Moeda-mercadoria

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Um okpoho ou manilla, uma moeda-mercadoria tradicional no Oeste da África até a década de 1940.

Moeda-mercadoria é a moeda cujo valor vem da mercadoria da qual ela é feita. A moeda-mercadoria consiste de objetos que possuem valor nelas próprias bem como valor em seu uso como moeda.[1]

Exemplos de mercadorias que foram usadas como meio de troca incluem o ouro, prata, bronze, sal, pimenta preta, pedras grandes (tais como as pedras Rai), cintos decorados, conchas, álcool, cigarros, maconha, doces, sementes de coco, búzios e cevada. Esses itens foram usados algumas vezes como uma medida de valor percebido em conjunto a um outro item, em economias de sistema de preços ou valoração de várias mercadorias.

Aspectos[editar | editar código-fonte]

A moeda-mercadoria distingue-se da moeda representativa, que é o certificado ou ficha que pode ser trocado por sua mercadoria subjacente, mas apenas quando a troca é boa para a fonte ou o produto. Uma característica fundamental da moeda-mercadoria é que o valor é diretamente percebido pelos usuários dessa moeda, que reconhecem a utilidade ou belezas das fichas. Ou seja, o efeito de possui uma ficha que pode ser trocada por um barril de petróleo deve ser economicamente o mesmo de possuir de fato o barril em suas mãos. Esse pensamento guia o mercado de mercadorias moderno, embora eles usem uma gama sofisticada de instrumentos financeiros que são mais do que representações de unidades um-a-um de um dado de tipo de mercadoria.

Visto que o pagamento com uma mercadoria geralmente gera um bem útil, a moeda-mercadoria é semelhante à permuta, mas difere dela por ter uma única unidade de troca reconhecida. (Radford 1945) descreve o estabelecimento de uma moeda-mercadoria nos campos da Segunda Guerra Mundial.

As pessoas deixam seus excedentes de roupas, material de higiene e comida lá até que eles fossem vendidos a um preço fixo em cigarros. Apenas vendas com cigarros era aceita – não havia permuta [...] De comida, a loja possuía um pequeno estoque para conveniência. O capital era fornecido por um empréstimo da loja de cigarros da Cruz Vermelha e reembolsado por uma pequena comissão. Assim, o cigarro atingiu um status de moeda e o mercado foi quase que completamente unificado.[2]

Radford documentou a forma como essa 'moeda cigarro' era sujeita à Lei de Gresham, inflação e especialmente deflação.

Em outro exemplo, nas prisões dos Estados Unidos, após que o fumo foi banido por volta de 2003, a moeda-mercadoria foi trocada em muitos lugares para latas de peixe, que possuem um custo bastante estável e são fáceis de estocar. Elas podiam ser trocadas por muitos serviços nas prisões, onde a posse pessoal de moeda era proibida.[3]

Metais[editar | editar código-fonte]

Em situações nas quais a mercadoria é o metal, normalmente ouro ou prata, uma casa da moeda do governo costuma cunhar moeda ao colocar uma marca no metal que serve como uma garantia do peso e da pureza do metal. Ao fazer isto, o governo impõe uma taxa que é conhecida como senhoriagem.

O papel da casa da moeda e da moeda difere entre a moeda-mercadoria e a moeda fiduciária. Em situações nas quais há moeda-mercadoria, a moeda preserva seu valor se ela é derretida e fisicamente alterada, enquanto em uma moeda fiduciária não. Normalmente, em uma moeda fiduciária o valor cai se ela é convertida em metal, mas em alguns casos é permitido que o valor dos metais nas moedas fiduciárias aumentem mais que o valor de face da moeda. Na Índia, por exemplo, as rupias fiduciárias desapareceram do mercado após 2007, quando seu teor de aço inoxidável tornou-se maior que o valor de fiduciário ou de face das moedas.[4] Nos Estados Unidos, o metal nos pennies (em maior parte de zinco desde 1982) e o metal nos níqueis (75% cobre, 25% níquel) tem um valor próximo (e às vezes excedente) ao valor de face fiduciário da moeda.

História[editar | editar código-fonte]

As mercadorias frequentemente surgem em situações nas quais outras formas de dinheiro não estão disponíveis ou não são confiáveis.

Várias mercadorias foram usadas na América pré-Revolucionária, incluindo conchas, milho, pregos de ferro, peles de castor e tabaco. De acordo com o economista Murray Rothbard:

Nas colônias americanas pouco povoadas, o dinheiro, com sempre, surgia no mercado como uma mercadoria útil e escassa, e começava a servir como um meio de troca geral. Assim, pele de castor e conchas eram usadas como dinheiro no norte para o comércio com os índios, e peixe e milho também servia como dinheiro. O arroz era usado como dinheiro na Carolina do Sul, e o uso mais abrangente da moeda-mercadoria era o tabaco, que servia como dinheiro em Virginia. A libra de fumo era a unidade monetária em Virginia, com recibos de depósitos em tabaco circulando como moeda subjacentes a 100% do tabaco nos depósitos.[5]

O repositório de ouro Fort Knox há muito tempo mantido pelos Estados Unidos, funcionou como uma reserva teórica dos certificados de ouro impressos federalmente para substituir o ouro. Entre 1933 e 1970 (quando os Estados Unidos oficialmente deixaram o padrão-ouro), um dólar americano valia exatamente 1/35 de uma onça troy (889 mg) de ouro. No entanto, o comércio real de barras de ouro como um metal precioso nos Estados Unidos foi banido após 1933, com o propósito específico de prevenir o entesouramento do ouro privado durante um período de depressão econômica no qual a circulação máxima de dinheiro é desejada pelos economistas mais influentes. Esta era uma típica transação da mercadoria para o dinheiro representativo ou fiduciário, com as pessoas negociando outros bens sendo forçadas a negociar em ouro e, então, recebendo papel moeda que supostamente seria tão bom quanto o ouro.

