Passeata dos Cem Mil

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 Nota: Este artigo é sobre a Passeata dos Cem Mil de 1968. Para a Passeata dos Cem Mil de 2013, veja Passeata dos Cem Mil (2013).
Passeata dos Cem Mil

Vladimir Palmeira, o líder do movimento civil, discursando durante a Passeata dos Cem Mil, em 26 de junho de 1968.
Período 26 de junho de 1968
Local Rio de Janeiro
Causas Ditadura militar brasileira
Objetivos Redemocratização
Características Manifestações
Marchas em protesto

A Passeata dos Cem Mil foi uma manifestação popular contra a ditadura militar brasileira. Organizada pelo movimento estudantil, ocorreu em 26 de junho de 1968, na cidade do Rio de Janeiro, e contou com a participação de artistas, intelectuais e outros setores da sociedade brasileira.[1]

Antecedentes[editar | editar código-fonte]

Prisões e arbitrariedade eram as marcas da ação do governo militar, sobretudo em relação às crescentes manifestações de protesto de estudantes contra a ditadura que se instalara no país, em 1964. A repressão policial atingiu seu apogeu no final de março de 1968, com a invasão do Restaurante Calabouço, onde os estudantes protestavam contra a elevação do preço das refeições. Durante a invasão, o comandante da tropa da PM, aspirante Aloísio Raposo, matou o secundarista Edson Luís de Lima Souto, de 18 anos,[nota 1] com um tiro à queima roupa no peito.

No Brasil, 68 iniciou-se com a morte do Edson Luís. Foi um momento em que a repressão ficou meio paralisada, pois ela também se assustou com o que aconteceu. A morte do estudante não foi algo programado. Foi mais um acidente de trabalho, de certa forma previsivel dentro de uma cultura repressiva que tratava na porrada e na violência qualquer reivindicação ou protesto. Assim, num momento de tensão e de descontrole, alguém na polícia passou do ponto. E o assassinato do Edson Luis deu uma largada muito forte para o movimento estudantil em 68, especialmente no Rio de Janeiro, embora tenha havido manifestações de protesto em todo o país, imediatamente. Durante o velório do estudante, o confronto com policiais ocorreu em várias partes do Rio de Janeiro. Nos dias seguintes, manifestações sucederam-se no centro da cidade, todas reprimidas com violência, até culminar na missa da Igreja da Candelária em 4 de abril, quando soldados a cavalo investiram contra estudantes, padres, repórteres e populares.[nota 2]

No dia 29 de março, cerca de 60 mil pessoas participaram do cortejo fúnebre até o cemitério São João Batista, em Botafogo. A manifestação transcorreu normalmente, sem a intervenção policial. No resto do país, entretanto, ocorreram demonstrações e marchas de protesto. Em Salvador, Belo Horizonte, Goiânia e Porto Alegre, estudantes e populares entraram em choque com as forças policiais. A UNE decretou greve geral dos estudantes.

Em 31 de março, data do quarto aniversário da derrubada de Goulart, ocorreram novas demonstrações de repúdio contra o assassinato do estudante. Os protestos de rua acabaram se convertendo num conflito aberto entre estudantes e populares de um lado, e efetivos do Exército do outro, que provocou a morte de duas pessoas, ferimentos em quase cem e cerca de duzentas prisões.

No início de junho de 1968, o movimento estudantil começou a organizar um número cada vez maior de manifestações públicas. Foi marcada para o dia 11 de junho uma concentração dos estudantes no pátio do MEC. Sob a determinação de evitá-la, todas as tropas do Exército entram em regime de prontidão. O protesto estudantil - pela falta de verbas na Universidade, contra o Acordo MEC-USAID, a criação de fundações e a política educacional do governo - acaba transformando-se em passeata devido à forte repressão policial que impede a concentração. No entanto, a polícia despeja grande quantidade de gás nas proximidades do MEC, espanca, atira jatos de água e prende mais de dez pessoas.

No dia 18, uma passeata, que terminou no Palácio da Cultura, resultou na prisão do líder estudantil, Jean Marc von der Weid

No dia seguinte, o movimento se reuniu na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) para organizar novos protestos e pedir a libertação de Jean e de outros alunos presos. Mas o resultado foi a detenção de 300 estudantes, ao final da assembleia.

