Alice e outras mulheres

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Alice e outras mulheres é uma coletânea dos melhores contos da premiada escritora portuguesa Teolinda Gersão, publicado no Brasil pela editora Oficina Raquel[1] em 2020.[2]

Previsto para ser lançado fisicamente nesse ano durante o Festival Literário Internacional de Poços de Caldas (Flipoços),[3] devido à pandemia, o lançamento e a comemoração no Brasil dos 40 anos de carreira literária da escritora[4] tiveram de ser feitos de forma virtual. A turnê promocional da autora por Poços de Caldas, São Paulo, Salvador e Rio de Janeiro foi adiada para o ano de 2021. Nascida em Coimbra, Portugal, a autora viveu dois anos em São Paulo e também em Moçambique, cenário de seu romance A Árvore das Palavras (1997), já publicado no Brasil.[5]

Conteúdo[editar | editar código-fonte]

O livro é composto de 18 contos e está dividido em três seções. A primeira seção intitula-se "Velhas maneiras" e contém sete contos. A segunda denomina-se "Maneiras de hoje" e inclui quatro contos. A terceira e última seção chama-se "Formas em trânsito" e possui sete contos. Os títulos das seções já introduzem o leitor ao tema central do livro, numa espécie de foreshadowing, uma preparação ou antecipação do que está por vir. Inclui ainda a apresentação, intitulada "Alice e o wicked problem", escrita por Nilma Lacerda, que selecionou e organizou os contos. Lacerda afirma que o feminino é o eixo central da coletânea, através de seus wicked problems [problemas malvados, perversos], que ela define como "problemas complexos", "questões carregadas de elementos contraditórios, desafiantes às maneiras habituais de pensar".[6] Enfatizando o feminino como um problema complexo que se torna um enigma a ser controlado nas e pelas culturas patriarcais, que sempre o atrelam à condição de inferioridade e silenciam a sua expressão, a organizadora do livro ressalta o tema que perpassa todos os contos do livro. Dessa forma, Teolinda permite a disseminação de vozes liberadas, reprimidas ou silenciadas de mulheres e homens que subestimam a identidade feminina.

O título de um dos contos “Big Brother Isn’t Watching You” (originalmente presente no livro Histórias de ver e andar)[7] faz uma referência explícita ao conhecido personagem Big Brother (Grande Irmão) do romance 1984, do escritor britânico George Orwell. A autora transforma em negativa a famosa frase do romance ("Big Brother is watching you" ["O Grande Irmão está lhe observando"]) desconstruindo a ideia de que todos podem ascender ao estrelato midiático. Neste conto, a autora tece críticas aos valores consumistas criados e impostos pela mídia através da influência que ela exerce sobre a vida das pessoas, principalmente sobre as mulheres que a tudo sacrificam em prol de uma imagem pública. Em um desejo de atingir a fama midiática e aparecer em todos os seus veículos, após inúmeras tentativas sem sucesso, um grupo de garotas decide matar uma colega simplesmente para virar notícia, como ilustra este trecho:

“Mas podiam vir, estávamos preparadas. Tínhamos emagrecido, comprado roupa nova, mudado a cor do baton e escolhido outra sombra para os olhos, que não nos íamos esquecer de abrir o mais possível, debaixo da luz dos flashes. E então foi tudo como tínhamos pensado: de repente eles aí estavam, carros, altifalantes, luzes, locutores, fotógrafos, páginas de jornais com grandes letras: Adolescentes Matam Colega. Malefício dos Mídia. Juventude à Deriva. Ausência de Valores. Falência da Escola. Onde estavam os Pais?[8]

