Saltar para o conteúdo

Gelatina balística

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
Fragmentação terminal de um um projétil de calibre .243 em gelatina balística sintética.

A gelatina balística é um um tipo de solução gelatinosa originalmente desenvolvida para simular os efeitos de ferimentos de bala no tecido muscular animal. Apesar da densidade e viscosidade da gelatina balística serem semelhantes às do tecido mole animal, deve ficar claro que ela é apenas uma representação de partes de um corpo animal com o objetivo de padronizar testes e ensaios de forma consistente.[1]

Muito usada para perícias, a fim de recriar as cenas de crimes, analisar os danos causados por projéteis ou até mesmo golpes sobre o corpo. Ela foi desenvolvida e melhorada por Martin Fackler e outros da área da balística de ferimentos.[2][3]

Histórico de uso[editar | editar código-fonte]

Depois do Tiroteio de Miami de 1986, o FBI introduziu seu próprio protocolo de testes com gelatina balística em dezembro de 1988, e rapidamente se tornou popular entre as agências policiais dos EUA, gerando inclusive, uma evolução no produto, chamado de gelatina sintética (synthetic gelatin).[4][5][6]

Os requisitos desse protocolo em relação à penetração balística na gelatina em testes a distâncias de 10 pés (3 metros), são:

  • mínimo aceitável 12";[7]
  • máximo desejável 18";[7]
  • intervalo ideal de 14" a 16".[8]

Características[editar | editar código-fonte]

Gelatina natural[editar | editar código-fonte]

A fórmula original do FBI faz uso de uma gelatina comercial com as seguintes características:[9]

  • Solubilidade: deve dissolver-se rapidamente numa solução, se processo de dissolução do pó de gelatina balística demorar, há risco de comprometer as características do produto final.
  • Resistência (ou "valor bloom"): de 250 ± 5 (tendo em mente que gelatinas para fins alimentícios, têm nível de resistência médio de ± 10).
  • Viscosidade: de 46 mps (tendo em mente que gelatinas para fins alimentícios, têm nível de 42 ± 4 mps.
  • Turbidez: deve ser o mais translúcida possível, 25 ntu é o limite máximo de turbidez desejado.

Preparação: dissolver uma parte (por massa) de gelatina do tipo A, com 250 de fator bloom, em nove partes (por massa) de água quente (10% portanto) e depois resfriada a 4 °C (39 °F).[10] A água não deve ser aquecida além de 40 °C (104 °F) sob pena de alteração significativa da performance balística do produto final.[11][12]

Alternativas

Outras agências como o National Institute of Justice [en], o United States Secret Service, a US Navy e o Immigration and Naturalization Service [en] estavam fazendo testes com fórmulas de gelatina a 20% com diferentes objetivos de penetração, de acordo com a necessidade de cada uma delas.[4]

Essa composição a 20% também foi utilizada pela OTAN em sua fórmula mais antiga, resfriada a 10 °C (50 °F),[13] mas essa solução custa mais para preparar, pois utiliza o dobro da quantidade de gelatina. Desde a adoção generalizada do protocolo do FBI, com gelatina balística natural a 10% todos os testes sérios realizados nos Estados Unidos foram conduzidos com essa fórmula, promovendo um elevado grau de padronização.[4]

Calibração

Para garantir resultados precisos, imediatamente antes do uso, o bloco de gelatina é calibrado disparando uma BB de aço calibre .177 (4,5 mm) padrão de uma pistola de ar comprimido sobre um cronógrafo de pistola na gelatina, e a profundidade de penetração é medida. Embora os métodos exatos de calibração variem ligeiramente, o método de calibração usado pela Unidade Nacional de Armas de Fogo do Serviço de Imigração e Naturalização dos Estados Unidos é bastante típico. Requer uma velocidade de 183 ± 3 m/s (600 ± 10 pés/s) e uma penetração do BB entre 8,3 e 9,5 cm (3,3–3,7 pol.).[14]

Em seu livro Bullet Penetration, o especialista em balística Duncan MacPherson descreve um método que pode ser usado para compensar a gelatina balística que proporciona uma penetração de projéteis BB que está errada em vários centímetros (até duas polegadas) em qualquer direção. A Figura 5-2 do livro de MacPherson, com a legenda: "Velocity Variation Correction to Measured BB Penetration Depth", pode ser usada para fazer correções na profundidade de penetração do BB quando a velocidade medida do BB estiver dentro de ±10 m/s de 180 m/s. Este método também pode ser usado para compensar erros dentro da tolerância permitida e normalizar [en] resultados de diferentes testes, pois é prática padrão registrar a profundidade exata da penetração do BB de calibração.[15][16]

Gelatina sintética[editar | editar código-fonte]

Os géis balísticos feitos de gelatina natural (colágeno hidrolisado) são tipicamente de cor amarelo-marrom translúcido e geralmente não são reutilizáveis.[17] Os substitutos sintéticos mais caros são projetados para simular as propriedades balísticas da gelatina natural, embora inicialmente sejam incolores e transparentes. Alguns géis sintéticos também são reutilizáveis, uma vez que podem ser derretidos e reformados sem afetar as propriedades balísticas dos géis.[18]

Fórmula

A gelatina balística sintética é normalmente feita de um óleo e um polímero em vez de gelatina e água. A mistura mais comumente usada é de óleo mineral branco com polímero de estireno, cujos mais usados ​​incluem:

  • estireno-butadieno-estireno;
  • isopreno-estireno;
  • estireno-etileno-butileno-estireno (SEBS);
  • estireno-etilenopropileno;
  • estireno-etileno;
  • estireno-butadieno; e
  • estireno-isopreno.