No dia 21 de junho, uma manifestação estudantil em frente ao edifício do Jornal do Brasil gerou um conflito que terminou com três mortos, dezenas de feridos e mais de mil prisões. Aquele dia ficou conhecido como "Sexta-feira sangrenta".[2]

Diante da repercussão negativa do episódio, o comando militar acabou permitindo uma manifestação estudantil, marcada para o dia 26 de junho. Segundo o comando militar, dez mil policiais estariam prontos para entrar em ação, caso fosse necessário.

A passeata[editar | editar código-fonte]

Artistas Eva Wilma, Tônia Carrero, Odete Lara, Norma Bengell e Cacilda Becker protestam contra a ditadura militar brasileira na Passeata dos Cem Mil, em fevereiro de 1968

Logo pela manhã de 26 de junho de 1968, os participantes da passeata já tomavam as ruas da Cinelândia,[1] no centro do Rio de Janeiro, exigindo a libertação dos colegas presos e protestando contra a repressão policial. Afirmam também ter informações sobre o "plano de infiltração de elementos do MAC" - movimento anticomunista - e do próprio governo na próxima manifestação estudantil com o intuito de quebrar vitrinas e agredir populares, para que a opinião pública volte a tomar o lado da Polícia.

Convocando a população a participar da passeata através de "comícios-relâmpagos", os estudantes recebem a declaração de solidariedade de vários setores da sociedade civil - mães de alunos, artistas, professores, jornalistas, servidores, populares, advogados através da OAB, clero - alguns deles confirmando a sua presença em manifestos dirigidos ao povo brasileiro e divulgados pela imprensa, como é exemplar este trecho do documento assinado pelas "mães de estudantes universitários e secundaristas - cariocas": Por outro lado, parte dos "empresários da Guanabara" pedem ao governador a presença de tropas federais para garantir a segurança na cidade. Gama e Silva, por sua vez, "aconselha" Negrão de Lima a permitir a realização do ato público. A manifestação é finalmente autorizada e a polícia permanece nos quartéis. A ausência da polícia é comentada positivamente por Castello Branco:

Esta certo o Ministro Rondon Pacheco: o Presidente da República teve serenidade para decidir. Escolheu a negociação e a transigência ao invés da escalada.

O resultado foi o vibrante espetáculo de ontem no Rio de Janeiro, onde a massa foi às ruas e a Polícia

Pouco antes das duas horas da tarde, teve início a marcha reunindo cerca de 50 mil pessoas — incluindo numerosos padres e freiras que carregavam cartazes e faixas com dizeres como “O povo organizado derruba a ditadura” e “Abaixo o imperialismo” e proferiam lemas do mesmo teor. Munidos de frascos de tinta de tipo spray, os manifestantes pichavam as ruas do Centro com frases contendo reivindicações e críticas ao governo.

Durante o trajeto, a passeata foi engrossada por grande número de populares e estudantes. Às 15 horas, quando a passeata já reunia cerca de cem mil pessoas, ao passar em frente à igreja da Candelária, a marcha interrompeu seu andamento para ouvir o discurso inflamado do líder estudantil, Vladimir Palmeira, que lembrou a morte de Edson Luís e cobrou o fim da ditadura militar.[3]Vladimir Palmeira, durante a passeata, alerta a população para não aceitar a provocação da polícia e sim denuncia-la, ameaçando, a partir de então, encarcerar um policial para cada estudante preso.

A passeata prosseguiu, durante três horas, encerrando-se em frente à Assembleia Legislativa, sem conflito com o forte aparato policial que acompanhou a manifestação popular, ao longo de todo o seu percurso.

No manifesto, distribuído pelos estudantes durante a passeata, está presente a justificativa para a radicalização do ME devido ao tratamento recebido pela ditadura.

Apesar dos esforços do governo em impedir a divulgação dos acontecimentos da Guanabara, quer através da censura à rádio e à TV e da repressão aos jornalistas que são espancados tendo suas máquinas fotográficas destruídas, quer através da caça aos líderes estudantis por agentes federais, é significativa a mobilização dos estudantes nas principais capitais do país em solidariedade aos colegas cariocas.

No dia seguinte à passeata dos cem mil, vários ministros, governadores da Arena e até mesmo o 1 Exército concordam com a urgência da resolução dos problemas estudantis. Enquanto isso o presidente da República, em seu discurso na convenção nacional da Arena, denuncia um suposto "plano secreto para a tomada do poder através da violência, atribuindo-o à Ação Popular. O governo anuncia também o grupo de trabalho criado para estudar a reforma universitária. Tal postura do governo é avaliada por Travassos - que pertence à AP- paralelamente ao balanço da passeata dos cem mil.

