Inhame

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Inhame (Dioscorea trifida) no mercado de Brixton, Londres.

Inhame[1] é o nome comum um tubérculo cultivável pertencente a várias espécies da família das dioscoreáceas e das aráceas. Aos seus tubérculos também se chama inhame.[1]

Dependendo do local, é comum referir-se a espécies dos géneros Alocasia, Colocasia (taro), Xanthosoma e Ipomoea (batata-doce) também como inhame[2].[3][4][5]

Essas plantas são muito cultivadas na África, América Latina, Ásia, Oceania e nas ilhas da Macaronésia, desempenhando um papel importante na alimentação dessas regiões.

Nomes comuns[editar | editar código-fonte]

Em Portugal, a espécie Colocasia esculenta, que é a variedade mais comum de inhame, dá ainda pelos seguintes nomes comuns: taro,[6] cíamo,[7] fava-do-egipto[8], coco (em várias zonas do grupo central dos Açores)[9] e minhoto (na ilha de São Miguel, nos Açores).[9]

No Brasil, onde há um vasto leque de espécies conhecidas como inhames, também se usam os seguintes nomes comuns: cará, caranambu, caratinga, cará-de-folha-colorida, cará-liso, cará-de-pele-branca ou inhame-cará.[10]

Etimologia[editar | editar código-fonte]

O vocábulo "inhame" origina das línguas do oeste da África. A palavra yam, do inglês, vem do uolofe nyam, que significa "a amostra" ou "sabor"; em outras línguas africanas, a palavra utilizada para inhame também pode significar "comer", como, por exemplo, yamyam e nyama, em hauçá.

Já a palavra "cará" vem do termo tupi ka'rá.[11] "Caratinga" vem do termo tupi aka'ratin'ga, que significa "cará branco".[12]

O nome «coco», usado ainda hoje em dia no grupo central dos Açores para aludir aos inhames da espécie Discoracea esculenta, já era usado no final do século XV e início do séc. XVI por Valentim Fernandes.[13][14] Provém do mesmo étimo que o termo inglês «cocoyam»,[15] por alusão a inhames que, historicamente, cresciam ao pé das lavras de coqueiros e tinham uma feição mais arredondada.

Crê-se que o termo «minhoto», usado para estes inhames, poderá ter a sua origem no francês mignon ou mignonne,[16] que significa «bonito».[17]

Espécies e denominações regionais[editar | editar código-fonte]

O significado específico dos sobreditos nomes varia de região para região, dentro do mundo lusofono.

Cará[editar | editar código-fonte]

No Sudeste do Brasil, sobretudo nas capitais e em textos técnicos, o inhame é conhecido como cará.[5] Nos estados brasileiros da Paraíba e Pernambuco, usa-se "inhame" para as espécies de Dioscorea que produzem tubérculos grandes, como o inhame-da-costa (Dioscorea cayennensis) e o inhame-de-são-tomé (Dioscorea alata L.), e "cará" para as espécies que produzem tubérculos pequenos (como o cará-nambu).[5] Algumas espécies dos gêneros Alocasia e Xanthosoma (família Araceae) têm nomenclatura oposta: "inhame" no Sudeste e "cará" no Nordeste do Brasil.

Taro[editar | editar código-fonte]

Colocasia esculenta: taro, coco, inhame-coco, cará-coco.

Na ilhas da Madeira e de Porto Santo, a espécie Colocasia esculenta (ou Colocasia antiquorum) além de ser conhecida como «inhame», também é conhecida como taro.[6][18] É extensamente cultivada nestas ilhas e foi durante séculos, juntamente com a batata e o trigo, a base da alimentação do povo madeirense.[19][18]

Coco ou minhoto[editar | editar código-fonte]

Nalgumas ilhas do grupo Central dos Açores dá-se aos inhames, da espécie Colocasia esculenta (ou Colocasia antiquorum), o nome de «cocos».[9][16] Nome esse que já remonta aos finais do séc. XV e início do século XVI, em relatos de Valentim Fernandes[14][13]:

No séc. XVII, há outros relatos onde esta designação volta a surgir, com efeito, na obra «Espelho Cristalino» do Frei Frei Diogo das Chagas, datada entre 1640 e 1646.[16][9]

Na ilha de São Miguel, porém, dá-se ainda o nome «minhoto» a uma certa variedade de inhames, por sinal mais pequenos, e popularmente tidos como mais apetitosos.[16][9]

Crê-se que o termo «minhoto», usado para estes inhames, poderá ter a sua origem no francês mignon ou mignonne,[16] que significa «bonito».[17]

Batata-doce[editar | editar código-fonte]

Ipomoea batatas: batata-doce, inhame-doce ou cará-doce

A batata-doce, tubérculo comestível produzido pelas plantas do género Ipomoea, também é chamada, em alguns lugares do Brasil, de inhame, inhame-doce ou cará-doce, embora esses nomes sejam mais corretamente usados para a espécie Dioscorea trifida.