Sendo o SEBS a opção mais usada atualmente.[19]

Características

Essas características foram descobertas por Darryl D. Amick em 2005 e registradas por ele em 2007.[20]

  • O gel geralmente inclui cerca de 12% a 22% em peso do polímero, mas depende de quais polímeros são usados.
  • As temperaturas de aquecimento variam dependendo do polímero e do óleo usados, mas nunca devem ultrapassar 275° Fahrenheit.
  • A solução de polímero e óleo é extremamente sensível à umidade – quando a umidade entra em contato com a solução, formam-se bolhas quando o calor é aplicado.
  • O polímero não deve ser adicionado ao óleo aquecido como a gelatina é à água; o polímero e o óleo devem ser misturados quando não houver calor.
  • É recomendado um período de repouso do produto após a mistura do polímero e do óleo para evitar a formação de bolhas quando o calor é aplicado. Esse período de repouso podem chegar até 12 horas se o ar estiver acima de 15 °C (60 °F), ou pelo menos 24 horas se o ar estiver em temperaturas mais baixas.

Uma formulação mais recente (de 2015), foi publicada pelo Exército dos Estados Unidos que prevê a mistura de 32,5% de estireno-b-etileno-co-butileno-b-estireno (SEBS) com 67,5% de óleo mineral por peso. Foram feitos testes e ensaios que comprovaram a equivalência de comportamento balístico em relação à fórmula original.[21]

Desenvolvimento e outros usos[editar | editar código-fonte]

Como a gelatina balística imita razoavelmente bem as propriedades do tecido muscular,[22] tem sido o meio preferido (em relação a cadáveres suínos reais) para comparar o desempenho de balística terminal de diferentes munições, seja ela a gelatina natural ou a sintética.[4] Outras formulações têm sido desenvolvidas e apresentadas.[23]

Devido a essas características, a gelatina balística vem sendo empregada para além da sua finalidade original, como por exemplo:

  • na medicina, para o ensino de técnicas de sutura,[24] e para avaliar o comportamento de agulhas fleíveis em cirurgias minimamente invasivas[25]
  • na cosmética para treinar a pressão e profundidade da agulha em procedimentos de micropigmentação1 e da caneta pressurizada em procedimentos de intradermoterapia.2

Ver também[editar | editar código-fonte]

