Mostrar código-fonte de Besta de repetição

A '''besta de repetição'''<ref name=":4" /> é uma [[besta (arma)|besta]] adaptada por molde a simplificar os actos de armar o arco, carregar os [[Virote (arma)|virotes]] e disparar, reduzindo-os a um único movimento manual. Por conseguinte, este tipo de arma consegue disparar mais virotes, por minuto, do que as bestas convencionais. Também é caracterizado por conter uma aljava com vários virotes, armada adjacente ao arco, pronta a aprestar a [[Besta (arma)#Componentes|haste]] com um virote novo, através de um sistema de alavanca.<ref name=":3">{{citar livro|url=https://books.google.pt/books?id=77hTDwAAQBAJ|título=Repeating and Multi-Fire Weapons: A History from the Zhuge Crossbow Through the AK-47|ultimo=Prenderghast|primeiro=Gerald|editora=McFarland|ano=2018|local=|página=|páginas=434|isbn=1476631107}}</ref><ref name=":4" />

=História=

=== Grécia Antiga ===
[[Ficheiro:Ancient Mechanical Artillery. Pic 01.jpg|thumb|Reconstituição de uma políbole, elaborada pelo engenheiro alemão Erwin Schramm (1856–1935), presentemente em exibição no castelo de Saalburgo.]]
A mais antiga besta de repetição conhecida, remonta à [[Grécia Antiga]], e terá sido projectada pelo engenheiro grego [[Dionísio de Alexandria|Dioniso de Alexandria]], também chamado Dionísio, o Velho, em [[Siracusa]], no século III a.C, no ensejo de um conflito militar com os [[cartagineses]].<ref name=":0">{{Citar web |url=http://www.hellenicaworld.com/Greece/Technology/en/Catapults.html |titulo=Ancient Catapults |acessodata=2021-01-25 |website=www.hellenicaworld.com}}</ref> Ulteriormente, esta besta foi deveras concebida pelo engenheiro grego [[Filão de Bizâncio]], no século III a.C.<ref>{{cite book| last = Prenderghast| first = Gerald | title = Repeating and Multi-Fire Weapons: A History from the Zhuge Crossbow Through the AK-47| url =https://books.google.com/books?id=_bhTDwAAQBAJ&q=Polybolos+dionysus&pg=PA14| publisher = McFarland| page = 14| isbn = 978-1476666662}}</ref>

Tratava-se de uma besta de flechas de assédio, chamada «''políbole»<ref>{{citar livro|título=O Grande Dicionário da Língua Portuguesa vol. V|ultimo=Machado|primeiro=José Pedro|editora=Amigos do Livro - editores|ano=1981|local=Porto|página=241|páginas=638|isbn=9722344595}}</ref>'' ({{lang|grc|πολυβόλος}}<ref>[http://www.perseus.tufts.edu/hopper/text?doc=Perseus%3Atext%3A1999.04.0057%3Aentry%3Dpolubo%2Flos πολυβόλος], Henry George Liddell, Robert Scott, ''A Greek-English Lexicon'', on Perseus Digital Library</ref>) vocábulo que aglutina os étimos {{lang|grc|πολύς}} ({{transl|grc|polys}}), "multiplos, muitos"<ref>[http://www.perseus.tufts.edu/hopper/text?doc=Perseus%3Atext%3A1999.04.0057%3Aentry%3Dpolu%2Fs πολύς], 
Henry George Liddell, Robert Scott, ''A Greek-English Lexicon'', on Perseus Digital Library</ref> e {{lang|grc|-βόλος}} ({{transl|grc|-bolos}}) "lançador", que por sua vez advém de {{lang|grc|βάλλω}} ({{transl|grc|ballo}}), "lançar, arremessar, projectar",<ref>[http://www.perseus.tufts.edu/hopper/text?doc=Perseus%3Atext%3A1999.04.0057%3Aentry%3Dba%2Fllw βάλλω], Henry George Liddell, Robert Scott, ''A Greek-English Lexicon'', on Perseus Digital Library</ref> significando literalmente «multi-lançador».<ref>Werner Soedel, Vernard Foley: ''Ancient Catapults.'' In: ''Scientific American.'' Bd. 240, Nr. 3 (März 1979), S. 124–125.</ref> 

