Batalha de Guaxenduba

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Batalha de Guaxenduba
Expulsão dos franceses do Maranhão

Elevação de uma cruz para a bênção da Ilha do Maranhão - Fundação da França Equinocial
Data 19 de Novembro de 1614[1]
Local Sítio Guaxenduba (margem direita da Baía de São José, a 20 km da atual Icatu)[2]
Desfecho Decisiva vitória portuguesa
Beligerantes
Reino de Portugal
Tabajaras
Reino da França
Tupinambás
Comandantes
Jerônimo de Albuquerque[1]
Diogo de Campos Moreno
Mandiocapuba
Daniel de la Touche
Louis de Pézieux 
Monsieur de la Fos Benart
Monsieur de Canonville
Forças
cerca de 240 portugueses
30 marinheiros
menos de 100 nativos[3]
200 soldados franceses[4]
2 500 nativos
50 canoas[4]
10 navios[5]
Baixas
10 soldados mortos[6]
18 feridos[6]
115 soldados mortos[6]
400 indígenas mortos[5]
8 soldados capturados[7]
46 canoas incendiadas
200 armas de fogo capturadas[5]

A Batalha de Guaxenduba foi um confronto militar ocorrido em 19 de novembro de 1614, próximo de onde hoje se localiza a cidade de Icatu, no estado do Maranhão, no Brasil, entre forças portuguesas e tabajaras, de um lado, e francesas e tupinambás, de outro. A batalha foi um importante passo dado pelos portugueses para a expulsão definitiva dos franceses do Maranhão, a qual viria a ocorrer em 4 de novembro de 1615. A expulsão dos franceses possibilitou que grande parte da Amazônia passasse para domínio português e, posteriormente, brasileiro.

Antecedentes[editar | editar código-fonte]

Ver artigo principal: França Equinocial

Em 1555, os franceses tentaram estabelecer uma colônia no Rio de Janeiro, a França Antártica, que foi extinta em 1560. Em 1612 no Maranhão, com o apoio dos indígenas locais, os franceses novamente tentam estabelecer uma colônia no território pertencente a Portugal: em 8 de setembro, foi fundada a povoação de Saint Louis e iniciada a construção do Forte de São Luís do Maranhão acima de um morro em frente o mar onde hoje existe o Palácio dos Leões.

Ciente da presença dos franceses ao norte da capitania do Maranhão, Gaspar de Souza envia tropas de Pernambuco. Em 23 de agosto de 1614, Diogo de Campos parte do Recife com 300 homens e, no Rio Grande do Norte, se junta a Jerônimo de Albuquerque, que leva consigo um grande contingente de indígenas.[8] A expedição portuguesa com 500 homens liderados pelo capitão-mor Jerônimo de Albuquerque acampa na barra do rio Perejá (Periá) com a intenção de buscar um local para edificar uma fortificação, enfrentando falta de alimentos e de água de qualidade. Um grupo de 14 exploradores portugueses descobre um local adequado para a construção de um forte, e a expedição novamente zarpa em 2 de outubro de 1614. Em 26 de outubro,[9] chegam a uma área chamada de Guaxindubá pelos indígenas, na margem direita da Baía de São José, entre muitas ilhas e canais estreitos. Ali, na praia de Guaxenduba, sob a orientação do engenheiro Francisco Frias de Mesquita é construída uma fortificação de forma hexagonal à qual é dado o nome de Forte de Santa Maria,[10] a cerca de 20 km da atual sede do município de Icatu,[2] diante das posições francesas no Forte de São José de Itapari, instalados em São José de Ribamar.

Uma vez estabelecidos, os portugueses passam a trabalhar na construção e vigilância do forte e no reconhecimento da região. Num primeiro contato com os portugueses, alguns indígenas da Ilha diziam que a mesma estava cheia de franceses, outros, que eles haviam ido embora.

Em 30 de outubro, um grupo de indígenas da ilha matara quatro índias e um índio que acompanhavam os portugueses, fazendo-os desconfiar dos nativos e acreditar que haviam sido enviados pelos franceses para reconhecer seus navios. Nos dias do final de outubro, os portugueses no forte de Santa Maria e na ilha de Santana observam o movimento de navios franceses na Baía de São José e o desembarque de peças de artilharia.[11]

Primeiro ataque francês[editar | editar código-fonte]

Em 10 de novembro de 1614, o sargento-mor do Estado, Diogo de Campos, após se desentender com Jerônimo de Albuquerque, envia um grupo de marinheiros para defender as embarcações que estavam ancoradas ou encalhadas no estuário, pedindo que ficassem vigilantes. Na madrugada de 11 de novembro, os franceses, guiados por Monsieur de Pézieux, Monsieur du Prat e François Rasilly, se aproximam dos navios silenciosamente. Quando percebem o ataque, os marinheiros tocam as trombetas e alertam os soldados do forte, que disparam a artilharia sem cessar, entretanto, não gerando nenhum efeito nos franceses. Os marinheiros abandonam e deixam livres as embarcações, das quais três são capturadas pelos franceses: uma caravela, um patacho de guerra e um barco que estavam mais afastados da terra.[12]

