Sistema elu
O sistema elu faz parte de um conjunto de propostas linguísticas criadas com o propósito de introduzir na língua portuguesa um género gramatical neutro, sendo a proposta de maior destaque os neopronomes pessoais elu, delu, nelu, aquelu, equivalentes aos pronomes femininos e masculinos existentes na língua, porém neutros em género.
A língua portuguesa por regra determina que o plural dos substantivos, quando abrange indivíduos do género feminino e masculino, é feito com base no masculino. Esse tipo de formação do plural é considerada sexista por certos grupos e indivíduos,[1][2] daí resultando propostas por uma linguagem neutra a ser adotada. Falantes de línguas com géneros gramaticais masculino e feminino (p.ex. português, espanhol, francês) tendem a ter pensamentos mais sexistas, na perspectiva gringa ou estrangeira e lugar de fala exocultural.[3][4][1]
O uso de pronomes pessoais neutros, como hen em sueco, elle em espanhol e they singular em inglês, ajudam a combater o sexismo.[5][6][7][8] O sistema tem por objetivo de criar uma linguagem neutra para comunicar sobre as pessoas não-binárias e diminuir a discriminação de gênero.[9]
Outros ajustes do sistema[editar | editar código-fonte]
O sistema elu se estende também à neolinguagem, logo, usa neologismos para substituir palavras que adequem uma neutralidade ou epicenidade, acompanhando uma mudança de gênero noutras funções, adjetivos e substantivos.[10][11]
Uma grande parte das palavras sofre flexão de género, o movimento altera a palavra mediante o género.[9] Esta alteração de género ocorre quando se troca a desinência nominal das palavras, sendo esse o nome das letras que ficam na parte final dessas palavras. Essa trata e indica especialmente o género.[9] Um exemplo, são as vogais “-a” ou “-o”, que estão no final de várias palavras com flexão de género (menin-A, menin-O).[9]
Além dessas vogais, existem também outros tipos mais elaborados de desinências nominais, e que variam quando as palavras estão no singular e plural.[9]
Para além do neopronome "elu", existem outras normas para a possibilidade da neutralidade de género na língua: como quando a palavra termina em “-o” no masculino ou “-a” no feminino, substituir-se a desinência por “-e” (ex: lindo, linda = linde), quando a palavra termina em “-co” no masculino e “-ca” no feminino, substituir-se a desinência por “-que” (ex: médico, médica = médique), ou ao terminar em “-go” no masculino e “-ga” no feminino, substituir-se a desinência por “-gue” (ex: amigo, amiga = amigue),[12] assim como a substituição dos pronomes possessivos “meu(s)” ou “minha(s)” por “minhe(s)” ou “mi(s)”,[13] ou dos artigos definidos “a(s)” e “o(s)” por “ê(s)”, entre outras mudanças.[14]
Regras[editar | editar código-fonte]
As alterações são somente válidas para se tratar de pessoas. O tratamento para objetos permanece o mesmo, não perdendo o seu género gramatical original. Os pronomes “isto”, “isso” e “aquilo” cujo género gramatical é masculino se mantêm. Os adjetivos e complementos devem também manter a concordância com o género gramatical do sujeito, sendo um erro esses elementos não concordarem em género.[9]
Algumas pessoas usam e-circunflexo ou acento agudo em “elu”: “élu” para replicar o som de “e” em ela; e “êlu” para reproduzir a pronúncia de “e” em ele.[15][16]
História do sistema e uso[editar | editar código-fonte]
O sistema surgiu num contexto de críticas sobre o uso de “x” ou “@” neolinguisticamente no lugar de “a” ou “o” não funcionar na linguagem oral,[17][18] servindo somente na escrita, mas não para ler, falar ou ouvir,[17] e críticas sobre esse uso discriminar pessoas com deficiências visuais ao atrapalhar aquelas que utilizam de programas de leitura através de som, e pessoas com dislexia, outras alternativas tornaram-se necessárias.[17]
Com a criação de "elu", por volta dos anos 2010, houve outras tentativas de pronomes neutros, como o “el” e “ilu” (que surgiu a partir do pronome neutro do latim illud, e que deu base para o “elu”).[19] Outras propostas, surgiram, como alternativas a "elu".[20][21][22][23][24][25][26]
Em junho de 2020, mês do orgulho LGBT+, a página oficial do Facebook app fez uso neolinguístico do sistema em "juntes", numa postagem do Dia dos Namorados, lives e capa, em alternativa a "juntos" e "juntas".[27]
Este sistema já é usado pela associação portuguesa de jovens LGBTI e apoiantes da Rede Ex Aequo,[15] em personagens não-binárias da série da HBO "Todxs Nós",[28] em vídeos do canal do YouTube da Google Brasil,[29] apareceu em notícias televisivas brasileiras[30] e é usado por várias pessoas não-binárias e outras no seu dia a dia.[31][32]
O pronome pessoal de Adira, personagem na terceira tempora de Star Trek: Discovery, é o they singular[33][34] e sua tradução inicial, tanto na dublagem quanto na legenda, acabou sendo eles, a Netflix posteriormente relegendou e redublou, trocando por elu e desinências em ⟨-e⟩, visto que um pronome singular não pode ser traduzido por um plural.
Durante os Jogos Olímpicos de Verão de 2020, a narradora Natália Lara e o comentarista Conrado Santana, da SporTV, usam o sistema elu para se referir a Quinn, na partida de futebol feminino entre Canadá e Japão.[35]
A Epic Games, em 2022, usou a linguagem neutra na frase “Todes são bem-vindes no Ônibus de Batalha”, para o Orgulho Royale do jogo Fortnite Battle Royale.[36]
"No meu bairro", da autoria de Lúcia Vicente, é o primeiro livro infantojuvenil em Portugal a usar o sistema elu; chegou às livrarias a 11 de Setembro de 2023.[37]
Ver também[editar | editar código-fonte]
Referências
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- ↑ Siqueiros, Georgette (9 de outubro de 2017). «The Language of Sexism: How Gendered Language Encourages Workplace Sexism». Classy Career Girl (em inglês). Consultado em 7 de agosto de 2021. Cópia arquivada em 17 de abril de 2021
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- ↑ Prasad, Pallavi (12 de julho de 2019). «From 'Cunt' to 'Careerwoman': the Many Ways in Which Language Propagates Sexism». The Swaddle (em inglês)
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