Inquérito policial militar

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O inquérito policial militar (IPM), enquanto procedimento pré-processual, é a apuração sumária de um fato que poderá configurar crime militar. Possui o caráter de instrução provisória e sua principal finalidade é a busca da materialidade e autoria do crime militar, reunindo elementos necessários que possibilitem ao Ministério Público Militar o oferecimento ou não da denúncia.[1]

Definição[editar | editar código-fonte]

Legalmente, a definição para IPM está prevista no art. 9º do Código de Processo Penal Militar (CPPM) – Decreto-Lei nº 1002 de 21 de outubro de 1969:

Art. 9º O inquérito policial militar é a apuração sumária de fato, que, nos têrmos legais, configure crime militar, e de sua autoria. Tem o caráter de instrução provisória, cuja finalidade precípua é a de ministrar elementos necessários à propositura da ação penal.[2]

Logo, sua finalidade remota é a propositura da ação penal militar, desta constituindo instrução provisória. Possui a característica de evitar que a ação penal militar tenha sua denúncia oferecida de forma precipitada.

Crimes Militares[editar | editar código-fonte]

Para se compreender o âmbito de aplicação de um IPM é definir o que são crimes militares. O critério utilizado pelo legislador para defini-los é o ratione legis,[3] ou seja, definido como tal pela lei, conforme está expresso no texto constitucional:

Art. 5º, LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei;

Art. 124. À Justiça Militar compete processar e julgar os crimes militares definidos em lei.

Art. 125, § 4º Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças[4]

O Código Penal Militar (CPM) – Decreto-Lei nº 1001 de 21 de outubro de 1969 – é que vem complementar as disposições da Carta Magna, definindo os crimes militares nos termos dos artigos 9º (em tempos de paz) e 10 (em tempos de guerra).

De todas as hipóteses previstas no inciso II do art. 9º do CPM, a de maior incidência é aquela praticada pelo militar em serviço ou em razão da função, porquanto são as situações em que o militar pratica um fato típico penalmente no exercício de sua atribuição constitucional e legal[3]

Com as mudanças advindas da novel Lei 13.491, sancionada em 13 de outubro de 2017, foi alterado substancialmente o art. 9º, do Código Penal Militar, que é o dispositivo que prevê as circunstâncias em que ocorrem os crimes militares em tempo de paz. A nova lei tem ensejado a discussão sobre vários aspectos que envolvem o crime militar e seu consequente processo.

Para melhor entender essa mudança mostraremos a alteração na redação anterior do art. 9º, inciso II e parágrafo único:

Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz: II – os crimes previstos neste Código, embora também o sejam com igual definição na lei penal comum, quando praticados:

Agora, com a atualização legislativa, a nova redação do art. 9º, inciso II e parágrafo segundo, ficou da seguinte forma:

Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz: II – os crimes previstos neste Código e os previstos na legislação penal.[5]

Dessa forma, a alteração legislativa “ampliou” a abrangência dos crimes militares, cuja apuração dos fatos deve ser realizada pela Polícia Judiciária Militar (PJM) que tem atribuição constitucional para tanto (art. 144, § 4º, in fine) e o processo e julgamento será realizado perante a Justiça Militar da União (art. 124, CF), ou perante a Justiça Militar Estadual (art. 125, § 4º, CF).[3]

Logo, com a Lei 13.491/17, além dos crimes previstos no CPM, também os delitos previstos na legislação penal comum - como por exemplo, abuso de autoridade, tortura, disparo de arma de fogo e outros crimes previstos no Estatuto do Desarmamento, homicídio culposo ou lesões corporais culposas na direção de veículo automotor e outros crimes previstos no Código de Trânsito Brasileiro, crimes previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente, na Lei de Licitações etc. -, quando praticado pelo militar numa das hipóteses do inciso II do art. 9º do CPM, são, desde a publicação da Lei 13.491 de 16.10.17, considerados crimes militares.[3]

Tratando-se de exceções, obviamente os crimes eleitorais não foram recepcionados por essa nova alteração, visto que existe previsão excepcional na Constituição Federal para que sua apuração seja feita pela justiça competente, no caso, a Justiça Eleitoral.