História[editar | editar código-fonte]

Sob a designação comum de «inhames», diversas plantas, muitas vezes sem se conhecer a espécie em causa, foram sendo referidas ao longo da história como tendo sido utilizadas na Ásia, África e América.[14]

Há inúmeras espécies dos géneros Colocasia e Dioscorea que são de origem asiática, ao passo que outras são africanas e outras ainda americanas.[14]

Uma das mais importantes do primeiro do género referido é a Colocasia esculenta (L.) Schott, conhecida por «taro» e «cocoyam», que alguns autores admitem ter constituído a base da alimentação dos povos orientais antes da utilização do arroz, que veio a substituir a primeira nos campos armados em terraços para permitirem uma cultura exigente em água.[14]

Esta espécie estava muito difundida em África, pelo menos nas terras do Vale do Nilo onde já tinha chegado, e foi muito difundida pelos portugueses.[14] Nos Açores foi muito utilizada para a produção de álcool e ainda hoje constitui, tal com na ilha da Madeira, uma cultura alimentar importante.[18][16][14] Estas espécies e outras de origem asiática foram trazidas nas embarcações portuguesas com suprimento de alimento fresco.[14]

As descrições da época, como as de Frei João dos Santos referentes à Etiópia Oriental, várias vezes referem os «inhames» ou o «inhame» como base de alimentação de muitos dos povos com os quais contactaram, pese embora não seja possível apurar a concreta espécie de inhame, com base nessas descrições.[14] Dada a alternância entre o uso do singular (inhame) e do plural (inhames), há autores que aventam que tal pode indicar o cultivo de várias espécies com o mesmo nome.[14]

Também de origem oriental e introduzido em África é a Dioscorea polystachya (ou Dioscorea batatas), conhecida como «inhame-da-china».[14]

Valentim Fernandes, nos seus relatos sobre África nos princípios do século XVI, já estabelece diferenças entre «inhames» pertencentes ao género Dioscorea, que naquele período já existiam no continente.[14] Descreve uns como tendo[14][13]:

Segundo o mesmo autor, na costa ocidental africana, a população[14]:

De acordo com José Eduardo Mendes Ferrão, o «coco» ou «erva-coco», mencionado por Valentim Fernandes será a Colocasia esculenta, ainda hoje conhecida no grupo central do Açores com esse nome.[14]

Açores[editar | editar código-fonte]

A cultura do inhame nos Açores, designadamente à variedade de inhame da espécie Colocasia antiquorum (ou Colocasia esculenta), remonta, pelo menos, ao século XVI.[16]

Com efeito, na obra «Espelho Cristalino em Jardim de Várias Flores» de Frei Diogo das Chagas, e datado de 1646, consta a seguinte alusão à cultura do inhame nos Açores[16]:

Posteriormente, em 1661, consta, a folhas 147, do Livro de Correições da Câmara Municipal do Concelho de Vila Franca do Campo, a seguinte consideração histórica sobre a cultura dos inhames e do seu papel social, para a população mais pobre[16]:

Também digno de nota foi a ocorrência, em 1694, na ilha de S. Jorge, da «revolta dos inhames» que consistiu, essencialmente, na recusa dos inhameiros em pagar o dízimo sobre a produção.[16]

Em 1830, ainda sob a vigência do dízimo sobre os inhames, há ainda nota de, em 14 de Dezembro desse ano, a Câmara Municipal do concelho de S. Sebastião da ilha Terceira ter remetido à rainha D.ª Maria II uma queixa, onde constava os seguintes dizeres:

Historicamente, as populações destas ilhas receberam o nome «inhameiros» como alcunha, por virtude, não só, da grande abundância dessa espécie vegetal, mas também porque causa do grande consumo que deles se fazia.[9][16]

Com efeito, nota disso mesmo, encontra-se em várias obras literárias de época, como sejam os versos de 1880, compostos por José Pacheco da Achadinha, onde se lê que[9][16]:

Mais tarde, na década de 40 do séc. XX, Vitorino Nemésio na obra «Mau tempo no Canal»,escreve também a respeito desta alcunha, oriunda na cultura do inhame que[16][20]:

Brasil[editar | editar código-fonte]

Os portugueses levaram para o Brasil os inhames e falsos-inhames que conheciam das terras africanas, fundamentalmente para alimentar os escravos.[14] Os navios portugueses abasteciam-se nas ilhas africanas a caminho de Lisboa com este inhame quando iam à ilha de São Tomé carregar açúcar.[14]

O padre José de Anchieta (1534-1597) menciona o cará nos seus escritos, louvando seus valores. Como hortaliça, o cará é um alimento energético. Também se destaca como fonte de vitaminas do complexo B.

