Shakespeare and Company
Shakespeare and Company (traduzido do inglês: "Shakespeare e Companhia") é o nome de duas livrarias da zona sul da cidade de Paris, na França. A primeira foi aberta por Sylvia Beach em 19 de novembro de 1919 no número 8 da rua Dupuytren e se mudou em 1922 para o número 12 da rua do Odeão. Durante a década de 1920, se tornou um ponto de encontro para escritores como Ezra Pound, Ernest Hemingway, James Joyce e Ford Madox Ford. Fechou em 1941 devido à ocupação nazista da França e nunca reabriu. A segunda livraria com esse nome se localiza no número 37 da rua da Bûcherie, tendo sido aberta em 1951 por George Whitman com o nome de Le Mistral. Em 1964, a livraria foi renomeada Shakespeare and Company em homenagem à livraria original de Sylvia Beach. Hoje, funciona como livraria, sebo (alfarrabista) e biblioteca de leitura, sendo especializada em literatura de língua inglesa. É uma popular atração turística. Foi retratada nos filmes Before Sunset e Midnight in Paris.
A livraria de Sylvia Beach
[editar | editar código-fonte]Sylvia Beach, uma estadunidense de Nova Jérsia, abriu a primeira Shakespeare and Company no número 8 da rua Dupuytren em 1919. A loja funcionava como biblioteca de emprestar livros e como livraria. Em 1921, a loja se mudou para um endereço maior no número 12 da rua do Odeão, onde permaneceu até 1941.[1] Durante esse período, a loja foi o centro da cultura literária anglo-estadunidense e do modernismo na cidade. Escritores e artistas da Geração Perdida como Ernest Hemingway, Ezra Pound, F. Scott Fitzgerald, Gertrude Stein, George Antheil e Man Ray passavam muito tempo na loja. James Joyce, que a utilizava como escritório, a apelidou de "Stratford-on-Odéon" numa referência à cidade natal do escritor William Shakespeare, Stratford-upon-Avon.[2] Seus livros eram considerados de alta qualidade e refletiam o gosto pessoal de Sylvia Beach.
A loja e seus frequentadores foram retratados no livro A Moveable Feast, de Hemingway. Clientes da livraria podiam comprar ou emprestar livros como Lady Chatterley's Lover, de D. H. Lawrence, que havia sido banido das ilhas Britânicas e dos Estados Unidos. Em 1922, Sylvia publicou o livro Ulisses, de James Joyce, que também havia sido banido das Ilhas Britânicas e dos Estados Unidos.[3] Edições posteriores do livro também foram publicados pela livraria.[4] Sylvia também encorajou a publicação do primeiro livro de Heminguay, "Três histórias e dez poemas" (1923), e vendeu vários exemplares do livro.[4] Várias personalidades fizeram raras aparições na livraria ministrando palestras: Paul Valery, Andre Gide e T.S. Eliot. Hemingway quebrou sua regra de não falar em público, quando Stephen Spender concordou em ministrar a palestra junto com ele.[5] A loja fechou em dezembro de 1941 durante a ocupação nazista da França.[6] Foi sugerido que a ordem de fechamento teria sido devido à recusa de Sylvia em fornecer o último exemplar de Finnegans Wake para um oficial alemão.[7] Quando a Segunda Guerra Mundial terminou, Ernest Hemingway "pessoalmente liberou" a livraria, mas ela nunca reabriu.[8]
A livraria de George Whitman
[editar | editar código-fonte]Em 1951, outra livraria de língua inglesa abriu na Rive Gauche: desta vez, pelo ex-militar George Whitman. Era a Le Mistral, que funcionava num antigo mosteiro do século 16,[9] no número 37 da rua da Bûcherie, próximo à praça São Miguel, a alguns passos do rio Sena, da catedral de Notre-Dame de Paris e da Île de la Cité.[9] Como a loja de Sylvia, a loja de George se tornou o ponto focal da cultura literária da Paris boêmia e foi frequentada por escritores da Geração Beat como Allen Ginsberg, Gregory Corso e William S. Burroughs, de quem se diz que pesquisou seções de Naked Lunch na seção de medicina da livraria.[9] Outros frequentadores foram James Baldwin (escritor), Anaïs Nin, Julio Cortázar, Richard Wright (escritor), Lawrence Durrell, Max Ernst, Bertolt Brecht, William Saroyan, Terry Southern e editores da Revista de Paris, como George Plimpton, Peter Matthiessen e Robert Silvers. George modelou sua loja segundo a de Sylvia. Em 1958, enquanto jantava com George numa festa para James Jones (escritor), o qual havia acabado de chegar em Paris, Sylvia anunciou publicamente que estava dando o nome de sua loja para George.[10]