Competência[editar | editar código-fonte]

A competência para apurar os crimes militares, prestar informações necessárias à instrução e julgamento do processo, cumprir mandados de prisão, e solicitar informações é da Polícia Judiciária Militar (PJM),[6] conforme o exposto no art. 8º do CPPM:

Art. 8º Compete à Polícia judiciária militar:

a) apurar os crimes militares, bem como os que, por lei especial, estão sujeitos à jurisdição militar, e sua autoria;

b) prestar aos órgãos e juízes da Justiça Militar e aos membros do Ministério Público as informações necessárias à instrução e julgamento dos processos, bem como realizar as diligências que por êles lhe forem requisitadas;

c) cumprir os mandados de prisão expedidos pela Justiça Militar;

d) representar a autoridades judiciárias militares acêrca da prisão preventiva e da insanidade mental do indiciado;

e) cumprir as determinações da Justiça Militar relativas aos presos sob sua guarda e responsabilidade, bem como as demais prescrições deste Código, nesse sentido;

f) solicitar das autoridades civis as informações e medidas que julgar úteis à elucidação das infrações penais, que esteja a seu cargo;

g) requisitar da polícia civil e das repartições técnicas civis as pesquisas e exames necessários ao complemento e subsídio de inquérito policial militar;

h) atender, com observância dos regulamentos militares, a pedido de apresentação de militar ou funcionário de repartição militar à autoridade civil competente, desde que legal e fundamentado o pedido.[2]

O titular do exercício da autoridade de PJM está definido no rol do art. 7º do CPPM:

Art. 7º A polícia judiciária militar é exercida nos termos do art. 8º, pelas seguintes autoridades, conforme as respectivas jurisdições:

a) pelos ministros da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, em todo o território nacional e fora dele, em relação às forças e órgãos que constituem seus Ministérios, bem como a militares que, neste caráter, desempenhem missão oficial, permanente ou transitória, em país estrangeiro;

b) pelo chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, em relação a entidades que, por disposição legal, estejam sob sua jurisdição;

c) pelos chefes de Estado-Maior e pelo secretário-geral da Marinha, nos órgãos, forças e unidades que lhes são subordinados;

d) pelos comandantes de Exército e pelo comandante-chefe da Esquadra, nos órgãos, forças e unidades compreendidos no âmbito da respectiva ação de comando;

e) pelos comandantes de Região Militar, Distrito Naval ou Zona Aérea, nos órgãos e unidades dos respectivos territórios;

f) pelo secretário do Ministério do Exército e pelo chefe de Gabinete do Ministério da Aeronáutica, nos órgãos e serviços que lhes são subordinados;

g) pelos diretores e chefes de órgãos, repartições, estabelecimentos ou serviços previstos nas leis de organização básica da Marinha, do Exército e da Aeronáutica;

h) pelos comandantes de forças, unidades ou navios;[2]

Assim, obedecidas as normas de hierarquia militar, o Comandante da Unidade Militar deve se incumbir das funções de Delegado de Polícia Judiciária Militar, podendo delegar os atos de PJM à Oficial da ativa a ele subordinado, cabendo-lhe, nesse caso, seja no IPM, seja no Auto de Prisão em Flagrante Delito (APFD) –, sempre rever o ato e dar a palavra final como autoridade militar competente, homologando ou não os atos praticados.[3]

Características[7][editar | editar código-fonte]

a)   Inquisitorial: a autoridade militar possui nas mãos o poder de direção do inquérito, inquirindo testemunhas do fato e procurando esclarecer as circunstâncias em que estes fatos ocorreram. Não é concedido ao investigado o direito amplo da defesa, pois ele não está sendo acusado de nada, apenas sendo objeto de uma pesquisa da autoridade;

b)   Formal: exigência do CPPM, contida no art. 21, em que as peças do inquérito devem ser reduzidas a termo;

c)    Sistemático: as investigações realizadas devem ser documentadas nos autos para que seja possível fazer uma reconstrução probatória dos fatos, colocando as peças em uma sequência lógica;

d)   Unidirecional: possui um único objetivo, que é a apuração dos fatos objeto de investigação. Ou seja, a direção do Inquérito é única e exclusiva para apuração das infrações penais;

e)   Sigiloso: o sigilo que deve ser adotado, porém o encarregado pode permitir que o advogado tenha conhecimento dos autos, desde que não comprometa diligências futuras.

