Plural majestático
O plural majestático (do latim pluralis majestatis: 'plural de majestade'), também chamado plural de modéstia,[1] refere-se ao uso (geralmente, por uma autoridade) da primeira pessoa do plural (nós) em lugar da primeira pessoa do singular (eu), para designar autoridade expressiva e generalidade, ou o emprego da segunda pessoa do plural (vós) em vez da segunda pessoa do singular (tu), em atitude respeitosa para com o interlocutor; [2] neste último caso ainda é usado por soberanos ou personalidades religiosas; e no primeiro, na língua falada ou escrita, quando quem escreve ou fala se refere a si próprio usando a primeira pessoa.
Exemplos
[editar | editar código]Nas citações serão sublinhadas palavras que exemplificam o uso do plural majestático.
Em português
[editar | editar código]A oração do Pai Nosso utiliza o plural majestático para se referir a Deus:
- Pai Nosso, que estais no Céu:
- Santificado seja o vosso nome.
- Venha a nós o vosso reino.
- Seja feita a vossa vontade, assim na terra como no Céu.
- O pão nosso de cada dia nos dai hoje.
- Perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido.
- E não nos deixeis cair em tentação.
- Mas livrai-nos do mal. Amém
Em outras línguas
[editar | editar código]Inglês
[editar | editar código]Em 1902, depois do Reino Unido ser pedido a arbitrar uma disputa territorial entre a Argentina e o Chile after the United Kingdom, o rei Eduardo VII ordenou o julgamento de tal arbitragem, conhecida como Laudo Eduardo VII. A frase logo depois do preâmbulo começa da seguinte maneira:[3]
Now, We, Edward, by the grace of God, King of the United Kingdom of Great Britain and Ireland and of the British Dominions beyond the Seas King, Defender of the Faith, Emperor of India, etc., etc., have arrived at the following decisions upon the questions in dispute, which have been referred to Our arbitration, ...
Traduzido para o português:
Agora, Nós, Eduardo, pela graça de Deus, Rei do Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda e dos domínios britânicos além dos mares Rei, Defensor da Fé, Imperador da Índia, etc., etc., chegamos às seguintes decisões sobre as questões em disputa, que foram enviadas à Nossa arbitração, ...
Vale notar que no exemplo a locução verbal "have arrived" funciona para a primeira pessoa do singular e do plural, então não foi sublinhada no texto original.
História
[editar | editar código]O uso do plural majestático já ocorria em escritos da Roma antiga, por exemplo, nas obras autobiográficas de Marcos Túlio Cícero. Esse tipo de forma de tratamento se difundiu em muitos países como modo de expressão formal sobretudo de soberanos e papas (daí o nome "majestático"), da imagem institucional associada a essas funções, que representariam portanto uma coletividade.
Atualmente, o uso do pluralis majestatis tem diminuído em quase toda parte. No âmbito da Igreja Católica, foi João Paulo I quem colocou um fim na utilização dessa locução nos seus discursos públicos, embora o uso da fórmula permaneça nos escritos oficiais da Igreja. Em 1989, Margaret Thatcher, então primeira-ministra do Reino Unido, foi ironizada pela imprensa quando usou o plural majestático (em inglês royal we) para anunciar que se tornara avó.[4] No entanto, em português, o plural majestático, convertido em plural de modéstia, ainda é muito usado, como recurso estilístico, tanto na comunicação formal como na literatura, por oradores e escritores,[5] como forma de evitar o tom individualista no discurso, quando este se apresenta como fala coletiva, ou para criar proximidade com o leitor.
Descrição
[editar | editar código]Como o plural majestático não corresponde a um plural semântico, a concordância nominal não se processa da forma regular. Trata-se de um caso de concordância gramatical irregular ou ideológica denominado silepse de número. O verbo é flexionado na primeira pessoa do plural (concordando com o sujeito que é, apenas formalmente, plural). Mas a ideia é a de um só agente, e, por isso, a concordância se processa não formalmente, mas ideologicamente. A concordância nominal – particularmente o adjetivo e o particípio – é ocorre de acordo com o gênero da pessoa que fala. Assim, o orador ou oradora dirá, conforme seja o seu gênero, "Fomos surpreendido" ou "Fomos confrontada". O predicativo não concordará gramaticalmente com a primeira pessoa do plural ("nós"), permanecendo no singular.[5][6][7] Os pronomes pessoais do caso oblíquo e os possessivos também devem ser os da primeira pessoa do plural: nos, conosco, nosso. Exemplo: "Estamos confiante em nossa capacidade de atender à expectativa da população, à qual nos dirigiremos sempre para auscultar-lhe a vontade".[6]
Referências
- ↑ Ciberdúvidas. O uso do plural majestático
- ↑ Dicionário Houaiss: 'plural'; loc.: 'plural majestático'
- ↑ «The Cordillera of the Andes Boundary Case» (PDF). Reports of International Arbitral Awards. Office of Legal Affairs, United Nations
- ↑ The Phrase Finder. We are a grandmother
- ↑ a b Ainda o uso do plural majestático
- ↑ a b Plural de modéstia. Professor Paulo Hernandes. 31 de agosto de 2001.
- ↑ ALMEIDA, Napoleão Mendes de. Gramática metódica da língua portuguesa. 28ª ed. São Paulo: Saraiva, 1979, apud Henrietta Marcey Zanini. A concordância nominal e o revisor gramatical eletrônico Word. Cuiabá: UFMT, 2007, p. 64