Em 1964, após a morte de Sylvia e no quadricentésimo aniversário de Shakespeare, George mudou o nome da livraria para Shakespeare and Company em homenagem à livraria de Sylvia, descrevendo o nome como "uma novela em três palavras".[11] Ele chamou o empreendimento de "uma aventura socialista disfarçada de livraria".[12] Henry Miller a chamava de "um País das Maravilhas de livros".[13] A loja tem camas dobráveis em meio às prateleiras de livros, onde escritores aspirantes são convidados a dormir de graça em troca de ajuda no funcionamento da livraria, concordando ainda em ler um livro por dia e escrever uma autobiografia de uma página para os arquivos da loja. Esses convidados são chamados de "plantas voadoras", em referência às plantas que "são sopradas para lá e para cá aos ventos do acaso", como dizia Whitman.[13] Estima-se que 30 000 pessoas já permaneceram na loja desde que ela abriu em 1951.
Várias publicações literárias tiveram seu endereço editorial na livraria, incluindo o jornal vanguardista Merlin, que tem o mérito de ter descoberto Samuel Beckett, pois foi o primeiro a publicá-lo em inglês. Entre os editores do jornal, estavam Richard Seaver, Christopher Logue e Alexander Trocchi. Jane Lougee era a editora. De 1959 a 1964, Jean Fanchette publicou "Duas Cidades" a partir da loja. Os patronos da loja incluíram Anaïs Nin e Lawrence Durrell. Ela publicou, entre outros, Ted Hughes e Octavio Paz. De 1978 a 1981, no andar superior da livraria, um grupo de estadunidenses e canadenses produziu o Paris Voices, um jornal literário. O jornal publicou jovens escritores como o poeta galês Tony Curtis e o autor teatral e novelista irlandês Sebastian Barry. O editor-em-chefe era Kenneth R. Timmerman, e a equipe editorial incluía o canadense Antanas Sileika. Outras publicações sediadas na livraria foram a revista Frank, editada por David Applefield com contribuições de escritores como Mavis Gallant e John Berger, e a "Revista de Paris" de Whitman (ou a "Revista de Paris do Homem Pobre", como ele a chamava), com contribuições de Lawrence Ferlinghetti, Jean-Paul Sartre, Marguerite Duras, Pablo Neruda e - numa edição mais recente - Luc Sante, Michel Houellebecq e Rivka Galchen. A primeira edição estreou em 1967, a mais recente em 2010.
Em 2006, George Whitman foi condecorado pela Ordem das Artes e Letras, uma das maiores honras da cultura francesa.[14] Ele morreu com a idade de 98 anos em 14 de dezembro de 2011 em seu apartamento acima da livraria.[15]
Em 2003, a filha de George, Sylvia Beach Whitman (o nome era uma homenagem a Sylvia Beach), passou a trabalhar com o pai. Atualmente, ela administra a livraria junto com seu parceiro, David Delannet, na mesma maneira que seu pai fazia.[16] São atividades regulares na livraria: festa do chá dominical, oficinas de escritores e eventos semanais que incluíram escritores como Dave Eggers, A. M. Homes, Jonathan Safran Foer e Naomi Klein.[16]
Em 2003, Sylvia fundou o FestivalandCo, um festival literário bienal celebrado na praça René-Viviani, ao lado da livraria. Foram participantes: Paul Auster, Siri Hustvedt, Jeanette Winterson, Jung Chang e Marjane Satrapi.[17][16]
Em 2010, a livraria lançou o Prêmio Literário de Paris para novelas não publicadas, com um prêmio máximo de 10 000 euros fornecido pela fundação De Groot. A ganhadora da primeira edição foi Rosa Rankin-Gee, cuja obra "Os últimos reis de Sark" foi publicada posteriormente pela editora Virago. O vencedor do segundo prêmio foi C. E. Smith; sua obra "Corpo elétrico" foi copublicada pela livraria e pela Revista Branca.