Referências

  1. D. J. Carr, T. Stevenson e P. F. Mahoney (25 de abril de 2018). «The use of gelatine in wound ballistics research» [O uso de gelatina na pesquisa de balística de ferimentos] (em inglês). National Library of Medicine. Consultado em 14 de junho de 2024 
  2. Martin L. Fackler (19 de fevereiro de 2009). "Effects of small arms on the human body" (PDF) (en). Letterman Army Institute of Research. Presidio of San Francisco, California. Acessado em 14 de junho de 2024.
  3. Ayoob, Massad (2005). «Wound Ballistics, Ballistic Injury, Stopping Power, Gunshot Wounds». Firearms Tactical Institute. Backwoods Home Magazine. Consultado em 14 de junho de 2024 
  4. a b c d Mike Wood (11 de novembro de 2019). «Ballistic gelatin comparisons: Part I» (em inglês). police1.com. Consultado em 14 de junho de 2024 
  5. Mike Wood (17 de dezembro de 2019). «Ballistic gelatin comparisons: Part II» (em inglês). police1.com. Consultado em 14 de junho de 2024 
  6. Mike Wood (6 de janeiro de 2020). «Ballistic gelatin comparisons: Part III» (em inglês). police1.com. Consultado em 14 de junho de 2024 
  7. a b John C. Hall (novembro de 1989). «Law Enforcement Bulletin» (PDF) (em inglês). FBI. Consultado em 14 de junho de 2024 
  8. «Brass Fetcher Ballistic Testing» (em inglês). brassfetcher.com. 2015. Consultado em 14 de junho de 2024 
  9. «Ballistic Gelatin for Testing» (em inglês). customcollagen.com. 3 de outubro de 2022. Consultado em 14 de junho de 2024 
  10. «Effect of Gelatin Block Temperature on Penetration Depth Measurement» (em inglês). brassfetcher.com. Setembro de 1988. Consultado em 14 de junho de 2024 
  11. Fackler, Martin L. M.D.; Malinowski, John A. B.S. (setembro de 1988). «Ordnance Gelatin for Ballistic Studies - Detrimental Effect of Excess Heat Used in Gelatin Preparation» (em inglês). journals.lww.com. Consultado em 14 de junho de 2024 
  12. Jorma Jussila (10 de maio de 2004). «Preparing ballistic gelatine—review and proposal for a standard method» (em inglês). sciencedirect.com. Consultado em 14 de junho de 2024 
  13. Nicholas R Maiden, Wesley Fisk, Christian Wachsberger e Roger W Byard (6 de junho de 2015). «Ballistics ordnance gelatine - How different concentrations, temperatures and curing times affect calibration results» [Gelatina balística de artilharia - Como diferentes concentrações, temperaturas e tempos de cura afetam os resultados de calibração] (em inglês). National Library of Medicine. Consultado em 14 de junho de 2024 
  14. «INS National Firearms Unit Ballistic Gelatin Test Protocol» [Protocolo de teste de gelatina balística da unidade nacional de armas de fogo do INS] (em inglês). firearmstactical.com. 1 de setembro de 1998. Consultado em 14 de junho de 2024 
  15. MacPherson, Duncan (2005). Bullet Penetration: Modeling the Dynamics & the Incapacitation Resulting from Wound Trauma (em inglês) 1.ª (segunda tiragem) ed. [S.l.]: Ballistic Publications. 307 páginas. ISBN 978-0-96435-771-6. Consultado em 14 de junho de 2024 
  16. Maiden, Nicholas Russell (2014). The Assessment of Bullet Wound Trauma Dynamics and the Potential Role of Anatomical Models (Tese) (em inglês). University of Adelaide. 204 páginas 
  17. Sam Hoober (22 de janeiro de 2020). «Everything You Need To Know About Ballistics Gel» (em inglês). aliengearholsters.com. Consultado em 14 de junho de 2024 
  18. «How to Reuse Ballistic Gelatin» (em inglês). clearballistics.ca. Consultado em 14 de junho de 2024 
  19. Chaufer, Martin; Delille, Rémi; Bourel, Benjamin; Marechal, Christophe; Lauro, Franck; Mauzac, Olivier; Roth, Sébastien (15 de novembro de 2023). «Advancements in numerical modelling of synthetic gel for ballistic impact assessment» [Avanços na modelagem numérica de gel sintético para avaliação de impacto balístico]. Materials Letters. 351. doi:10.1016/j.matlet.2023.135077. Consultado em 14 de junho de 2024 
  20. Estados Unidos Abandonada US20070116766A1, Darryl Amick, "Gel compositions as muscle tissue simulant and related articles and methods", publicado em 2007-05-24, atribuído a PERMA-GEL Inc 
  21. Yolin Huang (setembro de 2015). «Determining the Equation of State (EoS) - Parameters for Ballistic Gelatin» (PDF) (em inglês). Army Research Laboratory. Consultado em 14 de junho de 2024 
  22. Breeze, J.; Hunt, N.; Gibb, I.; James, G.; Hepper, A.; Clasper, J. (2000). «Experimental penetration of fragment simulating projectiles into porcine tissues compared with simulants» [Penetração experimental de fragmentos simulando projéteis em tecidos suínos em comparação com simuladores]. Journal of Forensic and Legal Medicine. 20 (4): 296–299. ISSN 1752-928X. PMID 23622477. doi:10.1016/j.jflm.2012.12.007 
  23. Eduardo Nazaré (27 de fevereiro de 2023). «Pesquisadores da USP desenvolvem material simulador do corpo humano em testes balísticos». jornal.usp.br. Consultado em 14 de junho de 2024 
  24. Amanda Rodrigues Salandim, Juliany Gomes Quitzan e Giovana Banin Mazzali (20 de janeiro de 2023). "Avaliação do uso de modelo de gelatina balística para ensino das técnicas de sutura" (PDF) (pt). UNESP. XXXIV Congresso de Iniciação Científica da Unesp. Atibaia. Acessado em 14 de junho de 2024.
  25. Paulo Érico Carvalho Santos de Oliveira (18 de março de 2015). "Mecanismo para realização de ensaios de inserção de agulhas flexíveis para fins de caracterização de seu comportamento em diferentes tipos de tecido" (PDF) (pt). Universidade de Brasília. Brasília. Acessado em 14 de junho de 2024.

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

Leitura adicional[editar | editar código-fonte]

  • Martin L. Fackler (19 de fevereiro de 2009). "Effects of small arms on the human body" (PDF) (em inglês). Letterman Army Institute of Research. Presidio of San Francisco, California. Acessado em 14 de junho de 2024.
  • Lindsey Bertomen (janeiro de 2006). «Putting Bullets To The Test» [Colocando balas à prova] (em inglês). officer.com. Consultado em 14 de junho de 2024 
  • Nicholas, N. C.; Welsch, J. R. (fevereiro de 2004). BALLISTIC GELATIN (PDF) (Relatório) (em inglês). Pennsylvania: Institute for Non-Lethal Defense Technologies. Consultado em 14 de junho de 2024 

Ligações externas[editar | editar código-fonte]

Ícone de esboço Este artigo sobre ciência é um esboço. Você pode ajudar a Wikipédia expandindo-o.