Religião universal

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Religião universal (também religião universalizadora), no contexto convencionado da classificação morfológica das religiões, pode conceituar-se como uma religião cujas leis ou preceitos sagrados, bem como sua cosmogenia são postos como de observância obrigatória para todos, nesse caso entendida toda a humanidade.[1] Assim entendida, qualquer que seja (pois podem-se conceber várias, sem reserva), uma tal religião pode ser diretamente contrastada com as, por assim dizer, "religiões étnicas", em termos de suas características, já que estas últimas são, conforme João Hinnells, matizadas por traços étnicos ou de âmbito nacional.[2] Cornelis Tiele é, geralmente, considerado a primeira pessoa a formalizar essa classificação no estudo ocidental da religião. Então, pelo já estabelecido, religião universal pode ter feição plural, isto é, muitas podem-se conceber.

"Universalizar a(s) religião(ões)" é diferente de, embora relacionado a o termo "universalismo", e pode-se entender como estratégia de "universalizar" (ou seja, "absorver, tanto quanto possível, qualquer e toda religião, das preexistentes, em sua estrutura e em seus princípios sagrados, ou, ainda mais contraria e extremadamente, regar tudo até o ponto em que todas as religiões venham a ser encaradas necessariamente como as mesmas, forçosamente e de qualquer maneira"). Contudo, não é, de forma alguma, sinônimo de "universalismo", de feição espontânea e natural.

Características[editar | editar código-fonte]

Dentre as religiões conhecidas na história da humanidade, Jainismo é, usualmente, considerado como o mais antigo "modelo religioso universalizador" conhecido, segundo os conceitos apresentados.[3][4]

As chamadas religiões universalizadoras estão, comumente, ligadas à vida do fundador, em contraste com as religiões étnicas, que se acham mais ligadas ao ambiente físico. As religiões universalizadoras que creem em um universo eterno afirmam, muitas vezes, também, que sua religião é eterna e que é regenerada de tempos em tempos e que o fundador mais recente é apenas o regenerador atual na cadeia infinita de regeneradores.[5][6] Seu calendário é geralmente baseado em um evento importante na vida do fundador. Elas (as religiões universalizadoras) celebram eventos importantes da vida do fundador, tais como o nascimento, a morte, as datas ou as épocas de pronunciamentos relevantes ("sermões"), a data da iluminação etc.. Creem que o Ser Supremo revela as leis de interação entre as várias entidades do Universo, seja direta ou indiretamente, sobre a Terra. Alguns também acreditam que o mesmo Ser Supremo cria o Universo para usufruto do homem. Creem, ainda, na existência de "pessoas especiais", que compilam as leis do Universo, como lhes é revelado pelo Ser Supremo. Religiões universalizadoras são geralmente, mas não necessariamente, generalizadoras. Ainda uma outra característica das religiões universalizadoras, que raramente se encontra em religiões étnicas, é a facilidade de conversão. Converter-se a uma religião universalizadora é relativamente fácil e muito encorajado pelos praticantes da fé.

Alguns estudiosos de religiões comparadas têm sugerido que pode haver um preconceito discriminativo na nomenclatura de religiões de nível superior para classificações morfológicas e que os ramos do budismo devem ser considerados religiões separadas se forem aplicados critérios uniformes em todas as religiões.[7]

Tomando forma desde o início na consciência religiosa de uma pessoa, essas religiões enfatizam o lado interno e subjetivo da relação religiosa. A relação do homem com seu deus não é um fato pronto, mas um fim espiritual a ser realizado. O espírito interior não é monopólio de nenhuma casta ou povo ou espécie. É no seu próprio espírito que o homem é religioso. A fé é possível para todos. As religiões universais pretendem ser, por assim dizer, "individualizadas", isto é, internas e pessoalmente realizadas, o que, em todo caso, não significa serem individualistas, no sentido de retirar, egoisticamente, o penhor de comunhão entre as pessoas que assim creem. Como todos os homens (e, ainda, espécies, para algumas religiões) têm a mesma natureza espiritual, eles podem compartilhar e participar da mesma experiência religiosa. Nem o parentesco físico de um grupo, nem a participação em um determinado sistema ritual podem criar em um homem ou espécie, ou tirar deles o espírito com o qual eles adoram e servem seu deus, como o concebam. Daí, religião universal mostra-se atraente para o espírito, sem distinção de classe ou raça ou espécie. A salvação ou redenção que oferece está aberta a todos. Assim como o objeto de adoração é um, o método do serviço divino em todos os lugares também é o mesmo. O zelo missionário que têm demonstrado tem correspondido à sua vitalidade interior. Depois de passar por muitas vicissitudes, essas religiões ainda estão vivas.[8]

