Saltar para o conteúdo

Purificação Araújo

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
Purificação Araújo
Maria da Purificação Costa Araújo
Nascimento 5 de novembro de 1926
Lisboa, Portugal
Cônjuge Manuel Pina (1929-2017)
Ocupação médica obstetra e ginecologista

Purificação Araújo (Lisboa, Portugal, 5 de novembro de 1926) é uma obstetra e ginecologista portuguesa. Reconhecida como uma das principais precursoras da introdução dos métodos contraceptivos, como a pílula, e do planeamento familiar, para além do desenvolvimento da saúde materno-infantil ou da vigilância ginecológica, sendo também responsável pela introdução do teste de Papanicolau em Portugal, é ainda referida como a "Mãe do Planeamento Familiar" no país. Defensora dos direitos das mulheres, da liberdade de escolha e da interrupção voluntária da gravidez, é também conhecida por ter prestado apoio médico às mulheres portuguesas a viver na clandestinidade, durante o regime ditatorial do Estado Novo.[1]

Biografia[editar | editar código-fonte]

Maria da Purificação Costa Araújo nasceu em Lisboa, a 5 de novembro de 1926.

Licenciou-se pela Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa em 1950 e, após cumprir vários internatos, nomeadamente no Hospital de Santa Maria e na Maternidade Alfredo da Costa, em 1964 seguiu a carreira hospitalar pública nas áreas de Obstetrícia e Ginecologia, realizando ainda uma pós-graduação nessas mesmas disciplinas na Universidade de Londres. Anos mais tarde, complementou os seus estudos académicos com cursos adicionais, focados na Saúde Materna e no Planeamento Familiar, em Londres, Paris e nos Estados Unidos.

Durante a década de 1960, visto que em Portugal existia uma elevada taxa de mortalidade perinatal e maternal e que apenas cerca de 65% dos partos eram realizados nos hospitais, enquanto os restantes ocorriam em casa ou em maternidades que não possuíam nem salas de cirurgia, nem de obstetrícia ou neonatologia, não conseguindo assim lidar com possíveis complicações que poderiam provocar a morte das grávidas, fetos e recém-nascidos, Purificação Araújo começou a realizar várias campanhas para que as maternidades fossem vinculadas aos hospitais e assim pudessem prestar os devidos cuidados e serviços médicos às suas utentes.[2][3] Simultaneamente, durante o mesmo período, colaborou na dinamização do método psicoprofilático do parto sem dor, introduzido em Portugal pelos médicos obstetras Cesina Bermudes (1908-2001) e Pedro Monjardino (1910-1969).[4]

De ideais democráticos, durante a mesma década e até à Revolução de 25 de abril de 1974, não obstante ao risco de ser presa pelas suas acções, Purificação Araújo prestou auxilio a várias mulheres grávidas, antifascistas e opositoras do Estado Novo, que se encontravam foragidas e a viver na clandestinidade.[5]

Em 1970, com o apoio do médico de saúde pública Arnaldo Sampaio (1908-1984), então Director-Geral da Saúde, e através da Associação para o Planeamento Familiar (APF), criada em 1967, Purificação Araújo integrou o inovador projecto que introduziu o serviço de Planeamento Familiar em várias unidades hospitalares do país, quase de forma subversiva e clandestina, criando também, cursos de formação especializada para técnicos de saúde nos dispensários materno-infantis.[6][7]

Devido ao sucesso das suas campanhas, em 1971 foi nomeada chefe do Serviço de Saúde Materna da Direcção-Geral da Saúde de Portugal, serviço responsável pela saúde durante a gravidez e da criança, tornando-se então numa das principais responsáveis pela integração do Planeamento Familiar nos recém-criados Centros de Saúde nacionais. Argumentando que o planeamento familiar contribuía para a promoção da saúde da mulher e da criança ao permitir evitar gravidezes indesejadas e espaçar os partos, em conjunto com a Associação Portuguesa de Planeamento Familiar e o ginecologista-endocrinologista Manuel Neves-e-Castro, Purificação Araújo promoveu o uso da pílula anticoncepcional, encontrando uma forte oposição na sociedade portuguesa mais conservadora e na Igreja Católica. O seu uso seria somente aprovado meses depois pela então Secretária da Saúde Maria Teresa Cárcomo Lobo, após esta ter obtido o aval do Cardeal Manuel Gonçalves Cerejeira.[8][9]

Entre 1973 e 1978, Purificação Araújo exerceu ainda como professora visitante na Escola Nacional de Saúde Pública.

