Estado de sítio no Brasil

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

No direito brasileiro, o estado de sítio é um instrumento para investir o Presidente da República de poderes excepcionais e temporários num período de crise.[1] Ele e o estado de defesa são as formas de estado de exceção previstas pela Constituição atual, de 1988, para situações de ameaça à estrutura do Estado ou ordem social. O instrumento ou seus equivalentes existem em todas as constituições brasileiras, com variações conforme a estrutura do Estado era mais ou menos democrática e centralizada.[2]

Funcionamento na Constituição de 1988[editar | editar código-fonte]

Na Constituição de 1988, o presidente pode solicitar o estado de sítio nos casos definidos no inciso I do artigo 137 (comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa) ou inciso II (declaração de estado de guerra ou resposta à agressão armada estrangeira). Ele deve ouvir o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional e obter a autorização prévia de uma maioria absoluta do Congresso Nacional.[3][4] O decreto que institui o estado de sítio define o seu prazo e quais garantias constitucionais serão suspensas.[2] Nos casos do inciso I, o prazo máximo é de 30 dias, podendo ser sucessivamente prorrogado, mas nunca por mais de 30 dias em cada prorrogação. Nos casos do inciso II, o estado de sítio poderá demorar o quanto durar o estado de beligerância.[1]

Se a proposta for aprovada nos casos de inciso I, o poder público poderá tomar sete medidas contra pessoas e nenhuma outra medida: obrigação de permanência em localidade determinada, detenção em edifício não destinado a acusados ou condenados por crimes comuns, restrições relativas à inviolabilidade da correspondência, ao sigilo das comunicações, à prestação de informações e à liberdade de imprensa, radiodifusão e televisão, na forma da lei, suspensão da liberdade de reunião, busca e apreensão em domicílio, intervenção em empresas de serviços públicos e requisição de bens. Em estado de sítio para casos do inciso II, quaisquer garantias constitucionais podem ser suspensas desde que previstas no decreto presidencial aprovado pelo Congresso.[4][5]

O Congresso Nacional exerce controle político do processo: sua Mesa organiza uma comissão de cinco membros para fiscalizar as medidas tomadas, e ao final do sítio, o Presidente deve enviar ao Congresso um relatório de suas atividades. Quaisquer ilícitos cometidos serão responsabilizados e o Presidente poderá ser acionado por crime de responsabilidade. O Poder Judiciário exerce controle jurisdicional, podendo corrigir abusos ou excessos enquanto vigora o sítio.[2][4] Além disto, durante a vigência não são permitidas alterações no texto constitucional.[6]

História[editar | editar código-fonte]

Conforme um levantamento do Senado Federal, a Primeira República Brasileira (1889–1930) esteve em estado de sítio por 2 365 dias, equivalentes a mais de seis anos ou mais de 15% dos mandados presidenciais. O governo de Artur Bernardes, em especial, foi passado em sua maior parte com o estado de sítio em vigor:[7] 1 287 dias de um quadriênio de 1 460 dias, ou 88,15% do total.[8]

Primeira República[editar | editar código-fonte]

