Campanhas de Pacificação e Ocupação
As Campanhas de Pacificação e Ocupação foram um vasto conjunto de operações militares, levadas a cabo nas últimas décadas do século XIX e nas primeiras décadas do XX pelas forças armadas portuguesas nas províncias ultramarinas do Império português.[1] Delas resultaram a criação dos actuais territórios de Angola, Moçambique, Guiné-Bissau e Timor-Leste.
Foram nestas campanhas que se travou o combate de Môngua, em Angola, e de Chaimite, em Moçambique, no qual Joaquim Augusto Mouzinho de Albuquerque capturou o imperador vátua Gungunhana.[2][3]
As campanhas de ocupação foram numerosas mas geralmente de pequena dimensão e mobilizavam sobretudo tropas africanas. Quando a soberania portuguesa era posta em causa, elas contaram também com tropas metropolitanas, melhor equipadas. Marcaram estas campanhas o grande número de tropas nativas que combateram por Portugal, o que levou alguns autores a comentar que os novos territórios "se conquistaram a si próprios".[4]
Contexto
[editar | editar código]Após a Independência do Brasil e o fim da Guerra Civil Portuguesa, Portugal procurou proteger, desenvolver e expandir os seus restantes territórios ultramarinos, em África e na Ásia.
O Marquês de Sá da Bandeira foi o grande promotor da abolição da escravatura como forma de desenvolver os territórios além-mar. Foi lançada a cultura do amendoim na Guiné e fundados alguns novos postos, fortes e vilas no sertão africano, como o Mindelo em Cabo Verde e Duque de Bragança em Angola. Em Moçambique rebentaram em 1840 as Guerras do Zambeze, entre terratenentes, régulos e o governo português, após um período catastrófico de seca e invasões de povos angunes.[5] Em 1846 o sertanejo Rodrigues Graça estabeleceu relações diplomáticas e comerciais com Lunda.[6] O reino de Cassange tornou-se um importante entreposto comercial no percurso entre Luanda e Lunda mas as caravanas de negociantes eram um alvo frequente de ataques, o que deu azo a conflitos e à fundação de um novo presídio em Malange.[6] Portugal ocupou Ambriz em 1855, disputada pelo Reino Unido, que pretendia dominar a foz do rio Congo.[6] Depois de ter rebentado a Revolta Praieira no Brasil, refugiados luso-brasileiros fixaram-se em Moçâmedes o governador do distrito, Sérgio de Sousa, firmou tratados com os sobas de Huíla e Gambos mas a morte deste último e a sua substituição por um régulo hostil a Portugal trouxe instabilidade e dificuldades à região, que só seriam superadas em 1867.[6] A fixação no sul de Angola de refugiados bóeres, possuidores de grandes carroças, facilitou as comunicações com o interior mas o empurrar da fronteira para sul levou a conflito com os ovambos.[6]
Não obstante, a devastação causada pela guerra civil, a falta de meios e a instabilidade política em Portugal resultaram num investimento lento e controverso.

Em 1875 foi fundada a Sociedade de Geografia de Lisboa, instituição agregadora de exploradores, cientistas e oficiais conhecedores do interior africano, difusora de conhecimento étnico-geográfico, conselheira do poder com estudos e grande promotora de um maior envolvimento português em África.[7] A Sociedade de Geografia promoveu o plano para a ocupação do território entre Angola e Moçambique, que ficaria conhecido como o Mapa Cor-de-Rosa e levaria a várias expedições científicas na região, a primeira das quais liderada por Serpa Pinto, Hermenegildo Capelo e Roberto Ivens em 1877.[8] Em 1884, Henrique de Carvalho partiu de Malanje, em Angola, em direcção à Muantiânvua, ao passo que Capelo e Ivens partiram neste ano na muito celebrada travessia "de Angola à contra-costa".[9] No ano seguinte, Serpa Pinto e Augusto Cardoso partiram numa expedição para explorar o norte de Moçambique e a região do Lago Niassa.[9] Todo este investimento na região colocou Portugal na rota de colisão com o Reino Unido, que cobiçava o mesmo território.
