Estado de sítio no Brasil

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No direito brasileiro, o estado de sítio é um instrumento para investir o Presidente da República de poderes excepcionais e temporários num período de crise.[1] Ele e o estado de defesa são as formas de estado de exceção previstas pela Constituição atual, de 1988, para situações de ameaça à estrutura do Estado ou ordem social. O instrumento ou seus equivalentes existem em todas as constituições brasileiras, com variações conforme a estrutura do Estado era mais ou menos democrática e centralizada.[2]

Funcionamento na Constituição de 1988[editar | editar código-fonte]

Na Constituição de 1988, o presidente pode solicitar o estado de sítio nos casos definidos no inciso I do artigo 137 (comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa) ou inciso II (declaração de estado de guerra ou resposta à agressão armada estrangeira). Ele deve ouvir o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional e obter a autorização prévia de uma maioria absoluta do Congresso Nacional.[3][4] O decreto que institui o estado de sítio define o seu prazo e quais garantias constitucionais serão suspensas.[2] Nos casos do inciso I, o prazo máximo é de 30 dias, podendo ser sucessivamente prorrogado, mas nunca por mais de 30 dias em cada prorrogação. Nos casos do inciso II, o estado de sítio poderá demorar o quanto durar o estado de beligerância.[1]

Se a proposta for aprovada nos casos de inciso I, o poder público poderá tomar sete medidas contra pessoas e nenhuma outra medida: obrigação de permanência em localidade determinada, detenção em edifício não destinado a acusados ou condenados por crimes comuns, restrições relativas à inviolabilidade da correspondência, ao sigilo das comunicações, à prestação de informações e à liberdade de imprensa, radiodifusão e televisão, na forma da lei, suspensão da liberdade de reunião, busca e apreensão em domicílio, intervenção em empresas de serviços públicos e requisição de bens. Em estado de sítio para casos do inciso II, quaisquer garantias constitucionais podem ser suspensas desde que previstas no decreto presidencial aprovado pelo Congresso.[4][5]

O Congresso Nacional exerce controle político do processo: sua Mesa organiza uma comissão de cinco membros para fiscalizar as medidas tomadas, e ao final do sítio, o Presidente deve enviar ao Congresso um relatório de suas atividades. Quaisquer ilícitos cometidos serão responsabilizados e o Presidente poderá ser acionado por crime de responsabilidade. O Poder Judiciário exerce controle jurisdicional, podendo corrigir abusos ou excessos enquanto vigora o sítio.[2][4] Além disto, durante a vigência não são permitidas alterações no texto constitucional.[6]

História[editar | editar código-fonte]

Conforme um levantamento do Senado Federal, a Primeira República Brasileira (1889–1930) esteve em estado de sítio por 2 365 dias, equivalentes a mais de seis anos ou mais de 15% dos mandados presidenciais. O governo de Artur Bernardes, em especial, foi passado em sua maior parte com o estado de sítio em vigor:[7] 1 287 dias de um quadriênio de 1 460 dias, ou 88,15% do total.[8]

Primeira República[editar | editar código-fonte]

Ano Início Fim Presidente Motivação Ref
1891 3 de novembro 23 de novembro Deodoro da Fonseca Dissolver o congresso nacional, resultando no Golpe de Três de Novembro.
1892 10 de abril 13 de abril Floriano Peixoto [9]
1893 10 de setembro 20 de setembro Revolta da Armada e Revolução Federalista
25 de setembro 9 de outubro
1893-1894 13 de outubro 31 de agosto
1897-1898 12 de novembro 31 de janeiro Prudente de Morais Atentado contra Prudente de Morais [9]
1904 16 de novembro 14 de Março Rodrigues Alves Revolta da Vacina [10]
1910 10 de dezembro Hermes da Fonseca Resposta contra os revoltosos na Ilha das Cobras.
1914 4 de março outubro [11]
1917/1918 16 de novembro 31 de dezembro Venceslau Brás Entrada do Brasil na Primeira Guerra Mundial [12]
1922 5 de julho 31 de dezembro Artur Bernardes Revolta dos 18 do Forte de Copacabana [7]
1923 1 de janeiro 31 de dezembro [13]
1924-1926 5 de julho 15 de novembro
1926-1927 15 de novembro 10 de fevereiro Washington Luís
1930 4 de outubro 31 de dezembro Tentar garantir a posse de Julio Prestes [14]

