Usuário:Auréola/Vidas Secas

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 Nota: Se procura filme de Nelson Pereira dos Santos de 1963, veja Vidas secas (filme).
Ficheiro:CapaVidasSecas 1ed.jpg
Capa da primeira edição de Vidas Secas (1938).

Vidas Secas é um romance de Graciliano Ramos, escrito entre 1937 e 1938, publicado originalmente em 1938. O livro, narrado em terceira pessoa, aborda uma família de retirantes do sertão brasileiro condicionada a sua vida subumana, diante de problemas sociais como a seca, a pobreza, e a fome, e, consecutivamente, no caleidoscópio de sentimentos e emoções que essa sua condição lhe obriga a viver e a procurar meios de sobrevivência, criando, assim, uma ligação ainda muito forte com a situação social do Brasil hoje.

Durante o processo editorial do livro, Graciliano mostrou-se inteiramente cuidadoso com sua criação, frequentando a gráfica responsável pela elaboração do livro diversas vezes e examinando meticulosamente o material quando esse entrava no prelo, para ter a certeza que a revisão não interferiria em seu texto. Após sua publicação no Brasil em 1938, o livro circulou em território estrangeiro durante um bom tempo, sendo primeiramente lançado na Polônia e depois na Argentina, seguida por República Tcheca, Rússia, Itália, Portugal, França, Espanha e em outros. No Brasil, encontra-se em sua centésima sexta edição.

Por conta da consciência social que existe no conteúdo do livro, moldada através de uma estrutura dramática, o enredo tem sido analisado pelos críticos por meio da relação do homem com os meios naturais e sociais. De acordo com alguns especialistas, em Vidas Secas Graciliano contornou alguns estilos literários de sua época, o que lhe proporcionou pontos positivos no livro. Graciliano, por exemplo, foi cauteloso nas tradicionais ingerências do narrador opiniático e evitou o protesto ou o panfletarismo (que poderia usar, como outros autores da época, para criticar os aspectos sociais de seu país), o que certos críticos caracterizam como um "estilo seco, reduzido ao mínimo de palavras".

Vidas Secas figura entre os livros mais importantes da literatura brasileira, tendo ganhado, em 1962, o prêmio da Fundação William Faylkner (EUA) como livro representativo da Literatura Brasileira Contemporânea. Também conquistou um enorme público, tendo vendido até então mais de um milhão e meio de exemplates, enquanto é leitura obrigatória em vestibulares da PUC, da UFBA e da UFPA. O cineasta Nelson Pereira dos Santos realizou uma bem-sucedida versão homônima de Vidas Secas em 1963, reforçando aspectos atuais do país.

Produção[editar | editar código-fonte]

Síntese[editar | editar código-fonte]

Em Vidas Secas, uma família de retirantes do sertão brasileiro tenta sobreviver através de seu ambiente de implacabilidade da seca e da vida dura, passando pela fome. Embora o romance narre a história desses membros, paradoxalmente essa família não chega a construir propriamente uma história.[1] Entre as maiores características da família está a sua falta de comunicação, provavelmente ocorrida pela provável inutilidade que esse recurso venha trazer sob um ambiente árido, de andança sofrida, triste e dolorosa. Fabiano, o chefe da família (CHEFE?), e Sinha Vitória<NOTA>: A forma da palavra Sinha está escrita como é usualmente usada no Nordeste, e não Sinhá, com acento agudo.</NOTA> têm dois filhos que não receberam nomes, mas que são identificados como O menino mais novo e O menino mais velho.


A família possuía dois animais; o primeiro, um papagaio, acaba sendo sacrificado para alimento providencial. O segundo é uma cachorrinha que, desnutrida, é batisada de Baleia. A medida que a narrativa transcorre, Baleia "humaniza-se", ao passo que todo o resto da família "animaliza", em um processo constante de inquietação.