A partir de meados do séc. XIX, várias potências europeias lançaram-se também na partilha de África, o que deu azo a disputas internacionais. Na Conferência de Berlim, Portugal viu as suas reivindicações à margem esquerda do rio Congo e a Cabinda reconhecidas.[10] Quaisquer reivindicações com base na descoberta ou em relações diplomáticas e comerciais com as autoridades nativas, porém, foram repudiadas, para serem substituídas pela lógica da ocupação efectiva, o que influenciou a política portuguesa.
Moçambique
[editar | editar código]Por razões associadas ao Mapa Cor-de-Rosa, Moçambique foi o primeiro território além-mar a ser alvo de uma maior intervenção por parte governo português. Na sequência de um incidente entre tropas portuguesas e britânicas perto do Lago Niassa, a 11 de Janeiro de 1890, Portugal recebeu o Ultimato Britânico, em que o Reino Unido exigia a desocupação do território entre Angola e Moçambique.
A primeira fase da ocupação de Moçambique deu-se em 1895 contra o Império de Gaza, cujo território era cobiçado pelo Reino Unido e a Companhia Britânica da África do Sul, de Cecil Rhodes. A campanha foi idealizada por António Enes e executada por militares prestigiados, como Mouzinho de Albuquerque, Ayres de Ornellas e Paiva Couceiro, dando início a uma época marcada pela rápida anexação de território e envolvimento de altas patentes das Forças Armadas Portuguesas, ficando por isso conhecida como "era dos centuriões".[11][12]
A conquista de Gaza
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Em 1894, os régulos tsonga, que dominavam a região entre Lourenço Marques e o Império de Gaza revoltaram-se contra a tutela portuguesa, liderados pelo régulo de Mafumo e filho de Gungunhana, Zixaxa.[13] Lourenço Marques foi atacada mas a revolta foi debelada na Batalha de Marracuene em Fevereiro de 1895 e os régulos responsáveis fugiram com os seus guerreiros para Gaza, onde receberam asilo da parte de Gungunhana.[14] O governo português decidiu então avançar para a anexação do estado vátua, pois Gungunhana era suspeito de favorecer os britânicos à revelia de tratados firmados com Portugal e de ter instigado a revolta. O momento afigurava-se propício, pois os vátuas encontravam-se enfraquecidos por revoltas internas, epidemias e emigração dos seus jovens.[11]
Na batalha de Magul, a 8 de Setembro, os guerreiros vátuas não conseguiram abrir uma brecha no compacto quadrado de bem disciplinadas tropas portuguesas, apoiadas por metralhadoras Nordenfelt. O uso de cargas de cavalaria à arma branca e a utilização de colunas móveis também surpreenderam os africanos e destruíram a aura de invencibilidade de Gungunhana.[15] Após a batalha de Coolela a 7 de Novembro de 1895, Mouzinho de Albuquerque avançou para o interior com um pequeno corpo de homens e a 28 de Dezembro capturou Gungunhana, em Chaimite.[16]

O fim do império vátua não foi impopular entre as populações africanas submetidas a Gungunhana, a quem já pagavam tributo.[17] Vários postos militares foram então fundados no interior e a região incorporada em Moçambique como um distrito.
