Sedevacantismo

Sedevacantismo é uma posição teológica dentro do catolicismo tradicionalista que defende que a Santa Sé está vaga e que o Papa é, na realidade, um impostor.[1][2] O termo "sedevacantismo" é derivado da frase em latim sede vacante, que significa literalmente "cadeira vaga", sendo a cadeira em questão a cátedra de um bispo. A utilização da frase em um contexto contemporâneo geralmente diz respeito à vacância da Santa Sé nos períodos entre a morte ou a renúncia de um Papa e a eleição de seu legítimo sucessor. Para os sedevacantistas, a Igreja Católica não tem atualmente um papa para a governar e guiar, vivendo, portanto, em um estado permanente de sede vacante.[3]
Geralmente, os sedevacantistas são católicos tradicionalistas que rejeitam as transformações vividas pela Igreja Católica desde o Concílio Vaticano II, considerando que o Papa Pio XII, morto em 1958, foi o último pontífice romano conhecido. Alguns grupos aceitam a legitimidade de seu sucessor, o Papa João XXIII, mas rejeitam Paulo VI e seus sucessores como apóstatas. Outros, ainda, embora permaneçam críticos severos dos pontífices recentes, reconhecem a legitimidade e a autoridade de todos até Bento XVI, rejeitando, contudo, o seu sucessor Papa Francisco, o qual teria perdido ipso facto a autoridade pontifícia ao ser o primeiro Papa a cair publicamente em heresia formal.[4][5]
Entretanto, nem todos os tradicionalistas, críticos do Concílio Vaticano II e dos papas recentes, são sedevacantistas, mesmo em relação ao atual Papa Papa Francisco. Um exemplo notório é a Fraternidade Sacerdotal São Pio X.
Posições[editar | editar código-fonte]
Origem[editar | editar código-fonte]
O sedevacantismo deve suas origens à rejeição das mudanças teológicas e disciplinares implementadas após o Concílio Vaticano II (1962-1965).[6] Os sedevacantistas rejeitam este Concílio, com base em sua interpretação de seus documentos sobre ecumenismo e liberdade religiosa, entre outros, que consideram contradizendo os ensinamentos tradicionais da Igreja Católica e negando a missão única do catolicismo como a única religião verdadeira, fora dos quais não há salvação.[7] Eles também dizem que novas normas disciplinares, como a Missa de Paulo VI, promulgada em 3 de abril de 1969, minam ou entram em conflito com a fé católica histórica e são consideradas blasfemas, enquanto os ensinamentos pós-Vaticano II, particularmente aqueles relacionados ao ecumenismo, são rotulados heresias.[8] Eles concluem, com base em sua rejeição do rito da missa revisado e do ensino pós-conciliar da Igreja como falsos, e que os papas envolvidos também são falsos. Mesmo entre os católicos tradicionalistas,[9] esta é uma questão bastante divisiva.[10]
Católicos tradicionalistas que não sejam sedevacantistas reconhecem como legítima a linha de papas que leva e inclui o Papa Francisco.[11] Os sedevacantistas, no entanto, afirmam que o infalível Magistério da Igreja Católica não poderia ter decretado as mudanças feitas em nome do Concílio Vaticano II e concluem que aqueles que emitiram essas mudanças não poderiam estar agindo com a autoridade da Igreja Católica.[12] Assim, eles sustentam que o Papa João XXIII e seus sucessores deixaram a verdadeira Igreja Católica e, assim, perderam a autoridade legítima na Igreja. Um herege formal, dizem eles, não pode ser o papa católico.[13]
Justificativa[editar | editar código-fonte]
Embora os argumentos dos sedevacantistas muitas vezes dependam de sua interpretação do modernismo como uma heresia, isso também é debatido.[14]
Posições dentro do sedevacantismo[editar | editar código-fonte]
Sobre o clero, a missa e os sacramentos[editar | editar código-fonte]
Alguns sedevacantistas aceitam as consagrações e ordenações de bispos e padres sedevacantistas, e a oferta de missas e a administração de sacramentos pelos ditos bispos e padres, como lícitas por causa da epikea,[15][16][17] ou seja, "a interpretação da mente e da vontade daquele que fez a lei".[18] Neste caso, as leis eclesiásticas (por exemplo, proibição de consagrações de bispos sem mandato papal; proibição de administração de sacramentos sem autorização eclesiástica) são interpretadas para cessar quando segui-las fosse impossível, prejudicial ou irracional,[19] ou significasse transgredindo as leis divinas (por exemplo, a Igreja deve ter bispos e padres; os católicos devem assistir à missa e receber os sacramentos), e por causa de um precedente histórico para consagrar bispos católicos durante uma longa vacância da Santa Sé.[15][16]