Em parceria com a Bob's Bake Shop, a livraria abriu um café em 2015, localizado ao lado da livraria. O café serve, principalmente, comida vegetariana.
Em 2016, a livraria publicou sua própria história num livro intitulado "Shakespeare e companhia: uma história da loja de trapos e ossos do coração", editado por Krista Halverson com um prefácio de Jeanette Winterson e um epílogo de Sylvia Whitman. Outros contribuintes para o livro foram Ethan Hawke, Lawrence Ferlinghetti, Allen Ginsberg, Anaïs Nin, Robert Stone, Ian Rankin, Kate Tempest e Jim Morrison. O livro apresenta uma adaptação ilustrada das memórias de Sylvia Beach. Também apresenta uma seleção de cartas e diários de George Whitman durante suas "viagens vagabundas" durante a Grande Depressão. O carinho que George recebeu de estranhos em sua jornada inspirou o lema da livraria: "dê o que você pode; leve aquilo de que você necessita".[18]
A livraria foi um refúgio para vinte frequentadores durante os Ataques de novembro de 2015 em Paris.[19][20]
No final de outubro de 2020, a livraria informou que suas vendas haviam caído em oitenta por cento devido à Pandemia de COVID-19. Durante o primeiro lockdown na França, a livraria foi fechada por dois meses e não vendeu pela internet, seguindo o conselho do Sindicato da Livraria Francesa. O proprietário da livraria informou que a loja tem recebido muitas ofertas de ajuda, e que está vendendo pela internet.[21]
As livrarias em Nova Iorque
[editar | editar código-fonte]A cidade de Nova Iorque possui quatro livrarias Shakespeare and Company, que abriram em 1981 mas que não são afiliadas à livraria de Paris.
Na mídia
[editar | editar código-fonte]- A livraria aparece nos filmes Before Sunset (2004), Julie & Julia (2009) e Midnight in Paris (2014).[22]
- A livraria e seu proprietário George Whitman são os temas do documentário "Retrato de uma livraria como um homem velho" (2003), dirigido por Benjamin Sutherl e Gonzague Pichelin.[23]
- A livraria aparece no drama "Triunfo nos céus 2", da Television Broadcasts Limited de Hong Kong.[24]
- A livraria aparece na terceira e quarta temporadas da série Highlander: The Series.
- Sylvia Beach e a livraria aparecem com destaque no livro "A mulher de São Germano" (2019), de J. R. Lonie, que se passa durante a Segunda Guerra Mundial, na França.