A campanha de Gaza foi a mais célebre das campanhas de pacificação. Após a expedição de mais de 750 homens para o Congo em 1860, a expedição de cerca de 570 homens para Moçambique em 1869, a expedição de um batalhão para Goa em 1871 e a expedição de mais de 900 homens para Moçambique em 1891, Gaza foi a quinta grande expedição enviada além-mar por Portugal a seguir à Independência do Brasil.[18] Os 2910 homens envolvidos representaram 14% dos efectivos portugueses em tempo de paz.[18]
Após a conquista de Gaza a maioria das tropas portuguesas regressou a Portugal mas Mouzinho de Albuquerque foi obrigado a ficar em Moçambique por António Enes.[19] O régulo de Maputo hostilizou a administração portuguesa e ameaçou os missionários católicos no seu reino, pelo que, a pedido do governador-geral Joaquim da Graça, Mouzinho de Albuquerque levou a cabo uma campanha contra Maputo e anexou o território.[20][21]
Os anos que se seguiram à conquista de Gaza foram de seca e de doença na região.[17] O régulo Maguiguana ainda chefiou uma revolta contra a autoridade portuguesa mas foi derrotado na Batalha de Macontene em Julho de 1897.[17]
A pacificação da Zambézia
[editar | editar código]Pacificado o sul, a prioridade passou a ser a Zambézia, a norte do rio Save, onde já decorriam as Guerras do Zambeze há várias décadas mas, ao contrário de Gaza, a região encontrava-se fracturada em pequenos estados num território que favorecia a insurgência e a guerrilha, pelo que a sua pacificação exigiu numerosas pequenas campanhas e foi mais difícil.[11]
O estado de guerra que na Zambézia se tem quasi tornado chronico, tem sido o principal motivo do atrazo em que jaz ainda aquella região, e das difficuldades que o governo da metropole e o governo local têem encontrado em fazer progredir e desenvolver aquelle vasto territorio.[22]

Na Zambézia, o governo português empregou poucos soldados do exército regular e recorreu sobretudo a sipaios para pacificar a região.[23] O prazo insubmisso da Gorongosa foi pacificado em 1897.
A 27 de Maio de 1898 Portugal anexou a república de Maganja da Costa, estado independente formado a partir de um antigo prazo da Coroa, que se destacara pela sofisticada organização das suas tropas.[24][25] Foi o último dos antigos prazos da Coroa a ser pacificado.[25][24] Em 1899, António Júlio de Brito anexou a Angónia e em 1902 o reino de Macanga.[26][27]
A grande campanha da Zambézia foi a conquista do Barué, reino africano situado na fronteira com a Rodésia e, por isso, de importância estratégica.[28] O Barué foi ocupado em 1902 depois de uma campanha que envolveu 16,000 homens, 500 dos quais oriundos do exército metropolitano.[29] O moderno armamento permitiu aos portugueses dominar o território em três meses.[29]
A ocupação do norte
[editar | editar código]A ocupação do norte de Moçambique também foi lenta e difícil. Subsistiam as redes comerciais dos estados suahilis ao longo da costa que, aliados aos régulos macuas do interior, resistiam à influência portuguesa e à proibição do comércio de escravos, que despovoava a região.[30]
Em 1895, Portugal detinha, ao longo da costa norte, a Ilha de Moçambique, Mossuril, Cabaceira, Natule, Parapato, Sangage, Mogincual e Infusse.[31] A conquista de Gaza trouxe para o território oficiais ambiciosos e mais tropas regulares europeias, o que constituía um progresso notável apesar do seu número reduzido.[32] Ainda assim, a ocupação da região apoiou-se muito nos sipaios e auxiliares africanos.[33]