Na liturgia[editar | editar código-fonte]
Outra questão que divide os sedevacantistas é se é permitido ir às missas "una cum" (Missas latinas tradicionais onde o nome da pessoa considerada pelos católicos tradicionais como Papa é falado no Cânone Romano, especificamente na oração "Te igitur", onde o padre diz "una cum famulo tuo Papa nostro N." ["junto com Teu Servo N., nosso Papa"]). Essas missas "una cum" são oferecidas pelos sacerdotes da Fraternidade Sacerdotal de São Pedro. Alguns argumentam que é, ou pode ser, permitido,[20][21] enquanto outros argumentam que não é permitido, e que tais missas são ilícitas e proibidas aos católicos.[22][23]
Relação com o Sedeprivacionismo[editar | editar código-fonte]
Uma parcela considerável de sedevacantistas afirma a Tese de Cassiciacum do teólogo dominicano Dom Michel-Louis Guérard des Lauriers como sendo uma posição válida, que afirma que João XXIII e seus sucessores são papas materialiter sed non formaliter, ou seja, "materialmente, mas não formalmente ," e que os papas pós-Vaticano II se tornarão papas se retratarem suas heresias.[24][25][26]
Conclavistas[editar | editar código-fonte]
Oriundos do sedevacantismo, existem os que tiveram a sua alternativa própria: elegeram e reconheceram um dos seus como o verdadeiro e legítimo Papa. Devido ao facto de eles afirmarem que a Santa Sé é dirigida pelo seu candidato, eles não são sedevacantistas em sentido estrito, por isso são chamados de "conclavistas". No entanto, o termo "sedevacantista" é também frequentemente aplicado a eles, porque eles rejeitam a atual sucessão papal aceita pela Igreja Católica, pelas mesmas razões do que os sedevacantistas.
Filósofos[editar | editar código-fonte]
A maioria dos sedevacantistas creem que os papas recentes não foram/são católicos verdadeiros, portanto, papas legítimos, em virtude de, alegadamente, terem abraçado a heresia do modernismo e negado ou contrariado dogmas católicos já definidos infalivelmente pelo Magistério da Igreja Católica ou pela própria Revelação bíblica, sendo por definição irreformáveis.
Segundo o místico Frithjof Schuon:
"A Igreja existe todavia, e necessariamente, mas ela não está mais em Roma; o Vaticano está tomado por uma força de ocupação estrangeira. Esta força de ocupação é o que se chama de modernismo: desde o século XIX, e mesmo antes, o racionalismo e o cientificismo influenciaram os católicos, já imbuídos de civilizacionismo progressista, como quase todos os ocidentais."— Frithjof Schuon
Esses erros da mentalidade dominante do século XIX deram origem, no interior do Catolicismo, a este movimento que chamamos de “modernismo”. Esta ideologia fora magistralmente analisada e definida por Pio IX, depois por Pio X; este último erigiu um muro protetor contra o modernismo ao introduzir o ‘’juramento anti-modernista’’, e ele não temeu proceder a numerosas suspensões e excomunhões. Os papas seguintes, até Pio XII inclusive, lembraram mais de uma vez as definições e condenações proclamadas por Pio IX e Pio X; mas eles infelizmente se contentaram com isso e em geral evitaram tomar medidas punitivas. Com a morte de Pio XII, os modernistas partiram para o assalto; o fato de que Pio XII, para evitar escândalos, tivesse evitado excomungar Roncalli, Montini e outros, iria ter consequências. Roncalli afinal foi eleito, ele mesmo já um notório modernista, permitindo finalmente que os modernistas tomassem de assalto
Ademais, segundo o autor britânico William Stoddart, o concílio Vaticano Segundo foi uma "revolução palaciana" imposta à força sobre os fieis, que não foram consultados sobre as mudanças revolucionárias e anti-tradicionais em curso:
"Esta revolução palaciana foi imposta por seis falsos monarcas: iniciada por Roncalli João XXIII, foi concluída por Montini Paulo VI, e a seguir continuada por Luciani João Paulo I, Woytila João Paulo II, Ratzinger Bento XVI e Bergoglio Francisco. Os fieis foram roubados de seu bem mais precioso, sua religião, que é a chave para a condução de suas vidas e para sua salvação."[27]— William Stoddart
Referências
- ↑ Appleby, R. Scott (1995), Being Right: Conservative Catholics in America, ISBN 978-0253329226, Indiana University Press, p. 257.
