Igreja do Divino Espírito Santo (Porto Alegre)

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Interior

A Igreja do Divino Espírito Santo é um templo Católico e um prédio histórico localizado na cidade de Porto Alegre, Brasil, à Avenida José Bonifácio 753, junto ao Parque da Redenção, no bairro Farroupilha.

História e tradições[editar | editar código-fonte]

Festa de recepção a D. Pedro II na Praça da Matriz em 1865. No fundo, à esquerda, a segunda Capela do Divino, e à direita, a antiga Matriz da Mãe de Deus.

Quatro igrejas de Porto Alegre usaram este nome, as três primeiras sendo pequenas capelas. A primeira foi construída em 1772, na Praça da Matriz. Em 7 de outubro de 1821 foi fundada a Irmandade do Divino Espírito Santo, a primeira da província,[1] que ergueu a segunda capela no mesmo local entre 1837 e 1839,[2] dando lugar a uma terceira, construída entre 1882 e 1884 em estilo neogótico.[3]

A devoção ao Divino Espírito Santo foi trazida para o Brasil pelos portugueses e gozou de imensa popularidade até o fim do século XIX.[4] Em Porto Alegre chegou através dos povoadores açorianos, fazendo parte da sua identidade cultural.[1] Desde os inícios da cidade a Festa do Divino foi a mais popular festividade religiosa local, atraindo uma multidão de devotos.[4][5] Costumava acontecer entre maio e junho, iniciando com uma novena na Matriz, complementada por missas, procissão, visitas domiciliares da bandeira do Divino para recolher esmolas, visita a presidiários e outros atos de caridade, sempre concomitantes a variados entretenimentos populares que podiam se estender por mais de duas semanas.[6] A cidade se engalanava para a passagem da solene procissão. Arsène Isabelle disse em 1834 que "as sacadas são guarnecidas de ricos tapetes de seda bordada com franjas de ouro; as confrarias azuis sucedem-se às vermelhas, estas às brancas, e estas às cinzas, etc. Cada uma leva relicários de santos, suntuosamente ornados, e depois, durante três dias, vendem-se publicamente, ao lado da igreja, rosários, escapulários, galinhas assadas, pastéis, licores, etc".[1] Mais tarde Aquiles Porto Alegre deixou outro testemunho:

À esquerda, a terceira Capela.
"Construíam o extenso barracão, os coretos e várias tendas para a venda do café, a três vinténs a xícara, pães, doces, gengibirra, maduro e outros refrescos. Além disso, a praça enchia-se à noite, de tabuleiros de frutas, de caixas envidraçadas de doces, de balaios e cestos de pinhões e amendoim torrado, de travessas de peixe frito, com rodelas de cebolas, de bandejas de balas, e de uma infinidade de outras quitandas. [...] E tudo na Praça era animação, música, alegria. De espaço a espaço subiam aos ares balões, espocava um foguete ou estrondava um morteiro. Às vezes trilavam os apitos policiais e haviam correrias: era um rolo. Logo, porém, tudo voltava à festa. [...] Ali mesmo na Praça, os chefes, verdadeiras figuras patriarcais, estendiam esteiras, e passavam, com os seus, os três dias e as três noites de fogos, ao ar livre, sob o doce azul do firmamento, comendo o seu churrasco de espeto com farinha seca e chupando o seu adorado mate".[7]
Procissão do Divino na Praça da Matriz em torno de 1900

A partir da década de 1860 Dom Sebastião Dias Laranjeira tentou disciplinar a extravagante exuberância da festa, e depois da proclamação da República os festejos começaram a perder um pouco do seu caráter popular, num período em que as formas de socialização e devoção se modificavam e era imposto um novo Código de Posturas municipal.[1] Mesmo assim, em 1904 a imprensa ainda noticiava a "extraordinária concorrência" de público nas novenas e o "avultadíssimo" número de pessoas na Praça da Matriz a participar dos festejos.[6]

A terceira capela também desapareceu, já em 1929, para abrir espaço à nova Catedral Metropolitana.[3] Expulsa da Praça da Matriz, a Irmandade decidiu construir seu novo sacrário no bairro Farroupilha, o que ocorreu entre 1929 e 1935, mas a esta altura a tradicional Festa do Divino já estava em decadência. Diz Reginaldo Braga que "a Festa do Divino Espírito Santo da cidade de Porto Alegre passou por muitas transformações e reorganizações, assim como perdeu muito do seu prestígio e apelo popular. Notícias de proibições e reformas, principalmente às partes profanas da festa, ao longo do tempo fizeram com que desaparecessem, entre outras coisas o grupo da folia, a coroação do Imperador (ou festeiro), a distribuição do bodo e os chamados fogos do Espírito Santo".[4]

Em tempos recentes a festa ainda é realizada, mas em dimensões muito mais modestas do que foi antigamente. Realiza-se na semana de Pentecostes, com novena dentro da igreja e uma procissão no domingo, saindo da Catedral e indo até a igreja. Integram a procissão o Imperador do Divino (o principal festeiro), o Alferes da Bandeira, o arcebispo metropolitano, os membros da Irmandade, clérigos convidados, o pároco, os provedores, os festeiros e os grupos de oração que atuam na igreja com suas bandeiras e estandartes, além de outros devotos. A festa encerra com uma missa solene na igreja, quando o arcebispo coroa o novo Imperador do Divino, o qual, junto com o novo Alferes da Bandeira, organizarão a festa do ano seguinte.[1]

A igreja moderna[editar | editar código-fonte]

Fachada da igreja atual.