O principal adversário de Portugal a sul do rio Lúrio era o sultanto de Angoche, importante centro negreiro que resistia à proibição do tráfico.[34] Farelay, poderoso membro da família real, organizou numerosas alianças com os régulos para atacar território português e preservar o tráfico.[34] Em 1904, Mossuril foi atacada e no ano seguinte colunas armadas portuguesas começaram a penetrar sistematicamente no sertão.[35] Em 1910 Angoche foi conquistada pelas tropas de Massano de Amorim e Farelay preso, juntamente com o sultão Ibrahimo e o régulo Guernea-Muno.[34] Conquistada Angoche, pelo menos 87 chefes macuas reconheceram a soberania portuguesa.[34] A partir de então, as tropas portuguesas passaram a receber a ajuda dos régulos macuas que resistiam aos negreiros ao longo da costa.[35] Os portugueses concluíram a ocupação da região entre a Zambézia e o rio Lúrio em 1913.[36][35]

A região entre o Lúrio e o Rovuma fora concessionada em 1890 à Companhia do Niassa. O régulo Mataca Bonomali, porém, barrava o acesso do mar ao Lago Niassa e atacava a Niassalândia, levando a reclamações em Lisboa, pelo que os portugueses temiam uma intervenção militar britânica na região.[37] Entre 10 de Junho e 21 de Novembro de 1899 deu-se a grande campanha contra os ajauas, que envolveu 312 soldados regulares e 2800 sipaios partidos do sul.[38] A campanha mostrou a eficácia dos sipaios da Zambézia e auxiliares locais para combater os ajauas mas o Mataca evitou a captura e passou à guerrilha.[39] Em 1900, os portugueses ocuparam Metarica e fundaram o forte D. Luís Filipe.[40] Em 1901 Mataca atacou as terras dos régulos que aceitaram a autoridade portuguesa e em novembro de 1903 os ajauas atacaram o forte D. Luís Filipe.[38] Entre 1908 e 1910 deu-se a ocupação do sertão do Ibo e de Quissanga da Praia.[38] Em 1910 foram pacificados os ajauas de Macaloe.[38] Em 1912 a Companhia do Niassa derrotou o chefe Mataca dos ajauas e começou a exercer o controlo administrativo e fiscal no Niassa. Porém, na região, os macondes permaneciam ainda independentes.[39]
O deflagrar da I Guerra Mundial opôs portugueses a alemães em margens opostas do Rovuma e motivou o envio de novos contingentes de soldados para o território. Portugal ocupou o Triângulo de Quionga a 10 de Abril de 1916 e o Planalto dos Macondes entre Abril e Julho de 1917, com uma força de 2000 macuas.[41] Ainda em 1917 deu-se a revolta do Barué e enquanto esta durava os alemães invadiram Moçambique com 300 soldados e 1700 askari, o que motivou os régulos ajauas e macuas a revoltarem-se também, mas após os alemães se terem retirado os portugueses pacificaram o território.[41]
Estima-se que de 1854 até à I Guerra Mundial, Portugal tenha envolvido em Moçambique mais de 7,000 soldados europeus, 9,000 soldados africanos, 74,000 sipaios e 100,000 guerreiros de régulos aliados, perfazendo os efectivos de origem africana mais de 95% do total, levando alguns autores a comentar que "Moçambique se conquistou a si próprio".[4]
Angola
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Angola foi sempre alvo de maiores atenções pelo governo português de entre todos os territórios em África. Pouco após a independência do Brasil, a autoridade portuguesa em Angola não excedia Ambriz no norte, Cabo Negro no sul e, no interior, afirmava-se através de relações comerciais com os régulos.[6] As forças militares em Angola dividiam-se entre os militares enviados da metrópole ou recrutados localmente, uma segunda linha composta por voluntários entre negros e mestiços e por guerreiros auxiliares fornecidos por régulos aliados a Portugal.[6]
A ocupação de Angola não seguiu um caminho muito diferente de Moçambique, se bem que em território angolano não tenham funcionado companhias majestáticas. As campanhas de ocupação em Angola assumiram grande envergadura em alguns casos, como foi o caso da Campanha dos Cuamatos em 1907, protagonizada por Alves Roçadas, e a Campanha dos Dembos entre 1907 e 1909, levada a cabo por João de Almeida.[28]
Expansão no interior