- O escritor Jorge Carrion mencionou a livraria em seu premiado ensaio "Livrarias".[25]
- Rishabh Chaddha entrevistou Sylvia Whitman em 15 de dezembro de 2020.[26]
Referências
- ↑ Glass, Charles (2009). Americans in Paris: Life and Death Under Nazi Occupation. [S.l.]: London: Harper Collins. pp. 24–27. ISBN 978-0-00-722853-9
- ↑ Glass, Charles (2009). Americans in Paris: Life and Death Under Nazi Occupation. [S.l.]: London: Harper Collins. 24 páginas. ISBN 978-0-00-722853-9
- ↑ Silverman, Al (2008). The Time of Their Lives: The Golden Age of Great American Publishers, Their Editors and Authors. [S.l.]: Truman Talley. ISBN 9780312350031
- ↑ a b Meyers, Jeffrey (1985). Hemingway: A Biography. [S.l.]: London: Macmillan. 82 páginas. ISBN 0-333-42126-4
- ↑ Beach, Sylvia (1991). Shakespeare and Company. [S.l.]: U of Nebraska Press. ISBN 9780803260979
- ↑ Glass, Charles (2009). Americans in Paris: Life and Death Under Nazi Occupation. [S.l.]: London: Harper Collins. pp. 33, 415. ISBN 978-0-00-722853-9
- ↑ Glass, Charles (2009). Americans in Paris: Life and Death Under Nazi Occupation. [S.l.]: London: Harper Collins. pp. 205–207. ISBN 978-0-00-722853-9
- ↑ Dwight Garner (18 de abril de 2010). «Ex-Pat Paris as It Sizzled for One Literary Lioness». Consultado em 7 de abril de 2010
- ↑ a b c Sharkey, Alix (3 de março de 2002). "The Beats go on". [S.l.]: London: The Observer magazine
- ↑ Jeanette Winterson (15 de dezembro de 2011). «Jeanette Winterson remembers George Whitman». Consultado em 7 de abril de 2021
- ↑ Glass, Charles (2009). Americans in Paris: Life and Death Under Nazi Occupation. [S.l.]: London: Harper Collins. 415 páginas. ISBN 978-0-00-722853-9
- ↑ «Jeremy Mercer's top 10 bookshops». 6 de dezembro de 2005. Consultado em 7 de abril de 2021
- ↑ a b Halverson, Krista (2016). Shakespeare and Company: Paris: A History of the Rag & Bone Shop of the Heart. [S.l.]: Shakespeare and Company Paris. ISBN 979-10-96101-00-9
- ↑ A. Craig Copetas (7 de junho de 2009). «Hemingway's Hangout Spruces Up to Defy Amazon: A. Craig Copetas». Consultado em 11 de abril de 2021
- ↑ Simons, Marlise (14 de dezembro de 2011). "George Whitman, Paris Bookseller and Cultural Beacon, Is Dead at 98". [S.l.]: The New York Times
- ↑ a b c Mulholland, Tara (21 de junho de 2010). "Literary Luminaries Hold Forth at Storied Paris Bookshop". [S.l.]: The New York Times
- ↑ «Festivalandco». Consultado em 11 de abril de 2021
- ↑ Halverson, Krista (2016). Shakespeare and Company: Paris: A History of the Rag & Bone Shop of the Heart. [S.l.]: Shakespeare and Company Paris. ISBN 979-10-96101-00-9
- ↑ Jarry Lee (14 de novembro de 2015). «Paris Bookstore Shakespeare & Co. Sheltered Customers During Attacks». Consultado em 11 de abril de 2021
- ↑ Claire Phipps e Kevin Rawlinson (14 de novembro de 2015). «Paris attacks kill more than 120 people – as it happened». Consultado em 11 de abril de 2021
- ↑ Alison Flood (28 de outubro de 2020). «Legendary Paris bookshop Shakespeare and Company begs for help in pandemic». Consultado em 11 de abril de 2021
- ↑ Berger, Joseph (27 de maio de 2011). "Decoding Woody Allen's 'Midnight in Paris'". [S.l.]: The New York Times
- ↑ Anita Gates. "What's on Tonight: Sundance". [S.l.]: The New York Times
- ↑ «Places to Visit - Shakespeare and Company Bookstore; Paris». 18 de agosto de 2013. Consultado em 11 de abril de 2021
- ↑ Riding, Alan (1 de dezembro de 2017). "A Love Affair With Bookstores". [S.l.]: The New York Times. ISSN 0362-4331
- ↑ Rishabh Chaddha (15 de dezembro de 2020). «Shakespeare & Company, Paris : An Interview with Sylvia Whitman». Consultado em 11 de abril de 2021