Segunda República[editar | editar código-fonte]

Início Fim Presidente Motivação Ref
25 de novembro de 1935 15 de dezembro de 1935 Getúlio Vargas Intentona Comunista [15]

Quarta República[editar | editar código-fonte]

Início Fim Presidente Motivação Ref
24 de novembro de 1955 fevereiro de 1956 Nereu Ramos Garantir a Posse de Juscelino Kubitschek [14]

Ver também[editar | editar código-fonte]

Referências[editar | editar código-fonte]

  1. a b Moraes, Humberto Peña de (2003). «Mecanismos de defesa do Estado e das instituições democráticas no sistema constitucional de 1988: estado de defesa e estado de sítio» (PDF). Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro. Revista da EMERJ. 6 (23): 198-216 
  2. a b c Mota, Rafael Gonçalves (2008). «A evolução do conceito de estado de exceção no pensamento constitucional brasileiro». Fortaleza: Centro Universitário 7 de Setembro. Revista Jurídica da FA7. 5 (1): 139-160. doi:10.24067/rjfa7;5.1:214 
  3. «Glossário: Estado de sítio». Conselho Nacional do Ministério Público. Consultado em 11 de janeiro de 2023 
  4. a b c Leão, Diogo Abreu (23 de fevereiro de 2018). «Conheça os 3 principais tipos de Estados de exceção». Politize. Consultado em 22 de maio de 2024 
  5. Garcia, Gustavo (15 de março de 2024). «Estado de Sítio, de Defesa, GLO: entenda o que diz a Constituição sobre termos que apareciam em reuniões sobre golpe». G1. Consultado em 22 de maio de 2024 
  6. Silva Filho, Derly Barreto (agosto de 2018). «Controle judicial do processo de emenda constitucional na vigência de estado de defesa, estado de sítio e intervenção federal». Sindicato dos Procuradores do Estado, das Autarquias, das Fundações e das Universidades Públicas do Estado de São Paulo. Consultado em 22 de maio de 2024 
  7. a b Mourelle, Thiago (27 de julho de 2023). «O Estado de Sítio e seu uso na Primeira República». Arquivo Nacional. Arquivado do original em 25 de novembro de 2023 
  8. Peixoto, Rodrigo Luz (2017). «O Supremo Tribunal Federal e o estado de sítio na República Velha». Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Quaestio Iuris. 10 (2) . p. 1118.
  9. a b Naud, Leda Maria Cardoso. «Estado de sítio - 1ª parte» (PDF). Consultado em 11 de janeiro de 2023 
  10. «O Paiz (RJ) - 1900 a 1909 - DocReader Web». memoria.bn.br. Consultado em 10 de janeiro de 2024 
  11. «Sob críticas, Hermes da Fonseca decretou estado de sítio e fechou jornais». Folha de S.Paulo. 25 de outubro de 2019. Consultado em 11 de janeiro de 2024 
  12. «Estado de sítio - 2ª parte». Consultado em 11 de janeiro de 2023 
  13. «Estado de sítio - 3ª parte» (PDF). Consultado em 11 de janeiro de 2023 
  14. a b «Estado de sítio: O que significa e em que momentos a medida foi decretada no Brasil?». Blog do Acervo - O Globo. 9 de setembro de 2021. Consultado em 11 de janeiro de 2024 
  15. «Decretado o estado de sitio, para todo o paiz, por 30 dias». Jornal do Brasil. Consultado em 11 de janeiro de 2024