Comparação entre religiões universais[editar | editar código-fonte]

Comparação entre algumas ditas "religiões universais" (ateísmos incluem-se para fins comparativos, embora possam ser ou não ser considerados religiões)
Elemento de fé Cristianismo Budismo Ateísmos Jainismo Islamismo
Carma
(Causa & Efeito)
Aceita Aceita Rejeita Aceita Aceita
Pós-vida Vida eterna/Inferno eterno Renascimento[9] Rejeita[10] Reencarnação Vida eterna/Inferno eterno
Pré-vida Rejeita Renascimento[9] Rejeita[10] Reencarnação Rejeita
Vida ascética Rejeita Aceita Rejeita Aceita Rejeita, exceto Sufismo
Rituais, Bhakti
(Pali: Bhatti)
Aceita Aceita, opcional[11] Rejeita Aceita, opcional[12] Aceita
Não homicídio e
Vegetarianismo
Aceita, só para humanos,
e em caso de guerra justa
Aceita (é obscuro...)
para alimentação[13]
Maior defensor
da não-violência
,
Vegetarianismo,
não-violência
aos animais[14]
Aceita, só de muçulmanos,
e em caso de guerra justa
Livre-arbítrio
humano
Aceita

(exceto os protestantes calvinistas)

Aceita Aceita[15] Rejeita
Maya, existência Aceita Aceita (prapañca)[16] Rejeita Aceita Aceita
Alma, existência Aceita Rejeita[17] Rejeita[18] Aceita[19]:119 Aceita
Deus criador Aceita Rejeita Rejeita Rejeita Aceita
Deus pessoal Aceita Rejeita Rejeita Aceita Aceita
Epistemologia
(Pramana)
Onisciência (Deus, apenas),
Conhecimento sensitivo,
Base racional,
Escrituras sagradas
Conhecimento sensitivo,
Base racional[20][21]
Conhecimento sensitivo,[22]
Naturalismo metodológico
Onisciência, Telepatia,
Percepção remota,
Conhecimento sensitivo,
Base racional,
Escrituras sagradas[20]
Onisciência (Deus, apenas),
Conhecimento sensitivo,
Base racional,
Escrituras sagradas
Autoridade epistêmica Catolicismo romano, Igrejas ortodoxas e ala anglo-católica do Anglicanismo: Bíblia, Magistério e Tradição;[23][24][25]

Protestantismo: Bíblia (Sola Scriptura), exceto a ala anglo-católica do Anglicanismo.[26]
Buda, escritos[27] Jain Agamas Alcorão
Salvação (Soteriologia) Céu eterno Nirvana (Śūnyatā)[28] Siddha[29] Céu eterno
Metafísica
(Realidade final)
Deus, Matéria, Tempo,
Espaço, Almas
Skandha, Śūnyatā[30][31] Matéria, Tempo, Espaço Matéria, Tempo, Espaço, Almas,
Princípio do movimento,
Princípio do repouso[32]
Deus, Matéria, Tempo,
Espaço, Almas