Após a Revolução de 25 de abril de 1974, sendo uma acérrima defensora da liberdade de escolha e dos direitos das mulheres, fez campanha a favor da despenalização do aborto a pedido da mulher, desempenhou um importante papel na introdução do teste de Papanicolau em Portugal, principal exame de prevenção contra o cancro do colo do útero, foi membro fundadora do associação Amigos do Fundo das Nações Unidas para a Infância, mais conhecido como Amigos da UNICEF,[10] ao lado do crítico de cinema, dirigente cineclubista e seu marido Manuel Pina (1929-2017),[11] e entre 1978 e 1992, ministrou vários cursos de formação em planeamento familiar de forma livre, aberta e sem tabus, não só em Portugal como ainda para o Fundo de População das Nações Unidas, focando-se sobretudo nos países de língua portuguesa, em conjunto com a escritora Ana Vicente e outros ativistas.[12]

Nos anos que se seguiram, devido à introdução dos cuidados pré-natais e pós-natais nas maternidades e nos centros de saúde, as suas acções de campanha contribuíram significativamente para reduzir os números fatais que colocavam Portugal como um dos piores países da Europa.[13]

Durante os anos 80, Purificação Araújo foi membro da Comissão Nacional de Saúde Materno-Infantil, criada pela Ministra da Saúde Leonor Beleza em 1989, e membro do Comité Nacional de Hospitais Amigos dos Bebés.[14]

Atualmente, apesar da sua idade, continua a exercer no seu consultório privado, situado em Lisboa.[15]

Prémios[editar | editar código-fonte]

Em 1996, foi galardoada com a Medalha de Serviços Distintos pelo Ministério da Saúde e, em 2008, com o grau de Ouro da mesma premiação.[16]

No Dia Internacional das Mulheres de 1998, foi distinguida pela Ordem do Mérito, um prémio nacional concedido àqueles que fazem sacrifícios em benefício da sua comunidade.

Ainda em 2008, recebeu a Medalha de Ouro da Câmara Municipal de Lisboa como reconhecimento pelo seu trabalho no desenvolvimento dos serviços de planeamento familiar.

Em 2014 foi galardoada com a Medalha de Mérito da Ordem dos Médicos.[17]

Referências[editar | editar código-fonte]

  1. Carneiro, Mariana (24 de março de 2021). «Planeamento familiar: um direito fundamental». Esquerda.Net 
  2. Amaro, Carla (28 setembro 2015). «"A interrupção voluntária da gravidez é uma decisão que compete exclusivamente à mulher"». P&D Factor | Associação para a Cooperação sobre População e Desenvolvimento 
  3. «Unicef: Portugal deve apostar na humanização do parto». Jornal Expresso. 15 de janeiro de 2009 
  4. Carneiro, Mariana (11 de maio de 2017). «Mulheres de Abril: Testemunho de Maria da Purificação Araújo». Esquerda.Net 
  5. «Como era ser mãe e nascer há 60 anos?». Mãe-Me-Quer. 5 de julho de 2021 
  6. Desenvolvimento Hospitalar, Associação Portuguesa para o (2019). SNS: 40 Anos Ímpares - 40 Mulheres Notáveis. Lisbon: APDH. pp. 128–130. ISBN 9789899659193 
  7. «História: APF: desde 1966... a contribuir para os Direitos Humanos». Associação para o Planeamento da Família | APF 
  8. Neves-e-Castro, Manuel (2 de julho de 2010). «A História da pílula contraceptiva». Diário de Notícias 
  9. Almeida, Marina (15 de outubro de 2019). «A primeira ″senhora″ no governo que foi... subsecretário de Estado». Diário de Notícias 
  10. «A UNICEF em Portugal». UNICEF 
  11. Pato, Helena (16 de abril de 2017). «Manuel Pina». Jornal Tornado 
  12. Lusa, Agência (15 de janeiro de 2009). «Fundadora da Unicef portuguesa diz que Portugal deve apostar na humanização do parto». Público 
  13. «Discurso do Presidente da República Jorge Sampaio na Sessão de Homenagem ao Prof. Doutor Norberto Teixeira Santos». Arquivo da Presidência da República. 8 de outubro de 1998 
  14. Levy, Leonor; Bértolo, Helena (2012). Manual de Aleitamento Materno. Lisboa: Comité Português da UNICEF e Comissão Nacional Iniciativa Hospitais Amigos dos Bebés. ISBN 978-972-96436-1-3 
  15. «Maria Purificação Araújo em Lisboa». Código Postal Portugal. 27 de novembro de 2007 
  16. «Despacho (extracto) n.º 16685/2008, 2008-06-19». Diário da República Eletrónico. 19 de junho de 2008 
  17. «Purificação Araújo». APDH - Associação Portuguesa para o Desenvolvimento Hospitalar. 2014