Saltar para o conteúdo

Lança do destino

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
Lança do Destino, gravura representando a ponta de lança conservada em Viena.

A Lança do Destino (também conhecida como Lança Sagrada ou Lança de Longino), segundo a tradição da Igreja Católica, foi a arma usada pelo centurião romano Longinus para perfurar o tórax de Jesus Cristo durante a crucificação.[1]

Referências Bíblicas

[editar | editar código-fonte]

A lança (do grego: λογχη, lonke) só é mencionada no Evangelho de João (João 19:31–36) e em nenhum dos evangelhos sinópticos. Segundo João, os romanos pretendiam quebrar as pernas de Jesus, uma prática conhecida como crurifragium, que objetivava acelerar a morte numa crucificação. Logo antes de o fazerem, porém, perceberam que Jesus já estava morto e, portanto, não havia razão para quebrarem suas pernas. Para certificarem-se de sua morte, um legionário romano (tradicionalmente chamado de Longino) furou-lhe o flanco:

«Contudo um dos soldados lhe furou o lado com uma lança, e logo saiu sangue e água.» (João 19:34)

O fenômeno do sangue e água foi considerado um milagre por Orígenes. Os católicos, embora aceitem o sangue e a água como uma realidade biológica, emanando do coração e da cavidade abdominal de Cristo, também reconhecem a interpretação alegórica: ela representa um dos principais mistérios/ensinamentos chave da igreja, e um dos principais assuntos do Evangelho segundo Mateus, que é a interpretação da Consubstancialidade adotada pelo Primeiro Concílio de Niceia, segundo a qual Jesus Cristo era ambos: verdadeiro Deus e verdadeiro homem. O sangue simboliza sua humanidade, a água, sua divindade. Cerimonialmente, isso é representado em certo momento da Missa: o padre asperge uma pequena quantidade de água no vinho antes da consagração, um ato que reconhece a humanidade e divindade de Cristo e representa o fluxo de sangue e água do flanco de Cristo na cruz. Santa Faustina Kowalska, uma freira polonesa cujo apostolado e cujos escritos levaram ao estabelecimento da devoção da Divina Misericórdia, também reconheceu a natureza milagrosa do sangue e água, explicando que o sangue simboliza a misericórdia divina de Cristo, e a água, Sua divina compaixão e as águas batismais.

Uma tradição indica que esta relíquia foi encontrada na Antioquia por um monge, chamado Pedro Bartolomeu, que acompanhava a Primeira Cruzada. Este afirmava ter sido visitado por Santo André, que lhe teria contado que a lança encontrava-se na igreja de São Pedro. Depois da conquista da cidade, foi feita uma escavação e foi o próprio Pedro Bartolomeu que a encontrou.

Apesar de se pensar que tinha sido o monge a colocar uma falsa relíquia no local (até o legado papal Ademar de Monteil acreditava nisto), o logro melhorava o moral dos cruzados, sitiados por um exército muçulmano. Com este novo objeto santo à cabeça das suas forças, o príncipe de Antioquia marchou ao encontro dos inimigos, a quem derrotou miraculosamente - milagre segundo os cruzados, que afirmavam ter surgido um exército de santos a combater juntamente com eles no campo de batalha.

Estátua de São Longuinho de Gian Lorenzo Bernini (1638)

Uma relíquia da Lança Sagrada está preservada na Basílica de São Pedro na Cidade do Vaticano, numa loggia esculpida no pilar acima da estátua de São Longuinho.[2][3]

As primeiras referências conhecidas às relíquias da Lança Sagrada datam do século VI. O Breviário de Jerusalém (cerca de 530) descreve a lança exposta na Igreja do Santo Sepulcro.[4]:14[5]:6–8 Na sua Expositio Psalmorum (ca. 540-548),[6]:xv, 131–136 Cassiodoro afirma a também a presença da lança em Jerusalém.[7] Um relato do peregrino de Placência (ca. 570) coloca a lança na Igreja de Sião.[8]:18[9] Gregório de Tours descreveu a lança e outras relíquias da Paixão no seu Libri Miraculorum (ca. 574-594).[10][11]:24 Supõe-se também que a lança sagrada tenha sido roubada de Roma por Alarico e pelos seus visigodos durante o saque em agosto de 410. Portanto, poderia ter sido enterrada juntamente com Alarico entre toneladas de ouro, prata e a menorá de ouro em Cosença, sul de Itália, no outono de 410. Ninguém encontrou o túmulo e o tesouro de Alarico, que provavelmente foram esvaziados pelos bizantinos, e, portanto, a lança sagrada poderia aparecer algumas centenas de anos mais tarde em Jerusalém.

