Antônio Bispo dos Santos

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Nêgo Bispo
Antônio Bispo dos Santos
Nome completo Antônio Bispo dos Santos
Nascimento 10 de dezembro de 1959
Francinópolis, Piauí
Morte 3 de dezembro de 2023 (63 anos)
São João do Piauí, Piauí
Nacionalidade Brasileira
Ocupação Pensador, quilombola e filósofo

Antônio Bispo dos Santos, popularmente conhecido como Nêgo Bispo (Francinópolis, 10 de dezembro de 1959São João do Piauí, 3 de dezembro de 2023), foi um filósofo, poeta, escritor, professor, líder quilombola e ativista político brasileiro.[1][2] Foi considerado um dos maiores intelectuais do Brasil, refletindo o contemporâneo partir das experiências quilombolas.[3] Desenvolveu o conceito de "contracolonização".[4][5]

Biografia[editar | editar código-fonte]

Mestre Nego Bispo apresentando uma fala intitulada "Quem sou eu e por que estou aqui" no evento Direitos Culturais e Cultura dos Direitos. Política Cultural e Cultura Política. Em 2015 no Rio de Janeiro.

Nascido em 1959, no Vale do Rio Berlengas no interior do Piauí, em um povoado onde hoje fica a cidade de Francinópolis. Viveu a maior parte da sua vida no quilombo Saco do Curtume - São João do Piauí, distante cerca de 400 quilômetros de Teresina.

Foi o primeiro membro de sua família a ser alfabetizado - sobre isso ele mesmo afirmava que passou a receber o conhecimento escrito, porém os conhecimentos a respeito dos ofícios nas atividades de sua comunidade, algo que ele enfatiza muito em sua obra, começaram a lhe ser transmitidos a partir do momento em que ele começou a falar. Atribui a sua  formação escolar à uma necessidade da comunidade que via seus contratos orais serem substituídos pelos contratos formais, um mal da colonização, e dentro deste contexto ele passaria a operar como um tradutor ou “diplomata” de sua comunidade.

Formalmente só completou o ensino fundamental. Porém por muitos foi considerado um dos maiores pensadores do seu tempo, sendo o responsável por desenvolver uma completa e rebuscada teoria a respeito da cosmovisão das comunidades quilombolas e suas transformações ao longo do tempo, através de fatores como o contato com a colonização e a convivência com os indígenas, primeiros habitantes do território chamado brasileiro.

Nos movimentos sociais atuou na Coordenação Estadual das Comunidades Quilombolas do Piauí (CECOQ/PI), na Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), foi presidente do Sindicato de Trabalhadoras e Trabalhadores Rurais de Francinópolis e diretor da Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Estado do Piauí (FETAG/PI).

Bispo morreu no final da tarde do dia 3 de dezembro no Quilombo Saco-Curtume vítima de uma parada cardiorrespiratória, em decorrência de complicações provocadas por diabetes. Seu corpo foi velado e sepultado na própria comunidade. Pensadores, políticos, artistas e ativistas lamentaram a morte de Nêgo. Instituições como o Geledés, Fundação Palmares, Instituto Vladimir Herzog, Boi-Bumbá Caprichoso, Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), Instituto Esperança Garcia e a Coordenação Nacional de Articulação dos Quilombos deixaram mensagem sobre a partida de Nêgo Bispo.

Pensamento[editar | editar código-fonte]

Sua forma de pensar problematizava algumas certezas tidas como dadas pela sociedade colonizadora, no texto "Somos da Terra", de sua autoria, ele se posiciona afirmando que não queria ser visto como um pensador mas sim como um tradutor de conhecimentos. Essa demanda por tradução foi a forma como a comunidade pela qual ele foi educado entendeu que a forma como seu trabalho deveria se dar.[6]

Somos da Terra

Fui para a escola da linguagem escrita aos nove anos, mas, desde que comecei a falar, fui formado também por mestras e mestres de ofício nas atividades da nossa comunidade. Quando fui para a escola no final da década de 1960, os contratos orais estavam sendo quebrados na nossa comunidade para serem substituídos por contratos escritos impostos pela sociedade branca colonialista. Estudei até a oitava série, quando a comunidade avaliou que eu já poderia ser um tradutor.