Embora apresente textos já lançados anteriormente ao longo dos 40 anos da trajetória literária da autora, o livro, que mantém a grafia original portuguesa, é inédito para o público brasileiro. Enquanto no romance A cidade de Ulisses (também publicado no Brasil pela mesma editora) a autora revisita o clássico poema épico de Homero e o mito de Ulisses (também imortalizado no poema de Fernando Pessoa), reescrevendo-o e reinscrevendo sua história na cidade de Lisboa, neste livro quem é convidada a ilustrar o ambiente fictício é outra personagem famosa, dessa vez uma personagem feminina, a Alice, de Lewis Carroll. No último conto da antologia, "Alice in Thunderland" ["Alice no país dos trovões"], Teolinda faz um trocadilho jocoso (jogo que reflete uma das características da obra parodiada) com o título original de Carroll, Alice in Wonderland (Alice no país das maravilhas), transformando "maravilhas" em "trovoadas". Ao revisitar e se apropriar da personagem Alice, Teolinda atualiza a sua versão da história a partir do ponto de vista da própria personagem. Alice abandona sua condição de personagem para se transformar na autora e narradora da sua própria história, na qual o autor passa a ser um personagem pedófilo:

"Aqui sentada à sombra das árvores, tomei essa decisão: ultrapassar o livro que ocupou o meu lugar e o meu espaço, e esteve sempre lá, em vez de mim. Voltarei portanto atrás e terei voz, sem medo de ser comentada no tribunal do tempo. Vou repor a verdade e contar eu mesma a história, tal como agora a contei, em pensamento."[8]

Como afirma a resenha do livro no site O beijo, "Por trás da escolha dos contos que compõem a seleta está o objetivo de mostrar todo o poder do feminino, ainda que muitas vezes silenciado e, neste sentido, nada melhor do que uma das mais célebres personagens da nossa literatura e imaginário para nomear esta recolha."[9]

Este livro demonstra a singularidade magistral da autora no uso inusitado da língua, no tratamento cuidadoso do aspecto humano em seus personagens e na sutileza de seu estilo sempre inovador.

Títulos dos contos e das seções[editar | editar código-fonte]

Velhas maneiras

  • As laranjas
  • Uma orelha
  • Bilhete de avião para o Brasil
  • A mulher que prendeu a chuva
  • Se por acaso ouvires esta mensagem
  • O meu semelhante
  • A mulher cabra e a mulher peixe

Maneiras de hoje

  • A dedicatória
  • Quatro crianças, dois cães e pássaros
  • Big Brother isn't watching you
  • Pranto e riso da noiva assassina

Formas em trânsito

  • O mensageiro
  • A velha
  • Um casaco de raposa vermelha
  • Vizinhas
  • História mal contada
  • A terceira mão
  • Alice in Thunderland

Referências

  1. «Alice e outras mulheres – Editora Oficina Raquel». Consultado em 13 de setembro de 2020 
  2. PublishNews. «Todo o poder feminino». PublishNews. Consultado em 13 de setembro de 2020 
  3. S.Martins, José Pedro (5 de março de 2020). «Portuguesa Teolinda Gersão lança novo livro no Flipoços 2020». Pé de Moleque Livros. Consultado em 13 de setembro de 2020 
  4. «Teolinda Gersão volta ao Brasil em 2020 para comemorar seus 40 anos de vida literária». Descubra Poços de Caldas. 5 de março de 2020. Consultado em 13 de setembro de 2020 
  5. «Lançamento de Alice e outras mulheres, de Teolinda Gersão». Eventials. Consultado em 13 de setembro de 2020 
  6. Lacerda, Nilma. Alice e o wicked problem. In: Gersão, Teolinda. Alice e outras mulheres. Rio de Janeiro: Oficina Raquel, 2020. pp. 7-10.
  7. LabPUB. «Lançamento da antologia Alice e outras mulheres – LABPUB». Consultado em 13 de setembro de 2020 
  8. a b Gersão, Teolinda. Alice e outras mulheres. Rio de Janeiro: Oficina Raquel, 2020. p. 89.
  9. «Autora portuguesa Teolinda Gersão lança o livro "Alice e Outras Mulheres"». O Beijo. 7 de julho de 2020. Consultado em 13 de setembro de 2020