[editar | editar código]Após a Conferência de Berlim, que atribuiu a Portugal o enclave de Cabinda e a margem esquerda do Congo, procedeu-se à ocupação de Ambrizete, a norte de Luanda, em 1886. Neste mesmo ano, uma campanha partiu de Huíla em direcção ao sul, mediante a qual Artur de Paiva fundou os fortes Princesa Amélia e D. Maria margem esquerda do rio rio Cubango junto a vaus de passagem, para pôr cobro aos ataques levados a cabo pelos ovambos, sobretudo cuanhamas.[6] O epicentro da soberania portuguesa no sul era Huíla e os esforços portugueses iam no sentido de combater a influência alemã que irradiava do Sudoeste Africano Alemão. Em 1887, a Companhia de Dragões de Moçâmedes, encarregue de uma campanha de vacinação do gado nas terras do soba Nambonga enfrentou a terceira revolta do Humbe, tendo um dos quatro pelotões de cavaleiros em que se dividia a companhia, comandado pelo conde de Almoster, sido massacrado pelos humbes em Jamba Camufate, durante a retirada em plena estação das chuvas.[42] No ano seguinte, entre Janeiro e Agosto Artur de Paiva pacificou a região.[42] Em 1889 o forte D. Maria foi atacado por cuanhamas mas Artur de Paiva pacificou-os ao fim de uma campanha de 24 dias com uma coluna reduzida, entre a qual se contavam boéres.[6]

A terceira frente foi o Planalto Central, aberta em 1890. Neste ano deu-se o célebre caso do ultimato do soba do Bié e do suicídio do sertanejo Silva Porto, de que resultou a conquista do Bié por Artur de Paiva.[43][44] Ali foi fundado o forte de Silva Porto, estabelecendo-se assim a soberania portuguesa na região, o mesmo se sucedendo ao Reino Bailundo no ano seguinte.[43][44]
Ainda em 1891, a questão da fronteira com o Congo Belga na região dos lundas foi resolvida por via diplomática. Definida a fronteira, a soberania portuguesa no norte foi gradualmente estendida para o interior através da instalação de postos militares, administrativos e fiscais a partir de Malange mas a presença portuguesa era muito limitada, para além de que os portugueses enfrentavam a resistência do Reino do Congo. De Ambrizete, a soberania foi estendida para Maquela do Zombo em 1896.
Em 1898 foi pacificado o reino de Humbe, hostil desde 1887, ao fim de uma campanha de sete meses também liderada por Artur de Paiva, causadora de numerosas baixas pois decorreu em época das chuvas.[6]
A presença portuguesa no centro era parca e a soberania portuguesa desafiada por revoltas, a mais importante das quais foi a revolta do Bailundo em 1902. Em Outubro daquele ano, dava-se por pacificado o Planalto Central.

Só em 1904 é que os portugueses lançaram a primeira grande campanha além-Cunene, para ocupar o Reino do Cuamato Pequeno, do Cuamato Grande e o Reino Cuanhama mas esta redundou numa derrota na Batalha do Vau do Pembe. O "Desastre do Pembe" galvanizou os ovambos, em particular os cuamatos, que começaram a atacar tribos sob a protecção de Portugal e até a ameaçar fazendas na margem norte do Cunene mas galvanizou também a opinião pública portuguesa, que forçou o governo português a intervir na região.[45] Em 1905 foi ocupado o Mulondo e fundado ali o Forte de Mulondo, sendo fundado pouco depois o Forte Roçadas mais a sul.[46] Em 1907 deu-se a grande campanha dos cuamatos, encabeçada por Alves Roçadas, que ocupou os cuamatos após duros combates e ali fundou os fortes D. Luís de Bragança e Eduardo Marques.[47] Não obstante, os cuanhamas e cuamatos associaram-se aos alemães e continuaram a organizar guerrilhas contra os portugueses os povos seus aliados.[48]
Só com a chegada de Paiva Couceiro ao governo geral em 1907 é que foi lançada no norte uma nova campanha para o interior.
Em 1909 João de Almeida ocupou o Reino Cuanhama com um contingente de 2150 homens e fundou os fortes D. Manuel e Henrique Couceiro.
O Cassai foi alcançado pelos portugueses em 1912, concluindo assim a ocupação do nordeste. No ano seguinte rebentou no Reino do Congo uma revolta contra o seu governo tradicional, encabeçada por Álvaro Tulante Buta, que ditou a partilha do Congo entre Portugal e Bélgica.