De acordo com o tratado de artilharia, a «Belopoeica», redigido por Filão,<ref name=":2">{{citar livro|url=https://scholar.harvard.edu/files/schiefsky/files/philo_final_proofs_2015-01-29.pdf|título=Technē and Method in Ancient Artillery Construction: The Belopoeica of Philo of Byzantium|ultimo=Schiefsky|primeiro=Mark J.|editora=Harvard University|ano=2016|local=Harvard, USA|página=|páginas=39}}</ref> a políbole não carecia de ser recarregada manualmente, servia-se de um sistema de correias e engrenagens, que a conseguia recarregar automaticamente, por feito da gravidade.<ref>Philo of Byzantium, "Belopoeica", 73.34</ref> Terá sido o primeiro mecanismo do seu tipo à época.<ref name=":0" />

==== Políbole ====
{{Artigo principal|Políbole}}
A políbole diferiria das balistas convencionais na medida em que dispunha de uma aljava de madeira, capaz de conter virotes às dúzias, que era posicionada sobre a ''mensa'' (o que modernamente designamos de haste da besta).<ref>{{Citar livro|url=https://books.google.pt/books?id=_bhTDwAAQBAJ&q=Polybolos+dionysus&pg=PA14&redir_esc=y#v=snippet&q=Polybolos%20dionysus&f=false|título=Repeating and Multi-Fire Weapons: A History from the Zhuge Crossbow Through the AK-47|ultimo=Prenderghast|primeiro=Gerald|data=2018-03-23|editora=McFarland|lingua=en}}</ref> O mecanismo destaca-se por se servir de um corrente de elos achatados, que se enrolava de torno de um sarilho ou molinete. A mensa, à guisa do que sucedia com a [[gastrafeta]], outra variedade de besta de assédio da antiguidade grega, consistia num suporte de madeira, munido de um mecanismo de [[Besta_(arma)#Componentes|noz]], que puxava a corda do arco da besta.<ref name=":1">{{Citar web |url=https://web.archive.org/web/20160112160714/http://www.mlahanas.de/Greeks/war/CatapultTypes.htm |titulo=Ancient Greek Artillery Technology: From Catapults to the Architronio Canon |data=2016-01-12 |acessodata=2020-12-12 |website=web.archive.org}}</ref>  

Uma vez tesada a corda do arco da besta, dispara-se, rodando o molinete no sentido horário. Ao disparar-se, há um mecanismo, no fundo da aljava, que, por efeito da gravidade, faz com que uma nova munição caia no entalhe da mensa. Depois basta voltar a rodar o molinete, de maneira a que o mecanismo de noz da mensa recue, tornando a entesar a corda do arco da besta e, por conseguinte, armando a besta.<ref name=":2" /><ref>{{citar livro|url=https://books.google.com/books?id=KdxfAAAAcAAJ|titulo=Lexikon historikomythikon kai geographikon (etc.)(Historisch-mythologisches und geographisches Wörterbuch etc.) neograece|data=1834|publicado=Andreola|página=78}}</ref>

=== China Antiga ===
[[Ficheiro:Navalzhugenu.jpg|miniaturadaimagem|313x313px|Representação de besteiros chineses, a manobrar Cho-ko-nu, em batalha naval.]]
Na [[China Antiga]], o exemplar mais antigo conhecido de uma besta de repetição remonta à [[Dinastia Han]].<ref name=":3" />