A igreja atual, cujo projeto é de André Arjonas,[8] é uma construção de estilo eclético. Acima do grande frontispício em arcos redondos concêntricos suportados por colunas delgadas, se eleva um óculo redondo com vitral representando o Divino Espírito Santo, no interior de um outro arco redondo, e acima, um frontão triangular é arrematado por um globo azul onde pousa uma pomba branca. O corpo da igreja é coroado por três torres poligonais com arcos redondos abertos e coruchéus prismáticos coroados de cruzes.[9]

O acesso ao interior se faz através de um pequeno átrio, onde estão instalados dois anjos guardiães sobre pedestais, ladeando a porta em arco de entrada, envidraçada. Logo à direita da entrada está colocada uma interessante imagem do Senhor Morto, dentro de um caixão de vidro e madeira. A nave única tem piso em ladrilhos com desenho geométrico e duas séries de bancadas de madeira, e janelas elevadas dão passagem à luz externa, coada por bela série de vitrais com imagens de diversos santos. O teto é em abóbada de arco abatido.[9] Sobre o átrio, e abrindo-se para a nave, existe-se um coro, em cujo parapeito estão instalados dois anjos guardiães. Ao fundo do coro percebe-se o vitral do óculo da fachada e uma escadaria que conduz ao topo da torre central.

A capela-mor, destacada da nave por uma pequena escadaria e um grande arco abatido suportado por pilastras, abriga o altar-mor, construído de pedras nobres de várias cores. Sobre a sua base, onde estão inscritos os dons do Espírito Santo, se eleva o sacrário para o Santíssimo, à frente de um retábulo de pedra com dois pares de colunas e um grande arco central, com um brasão episcopal e uma cruz no topo, e ladeado de semi-arcos de apoio e dois anjos tocheiros. No seu interior, um crucifixo, e sobre este uma pomba em baixo-relevo. Por trás do retábulo a abside é iluminada por dois grandes vitrais, e seu teto é uma meia-cúpula com pintura dourada. Segundo Emílio Chagas, "o efeito do seu interior é muito formoso, com a iluminação multicor proporcionada pelos vitrais. O espaço se caracteriza por ser um perfeito encontro de arquitetura e espiritualidade pela singela beleza externa e interna da igreja".[9]

Na década de 2000 foi organizado um projeto de restauro das torres, fachadas e interior.[10]

Ver também[editar | editar código-fonte]

Referências

  1. a b c d e Graebin, Cleusa Maria Gomes & Januário, Ilda. "Mapeando festas do Espírito Santo no Rio Grande do Sul (Brasil) e no Quebec (Canadá)". In: Interfaces Brasil/Canadá, 2019; 19 (3): 125-148
  2. Machado, Andréa Soler. "A Praça da Matriz". In: Arqtexto, 2000 (0): 44-56
  3. a b Custódio, Luiz Antonio & Klein, Liane (orgs.). "Viva o Centro a Pé". In: Memória Cultural — 5. Secretaria Municipal da Cultura, 2014, p. 122
  4. a b c Braga, Reginaldo Gil. "Folias do Divino, bandas e foguetórios em antigos povoamentos açorianos do Rio Grande do Sul (Brasil): transformando e reorganizando antigas tradições ou (re)inventando raízes baseadas em rotas atlânticas recentes". In: Performa ’11 – Encontros de Investigação em Performance. Universidade de Aveiro, 2011
  5. Laytano, Dante de. "Colonização Açoriana no Rio Grande do Sul". In: Revista de História, 1969; XXXI: 414 — Anais do IV Simpósio Nacional dos Professores Universitários de História: Colonização e Migração. Paula, Eurípedes Simões de (org.).
  6. a b Trusz, Alice Dubina. Entre Lanternas Mágicas e Cinematógrafos: as origens do espetáculo cinematográfico em Porto Alegre: 1861-1908. Doutorado. UFRGS, 2008, pp. 198-207
  7. Apud Monteiro, Charles. Porto Alegre e suas Escritas: história e memória da cidade. Edipucrs, 2006, pp. 239-240
  8. Sousa, Mireile Steiner de. Thiago Matheus Würth e o Instituto Pestalozzi (1926 – 1979): o personagem e seu ideário social a partir de seu arquivo pessoal e nas memórias de família. Mestrado. Universidade La Salle, 2018, p. 153
  9. a b c Chagas, Emílio. "Igreja do Divino Espírito Santo, arquitetura a serviço da espiritualidade". Jornal do Brique da Redenção, out/2016, p. 6
  10. "Governador convidado para novena e festa do Espírito Santo". Governo do Estado do Rio Grande do Sul, 18/05/2006