. 241.
  19. Halm 1996, p. 394–396, 403–404.
  20. Lev 1984, p. 236.
  21. Halm 1996, p. 404–405.
  22. Halm 1996, p. 405–406.
  23. Brett 2001, p. 242.
  24. Metcalfe 2009, p. 55.
  25. Halm 1996, p. 406–407.

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

  • Brett, Michael (2001). The Rise of the Fatimids: The World of the Mediterranean and the Middle East in the Fourth Century of the Hijra, Tenth Century CE. The Medieval Mediterranean 30. Leida: BRILL. ISBN 9004117415 
  • Halm, Heinz (1996). Michael Bonner (trad.), ed. Handbook of Oriental Studies. The Empire of the Mahdi: The Rise of the Fatimids. 26. Leida: BRILL. ISBN 9004100563 
  • Lev, Yaacov (1984). «The Fatimid Navy, Byzantium and the Mediterranean Sea, 909–1036 CE/297–427 AH». Byzantion. 54: 220–252. OCLC 1188035 
  • Lilie, Ralph-Johannes; Ludwig, Claudia; Zielke, Beate et al. (2013). Prosopographie der mittelbyzantinischen Zeit Online. Berlim-Brandenburgische Akademie der Wissenschaften: Nach Vorarbeiten F. Winkelmanns erstellt 
  • Metcalfe, Alex (2009). The Muslims of medieval Italy. Edimburgo: Edinburgh University Press. ISBN 978-0-7486-2008-1