Retirada do sul
[editar | editar código]Angola partilhava a fronteira sul com o Sudoeste Africano Alemão. Durante a Primeira Guerra Mundial, deu-se o massacre do Cuangar quando o forte de Cuangar foi atacado a 31 de Outubro de 1914 por forças alemãs. A 18 de Dezembro sucedeu-se o mesmo ao forte de Naulila, morrendo 69 portugueses e 36 foram feitos prisioneiros no combate de Naulila.
Após o ataque a Naulila, Alves Roçadas ordenou a retirada das guarnições do sul de Angola e a formação de uma nova linha de defesa em Gambos. Embora o comando português se preparasse para uma grande ofensiva alemã, tal nunca aconteceu, tendo o ataque a Naulila antes resultado no corte das comunicações e do abastecimento do Sudoeste Africano Alemão a partir de Angola, isolando o território já bloqueado por mar pela marinha britânica.
A retirada das tropas portuguesas permitiu aos povos cuanhamas e seus aliados pegar em armas contra a autoridade portuguesa. As populações de Huíla revoltaram-se, provocando uma longa crise que apenas se resolveria com a chegada à região de uma grande força expedicionária comandada pelo general Pereira d'Eça, o general de aço, que desembarcou em Angola em Março de 1915.[49]
Reocupação do sul
[editar | editar código]A 7 de Julho de 1915 as forças portuguesas reocuparam Humbe, sem encontrarem resistência mas lutando com grande falta de água.[49] No Humbe, a terra encontrava-se queimada e os homens válidos tinham procurado refúgio nos Cuamatos e no Cuanhama, deixando para trás mulheres e crianças.[49]

Como a 9 de Julho as forças do Sudoeste Africano Alemão, comandadas pelo general Victor Franke, se renderam ao general Louis Botha, comandante-em-chefe das forças da União Sul-Africana, a missão do general Pereira d'Eça passou a ser a pacificação dos povos africanos, que se haviam rebelado contra a presença portuguesa.
A 15 de Agosto uma coluna das forças do general Pereira d'Eça reocupou o forte do Cuamato. Entre 18 e 20 de Agosto deu-se a batalha de Môngua, no qual a principal coluna das forças expedicionárias, constituída por 3,000 homens, comandada pelo general Pereira d'Eça e formada em quadrado, dispersou um ataque dos africanos comandados pessoalmente por Mandume. Os guerreiros africanos somavam 15,000 cuanhamas, 10,000 cuamatos e 20,000 guerreiros provenientes da Damaralândia, embora as estimativas divirjam.[49] Morreram em combate um oficial e quinze praças e ficaram feridos seis oficiais e vinte e quatro praças.[49] Do lado de Mandume, estimam-se 4000 a 5000 mortos.[49]
A 4 de Setembro, Pereira d'Eça ocupou sem resistência Ondjiva, capital do reino Cuanhama.[49] Reocupado o Humbe, os Cuamatos, Evale e Cuanhama, foi dada por debelada a rebelião e seguiu-se um período de paz que, após a morte de Mandume em 1917, se manteria por mais de 40 anos.