A besta de repetição chinesa, denominada «chu-ko-nu», em mandarim «zhuge nu» ou «lian nu» e, ainda, em coreano «sunogung», trata-se de uma arma extremamente rudimentar.<ref name=":3" /> Crê-se que terá sido concebida pelo estratega e comandante chinês [[Zhuge Liang]] (181–234 d.C.), pelo que o nome da arma se trata de um substantivo antroponímico.<ref name=":3" /><ref>{{Citar livro|url=http://archive.org/details/masteringartofwa0000zhug|título=Mastering the art of war|ultimo=Zhuge|primeiro=Liang|ultimo2=Liu|primeiro2=Ji|ultimo3=Cleary|primeiro3=Thomas F.|data=1989|editora=Boston : Shambhala|outros=Internet Archive}}</ref>

Sem embargo, esta tese é controversa entre os historiadores, por virtude de as representações gráficas mais antigas conhecidas desta arma, encontradas na biblioteca de Chu, datarem de 250 a.C., 430 anos antes do nascimento do general.<ref>{{Citar livro|url=http://archive.org/details/cambridgeillustr00ebre_0|título=The Cambridge illustrated history of China|ultimo=Patricia Buckley Ebrey|data=1996|editora=Cambridge University Press|outros=Internet Archive}}</ref> A tese mais plausível, defendida pela historiografia moderna é a de os historiadores da [[dinastia Ming]] terão julgado que o modelo de besta de repetição chinesa concebida por Zhuge, que efectivamente lançava vários virotes ao mesmo tempo, era mais antigo do que realmente era, pelo que o terão confundido com a [[Besta_(arma)#China|besta chinesa original]], a nǔ (弩).<ref name=":4">{{citar livro |título=Armas Brancas- Lanças, Espadas, Maças e Flechas: Como Lutar Sem Pólvora Da Pré-História ao {{séc|XXI}} |ultimo=M. C. Costa |primeiro=António Luiz |editora=Draco |ano=2015 |local=São Paulo |página=173 |páginas=176}}</ref><ref>{{citar livro|título=Military technology: missiles and sieges. In: Science and civilisation in China. Vol. 5, Chemistry and chemical technology Pt. 6.|ultimo=Gawlikowski|primeiro=Krzysztof|editora=Cambridge University Press|ano=1994|local=Cambridge, UK|página=|páginas=620|isbn=978-0-521-32727-5}}</ref>

Ulteriormente, terá sido trazida para a [[Coreia]], no reinado de [[Sejongue, o Grande|Sejongue]] (1418–1450).<ref name=":5">{{citar livro|url=|título=Siege Weapons of the Far East (2) AD 960-1644|ultimo=Turnbull|primeiro=Stephen|editora=Osprey Publishing|ano=2001|local=Oxford, UK|página=|páginas=48|isbn=1841763403}}</ref>

A última utilização mais notável da besta de repetição chinesa teve lugar na pendência da guerra sino-nipónica (1894–1895).<ref name=":6" /> A estrutura base desta arma manteve-se essencialmente imutável ao longo dos séculos, desde a sua concepção no século terceiro depois de Cristo, até aos finais do século XIX, altura em que entrou em decadência, tendo entrado em desuso já no século XX.<ref name=":5" /><ref name=":3" />