Início Fim Área Presidente Motivação
3 de novembro de 1891 23 de novembro de 1891 Deodoro da Fonseca Golpe de Três de Novembro
10 de abril de 1892 13 de abril de 1892 Floriano Peixoto
10 de setembro de 1893 20 de setembro de 1893 Revolta da Armada e Revolução Federalista[9]
25 de setembro de 1893 9 de outubro de 1893
13 de outubro de 1893 31 de agosto de 1894
12 de novembro de 1897 31 de janeiro de 1898 Prudente de Morais Atentado contra Prudente de Morais[9]
16 de novembro de 1904 14 de março de 1904 Rodrigues Alves Revolta da Vacina [10]
12 de dezembro de 1910 12 de janeiro de 1911 Hermes da Fonseca Resposta contra os revoltosos na Ilha das Cobras[11]
4 de março de 1914 outubro de 1914[12]
16 de novembro de 1917 31 de dezembro de 1918 Venceslau Brás Entrada do Brasil na Primeira Guerra Mundial[13]
5 de julho de 1922[14] 23 de dezembro de 1923[15][16] Distrito Federal e Rio de Janeiro Epitácio Pessoa e Artur Bernardes Revolta dos 18 do Forte de Copacabana[7]
19 de março de 1924[17] 5 de abril de 1924[18] Bahia Artur Bernardes e Washington Luís Posse de Góis Calmon[19]
5 de julho de 1924[20] 31 de dezembro de 1926[21][22][23][24][25] Distrito Federal, Rio de Janeiro e São Paulo Revolta Paulista e revoltas tenentistas subsequentes
14 de julho de 1924[26] 31 de dezembro de 1924[21] Bahia
14 de julho de 1924[26] 31 de dezembro de 1924[21] Sergipe
27 de julho de 1924[27] 31 de dezembro de 1924[21] Amazonas e Pará
26 de agosto de 1924[28] 31 de dezembro de 1925[21][22][23] Mato Grosso
17 de setembro de 1924[29] 14 de outubro de 1925[21][22][23][30] Paraná
17 de novembro de 1924[31] 7 de fevereiro de 1927[22][23][24][25][32][33][34] Rio Grande do Sul
1 de janeiro de 1925[22] 14 de outubro de 1925[23][30] Santa Catarina
2 de janeiro de 1925[35] 31 de dezembro de 1926[23][24][25] Sergipe, Amazonas e Pará
21 de fevereiro de 1925[36] 3 de novembro de 1925[23][37] Bahia
31 de dezembro de 1925[24] 10 de fevereiro de 1927[32][33][38] Goiás
23 de abril de 1926[25] 30 de outubro de 1926[39] Ceará
30 de outubro de 1926[39] 10 de fevereiro de 1927[32][33][38] Mato Grosso
31 de dezembro de 1926[32] 26 de janeiro de 1927[40] Santa Catarina
4 de outubro 31 de dezembro Washington Luís Revolução de 1930[41]

Segunda República[editar | editar código-fonte]

Início Fim Presidente Motivação Ref
25 de novembro de 1935 15 de dezembro de 1935 Getúlio Vargas Intentona Comunista [42]

Quarta República[editar | editar código-fonte]

Início Fim Presidente Motivação Ref
24 de novembro de 1955 fevereiro de 1956 Nereu Ramos Garantir a Posse de Juscelino Kubitschek [41]

Ver também[editar | editar código-fonte]

Referências[editar | editar código-fonte]