  • Em 2019, a Lei 13.964 inseriu o art. 16-A no CPPM, resguardando aos policiais militares e bombeiros militares, investigados no IPM, o direito de constituírem advogado, desde que o fato seja relacionado ao uso letal da força praticados no exercício profissional, de forma consumada ou tentada;

f)     Discricionário: a autoridade, ao iniciar uma investigação, não está atrelada a nenhuma forma previamente determinada. Tem a liberdade de agir, buscando a elucidação do fato criminoso.


Outra característica importante é que não pode ser arquivado na Organização Militar ou Organização Policial Militar de origem, devendo ser encaminhado ao órgão do Poder Judiciário competente.[6] Uma vez iniciado, torna-se indispensável à propositura da ação penal.

Na hipótese de arquivamento, somente o Juiz militar possui competência, que se dá nos casos em que não haver indícios de autoria, ou se o fato for atípico, ou se não for possível provar fato que, em tese, constitua crime

O IPM pode ainda ser dispensado, se houver Auto de Prisão em Flagrante Delito (APFD) que, por si só, elucide o fato e sua autoria, dispensando outras diligências.

Assim como o inquérito policial, também não é fase obrigatória da persecução penal, podendo ser dispensado caso o Ministério Público ou o ofendido já disponha de suficientes elementos para a propositura da ação penal, conforme redação do art. 28 do CPPM. Dessa forma a ação penal militar poderá ser inclusive iniciada por uma sindicância.

Tem valor informativo (não probatório), tendo por finalidade fornecer ao Ministério Público ou ao ofendido, conforme a natureza da infração, os elementos necessários para a propositura da ação penal.[7]

Processamento[editar | editar código-fonte]

O IPM inicia com a notitia criminis, que é o conhecimento que a autoridade toma do fato aparentemente delituoso, procedendo-se a sua instauração. Neste caso, antes mesmo do Inquérito, o oficial de serviço de dia deve preservar o local dos fatos, efetuar a prisão do infrator e apreender objetos que tenham relação com o fato, conforme art. 12 do CPPM.[6]

Qualquer do povo também pode levar o fato à autoridade, podendo ser:

a)    Espontânea: como no caso de encontro do corpo delito;

b)    Provocada: quando o seu conhecimento é feito através de ato judicial;

c)     Coercitiva: através da prisão em flagrante do acusado.[8]

Neste contexto, o art. 10 do CPPM[2] cita os modos como o IPM pode ser iniciado:

Art. 10. O inquérito é iniciado mediante portaria:

a) de ofício, pela autoridade militar em cujo âmbito de jurisdição ou comando haja ocorrido a infração penal, atendida a hierarquia do infrator;

b) por determinação ou delegação da autoridade militar superior, que, em caso de urgência, poderá ser feita por via telegráfica ou radiotelefônica e confirmada, posteriormente, por ofício;

c) em virtude de requisição do Ministério Público;

d) por decisão do Superior Tribunal Militar, nos têrmos do art. 25;

e) a requerimento da parte ofendida ou de quem legalmente a represente, ou em virtude de representação devidamente autorizada de quem tenha conhecimento de infração penal, cuja repressão caiba à Justiça Militar;

f) quando, de sindicância feita em âmbito de jurisdição militar, resulte indício da existência de infração penal militar.

Sequencialmente é feita a instrução do IPM, cujo encarregado deve fazer tudo o que não foi feito preliminarmente, conforme exposto no art. 12 do CPPM: novas diligências, oitivas, buscando desobscurecer o fato, trazendo à tona a materialidade e autoria, se houver. Deve realizar exames periciais, inquirição do indiciado, entre outras Para delegação como encarregado do IPM, deve-se obedecer os requisitos elencados nos §§ 1º ao 5º, do CPPM,  obrigando a autoridade competente deve escolher um Oficial (a partir de 2º tenente) de posto ou antiguidade superior ao do indiciado militar,[6] cabendo-lhe as atribuições previstas no art. 13 do CPPM:

Art. 13. O encarregado do inquérito deverá, para a formação deste:

a) tomar as medidas previstas no art. 12, se ainda não o tiverem sido;

b) ouvir o ofendido;

c) ouvir o indiciado;

d) ouvir testemunhas;

e) proceder a reconhecimento de pessoas e coisas, e acareações;

f) determinar, se for o caso, que se proceda a exame de corpo de delito e a quaisquer outros exames e perícias;

g) determinar a avaliação e identificação da coisa subtraída, desviada, destruída ou danificada, ou da qual houve indébita apropriação;

h) proceder a buscas e apreensões, nos termos dos arts. 172 a 184 e 185 a 189;

i) tomar as medidas necessárias destinadas à proteção de testemunhas, peritos ou do ofendido, quando coactos ou ameaçados de coação que lhes tolha a liberdade de depor, ou a independência para a realização de perícias ou exames.

Parágrafo único. Para verificar a possibilidade de haver sido a infração praticada de determinado modo, o encarregado do inquérito poderá proceder à reprodução simulada dos fatos, desde que esta não contrarie a moralidade ou a ordem pública, nem atente contra a hierarquia ou a disciplina militar[2]

Decorre-se então o indiciamento do sujeito, que é o ato formal pelo qual o sujeito passa a ocupar o lugar de indicado, isto é, a declaração pelo Estado de que há indicativos convergentes sobre sua responsabilidade penal, com os ônus daí de correntes. A presunção de inocência veda o indiciamento arbitrário. Não pode ser considerado como mero ato automático. Pressupõe apuração da materialidade da infração e informação suficiente de autoria[9]

Reunidas as informações, é dado o prosseguimento ao encerramento com relatório conclusivo minucioso, que deverá dizer qual infração disciplinar a punir ou indício de crime, pronunciando-se acerca da conveniência da decretação da prisão preventiva do indiciado.[6] No relatório, não é necessário que a autoridade policial tipifique o delito apontado, mas, se o fizer, essa classificação legal não vincula o promotor.[7] Os autos findos devem ser encaminhados à autoridade que delegou a instauração.

Prazos[editar | editar código-fonte]

O prazo para conclusão do IPM, nos termos do art. 20 do CPPM, deve respeitar a condição do indiciado, conforme a seguir:

a)   Indiciado preso: 20 dias corridos.

b)   Indiciado solto: 40 dias corridos, prorrogáveis por mais 20 dias.

O prazo será computado a partir do momento do ingresso em prisão, pois o que se pretende limitar é que a prisão se prolongue além dos 20 dias.[2]

Ver também[editar | editar código-fonte]

Referências

  1. Souza, Leonardo da silva (2017). [O Inquérito Policial Militar e a Polícia Judiciária Militar sob uma pespectiva constitucional «A Defesa no Inquérito Policial»] Verifique valor |url= (ajuda) 
  2. a b c d e f http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del1002.htm  Em falta ou vazio |título= (ajuda)
  3. a b c d e ROTH, RONALDO JOÃO (2017). «Os delitos militares por extensão e a nova competência da Justiça Militar» 
  4. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm  Em falta ou vazio |título= (ajuda)
  5. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del1001Compilado.htm  Em falta ou vazio |título= (ajuda)
  6. a b c d e OLYMPIO, CLEBER (2016). [OLYMPIO, Cleber. Vade Mecum Síntese Objetivas: Área Militar. 2015. «VADE MECUM ÁREA MILITAR»] Verifique valor |url= (ajuda). SÍNTESES OBJETIVAS 
  7. a b c Capez, Rodrigo (2018). [Capez, F. (2018). Curso de processo penal. Editora Saraiva. «CURSO DE PROCESSO PENAL»] Verifique valor |url= (ajuda) 
  8. Santos, Vauledir Ribeiro. (2000). Como se preparar para o exame de ordem, 1a fase : processo penal (vol. 6) (14a. ed.). [S.l.]: Grupo Gen - Método. OCLC 923762147 
  9. Rosa, Alexandre Morais da, VerfasserIn. Guia compacto do processo penal conforme a teoria dos jogos. [S.l.: s.n.] OCLC 993625075 
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