São Jerónimo no estúdio (Dürer)

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São Jerónimo no estúdio
São Jerónimo no estúdio (Dürer)
Autor Albrecht Dürer
Data 1514
Técnica calcogravura
Dimensões 24,7 cm × 18,8 cm 

São Jerónimo no estúdio (em alemão: Der heilige Hieronymus im Gehäus) é uma calcogravura datada de 1513 do mestre alemão Albrecht Dürer.

A gravura representa São Jerónimo, santo e teólogo católico, sentado a uma mesa a ler e escrever num estúdio acompanhado da habitual iconografia, designadamente um leão.

É uma das três Meisterstiche (gravuras principais) juntamente com O Cavaleiro, a Morte e o Diabo (1513) e Melancolia I (1514) criadas num período em que Dürer quase deixou de trabalhar em pintura ou xilogravura para se concentrar em calcogravuras.[1]

No conjunto, as três gravuras têm sido entendidas como representando as três esferas da atividade reconhecidas nos tempos medievais: O Cavaleiro, a Morte e o Diabo pertence à esfera moral e à vida activa, Melancolia I representa a esfera intelectual e S. Jerónimo no estúdio representa a vida teológica e contemplativa.

Descrição e interpretação[editar | editar código-fonte]

São Jerónimo está representado ao fundo da sua cela que é iluminada à esquerda por uma grande janela. Em primeiro plano estão os fiéis leão e cachorrinho. O chapéu de cardeal também é inevitável, neste caso pendurado na parede. Entre as numerosas referências simbólicas, um crânio está à esquerda enquanto memento mori.

São Jerónimo está sentado à mesa absorto no trabalho de escrita. A mesa, sobre a qual está um crucifixo, é típica da Renascença. Uma linha imaginária vai da cabeça de Jerónimo e passando pelo crucifixo ao crânio que está no parapeito da janela, como fazendo o contraste entre a morte e a ressurreição. O leão em primeiro plano faz parte da tradicional iconografia de São Jerónimo, e perto dele está um cão adormecido, um animal encontrado com frequência nas obras de Dürer, simbolizando a lealdade. Ambas as criaturas fazem parte da história de Jerónimo na Lenda Dourada (c. 1260) que era constituída por hagiografias fantasiosas de santos.

A composição tem um carácter íntimo mas o observador tem dificuldade em se posicionar no espaço da imagem. Thomas Puttfarken sugere que, embora a cena seja muito próxima do observador, Dürer não pretendia que o espectador se sentisse nela presente: "a intimidade não é a nossa, é o Santo que está absorvido no estudo e na meditação".[2]

O historiador de arte Erwin Panofsky referiu acerca da perspectiva: "A posição do ponto de obervação, afastado do centro, fortalece a impressão de uma representação determinada não pela lei objectiva da arquitectura, mas pelo ponto de vista subjectivo do espectador que acaba de entrar - uma representação que deve precisamente a esta perspectiva grande parte do seu efeito de especial "intimidade".[2]

Jonas e a videira de cabaça[editar | editar código-fonte]

Ao colocar uma cabaça seca pendurada nas vigas do tecto, Dürer evoca a determinação de São Jerónimo numa longa polémica filológica[3] com Santo Agostinho sobre a designação da planta de crescimento rápido conhecida em hebraico como קיקיון (qiyqayown) que se encontra uma única vez na Bíblia, no Livro de Jonas (Jonas 4:).[4]

O Livro de Jonas IV acaba abruptamente com uma questão formulada por Deus a Jonas,[5] baseado no termo figurativo de uma videira de crescimento rápido.[6] Jerónimo preferia a palavra grega hedera (do grego, que significa hera), ao contrário de Agostinho que preferia o termo latino mais comum cucurbita,[7] talvez para evitar a confusão com a imagem usada por Cristo no Discurso de adeus: "Eu sou a videira; vós sois as varas" (João 15:1–5). Mas a posição de Agostinho era prevalecente no tempo de Dürer.

História[editar | editar código-fonte]

São Jerónimo, protótipo do erudito humanista, já havia sido representado por Dürer numa xilogravura de 1492, num estudo de caneta de 1511 (no Metropolitan Museum) e também na pintura São Jerónimo de 1521 que está no MNAA:

Ver também[editar | editar código-fonte]

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

  • Costantino Porcu (direcção de), Dürer, Rizzoli, Milão, 2004.

Referências[editar | editar código-fonte]

  1. British Museum, ed. (8 de Novembro de 2014). «Albrecht Dürer, Knight, Death and the Devil, a copperplate engraving». Consultado em 10 de Abril de 2018 
  2. a b Puttfarken, Thomas, The Discovery of Pictorial Composition: Theories of Visual Order in Painting 1400–1800, Yale University Press, New Haven & Londres, 2000, pag. 94, ISBN 0-300-08156-1.
  3. Peter W. Parshall, "Albrecht Dürer's Saint Jerome in his Study: A Philological Reference", The Art Bulletin, nº. 53 (Setembro 1971), pp. 303-5, [1]
  4. Traduzido por "palma-crísti" na tradução brasileira, e "ivy-plant" numa versão em inglês da Enciclopédia Católica [2]
  5. Sobre Jonas na Catholic Encyclopedia editado por Kevin Knight, [3]
  6. Presente nas narrativas persas, e popularizado em certas coleções das Fábulas de Esopo
  7. Do qual deriva o nome em inglês da planta relacionada cucumber (pepino)