- ↑ Marty, Martin E.; Appleby, R. Scott (1994), Fundamentalisms Observed, ISBN 978-0226508788, University of Chicago Press, p. 88.
- ↑ Neuhaus, Richard John (2007), Catholic Matters: Confusion, Controversy, and the Splendor of Truth, ISBN 978-0465049356, Basic, p. 133.
- ↑ Collinge, William J. (2012). Historical dictionary of Catholicism 2nd ed. Lanham, MD: Scarecrow Press. p. 399. ISBN 978-0810857551.
from tens of thousands to hundreds of thousands
. - ↑ Chryssides, George D. (2012). Historical Dictionary of New Religious Movements 2nd ed. [S.l.]: Scarecrow Press. p. 99. ISBN 978-0810879676
- ↑ Madrid, Patrick; Vere, Peter (2004), More Catholic Than the Pope: An Inside Look at Extreme Traditionalism, ISBN 1931709262, Our Sunday Visitor, p. 169.
- ↑ Jarvis, E. Sede Vacante: the Life and Legacy of Archbishop Thuc, Apocryphile Press, Berkeley CA, 2018, pp. 8–10.
- ↑ Flinn, Frank K (2007), Encyclopedia of Catholicism, ISBN 978-0816054558, Facts on File, p. 566.
- ↑ Collinge, William J (2012), Historical Dictionary of Catholicism, ISBN 978-0810879799, Scarecrow, p. 566.
- ↑ Gibson, David (2007). Rule of Benedict : Pope Benedict XVI and his battle with the modern world. 1st HarperCollins pbk. ed ed. New York: HarperCollins. p. 355. OCLC 153579525
- ↑ Gibson, David (2007), The Rule of Benedict: Pope Benedict XVI and His Battle with the Modern World, ISBN 978-0061161223, Harper Collins, p. 355.
- ↑ Marty, Martin E; Appleby, R. Scott (1991), Fundamentalisms Observed, ISBN 0226508781, University of Chicago Press, p. 66.
- ↑ Wójcik, Daniel (1997), The End of the World As We Know It: Faith, Fatalism, and Apocalypse in America, ISBN 0814792839, New York University Press, p. 86.
- ↑ Jarvis, E. Sede Vacante: the Life and Legacy of Archbishop Thuc, Apocryphile Press, Berkeley CA, 2018, pp. 152–53.
- ↑ a b Most Rev. Mark Pivarunas, CMRI. "Episcopal Consecration During Interregnums".
- ↑ a b Most Rev. Mark Pivarunas, CMRI. "The Consecration of Bishops During Interregna".
- ↑ Rev. Anthony Cekada. "Canon Law and Common Sense".
- ↑ Rev. Henry Davis. "Moral and Pastoral Theology", vol. 1, p. 188.
- ↑ Rev. Henry Davis. "Moral and Pastoral Theology", vol. 1, p. 168. "Law need not be fulfilled even by a subject, if it has become impossible, or harmful, or unreasonable, or useless in general"
- ↑ Daly, John S. "Cardinal de Lugo on Communicatio in Sacris".
- ↑ Lane, John. "The Question of Assistance at the Mass of a Priest Who Professes Communion With John Paul II as Pope". 10 September 2002. Retrieved 28 September 2021.
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- ↑ Istituto Mater Boni Consilii (IMBC). "Who we are". Retrieved 29 August 2021.
- ↑ Most Rev. Donald Sanborn. "The material Papacy". Retrieved 29 August 2021.
- ↑ Most Rev. Donald Sanborn. "De Papatu Materiali". "Pars Prima" and "Pars Secunda". Retrieved 29 August 2021.
- ↑ William Stoddart: Lembrar-se num mundo de esquecimento. Editora Kalon, São José dos Campos, 2013.
Ver também[editar | editar código-fonte]
Ligações externas[editar | editar código-fonte]
- Sedevacantism: Modernist Heresy or Traditionalist Schism (academia.edu)