O maior sonho da família é conseguir ter uma vida mais humana, e seus delírios, que não compactuam com a realidade, tendem a enxergar tal humanidade, no qual Graciliano utiliza frequentemente o passado imperfeito (? PASSADO IMPERFEITO?). No caminho árido, há uma esperança de atingir o sul, terra que os salvariam da seca e da fome. Contudo, a perspectiva que nos é entregue através do narrador dá a impressão de contínua andança, sem qualquer rumo e destino.[2]

O livro constitui-se de treze capítulos. Alguns estudiosos consideram, contudo, que apenas três fogem da aparente monotonia em que o narrador nos relata a jornada: "Cadeia", "Festa" e "O soldado amarelo", que trazem algo inesperado. Apresentam-se a seguir cada capítulo da obra com um resumo crítico, que visa estudar todo o conjunto de acidentes que acontece nele:

Capítulo I: Mudança[editar | editar código-fonte]

- Os infelizes tinham caminhado o dia inteiro, estavam cansados e famintos.

O primeiro capítulo nos apresenta um acontecimento que é produto de outros acontecidos, supondo toda uma narrativa anterior, onde paira o silêncio. Essencialmente, apresenta os conjuntos de situações que não irão ter mudanças relevantes.[3] Os retirantes atingem uma fazenda em abandono e acendem uma fogueira, enquanto Baleia carrega consigo um preá. O capítulo apresenta a incomunicabilidade dos pais com os filhos, que resulta na rudeza de Fabiano para com eles. O pai se anima com a promessa de chuva no poente.

Capítulo II: Fabiano[editar | editar código-fonte]

- Agora Fabiano era vaqueiro, e ninguém o tiraria dali. Aparecera como um bicho, entocara-se como um bicho, mas criara raízes, estava plantado.

Neste capítulo, Graciliano nos mostra a personalidade do Fabiano, um indíviduo cuja vida era com os brutos e cuja linguagem era deficiente. Dizia contentemente para si mesmo "Você é um bicho, Fabiano", e, diante de sua ignorância intelectual, comparava-se a Tomás da Bolandeira, que, segundo Fabiano, era "máquina de descaroçar algodão", falava bem, e "lia demais". Sem onde cair morto, Fabiano encontrou uma casa e abrigou-se ali, mas logo o dono, um fazendeiro, tentou expulsá-lo. O personagem, com o intuito de permanecer na casa, ofereceu seus trabalhos ao fazendeiro.

O então-patrão é um sujeito autoritário, que entregou a Fabiano marcas de ferro. Fabiano obedecia-lhe, preocupado com o futuro e com os filhos. Depois de vários desencontros, o fazendeiro despede Fabiano e agora ele e sua família retomam o círculo da andança.

Capítulo III: Cadeia[editar | editar código-fonte]

- PEGAR FRASE DO LIVRO

Na feira da cidade, Fabiano encontra um soldado amarelo que o convida a jogar trinta e um. Fabiano perde a partida, e dá as costas. O soldado, furioso, o insulta por ter saído sem se despedir e o prende, violentando-o. Na verdade, o soldado amarelo fez isso com Fabiano porque procurava exercer sua autoridade e discriminação com alguém que julgava ser mais fraco, e não por antipatia pessoal. [4]

Capítulo IV: Sinha Vitória[editar | editar código-fonte]

- FRASE

Embora a presença do marido a deixe segura, Sinha Vitória sente muito medo da seca. Constantemente lembra do curso da viagem, da morte do papagaio, e também do seu Tomás de Bolandeira, que tinha uma cama de lastro de couro, da qual ela sonhava ter há mais de um ano. Talvez atento ao estilo machadiano, que se esforça em tratar a mulher num plano psicológico distinto do plano masculino, Graciliano retrata Sinha Vitória um pouco mais culta que Fabiano e com uma "animalização" menor que a dele, deixando de lado a seguinte afirmação de alguns antropólogos: "a mulher tem uma relção mais íntima com a natureza do que o homem."[5]

Capítulo V: O menino mais novo[editar | editar código-fonte]

- FRASE

O menino mais novo queria ser igual ao pai, realizando algo que despertasse a admiração de seu irmão e da cachorra Baleia. Pegando como modelo Fabiano que amansou e montou numa égua, o menino mais novo tenta montar num bode, mas acaba caindo e provocando risadas do irmão e a desaprovação da cachorra.