  1. a b Moraes, Humberto Peña de (2003). «Mecanismos de defesa do Estado e das instituições democráticas no sistema constitucional de 1988: estado de defesa e estado de sítio» (PDF). Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro. Revista da EMERJ. 6 (23): 198-216 
  2. a b c Mota, Rafael Gonçalves (2008). «A evolução do conceito de estado de exceção no pensamento constitucional brasileiro». Fortaleza: Centro Universitário 7 de Setembro. Revista Jurídica da FA7. 5 (1): 139-160. doi:10.24067/rjfa7;5.1:214 
  3. «Glossário: Estado de sítio». Conselho Nacional do Ministério Público. Consultado em 11 de janeiro de 2023 
  4. a b c Leão, Diogo Abreu (23 de fevereiro de 2018). «Conheça os 3 principais tipos de Estados de exceção». Politize. Consultado em 22 de maio de 2024 
  5. Garcia, Gustavo (15 de março de 2024). «Estado de Sítio, de Defesa, GLO: entenda o que diz a Constituição sobre termos que apareciam em reuniões sobre golpe». G1. Consultado em 22 de maio de 2024 
  6. Silva Filho, Derly Barreto (agosto de 2018). «Controle judicial do processo de emenda constitucional na vigência de estado de defesa, estado de sítio e intervenção federal». Sindicato dos Procuradores do Estado, das Autarquias, das Fundações e das Universidades Públicas do Estado de São Paulo. Consultado em 22 de maio de 2024 
  7. a b Mourelle, Thiago (27 de julho de 2023). «O Estado de Sítio e seu uso na Primeira República». Arquivo Nacional. Arquivado do original em 25 de novembro de 2023 
  8. Peixoto, Rodrigo Luz (2017). «O Supremo Tribunal Federal e o estado de sítio na República Velha». Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Quaestio Iuris. 10 (2) . p. 1118.
  9. a b Naud, Leda Maria Cardoso. «Estado de sítio - 1ª parte» (PDF). Consultado em 11 de janeiro de 2023 
  10. «O Paiz (RJ) - 1900 a 1909 - DocReader Web». memoria.bn.br. Consultado em 10 de janeiro de 2024 
  11. https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1910-1919/decreto-2289-12-dezembro-1910-586778-publicacaooriginal-110425-pl.html
  12. «Sob críticas, Hermes da Fonseca decretou estado de sítio e fechou jornais». Folha de S.Paulo. 25 de outubro de 2019. Consultado em 11 de janeiro de 2024 
  13. «Estado de sítio - 2ª parte». Consultado em 11 de janeiro de 2023 
  14. BRASIL, Decreto nº 4.549, de 5 de julho de 1922. Declara, pelo prazo de trinta dias, no Districto Federal e no Estado do Rio de Janeiro, o estado de sitio, e dá outras providencias.
  15. BRASIL, Decreto nº 15.913, de 1 de janeiro de 1923. Declara em estado de sitio, até 30 de abril deste anno, o territorio do Districto Federal e o do Estado do Rio de Janeiro.
  16. BRASIL, Decreto nº 16.015, de 23 de abril de 1923. Prorroga o estado de sitio até 31 de dezembro do corrente anno.
  17. BRASIL, Decreto nº 16.422, de 19 de março de 1924. Declara o estado de sitio por trinta dias, no Estado da Bahia, e dá outras providencias.
  18. BRASIL, Decreto nº 16.446, de 5 de abril de 1924. Suspende o estado de sitio, decretado para o Estado da Bahia.
  19. Cunha, Ângela Britto da (2011). "A sala de detidos": atuação e ascenção da polícia política da capital federal do Brasil, 1920-1937 (Tese). Programa de Pós-Graduação em História, Política e Bens Culturais do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil . p. 124.
  20. BRASIL, Decreto nº 4.836, de 5 de julho de 1924. Declara o estado de sitio por 60 dias, na Capital Federal e nos Estados do Rio de Janeiro e de S. Paulo.
  21. a b c d e f BRASIL, Decreto nº 16.579, de 3 de setembro de 1924. Proroga, até 31 de dezembro de 1924, o estado de sítio decretado para os territorios do Districto Federal e dos Estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Matto Grosso , Sergipe, Pará, Amazonas e Bahia.
  22. a b c d e BRASIL, Decreto nº 16.765, de 1 de janeiro de 1925. Declara em estado de sitio o Districto Federal e os Estados de S. Paulo, Mato Grosso, Rio de Janeiro, Paraná, Santa Catharina e Rio Grande do Sul.