Antonio Bispo dos Santos


Algumas outras formas que Bispo usava para oralizar as suas ideias eram a biointeração e a confluência, a passagem da oralidade para a escrita e novamente para a oralidade era uma das motivações para o que ele chamava de "início, meio, início".[7]

Critica ao Desenvolvimento[editar | editar código-fonte]

Nego Bispo, analisou o conceito de desenvolvimento denunciando seu desprezo pelos saberes das comunidades tradicionais. Defendeu que os saberes orgânicos, ” saberes voltados para o ser, voltados para a vida”[8], são indispensáveis para a sustentabilidade, uma vez que a visão eurocêntrica e capitalista sobre evolução traz uma grande destruição ambiental em prol dos lucros, produzindo o saber sintético, “saberes voltados para o ter, voltados para a extração do ser[8], que acaba desequilibrando a natureza com uma exploração excessiva, “tornando sintético tudo o que é natural”[9](SANTOS, 2023. p. 16).

Quando se fala em natureza, o ser humano está incluído nessa composição, pois, de acordo com Nego Bispo, “querem ser criadores, mas são criaturas da natureza”[9](SANTOS, 2023. p. 17). O modelo de desenvolvimento atual, mantém a desigualdade, concentrando ainda mais os polos entre ricos e pobres. O desenvolvimento coloca em segundo plano a cultura e identidade dos povos, que acabam se perdendo. Nego Bispo acreditava que o desenvolvimento deveria chegar a todos de maneira equitativa, respeitando a vida e fundamentando-se na valorização cultural de cada local.

Obras[editar | editar código-fonte]

Além de vários artigos, poemas e palestras, publicou livros:

  • Quilombos, modos e significados (2007)[4]
  • Colonização, Quilombos: modos e significados (2015)[4]
  • A terra dá, a terra quer (2023)[10]

Referências

  1. Sombini, Eduardo (19 de agosto de 2023). «Estado e partidos são colonialistas, diz quilombola Antônio Bispo». Folha de S.Paulo. Consultado em 5 de dezembro de 2023. Cópia arquivada em 23 de setembro de 2023 
  2. Porfírio, Iago; Oliveira, Lucas (24 de julho de 2021). «Antonio Bispo dos Santos | Enciclopédia de Antropologia». Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Consultado em 5 de dezembro de 2023. Cópia arquivada em 30 de julho de 2021 
  3. Pompermaier, Paulo Henrique (21 de junho de 2023). «Estante Cult | Das palavras que germinam e desatam o colonialismo». Cult. Consultado em 5 de dezembro de 2023. Cópia arquivada em 30 de junho de 2023 
  4. a b c «Intelectual e ativista negro, Nêgo Bispo morre aos 63 anos». Agência Brasil. Consultado em 4 de dezembro de 2023 
  5. «Pensador Antônio Bispo dos Santos, o Nêgo Bispo, será sepultado no quilombo onde viveu». G1. Consultado em 4 de dezembro de 2023 
  6. SANTOS, Antônio Bispo dos. Somos da terra. Cicatrizes da escravização, v. 29075, p. 22, 2018.
  7. SANTOS, Antônio Bispo dos; Mayer, Joviano (23 de outubro de 2020). «Início, meio, início: Conversa com Antônio Bispo dos Santos». Indisciplinar (1): 52–69. ISSN 2525-3263. doi:10.35699/2525-3263.2020.26241. Consultado em 6 de dezembro de 2023 
  8. a b DORNELES, Dandara Rodrigues (2021). «PALAVRAS GERMINANTES – ENTREVISTA COM NEGO BISPO.». Identidade 
  9. a b SANTOS, Antônio Bispo dos (2023). A terra dá, a terra quer. São Paulo: UBU 
  10. «Conheça o pensamento contracolonial de Nêgo Bispo em 'A Terra Dá, a Terra Quer'». Folha de S.Paulo. 16 de novembro de 2023. Consultado em 5 de dezembro de 2023. Cópia arquivada em 5 de dezembro de 2023 

10. SIMÕES, Nataly. Nego Bispo (1959-2023): Entenda a importância de Antônio Bispo dos Santos em 4 pontos. Educação e Território, 4 dez. 2023. Disponível em: https://educacaoeterritorio.org.br/reportagens/nego-bispo-entenda-a-importancia-de-antonio-bispo-dos-santos/. Acesso em: 29 maio 2024. 11. SANTOS, Antônio Bispo dos; PEREIRA, Maria de Lourdes. A importância de Nego Bispo na contemporaneidade. Revista IFSophia, v. 7, n. 1, 2023, p. 45-60. Disponível em: https://revistas.ifpr.edu.br/index.php/ifsophia/article/view/1652/1735. Acesso em: 29 maio 2024