==== Besta chinesa de repetição ====
{{Artigo principal|Cho-ko-nu}}
[[Imagem:Zhugenu-payne.jpg|thumb|300px|right|Desenho da besta de repetição chinesa, vista de lado. A aljava é a câmara rectangular que assenta sobre a haste e o arco da besta. Dentro da haste estariam alojados até uma dúzia de virotes. ]]
Concebida por Zhuge Liang, no século III d.C., esta variedade de besta correspondia a uma inovação da besta chinesa clássica (nǔ, 弩). O primeiro protótipo era capaz de disparar até três virotes de um só hausto, sendo que as versões ulteriores da arma já eram capazes de lançar até 10 virotes, no espaço de 15 segundos.<ref name=":6" /> Geralmente, os virotes desta besta eram envenenados.<ref name=":4" /> Os virotes ficavam armazenados num compartimento de aljava, que assentava na dianteira da haste, e que munia a besta semi-automaticamente, por efeito de se puxar uma alavanca.<ref name=":4" /><ref name=":6">{{citar livro|url=https://www.cambridge.org/pt/academic/subjects/history/history-science-and-technology/science-and-civilisation-china-volume-4-part-3?format=HB&isbn=9780521070607|título=Science and Civilization in China Volume 4 Part 3|ultimo=Needham|primeiro=Joseph|editora=Cambridge  University Press|ano=1971|local=Cambridge, UK|página=|páginas=990|isbn=9780521070607}}</ref> 

O poder de tracção desta besta era bastante reduzido, não orçando mais do que 15 quilos, o que ficava muito àquem das bestas convencionais suas coevas utilizadas no Ocidente.<ref name=":3" /> O alcance útil desta besta também deixa bastante a desejar, não ultrapassando os 70 metros em arco, ao passo que a gastrafeta grega,<ref>{{Citar web |url=https://www.treccani.it/enciclopedia/scienza-greco-romana-meccanica_(Storia-della-Scienza) |titulo=Scienza greco-romana. Meccanica in "Storia della Scienza" |acessodata=2021-01-01 |website=www.treccani.it |lingua=it-IT}}</ref> concebida quase dois séculos antes, conseguia um alcance de pouco mais do dobro. <ref>{{citar livro|url=|título=Siege Weapons of the Far East (1) AD 612-1300,|ultimo=Turnbull|primeiro=Stephen|editora=Osprey Publishing|ano=2001|local=Oxford, UK|páginas=48|isbn=184176339X}}</ref>

Este tipo de besta era fundamentalmente uma arma de assédio, geralmente usada por tropas que dispunham de [[Seteira|seteiras]], balestreiros<ref>{{Citar web |ultimo=Infopédia |url=https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/balestreiro |titulo=balestreiro {{!}} Definição ou significado de balestreiro no Dicionário Infopédia da Língua Portuguesa |acessodata=2020-12-13 |website=Infopédia - Dicionários Porto Editora |lingua=pt}}</ref> e buitreiras<ref>{{Citar web |ultimo=S.A |primeiro=Priberam Informática |url=https://dicionario.priberam.org/buitreira |titulo=Consulte o significado / definição de buitreira no Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, o dicionário online de português contemporâneo. |acessodata=2020-12-12 |website=dicionario.priberam.org |lingua=pt-br}}</ref> na muralha, os quais eram redutos seguros de onde podiam disparar e recarregar, correndo pouco risco de ser alvejados pelo inimigo. Quanto às suas dimensões, as hastes teriam cerca de um metro de comprimento, pesando à volta de cinco quilos. Os virotes projectados, por seu turno, mediriam entre 30 a 40 centímetros de comprimento e entre 8 a 10 milímetros de diâmetro.<ref name=":3" /><ref name=":6" /> 

Havia variedades domésticas desta besta, mais simples, munidas de arco recto (que as assemelhava a [[Fisga|fisgas]]), que eram de uso comum pelos plebeus, para defesa domiciliar.<ref name=":6" /> No que toca às suas dimensões, estas versões domésticas da besta de repetição chinesa tinham arcos de 45 centímetros de largura (não há semicircunferência, porque o arco, para todos os efeitos é uma trave perpendicular à haste); hastes com 56 centímetros de comprimento; aljavas com 6 centímetros de comprimento, que aumentavam a extensão da haste; e projectavam virotes com 8 milímetros de diâmetro e 18 centímetros de comprimento.<ref name=":4" /><ref name=":6" />

{{Referências}}
[[Categoria:Bestas]]
[[Categoria:Armas de projéteis]]
[[Categoria:Armas antigas]]