Notas e referências

Notas

Referências

  1. Monaghan, John; Just, Peter. Social & Cultural Anthropology. [S.l.: s.n.] ISBN 978-0-19-285346-2 
  2. Hinnells, John R. The Routledge Companion to the Study of Religion. [S.l.: s.n.] ISBN 0-415-33311-3 
  3. «Jainism and Buddhism as enduring historical streams» (PDF) 
  4. «Jainism oldest personally founded» 
  5. Britannica Tirthankar Definition, Encyclopædia Britannica 
  6. «History of the Buddhas» 
  7. Religious Conversion: Religion Scholars Thinking Together, Shanta Premawardhana, John Wiley & Sons, 2015, page 35.
  8. «Philosophy of religions» 
  9. a b Damien Keown (2013), Buddhism: A Very Short Introduction, 2nd Edition, Oxford University Press, ISBN 978-0199663835, pages 32-46
  10. a b Haribhadrasūri (Translator: M Jain, 1989), Saddarsanasamuccaya, Asiatic Society, OCLC 255495691
  11. Karel Werner (1995), Love Divine: Studies in Bhakti and Devotional Mysticism, Routledge, ISBN 978-0700702350, pages 45-46
  12. John Cort, Jains in the World : Religious Values and Ideology in India, Oxford University Press, ISBN, pages 64-68, 86-90, 100-112
  13. U Tahtinen (1976), Ahimsa: Non-Violence in Indian Tradition, London, ISBN 978-0091233402, pages 75-78, 94-106
  14. U Tahtinen (1976), Ahimsa: Non-Violence in Indian Tradition, London, ISBN 978-0091233402, pages 57-62, 109-111
  15. Howard Coward (2008), The Perfectibility of Human Nature in Eastern and Western Thought, State University of New York Press, ISBN 978-0791473368, pages 103-114;
    Harold Coward (2003), Encyclopedia of Science and Religion, Macmillan Reference, see Karma, ISBN 978-0028657042
  16. Damien Keown (2004), A Dictionary of Buddhism, Oxford University Press, ISBN 978-0198605607, Entry for Prapañca, Quote: "Term meaning ‘proliferation’, in the sense of the multiplication of erroneous concepts, ideas, and ideologies which obscure the true nature of reality".
  17. [a] Steven Collins (1994), Religion and Practical Reason (Editors: Frank Reynolds, David Tracy), State Univ of New York Press, ISBN 978-0791422175, page 64; "Central to Buddhist soteriology is the doctrine of not-self (Pali: anattā, Sanskrit: anātman, the opposed doctrine of ātman is central to Brahmanical thought). Put very briefly, this is the [Buddhist] doctrine that human beings have no soul, no self, no unchanging essence.";
    [b]KN Jayatilleke (2010), Early Buddhist Theory of Knowledge, ISBN 978-8120806191, pages 246-249, from note 385 onwards;
    [c]John C. Plott et al (2000), Global History of Philosophy: The Axial Age, Volume 1, Motilal Banarsidass, ISBN 978-8120801585, page 63, Quote: "The Buddhist schools reject any Ātman concept. As we have already observed, this is the basic and ineradicable distinction between Hinduism and Buddhism";
    [d]Katie Javanaud (2013), Is The Buddhist ‘No-Self’ Doctrine Compatible With Pursuing Nirvana?, Philosophy Now;
    [e]Anatta Encyclopædia Britannica, Quote:"In Buddhism, the doctrine that there is in humans no permanent, underlying substance that can be called the soul. (...) The concept of anatta, or anatman, is a departure from the Hindu belief in atman (self)."
  18. Ramkrishna Bhattacharya (2011), Studies on the Carvaka/Lokayata, Anthem, ISBN 978-0857284334, page 216
  19. Padmanabh S. Jaini (2001). Collected papers on Buddhist studies. [S.l.]: Motilal Banarsidass Publications. ISBN 9788120817760 
  20. a b John A. Grimes, A Concise Dictionary of Indian Philosophy: Sanskrit Terms Defined in English, State University of New York Press, ISBN 978-0791430675, page 238
  21. D Sharma (1966), Epistemological Rejeitative dialectics of Indian logic — Abhāva versus Anupalabdhi, Indo-Iranian Journal, 9(4): 291-300
  22. MM Kamal (1998), The Epistemology of the Carvaka Philosophy, Journal of Indian and Buddhist Studies, 46(2), pages 13-16
  23. «O que é a tradição da igreja?». Formação. 1 de fevereiro de 2022. Consultado em 5 de dezembro de 2022 
  24. «Catequese». www.ecclesia.com.br. Consultado em 5 de dezembro de 2022 
  25. «Por que os ingleses se sentem cada vez mais católicos». www.ihu.unisinos.br. Consultado em 5 de dezembro de 2022 
  26. Fabapar, Equipe (30 de outubro de 2019). «Sola Scriptura: A Visão dos Reformadores Acerca da Bíblia». Fabapar. Consultado em 5 de dezembro de 2022 
  27. Christopher Bartley (2011), An Introduction to Indian Philosophy, Bloomsbury Academic, ISBN 978-1847064493, pages 46, 120
  28. Jerald Gort (1992), On Sharing Religious Experience: Possibilities of Interfaith Mutuality, Rodopi, ISBN 978-0802805058, pages 209-210
  29. John Cort (2010), Framing the Jina: Narratives of Icons and Idols in Jain History, Oxford University Press, ISBN 978-0195385021, pages 80, 188
  30. Masao Abe and Steven Heine (1995), Buddhism and Interfaith Dialogue, University of Hawaii Press, ISBN 978-0824817527, pages 105-106
  31. Chad Meister (2009), Introducing Philosophy of Religion, Routledge, ISBN 978-0415403276, page 60; Quote: "In this chapter, we looked at religious metaphysics and saw two different ways of understanding Ultimate Reality. On the one hand, it can be understood as an absolute state of being. Within Hindu absolutism, for example, it is Brahman, the undifferentiated Absolute. Within Buddhist metaphysics, fundamental reality is Sunyata, or the Void."
  32. Christopher Key Chapple (2004), Jainism and Ecology: Nonviolence in the Web of Life, Motilal Banarsidass, ISBN 978-8120820456, page 20