Lança do destino

A Lança do Destino (também conhecida como Lança Sagrada ou Lança de Longino), segundo a tradição da Igreja Católica, foi a arma usada pelo centurião romano Longinus para perfurar o tórax de Jesus Cristo durante a crucificação.[1]
Referências Bíblicas
[editar | editar código-fonte]A lança (do grego: λογχη, lonke) só é mencionada no Evangelho de João (João 19:31–36) e em nenhum dos evangelhos sinópticos. Segundo João, os romanos pretendiam quebrar as pernas de Jesus, uma prática conhecida como crurifragium, que objetivava acelerar a morte numa crucificação. Logo antes de o fazerem, porém, perceberam que Jesus já estava morto e, portanto, não havia razão para quebrarem suas pernas. Para certificarem-se de sua morte, um legionário romano (tradicionalmente chamado de Longino) furou-lhe o flanco:
“ | «Contudo um dos soldados lhe furou o lado com uma lança, e logo saiu sangue e água.» (João 19:34) | ” |
O fenômeno do sangue e água foi considerado um milagre por Orígenes. Os católicos, embora aceitem o sangue e a água como uma realidade biológica, emanando do coração e da cavidade abdominal de Cristo, também reconhecem a interpretação alegórica: ela representa um dos principais mistérios/ensinamentos chave da igreja, e um dos principais assuntos do Evangelho segundo Mateus, que é a interpretação da Consubstancialidade adotada pelo Primeiro Concílio de Niceia, segundo a qual Jesus Cristo era ambos: verdadeiro Deus e verdadeiro homem. O sangue simboliza sua humanidade, a água, sua divindade. Cerimonialmente, isso é representado em certo momento da Missa: o padre asperge uma pequena quantidade de água no vinho antes da consagração, um ato que reconhece a humanidade e divindade de Cristo e representa o fluxo de sangue e água do flanco de Cristo na cruz. Santa Faustina Kowalska, uma freira polonesa cujo apostolado e cujos escritos levaram ao estabelecimento da devoção da Divina Misericórdia, também reconheceu a natureza milagrosa do sangue e água, explicando que o sangue simboliza a misericórdia divina de Cristo, e a água, Sua divina compaixão e as águas batismais.
Histórias
[editar | editar código-fonte]Uma tradição indica que esta relíquia foi encontrada na Antioquia por um monge, chamado Pedro Bartolomeu, que acompanhava a Primeira Cruzada. Este afirmava ter sido visitado por Santo André, que lhe teria contado que a lança encontrava-se na igreja de São Pedro. Depois da conquista da cidade, foi feita uma escavação e foi o próprio Pedro Bartolomeu que a encontrou.
Apesar de se pensar que tinha sido o monge a colocar uma falsa relíquia no local (até o legado papal Ademar de Monteil acreditava nisto), o logro melhorava o moral dos cruzados, sitiados por um exército muçulmano. Com este novo objeto santo à cabeça das suas forças, o príncipe de Antioquia marchou ao encontro dos inimigos, a quem derrotou miraculosamente - milagre segundo os cruzados, que afirmavam ter surgido um exército de santos a combater juntamente com eles no campo de batalha.
Relíquias
[editar | editar código-fonte]Roma
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Uma relíquia da Lança Sagrada está preservada na Basílica de São Pedro na Cidade do Vaticano, numa loggia esculpida no pilar acima da estátua de São Longuinho.[2][3]
As primeiras referências conhecidas às relíquias da Lança Sagrada datam do século VI. O Breviário de Jerusalém (cerca de 530) descreve a lança exposta na Igreja do Santo Sepulcro.[4]:14[5]:6–8 Na sua Expositio Psalmorum (ca. 540-548),[6]:xv, 131–136 Cassiodoro afirma a também a presença da lança em Jerusalém.[7] Um relato do peregrino de Placência (ca. 570) coloca a lança na Igreja de Sião.[8]:18[9] Gregório de Tours descreveu a lança e outras relíquias da Paixão no seu Libri Miraculorum (ca. 574-594).[10][11]:24 Supõe-se também que a lança sagrada tenha sido roubada de Roma por Alarico e pelos seus visigodos durante o saque em agosto de 410. Portanto, poderia ter sido enterrada juntamente com Alarico entre toneladas de ouro, prata e a menorá de ouro em Cosença, sul de Itália, no outono de 410. Ninguém encontrou o túmulo e o tesouro de Alarico, que provavelmente foram esvaziados pelos bizantinos, e, portanto, a lança sagrada poderia aparecer algumas centenas de anos mais tarde em Jerusalém.