Depois da passeata[editar | editar código-fonte]

Depois do evento, o então presidente Costa e Silva marcou uma reunião com líderes da sociedade civil - entre eles os universitários Franklin Martins e José Dirceu,[4] ocasião em que foi marcada para 2 de julho, em Brasília. A comissão do movimento apresentou quatro reivindicações básicas: libertação dos estudantes presos, reabertura do restaurante do Calabouço, fim de toda repressão policial, suspensão da censura às artes. Costa e Silva rejeitou todos os pedidos da comissão e o resultado foi a realização de outra passeata, que reuniu cerca de 50 mil pessoas.

Nos outros estados, os protestos estudantis ampliaram seu nível de organização e mobilização, como em Goiás, onde a polícia baleou quatro estudantes. Mas à medida que cresciam as manifestações contra a ditadura, também crescia a ação repressiva do governo militar, em todo o território nacional:

  • No dia 2 de agosto, Vladimir Palmeira foi preso. Logo em seguida, outros 650 estudantes foram para a cadeia.
  • No dia 4 de agosto, 300 alunos foram detidos em São Paulo.
  • Em 21 de agosto, o Congresso rejeitou o projeto que concedia anistia aos estudantes e operários presos.
  • Em 12 de outubro, mais de 400 estudantes foram detidos durante um congresso clandestino da UNE (União Nacional dos Estudantes) em Ibiúna, interior de São Paulo.

Apesar da repressão, as manifestações estudantis continuaram, até 13 de dezembro de 1968, quando foi promulgado o AI-5 (Ato Institucional nº 5), marcando o início dos Anos de chumbo da Ditadura Militar brasileira.

Consequências da Passeata

Após as manifestações estudantis decorrentes do assassinato de Edson Luis, o país enfrenta tensões entre a linha dura e setores políticos buscando a liberalização. O Dia do Trabalho é visto como crucial para um movimento subversivo. O presidente Costa e Silva enfrenta incertezas sobre governar sem ceder às pressões militares. Conflitos no 1º de maio em São Paulo podem favorecer a linha dura na campanha pelo fechamento do regime, resultando em prisões, incluindo estudantes. Na Guanabara, incidentes menores também ocorrem, envolvendo estudantes.

A foto e o poema[editar | editar código-fonte]

O fotojornalista Evandro Teixeira que, à época, trabalhava para o Jornal do Brasil, tornou-se o autor da foto mais conhecida e representativa da Passeata dos Cem Mil. A foto exibe a massa humana que percorreu o centro do Rio de Janeiro e a enorme faixa contendo as frases: "Abaixo a Ditadura. Povo no poder".[3]

Além desta, Evandro produziu outras fotos sobre a repressão militar às manifestações estudantis, como o conflito na Candelária, em 4 de abril de 1968.

Inspirado nelas, o poeta Carlos Drummond de Andrade compôs o poema "Diante das fotos de Evandro Teixeira".

"Das lutas de rua no Rio
em 68, que nos resta
mais positivo, mais queimante
do que as fotos acusadoras,
tão vivas hoje como então,
a lembrar como a exorcizar?"
- Trecho do poema

Participantes da passeata[editar | editar código-fonte]

Nomes de pessoas com visibilidade pública, que participaram da Passeata dos 100 mil:

Ver também[editar | editar código-fonte]

Notas

  1. Nascido de uma família pobre, em Belém do Pará, Edson Luís mudara-se para o Rio de Janeiro para fazer seus estudos de segundo grau no Instituto Cooperativo de Ensino, que funcionava no Restaurante Calabouço.

Referências

  1. a b c Teixeira, Evandro (2008). 68: Destinos. Passeata dos 100 Mil. Rio de Janeiro: Textual. 120 páginas [ligação inativa]
  2. «21 de junho de 1968 - A sexta-feira sangrenta». Jornal do Brasil. 21 de junho de 2011. Consultado em 15 de abril de 2015. Arquivado do original em 22 de setembro de 2015 
  3. «Fotógrafo registrou a ditadura em momentos decisivos». Portal Terra 

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

  • Valle, Maria Ribeiro do (1999). 1968: O diálogo é a violência. movimento estudantil e ditadura militar no Brasil. Campinas: Unicamp 

Ligações externas[editar | editar código-fonte]