Cigarros e gasolina eram usados como uma forma de moeda-mercadoria em algumas partes da Europa, incluindo Alemanha, França e Bélgica, após o final da Segunda Guerra Mundial.[6] Cigarros ainda são usados como uma forma de moeda-mercadoria nas prisões dos Estados Unidos. (Lankenau 2001, p. 142 conclui que onde as prisões não a proíbem, é criado um "mercado negro" com o uso de cigarros como moeda).

Funções da moeda-mercadoria[editar | editar código-fonte]

Moeda-mercadoria japonesa antes do século VIII: arrowheads, grãos de arroz, e pó de ouro. Esta era a forma mais antiga de Moeda japonesa.

Embora algumas moedas-mercadorias (cevada) tenha sido usada historicamente em relações de comércio e escambo (Mesopotâmia, cerca de 3 000 a.C), pode ser incoveniente usá-las como meio de troca ou um padrão de pagamento diferido devido às preocupações com transporte e estocagem. O ouro ou outros metais algumas vezes são usados como sistema de preços como uma reserva de valor percebido, que não se perde devido à deterioração material e pode ser facilmente estocada.

O uso de métodos parecidos com o escambo usando moeda-mercadoria podem datar de pelo menos 100 000 anos atrás. O ocre vermelho era usado no comércio da Suazilândia, joias de conchas também datam desse período e possuem os atributos necessários de uma moeda-mercadoria.[7] Para organizar a produção e distribuir bens e serviços entre as populações, antes de a economia de mercado existir, as pessoas confiavam na tradição ou cooperação da comunidade. As relações de reciprocidade e/ou redistribuição foram substituídas pelas trocas no mercado.

As cidades-estado da Suméria desenvolveram uma economia de mercado baseada originalmente na moeda-mercadoria do shekel, que era uma medida de peso de cevada, enquanto a Babilônia e outras cidades-estado vizinhas mais tarde desenvolveram o sistema mais antigo de economia, usando uma métrica de várias mercadorias, que foi fixada em um código legal.[8]

Vários séculos após a invenção da escrita cuneiforme, o uso da escrita expandiu-se além dos certificados de pagamento/dívida e listas de inventário para quantias de moeda-mercadoria sendo usadas nas leis de contrato, como na compra de propriedades e pagamento de multas legais.[9]

Valor jurídico e moeda-mercadoria[editar | editar código-fonte]

O valor de face das moedas em papel e metálicas é definido pelo Estado e, é somente este valor que deve ser juridicamente aceito como pagamento ou dívida, na jurisdição daquele Estado que declara a moeda como tendo curso legal. O valor de metais preciosos expressos na moeda pode a ela conferir um outro valor, mas isto varia com o tempo. O valor do metal é sujeito a acordos bilaterais, como nos casos dos metais puros ou mercadorias que não foram monetizadas por qualquer Estado. Como um exemplo, as moedas de ouro e prata de outros países fora dos Estados Unidos estão especificamente excluídas da lei norte-americana de terem curso legal para o pagamento de dívidas nos Estados Unidos,[10] então um vendedor que se recusa a aceitá-la não pode ser processado pelo pagador que a oferece. No entanto, nada impede que tais acordos sejam feitos se ambas as partes concordarem em um valor para as moedas.

Ver também[editar | editar código-fonte]

Referências

  1. O'Sullivan, Arthur; Steven M. Sheffrin (2003). Economics: Principles in action. Upper Saddle River, New Jersey 07458: Pearson Prentice Hall. 246 páginas. ISBN 0-13-063085-3 
  2. Radford, RA (1945). «The Economic Organisation of a PoW Camp». Economica. 12. [S.l.: s.n.] http://wayback.archive.org/web/20080717062228/http://www.albany.edu/~mirer/eco110/pow.html. Consultado em 9 de maio de 2009  Em falta ou vazio |título= (ajuda).
  3. «Mackerel Economics in Prison Leads to Appreciation for Oily Fillets: Packs of Fish Catch On as Currency, Former Inmates Say; Officials Carp». The Wall Street Journal. 2 de outubro de 2008 
  4. Oconnor, Ashling (16 de junho de 2007). «Coins run out as smugglers turn rupees into razors». The Times. London. Consultado em 30 de abril de 2010 
  5. Rothbard, Murray, Commodity Money in Colonial America, LewRockwell.com
  6. «Troublesome in Europe: Black Markets». Leader-Post. Regina, Saskatchewan. 5 de janeiro de 1946. Consultado em 28 de novembro de 2012 
  7. «Shells are believed to be 100,000-year-old jewelry - 6/23/2006 8:12:00 AM - JCK-Jewelers Circular Keystone». Consultado em 7 de outubro de 2014. Arquivado do original em 27 de janeiro de 2013 
  8. Charles F. Horne, Ph.D. (1915). «The Code of Hammurabi : Introduction». Yale University. Consultado em 14 de setembro de 2007 
  9. Dow, Sheila C. (2005). «Axioms and Babylonian thought: a reply» 3 ed. Journal of Post Keynesian Economics. 27: 385–391 
  10. 31 U.S.C. § 5103

Ligações externas[editar | editar código-fonte]