Graciliano reforça em seu estilo a resistência da família a não deixar se entregar a brutalização, sempre tentando sonhar, como acontece com o menino mais novo e com a mãe que, ainda neste capítulo, continua a desejar uma cama de lastro de couro.

Capítulo VI: O menino mais velho[editar | editar código-fonte]

- Todos o abandonavam, a cadelinha era o único vivente que lhe mostrava simpatia.

O menino mais velho, possuindo grande curiosidade pela palavra "inferno", tenta procurar seu sentido com o pai, que não lhe dá explicação alguma, e logo depois com a mãe, que lhe apresenta uma alusão de espetos quentes e fogueiras. Sinha Vitória dá um cascudo no filho quando ele pergunta se a mãe tinha visto em sua vida uma dessas coisas, e esconde-se abraçado com Baleia. Seu maior ideal era ter um amigo.

Em contrapartida com o menino mais novo, seu irmão, o menino mais velho apresenta sinais de uma dolorosa imitação paterna: não conseguiu saber o que significa "inferno" e, pior ainda, recebeu uma reprimenda da mãe, reforçando em sua mente a idéia de que a linguagem não tem boa acolhida no contexto dos retirantes.[6] Essa situação, também presente nas dificuldades lingüísticas de Fabiano, conclui que no caso do pai são resultados de uma inadaptação cultural, e que não possuem origens patológicas.[7]

Num outro ângulo, o narrador diz que o desejo de saber o que é inferno é somente ironia, a partir do momento em que toda a família estava submetida ao inferno do sol.amarelo

Capítulo VII: Inverno[editar | editar código-fonte]

- FRASE

Reunidos em volta de uma fogueira, a família escuta atenta uma história que Fabiano tenta contar; mas acabam não compreendendo nada, e nem o próprio contador soube expressar-se da melhor forma. Isto é mais um retrato da linguagem, da comunicação. Embora a cena possa parecer estranha no sentido de que é impossível uma reunião familiar sob as condições de completa apertura, Graciliano utiliza aqui a técnica da angústia e da distração, onde a primeira das duas é sempre esquecida pelas personagens através da segunda,[8] como se fosse uma suposta cura da doença.

A família teme a violência que a chuva possa trazer, e a seca que virá depois. pois a gente nao er a viver assim mais so pensava na quilo

Capítulo VIII: Festa[editar | editar código-fonte]

- Comparando-se aos tipos da cidade, Fabiano reconhecia-se inferior.

Na época de natal, a cidade comemora. As famílias vestiram roupas apertas e os meninos estranham toda a gente. Depois de festejarem, Fabiano pretende ir às barracas de jogo, mas Sinha Vitória não permite. Fabiano fica bêbado e, consecutivamente, atrevido; dorme na calçada da cidade, sonhando com vários soldados amarelhos que pisavam em seus pés e que o ameaçavam com facões.

A ficção regionalista reforça o sentimento de dignidade humana do comportamento sertanejo e, embora este capítulo represente a sensação de inferioridade da família, também salienta sua força e bravura, que virá a se manifestar mais cedo ou mais tarde. (17) 91505477

Capítulo IX: Baleia[editar | editar código-fonte]

- Baleia queria dormir. Acordaria feliz, num mundo cheio de preás. E lamberia as mãos de Fabiano, um Fabiano enorme.

Por causa do comportamento estranho de Baleia, Fabiano desconfia que ela está com raiva (hidrofobia), e resolve matar a cachorrinha. Baleia desconfia do plano e esconde-se, enquanto a mãe acalma os filhos. Baleia consegue fugir com um grave ferimento em uma de suas pernas, e acaba morrendo.

