Virada linguística

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A virada linguística (em inglês: linguistic turn), chamada também em português de giro linguístico, foi um importante desenvolvimento da filosofia ocidental ocorrido durante o século XX, cuja principal característica é o foco da filosofia e de outras humanidades primordialmente na relação entre filosofia e linguagem.

História[editar | editar código-fonte]

O fato de que a linguagem não é um meio transparente de pensamento havia sido ressaltada por uma forma muito diferente de filosofia da linguagem surgida nos trabalhos de Johann Georg Hamann e Wilhelm von Humboldt.

Ainda em 1813, em sua apresentação intitulada “Sobre os diferentes métodos de tradução”, Schleiermacher reconheceu a dualidade da relação entre falantes e linguagem:

"Em certo sentido toda pessoa está limitada pela linguagem; as coisas do lado de fora da esfera da linguagem não podem ser concebidas claramente. A formação das ideias e a extensão de suas ligações são todas controladas pela linguagem que o falante aprendeu desde a infância, que também controla a inteligência e imaginação do falante. Apesar disso, entretanto, todos os pensadores independentes e de mente aberta são capazes de criar linguagem; de outra maneira a ciência[1] e a arte nunca estariam aptas para desenvolverem-se de seu estado original para o seu atual estado de perfeição."[2]

Ludwig Wittgenstein pode ser considerado um dos idealizadores da virada linguística. Isso pode ser compreendido a partir das ideias presentes em seus primeiros trabalhos de que os problemas filosóficos surgem de uma falta de compreensão da lógica da linguagem (Tractatus Logico-Philosophicus), e suas observações sobre os jogos de linguagem em seu trabalho posterior (Investigações Filosóficas). É dele a famosa frase "Os limites de minha linguagem significam os limites de meu mundo".[3]

Movimentos intelectuais muito diferentes entre si estiveram associados com o termo "virada linguística". Ele se tornou popular com a antologia The Linguistic Turn. Essays in Philosophical Method que Richard Rorty editou em 1967. De acordo com Rorty, que mais tarde disassociou-se da virada linguística e da filosofia analítica em geral, a frase "the linguistic turn" ("a virada linguística") foi criada pelo filósofo austríaco Gustav Bergmann.[4]

Na década de 1970 as humanidades reconheceram a importância da linguagem como um agente estruturador. Foram decisivas para a virada linguística nas humanidades os trabalhos de outra tradição, especificamente o estruturalismo de Ferdinand de Saussure e o consequente movimento do pós-estruturalismo. Entre os teóricos influentes estão incluídos Judith Butler, Luce Irigaray, Julia Kristeva, Michel Foucault e Jacques Derrida.

O ponto de vista de que a linguagem 'constitui' a realidade é contrário à intuição e grande parte da tradição ocidental de filosofia. A visão tradicional (que Derrida chama de núcleo 'metafísico' do pensamento ocidental) via as palavras a funcionar como rótulos vinculados a conceitos. De acordo com essa visão tradicional, existe algo como 'a cadeira real', que existe em alguma realidade externa e corresponde aproximadamente com um conceito no pensamento humano chamado "cadeira" ao qual a palavra linguística "cadeira" se refere (essa é a tradicional teoria da verdade como correspondência). Entretanto, o fundador do estruturalismo, Ferdinand de Saussure, sustentava que as definições de conceitos não podem existir independentemente das diferenças entre palavras, ou, dito de outra maneira, que o conceito de algo não pode existir sem ser nominado. Portanto as diferenças entre os significados de uma palavra estruturam a nossa percepção; existe uma cadeira real apenas enquanto nós estivermos manipulando sistemas simbólicos. Nós não estaríamos sequer aptos a reconhecer uma cadeira como uma cadeira sem simultaneamente reconhecer que uma cadeira não é todo o resto – em outras palavras uma cadeira é definida como uma específica coleção de características que são definidas elas mesmas em certas maneiras, e assim por diante, e tudo isso no sistema simbólico da linguagem. Portanto, tudo que nós pensamos como 'realidade' é na verdade uma convenção de nomes e características, uma convenção que ela mesma é chamada de 'linguagem'. De fato, tudo fora da linguagem é por definição inconcebível (sem nome e significado) e portanto não pode invadir ou entrar na realidade humana, pelo menos não sem ser imediatamente apreendido e articulado pela linguagem.

Oponentes[editar | editar código-fonte]

Oponente a essa interpretação seria o conceito de realismo filosófico, a crença em uma realidade ontológica, completamente independente de nossos esquemas conceituais, práticas linguísticas, crenças, etc. Essa teoria é sustentada, de modo geral, por filósofos que sustentam a teoria da verdade em sua formulação tradicional (não a formulação de John Searle de tal teoria, por exemplo). De tal sorte que o relativismo se mostraria como verdade de não-verdades.[carece de fontes?]

Os novos materialismos surgem de uma reelaboração crítica das concepções de materialidade em resposta à uma percepção de exaustão do repertório de análise derivado da chamada virada linguística. Essa renovação materialista da crítica assimila muitas das contribuições dos momentos de enfase discursiva e linguística, como os desafios colocados às versões anteriores do materialismo, enquanto que busca superar os impedimentos ao engajamento com a realidade material.[5][6]

Ver também[editar | editar código-fonte]

Referências

  1. Condé, Mauro L. (1 de junho de 2012). «Book Review: Stefano Gattei Thomas Kuhn's Linguistic Turn and the Legacy of Logical Empiricism: Incommensurability, Rationality, and the Search for Truth». Philosophy of the Social Sciences (em inglês) (2): 312–320. ISSN 0048-3931. doi:10.1177/0048393110381978. Consultado em 27 de setembro de 2021 
  2. Schleiermacher. On the Different Methods of Translation. In: Willson, A. Leslie. German Romantic Criticism. Continuum: 1982. Citação original: "In one sense every person is restricted by language; things outside the realm of language cannot be conceived clearly. The formation of ideas, and the nature and extent of their linkage are all controlled by the language the speaker has learned since childhood, which also controls the speaker’s intelligence and imagination. Despite this, however, all open-minded independent thinkers are capable of creating language; otherwise science and art would never have been able to develop from their original state to their current state of perfection."
  3. Ponto 5.6 do Tractatus.
  4. Rorty, 'Wittgenstein, Heidegger, and the Reification of Language' in Essays on Heidegger and Others
  5. Coole & Frost 2010, pp. 6.
  6. Solana 2015, p. 90.

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

  • Rorty, Richard. 'Wittgenstein, Heidegger, and the Reification of Language.' Essays on Heidegger and Others. Cambridge: Cambridge University Press, 1991.
  • Clark, Elizabeth A. (2004), History, Theory, Text: Historians and the Linguistic Turn, Harvard University Press, Cambridge, MA.
  • Toews, John E. (1987), "Intellectual History after the Linguistic Turn: The Autonomy of Meaning and the Irreducibility of Experience", The American Historical Review 92/4, 879–907.
  • White, Hayden (1973), Metahistory: The Historical Imagination in Nineteenth-Century Europe, Johns Hopkins University Press, Baltimore, MD.
  • Coole, Diana; Frost, Samantha (2010). New materialisms: Ontology, agency, and politics [Novos materialismos: Ontologia, agência, e política] (em inglês). [S.l.]: Duke University Press 
  • Solana, Mariela (2015). «Relatos sobre el surgimiento del giro afectivo y el nuevo materialismo: ¿está agotado el giro lingüístico?». Cuadernos De filosofía