  23. a b c d e f g BRASIL, Decreto nº 16.890, de 22 de abril de 1925. Proroga o estado de sitio no Districto Federal e nos Estados do Amazonas, Pará, Sergipe, Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo, Matto Grosso, Paraná, Santa Catharina e Rio Grande do Sul.
  24. a b c d BRASIL, Decreto nº 17.174, de 31 de dezembro de 1925. Proroga o estado de sitio no Districto Federal e nos Estados do Amazonas, Pará, Sergipe, Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul, Goyaz e Matto Grosso.
  25. a b c d BRASIL, Decreto nº 17.291, de 23 de abril de 1926. Proroga o estado de sitio até o dia 31 de dezembro do corrente anno, no Districto Federal e nos Estados do Amazonas, Pará, Sergipe, Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul e Ceará.
  26. a b BRASIL, Decreto nº 16.526-A, de 14 de julho de 1924. Estende aos Estados de Sergipe e Bahia o estado de sitio decretado por sessenta dias pelo Congresso Nacional para a Capital Federal e para os Estados do Rio de Janeiro e de S. Paulo.
  27. BRASIL, Decreto nº 16.535, de 27 de julho de 1924. Estende aos Estados do Amazonas e Pará o estado de sitio por sessenta dias.
  28. BRASIL, Decreto nº 16.563, de 26 de agosto de 1924. Estende ao Estado de Matto Grosso o estado de sitio por 90 dias.
  29. BRASIL, Decreto nº 16.602, de 17 de setembro de 1924. Extende ao Estado do Paraná o estado de sitio decretado até 31 de dezembro do corrente anno par aos Estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Matto Grosso, Sergipe, Pará , Amazonas e Bahia.
  30. a b BRASIL, Decreto nº 17.061, de 14 de outubro de 1925. Suspende o estado de sitio no territorio dos Estados do Paraná e Santa Catharina.
  31. BRASIL, Decreto nº 16.671, de 17 de novembro de 1924. Estende ao estado do Rio Grande do Sul o estado de sitio até 31 de dezembro do corrente anno.
  32. a b c d BRASIL, Decreto nº 17.616, de 31 de dezembro de 1926. Declara em estado de sitio, até 31 de janeiro de 1927, o territorio dos Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catharina, Matto Grosso e Goyaz.
  33. a b c BRASIL, Decreto nº 17.658, de 31 de janeiro de 1927. Proroga, nos Estados do Rio Grande do Sul, Matto-Grosso e Goyaz, o estado de sitio de que trata o decreto n. 17.616, de 31 de dezembro de 1926, até o dia 28 de fevereiro proximo.
  34. BRASIL, Decreto nº 17.672, de 7 de fevereiro de 1927. Suspende o estado de sitio no territorio do Estado do Rio Grande do Sul.
  35. BRASIL, Decreto nº 16.767, de 2 de janeiro de 1925. Estende aos Estados de Sergipe, Pará e Amazonas o estado sitio, decretado pelo decreto n. 16.765, de 1 de janeiro de 1925.
  36. BRASIL, Decreto nº 16.816, de 21 de fevereiro de 1925. Estende ao Estado da Bahia o estado de sitio decretado pelo decreto n. 16.765, de 1 de janeiro do corrente anno.
  37. BRASIL, Decreto nº 17.103, de 3 de novembro de 1925. Suspende o estado de sitio no territorio do Estado da Bahia.
  38. a b BRASIL, Decreto nº 17.683, de 10 de fevereiro de 1927. Suspende o estado de sitio nos territorios dos Estados de Matto Grosso e Goyaz, por estar extincta a revolta a mão armada que desde 1922 conflagrou o Brasil.
  39. a b BRASIL, Decreto nº 17.498, de 30 de outubro de 1926. Torna extensivo ao Estado de Matto Grosso o estado de sitio, de que trata o decreto n. 17.174, de 31 de dezembro de 1925, e suspende o que vigora no Estado do Ceará.
  40. BRASIL, Decreto nº 17.656, de 26 de janeiro de 1927. Suspende o estado de sitio no Estado de Santa Catharina.
  41. a b «Estado de sítio: O que significa e em que momentos a medida foi decretada no Brasil?». Blog do Acervo - O Globo. 9 de setembro de 2021. Consultado em 11 de janeiro de 2024 
  42. «Decretado o estado de sitio, para todo o paiz, por 30 dias». Jornal do Brasil. Consultado em 11 de janeiro de 2024