Se até agora Graciliano utilizava o realismo, seu estilo se inverte quando trata de Baleia nesse capítulo. Considerado como "um momento de poesia trágica de Vidas Secas", o capítulo nos apresenta um narrador que, terna e carinhosamente, se transfere para dentro do animal, revelando seus mais íntimos e últimos desejos, atingindo o máximo de sua humanização.[9]

Capítulo X: Contas[editar | editar código-fonte]

- O pai vivera assim, o avô também. E para trás não existia família. Cortar mandacaru, ensebar látegos - aquilo estava no sangue. Conformava-se, não pretendia mais nada.

Aquele fazendeiro do capítulo I acaba se tornando patrão de Fabiano novamente. E ordena que os animais - bezerros e cabritos - de Fabiano precisam ser vendidos a ele. Sinha Vitória também tinha calculado por si própria as contas que seu marido devia ao fazendeiro, e elas não eram iguais às que o próprio patrão havia feito. Diante disso, o fazendeiro diz para Fabiano procurar emprego noutra fazendeira, mas ele acaba se desculpando.

Capítulo XI: O soldado amarelo[editar | editar código-fonte]

- FRASE

Andando pela caatinga, Fabiano acaba encontrando-se com o soldado amarelo que o havia espancado e levado para a prisão. Fabiano sente-se no poder de vingança quando vê que o soldado está acovardado, mas vacila em sua intenção, e o soldado parte. Esta é uma das cenas de mais ironia na obra. Para mais informações, ver Estrutura/Estilo - Heroísmo e ironia.

Capítulo XII: O mundo coberto de pena[editar | editar código-fonte]

- FRASE

A família inteira ainda não consegue esquecer da Baleia, e começam a notar que a seca está voltando através das aves de arribação. Fabiano, admirado pela inteligência da mulher quando esta diz que as aves andam bebendo a água que mantém vivos os outros bichos, atinge uma grande quantidade delas com sua espingarda. Posteriormente, essas aves servirão de alimento para a família. Novamente as personagens lançam-se na jornada.

Capítulo XIII: Fuga[editar | editar código-fonte]

- E andavam para o sul, metidos naquele sonho. Uma cidade grande, cheia de pessoas fortes. Os meninos em escolas, aprendendo coisas difíceis e necessárias. [...] O sertão continuaria a mandar gente para lá. O sertão mandaria para a cidade homens fortes, brutos, como Fabiano, Sinha Vitória e os dois meninos.

Partindo de madrugada, a família se alimenta de um bezerro que Fabiano matou e salgou a carne, e ouvem os esperançosos sonhos de Sinha Vitória. Acredita-se que o último capítulo é "uma porta aberta para sair-se do contínuo giro circular", aquele em que a família vivenciou durante toda a obra, se não for um "final feliz".[10] Introduz na obra a grande e ainda verossimil utopia que grande parte dos sertanejos nutrem das grandes metrópoles do sul, e torna-se importantíssimo para o desfecho do romance.

Estrutura, estilo e observações[editar | editar código-fonte]

Romance regionalista[editar | editar código-fonte]

Os romances regionalistas se caracterizam por conter o retrato da sociedade de determinada região através do realismo, e sempre apresentando uma intriga. Em Vidas Secas, contudo, não há intriga sólida, nem complexa, e, indo mais longe, não há uma história romancística. Uma história significativa sustenta a manifestação da sociedade; Vidas Secas nos entrega as relações sociais de forma muito longe, quase que sem existir, em situações muito ligeiras e inesperadas.

Recepção e influência[editar | editar código-fonte]

falar do cinema


Ver também[editar | editar código-fonte]

Notas[editar | editar código-fonte]

Referências[editar | editar código-fonte]

  1. Achcar, p. 126
  2. name= Achcar, p. 127
  3. Achcar, p. 127
  4. Achcar, p. 128
  5. Achcar, p. 129
  6. Achcar, p. 130
  7. Achcar, p. 130
  8. Achcar, p. 130
  9. Achcar, p. 131
  10. Achcar, p. 133