A batalha[editar | editar código-fonte]

Início do confronto[editar | editar código-fonte]

Na manhã de 19 de novembro de 1614, os soldados portugueses notaram que, ao lado do forte de Santa Maria, o mar estava repleto de embarcações a vela e à remo se aproximando da costa. Para atacá-los no desembarque, Diogo de Campos dirigiu-se à praia com 80 soldados portugueses, mas, percebendo que o número de inimigos era muito maior, retrocedeu. Logo, havia centenas de combatentes na praia. Os franceses dispunham de 200 soldados, muitos dos quais eram fidalgos, em duas tropas, levando coletes de aço, espadas e mosquetes de grande qualidade. Contavam com 50 canoas e 2500 índios, incluindo 2 mil índios de Tapuitapera (atualmente Alcântara) e 100 índios de Cumã (atual Guimarães). Daniel de la Touche, comandante dos franceses, estava no mar com mais 200 soldados liderados pelo cavaleiro François Rasilly. Foi iniciada uma longa troca de tiros e nesse primeiro encontro, foram mortos um soldado português e dois franceses.[13]

Trincheiras[editar | editar código-fonte]

Diante do forte de Santa Maria havia um outeiro a uma distância igual a um tiro de falcão, limitado a norte pelo mar e ao sul pelo rio do qual os portugueses retiram a água. Os franceses desembarcaram pelo mar. Sob o comando de Monsieur de La Fos-Benart, cerca de 400 tupinambás que lutavam pelo lado francês receberam a ordem de fortificar o máximo que pudessem seu topo: construíram, ao todo, 7 trincheiras com pedras grandes, fortificando todo o espaço entre a maré e o topo do outeiro, de modo que as canoas que chegavam ficavam parcialmente ocultas. Por um caminho secreto, Jerônimo de Albuquerque subiu o morro com 75 soldados e 80 arqueiros, enquanto Diogo de Campos atacava os franceses e indígenas que desembarcavam.[14] Em terra, saltou de uma canoa com um trombeta (mensageiro), que levava o brasão de armas reais da França e uma carta em francês escrita por Daniel de La Touche, a qual dizia que os portugueses deviam se render em 4 horas ou seriam massacrados. Diogo de Campos percebeu que a carta era uma tentativa dos franceses de ganhar tempo e obter informações sobre o estado das tropas portuguesas.[15]

A esta altura, o grupo de soldados e arqueiros que acompanhava Jerônimo de Albuquerque já havia chegado à primeira trincheira. Os índios que a defendiam com os franceses eram uma grande multidão, e neles, os portugueses não perdiam um tiro. Daniel de La Touche, Senhor de la Ravardière, observava do mar que o exército francês sofria pesadas baixas: em menos de uma hora, a área ao redor do forte de Santa Maria estava repleta de mortos franceses e indígenas. Ravardière mandou para próximo da praia os navios mais velozes para prevenir maiores danos à sua tropa, mas, sob o bombardeio da artilharia portuguesa, foi forçado a desistir. Havendo os portugueses dominado o outeiro fortificado, Diogo de Campos ordena que eles ateiem fogo a todas as canoas, que estavam abicadas na base do morro.[16]

Desistência francesa[editar | editar código-fonte]

Com todas as canoas em chamas, os franceses restantes em terra não tiveram como fugir e tudo o que puderam fazer foi se recolher na fortificação no topo do outeiro. Entre eles estavam Monsieur de la Fos Benart e Monsieur de Canonville. Ao final da batalha, próximo ao outeiro, muitos dos soldados portugueses se punham à frente dos mosquetes dos inimigos, que ainda resistiam. Turcou, que era o intérprete dos franceses na comunicação com os índios, foi baleado pelos portugueses, e com ele, Monsieur de la Fos Benart, líder dos indígenas que lutavam com os franceses. Sem orientação, os índios restantes, mais de 600, começaram a fugir, descendo o outeiro e a eles se misturaram os soldados franceses, que não possuíam mais pólvora para atirar.[17]

Trégua e expulsão dos franceses[editar | editar código-fonte]

Busto de Daniel de la Touche em São Luís

Após a Batalha de Guaxenduba, as tropas francesas restantes no Maranhão estavam recolhidas no Forte de Saint Louis. Para ganhar tempo, Ravardière propôs uma trégua aos portugueses e sua proposta foi aceita, ficando estipulado que um oficial português e um francês fossem à França e um oficial português e um francês fossem a Portugal, para procurar nas cortes desses países uma solução para o conflito.[10]