Na sua carta sobre o descobrimento do Brasil, o escrivão Pero Vaz de Caminha chamou a mandioca de "inhame": "Muito inhame e outras sementes que na terra há e eles comem".[21]

Madeira[editar | editar código-fonte]

O inhame, na variedade dada pela espécie Colocasia antiquorum, foi introduzido na Madeira por volta de 1640.[19] Esta variedade de inhame teve, antanho, substancial consumo na ilha, tratando-se de um dos alimentos de uso diário mais comum pelos camponeses, durante a estação própria.[19][18]

Numa inscrição de 1710, surge sob a designação «maná desta terra», numa mesa estilizada com tampo de ardósia e incrustações coloridas, existente na sacristia da Igreja de S. Pedro no Funchal.[19]

Consta ainda, num relato de George Forster sobre a Madeira da segunda metade do século XVIII, contido na obra «Cousas e Lousas das Cozinhas Madeirenses»[22][19] que:

Produção mundial[editar | editar código-fonte]

País Produção em 2018
(toneladas anuais)
Nigéria 47.532.615
Gana 7.858.209
Costa do Marfim 7.252.570
 Benim 2.944.944
Togo 858.783
Camarões 674.776
República Centro-Africana 513.489
Chade 484.700
Haiti 423.545
 Colômbia 419.267
Fonte: Food and Agriculture Organization[23]

Referências

  1. a b Infopédia. «inhame | Dicionário Infopédia da Língua Portuguesa». infopedia.pt - Porto Editora. Consultado em 4 de janeiro de 2023 
  2. FERREIRA, A. B. H. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Segunda edição. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. p.947
  3. Gilberto Pedralli, 2002, Uso de nomes populares para as espécies de Araceae e Dioscoreaceae Arquivado em 2 de março de 2016, no Wayback Machine., in Carmo, C.A.S, Inhame e taro. Sistemas de produção familiar, Vitória: Incaper, p. 15-26.
  4. Ayensu, Coursey, 1972.
  5. a b c Elson Soares dos Santos, Marney Pascoli Cereda, Gilberto Pedralli e Mário Puiatti (2007), Esclarecimentos sobre as Denominações dos Gêneros Dioscorea e Colocasia Tecnol. & Ciên. Agropec., João Pessoa, v.1, n.1, p.37-41
  6. a b Infopédia. «taro | Dicionário Infopédia da Língua Portuguesa». infopedia.pt - Porto Editora. Consultado em 4 de janeiro de 2023 
  7. Infopédia. «cíamo | Dicionário Infopédia da Língua Portuguesa». infopedia.pt - Porto Editora. Consultado em 4 de janeiro de 2023 
  8. Infopédia. «fava-do-egito | Dicionário Infopédia da Língua Portuguesa». infopedia.pt - Porto Editora. Consultado em 4 de janeiro de 2023 
  9. a b c d e f g «Inhame dos Açores». www.almanaqueacoriano.com. Consultado em 4 de janeiro de 2023 
  10. FERREIRA, A. B. H. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Segunda edição. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. pp. 346,349.
  11. FERREIRA, A. B. H. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Segunda edição. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. p. 346
  12. FERREIRA, A. B. H. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Segunda edição. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. p. 349.
  13. a b c Barroqueiro, Deana (2020). História dos Paladares Volume 1. Lisboa: Prime Books. p. 460. 486 páginas. ISBN 978-989-655-429-3 
  14. a b c d e f g h i j k l m n o p q Ferrão, José Eduardo Mendes (2013). «Na linha dos descobrimentos dos séculos XV e XVI - Intercâmbio de plantas entre a África Ocidental e a América». Revista de Ciências Agrárias (2): 250–269. ISSN 2183-041X. doi:10.19084/rca.16303. Consultado em 7 de julho de 2023 
  15. «Cocoyam [Colocasia esculenta (L.) Schott]». encyclopedia.pub (em inglês). Consultado em 8 de julho de 2023 
  16. a b c d e f g h i j k l m Soeiro, Ana (2001). Produtos Tradicionais Portugueses vol. III. Lisboa: Direcção-Geral do Desenvolvimento Rural. p. 226. 337 páginas. ISBN 972-9175-96-9 
  17. a b Larousse, Éditions. «Définitions : mignon - Dictionnaire de français Larousse». www.larousse.fr (em francês). Consultado em 4 de janeiro de 2023 
  18. a b c d Soeiro, Ana (2001). Produtos Tradicionais Portugueses vol. III. Lisboa: Direcção-Geral do Desenvolvimento Rural. p. 224. 337 páginas. ISBN 972-9175-96-9 
  19. a b c d e Fernandes, Daniel. «Produtos Tradicionais Portugueses». Produtos Tradicionais Portugueses. Consultado em 4 de janeiro de 2023 
  20. Pires, António Machado (janeiro de 1979). «Marcas da insularidade no Mau Tempo no Canal de Vitorino Nemésio». ARQUIPÉLAGO - Revista da Universidade dos Açores: 87. Consultado em 4 de janeiro de 2023 
  21. Janice Kiss (), Cará ou Inhame? Arquivado em 2 de março de 2016, no Wayback Machine. Sítio web do Globo Rural, acessado em 2016-02-21.
  22. «Cousas & lousas das cozinhas madeirenses, [Funchal], [D.L. 1988] - Biblioteca Nacional Digital». purl.pt. Consultado em 4 de janeiro de 2023 
  23. fao.org (FAOSTAT). «Yam production in 2018, Crops/World regions/Production quantity (from pick lists)». Consultado em 29 de agosto de 2020 

Ligações externas[editar | editar código-fonte]

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