Em 614, Jerusalém foi capturada pelo general sassânida Sarbaro.[12]:156 O Chronicon Paschale diz que a Lança Sagrada estava entre as relíquias capturadas, mas um dos associados de Shahrbaraz deu-a a Nicetas que a levou para a Hagia Sophia em Constantinopla mais tarde nesse ano.[12]:157[13]:56 Entretanto, De locis sanctis, ao descrever a peregrinação de Arculf em 670, afirma que a lança está em Jerusalém, na Igreja do Santo Sepulcro.[14]:12 Arculf é o último dos peregrinos medievais a relatar a lança em Jerusalém, uma vez que Villibaldo e Bernardo não lhe fizeram qualquer menção.[15]:39

Referências

  1. «Lança do destino». Encyclopædia Britannica Online (em inglês). Consultado em 18 de novembro de 2019 
  2. Olivié, Antonio (2017). «In the Footsteps of Christ in Rome.». Jerusalem Cross: Annales Ordinis Equestris Sancti Sepulchri Hierosolymitani. Vatican City: Grand Magisterium of the Equestrian Order of the Holy Sepulchre of Jerusalem. pp. 64–65. Consultado em 8 de agosto de 2023. Cópia arquivada (PDF) em 4 de maio de 2022 
  3. Kuhn, Albert (1916). Roma: Ancient, Subterranean, and Modern Rome. New York: Benziger Brothers. Consultado em 8 de agosto de 2023 – via Google Books 
  4. «The 'Breviary'; or, Short Description of Jerusalem». The Epitome of S. Eucherius about Certain Holy Places (circ. A.D.440), and the Breviary or Short Description of Jerusalem (circ. A.D. 530). Col: The Library of the Palestine Pilgrims' Text Society. II. Traduzido por Stewart, Aubrey. London: Palestine Pilgrims' Text Society. 1897. pp. 13–16. Consultado em 3 de fevereiro de 2024 – via Internet Archive 
  5. Peebles, Rose Jeffries (1911). The Legend of Longinus in Ecclesiastical Tradition and in English Literature, and its connection with the Grail. Baltimore: J. H. Furst. Consultado em 29 de julho de 2023 – via The Internet Archive 
  6. O'Donnell, James J. (14 de abril de 1979). Cassiodorus. Berkeley: University of California. ISBN 0-520-03646-8. Consultado em 3 de fevereiro de 2024 – via Internet Archive 
  7. Cassiodorus, Magnus Aurelius (1865). «Expositio Psalmum LXXXVI - Explanation of Psalm 86». In: Migne, Jacques Paul. Patrologia Latina (em latim). LXX. Paris: Jacques Paul Migne. col. 621 – via Internet Archive. Ibi manet lancea, quae latus Domini transforavit, ut nobis illius medicina succurreret. - There [Jerusalem] remains the lance which pierced the Lord's side, that his medicine might help us. 
  8. Piacenza pilgrim (1887). Wilson, C. W., ed. Of the Holy Places Visited by Antoninus Martyr (Circ. 560–570 A.D.). Col: Library of the Palestine Pilgrims' Text Society. Traduzido por Stewart, Aubrey. London: Palestine Pilgrim's Text Society. Consultado em 3 de fevereiro de 2024 
  9. «The Piacenza Pilgrim». Andrew S. Jacobs, Ph.D. Traduzido por Jacobs, Andrew S. Consultado em 3 de fevereiro de 2024. Cópia arquivada em 6 de janeiro de 2024 
  10. Gregory of Tours (1879). «Libri Miraculorum - Book of Miracles». In: Migne, Jacques Paul. Patrologia Latina (em latim). LXXI. Paris: Jacques Paul Migne. col. 712 – via Internet Archive. De lancea vero, arundine, spongia, corona spinea et columna, ad quam verberatus est Dominus et Redemptor Hierosolymis, dicendum. - Let us speak about the lance, the reed, the sponge, the crown of thorns, and the pillar where our Lord and Redeemer was lashed, in Jerusalem. 
  11. Shanzer, Danuta (2003). «So Many Saints--So Little Time...the "Libri Miraculorum" of Gregory of Tours». Brepols. The Journal of Medieval Latin. 13: 19–60. JSTOR 45019571. doi:10.1484/J.JML.2.304193 
  12. a b Chronicon Paschale 284-628 AD. Traduzido por Whitby, Michael; Whitby, Mary. [S.l.: s.n.] 2007. Consultado em 4 de agosto de 2023 – via Internet Archive 
  13. Gastgeber, Christian (2005). «Die Heilige Lanze im byzantinischen Osten - The Holy Lance in the Byzantine East». In: Kirchweger, Franz. Die Heilige Lanze in Wien: Insignie, Reliquie, "Schicksalsspeer" [The Holy Lance in Vienna: Insignia, Relic, "Spear of Destiny"] (em alemão). Vienna: Kunsthistorisches Museum. pp. 52–69 
  14. Adomnán of Iona (1889). The Pilgrimage of Arculfus in the Holy Land (About the Year A.D. 670). Traduzido por MacPherson, James Rose. London: Palestine Pilgrims' Text Society. Consultado em 17 de fevereiro de 2024 – via Internet Archive 
  15. De Mély, Fernand (1904). Exuviae sacrae constantinopolitanae: la croix des premiers croisés, la Sainte Lance, la Sainte Couronne [The Holy Relics of Constantinople: The Cross of the First Crusaders, The Holy Lance, The Holy Crown] (em francês). Paris: Ernest LeRoux. Consultado em 17 de fevereiro de 2024 – via Google Books