Com o cessar-fogo anunciado, portugueses, franceses e nativos permaneceram em paz. Em outubro de 1615, chega ao Maranhão o capitão-mor de Pernambuco, Alexandre de Moura, trazendo um reforço de tropas e mantimentos. Por ser de patente superior, assumiu o comando geral das tropas portuguesas. Sob seu comando, os portugueses violaram o tratado feito com os franceses e intimaram Daniel de la Touche a abandonar o Maranhão em 5 meses, comprometendo-se a indenizá-lo. Como garantia de sua palavra, Ravardière entrega o Forte de Itapari[18] Três meses depois, chegaram da Europa Diogo de Campos e Martim Soares, trazendo mais tropas portuguesas e ordens terminantes da corte para os franceses abandonarem definitivamente o Brasil. Em 1º de novembro de 1615, Alexandre de Moura ordenou que o Forte de São Luís fosse cercado e desembarcou suas tropas na ponta de São Francisco.[14]

O forte foi atacado e, após 2 dias de combates, La Ravardière se rendeu. Em vez de indenizar os franceses, como fora combinado, os portugueses os embarcaram de volta para a França em dois navios, apenas com o que lhes era indispensável. Alguns franceses ficaram no Maranhão, como Charles Des Vaux, que ajudava na comunicação com os nativos; os que permaneceram eram em sua maioria ferreiros. Em janeiro de 1616, Daniel de La Touche foi levado à força para Pernambuco, onde recebeu uma indenização e perdão do governador-geral, para evitar que se juntasse a outros corsários franceses e os liderasse novamente. Em 1619, ao exigir o aumento da pensão estipulada pela Coroa portuguesa, foi preso em Lisboa, permanecendo encarcerado por três anos na Torre de Belém.[5][18]

Lenda do milagre de Guaxenduba[editar | editar código-fonte]

No livro "História da Companhia de Jesus na Extinta Província do Maranhão e Pará", de 1759, o padre José de Moraes relata a aparição de Nossa Senhora da Vitória entre os batalhões portugueses, animando os soldados durante todo o tempo da batalha e transformando areia em pólvora e seixos em projéteis. Nossa Senhora da Vitória é considerada a padroeira de São Luís e a Catedral da Sé da cidade recebe seu nome e uma escritura em latim, que diz: 1629 • SANCTÆ MARIÆ DE VICTORIA DICATUM • 1922.

Uso de lunetas[editar | editar código-fonte]

A batalha de Guaxenduba teria sido uma das primeiras situações de combate em que se noticiou o uso de uma luneta.[19] Diogo de Campos relata:

Neste tempo com alguns arcabuzeiros, que se chegarão mais, começou o Sargento Mór de travar a escaramuça a ver como se punhão, e havendo cahido dois Francezes, e hum Soldado dos Portuguezes, parou a obra, e o Sargento Mór se veio ao forte, a vêr o que determinava seu Collega, o qual achou com hum oculo de longa vista olhando por uma bombardeira o que os inimigos fazião [...] [13]

Referências

  1. a b «A história de Icatu». Prefeitura Municipal de Icatu. Consultado em 6 de agosto de 2011 
  2. a b «Turismo em Movimento na "Terra de Águas Boas"». Jornal Cazumbá. Consultado em 18 de julho de 2013 
  3. MORENO, Diogo de Campos, p. 58
  4. a b MORENO, Diogo de Campos, p. 53
  5. a b c d LOPEZ, Adriana; MOTA, Carlos Guilherme, p. 102-103
  6. a b c MORENO, Diogo de Campos, p. 62-64
  7. MORENO, Diogo de Campos, p. 73-74
  8. MASCARENHAS, Anibal, p. 376
  9. MORENO, Diogo de Campos, p. 36
  10. a b MASCARENHAS, Anibal, p. 377
  11. MORENO, Diogo de Campos, p. 44
  12. MORENO, Diogo de Campos, p. 47
  13. a b MORENO, Diogo de Campos, p. 52
  14. a b Invasões francesas no Rio de Janeiro e Maranhão - Portal São Francisco
  15. MORENO, Diogo de Campos, p. 55-57
  16. MORENO, Diogo de Campos, p. 59
  17. MORENO, Diogo de Campos, p. 61
  18. a b MASCARENHAS, Anibal, p. 378
  19. «Os primeiros telescópios em Portugal». Centro Virtual Camões - Instituto Camões. Consultado em 4 de junho de 2013 

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

Leitura adicional[editar | editar código-fonte]

  • Lacroix, Maria de Lourdes Lauande (2006). Jerônimo de Albuquerque Maranhão: guerra e fundação no Brasil Colonial. São Luís: UEMA 

Ligações externas[editar | editar código-fonte]