Em 614, Jerusalém foi capturada pelo general sassânida Sarbaro.[12]:156 O Chronicon Paschale diz que a Lança Sagrada estava entre as relíquias capturadas, mas um dos associados de Shahrbaraz deu-a a Nicetas que a levou para a Hagia Sophia em Constantinopla mais tarde nesse ano.[12]:157[13]:56 Entretanto, De locis sanctis, ao descrever a peregrinação de Arculf em 670, afirma que a lança está em Jerusalém, na Igreja do Santo Sepulcro.[14]:12 Arculf é o último dos peregrinos medievais a relatar a lança em Jerusalém, uma vez que Villibaldo e Bernardo não lhe fizeram qualquer menção.[15]:39
Ver também
[editar | editar código-fonte]Referências
- ↑ «Lança do destino». Encyclopædia Britannica Online (em inglês). Consultado em 18 de novembro de 2019
- ↑ Olivié, Antonio (2017). «In the Footsteps of Christ in Rome.». Jerusalem Cross: Annales Ordinis Equestris Sancti Sepulchri Hierosolymitani. Vatican City: Grand Magisterium of the Equestrian Order of the Holy Sepulchre of Jerusalem. pp. 64–65. Consultado em 8 de agosto de 2023. Cópia arquivada (PDF) em 4 de maio de 2022
- ↑ Kuhn, Albert (1916). Roma: Ancient, Subterranean, and Modern Rome. New York: Benziger Brothers. Consultado em 8 de agosto de 2023 – via Google Books
- ↑ «The 'Breviary'; or, Short Description of Jerusalem». The Epitome of S. Eucherius about Certain Holy Places (circ. A.D.440), and the Breviary or Short Description of Jerusalem (circ. A.D. 530). Col: The Library of the Palestine Pilgrims' Text Society. II. Traduzido por Stewart, Aubrey. London: Palestine Pilgrims' Text Society. 1897. pp. 13–16. Consultado em 3 de fevereiro de 2024 – via Internet Archive
- ↑ Peebles, Rose Jeffries (1911). The Legend of Longinus in Ecclesiastical Tradition and in English Literature, and its connection with the Grail. Baltimore: J. H. Furst. Consultado em 29 de julho de 2023 – via The Internet Archive
- ↑ O'Donnell, James J. (14 de abril de 1979). Cassiodorus. Berkeley: University of California. ISBN 0-520-03646-8. Consultado em 3 de fevereiro de 2024 – via Internet Archive
- ↑ Cassiodorus, Magnus Aurelius (1865). «Expositio Psalmum LXXXVI - Explanation of Psalm 86». In: Migne, Jacques Paul. Patrologia Latina (em latim). LXX. Paris: Jacques Paul Migne. col. 621 – via Internet Archive.
Ibi manet lancea, quae latus Domini transforavit, ut nobis illius medicina succurreret. - There [Jerusalem] remains the lance which pierced the Lord's side, that his medicine might help us.
- ↑ Piacenza pilgrim (1887). Wilson, C. W., ed. Of the Holy Places Visited by Antoninus Martyr (Circ. 560–570 A.D.). Col: Library of the Palestine Pilgrims' Text Society. Traduzido por Stewart, Aubrey. London: Palestine Pilgrim's Text Society. Consultado em 3 de fevereiro de 2024
- ↑ «The Piacenza Pilgrim». Andrew S. Jacobs, Ph.D. Traduzido por Jacobs, Andrew S. Consultado em 3 de fevereiro de 2024. Cópia arquivada em 6 de janeiro de 2024
- ↑ Gregory of Tours (1879). «Libri Miraculorum - Book of Miracles». In: Migne, Jacques Paul. Patrologia Latina (em latim). LXXI. Paris: Jacques Paul Migne. col. 712 – via Internet Archive.
De lancea vero, arundine, spongia, corona spinea et columna, ad quam verberatus est Dominus et Redemptor Hierosolymis, dicendum. - Let us speak about the lance, the reed, the sponge, the crown of thorns, and the pillar where our Lord and Redeemer was lashed, in Jerusalem.
- ↑ Shanzer, Danuta (2003). «So Many Saints--So Little Time...the "Libri Miraculorum" of Gregory of Tours». Brepols. The Journal of Medieval Latin. 13: 19–60. JSTOR 45019571. doi:10.1484/J.JML.2.304193
- ↑ a b Chronicon Paschale 284-628 AD. Traduzido por Whitby, Michael; Whitby, Mary. [S.l.: s.n.] 2007. Consultado em 4 de agosto de 2023 – via Internet Archive
- ↑ Gastgeber, Christian (2005). «Die Heilige Lanze im byzantinischen Osten - The Holy Lance in the Byzantine East». In: Kirchweger, Franz. Die Heilige Lanze in Wien: Insignie, Reliquie, "Schicksalsspeer" [The Holy Lance in Vienna: Insignia, Relic, "Spear of Destiny"] (em alemão). Vienna: Kunsthistorisches Museum. pp. 52–69
- ↑ Adomnán of Iona (1889). The Pilgrimage of Arculfus in the Holy Land (About the Year A.D. 670). Traduzido por MacPherson, James Rose. London: Palestine Pilgrims' Text Society. Consultado em 17 de fevereiro de 2024 – via Internet Archive
- ↑ De Mély, Fernand (1904). Exuviae sacrae constantinopolitanae: la croix des premiers croisés, la Sainte Lance, la Sainte Couronne [The Holy Relics of Constantinople: The Cross of the First Crusaders, The Holy Lance, The Holy Crown] (em francês). Paris: Ernest LeRoux. Consultado em 17 de fevereiro de 2024 – via Google Books