Guiné-Bissau
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A Guiné fazia parte da província de Cabo Verde mas, após o desastre de Bolol, Portugal separou a Guiné de Cabo Verde, a 18 de Março de 1879.[50] Portugal detinha na região as povoações de Ziguinchor, Cacheu, Farim, Bissau, Geba e Bolama, que foi escolhida para capital.[51] Criada a província, foi transferido para a Guiné a totalidade do Batalhão de Caçadores nº 1 de Cabo Verde, com 250 soldados cabo-verdianos.[50]
A partir de então os portugueses abandonaram a sua política de comércio e neutralidade relativamente ao interior devastado por guerras étnicas e religiosas para passarem a envolver-se mais a fundo na região.[52] As campanhas da Guiné tinham por objectivo pacificar as etnias que atacavam vilas portuguesas, firmar pactos de protectorado com os régulos e cobrar impostos. Seguiram-se múltiplas operações contra os beafadas em Djabadá, os papéis em Bissau e no Biombo, os balantas em Nhacra e os manjacos em Caió.[53] Em Maio de 1881, o governador Agostinho Coelho assinou um tratado de protectorado com os régulos nalus em torno do rio Tombali e assim anexou a costa sul da Guiné.[54]

A delimitação das fronteiras da Guiné-Bissau foi acordada pela Convenção Luso-Francesa de 1886.[55]
O período de 1879 a 1891 caracterizou-se por campanhas ribeirinhas.[56] Os portugueses levaram a cabo 22 campanhas nas zonas costeiras, envolvendo cada uma cerca de 100 soldados em média, geralmente apoiados por lanchas canhoneiras e milhares de auxiliares, contra os bijagós, beafadas, papéis, balantas e fulas, que atacavam as vilas portuguesas e resistiam ao pagamento de impostos.[57]
A partir de 1892 os portugueses começaram a penetrar no interior.[56] Todos os régulos fulas aceitaram neste ano a autoridade portuguesa, permitindo assim aumentar o recrutamento de auxiliares muçulmanos, cujos chefes apoiavam a soberania portuguesa, destacando-se de entre eles Abdul Injal, pacificar o sertão no norte e leste, e reconhecer as fronteiras com a França mas a navegação fluvial não era ainda segura.[58] Cerca de metade da Guiné encontrava-se por pacificar e os papéis bloqueavam os acessos a Bissau.[58] Os auxiliares ao serviço de Portugal contabilizaram neste ano 1530 a 4000 homens e estima-se que até 1908 mais de 17 000 ou 21 000 tenham colaborado com as forças armadas portuguesas.[59]
A chegada à Guiné de João Teixeira Pinto, especialista no uso de auxiliares africanos criado no duro palco de guerra do sul de Angola, foi decisiva para acelerar a pacificação da Guiné insubmissa, maioritariamente animista.[60] Entre 1912 e 1915 foram pacificados os mandingas, manjacos, balantas, papéis e grumetes. Seguiu-se a ocupação do território com a instalação de postos militares, administrativos e fiscais, e a construção de uma rede de estradas e comunicações pelo interior. Abdul Injal, régulo de Oio amotinou-se contra a autoridade portuguesa em 1919 mas foi capturado.[61] Entre 1925 e 1936 foram pacificados os últimos animistas independentes no noroeste e nos Bijagós, tendo a última campanha sido em Canhabaque, cujos habitantes praticavam a pirataria.[62]
A Guiné foi para Portugal o palco de guerra mais difícil, tendo o governo português investido nela ao todo mais de 8000 soldados, metade dos soldados utilizados em Moçambique, vinte vezes maior.[63] Os guerreiros de régulos aliados a Portugal por sua vez contabilizaram mais de 40,000, na sua maioria muçulmanos fulas, mandingas e biafadas, que apoiavam a soberania portuguesa.[63]
Timor
[editar | editar código]As campanhas de pacificação não se limitaram a África mas estenderam-se também a Timor. Em finais do séc. XIX, Timor encontrava-se dividido em numerosos reinos independentes que se guerreavam frequentemente entre si, para obter escravos, gado, e obter prémios como cabeças inimigas, cujo corte era um ritual de consagração de guerreiros.[64]

A soberania portuguesa em Timor resumia-se a Dili e a alguns postos militares estabelecidos ao longo da costa, sete no norte e três no sul, em reinos aliados, como no reino de Alas, ao passo que o interior pertencia aos régulos. As forças portuguesas dividiam-se entre uma primeira linha de alguns soldados europeus, oficiais do quartel-general, comandantes das colunas, sargentos e praças da artilharia e uma segunda linha composta por regimentos e companhias de moradores, voluntários timorenses instruídos por sargentos europeus e comandados por oficiais timorenses.[64] Em Oecússi e Cova Lima formaram-se esquadrões de moradores a cavalo.[64] Em tempo de guerra os régulos fiéis a Portugal participavam com os seus guerreiros como auxiliares.[64] A ocupação do território foi levada a cabo entre 1894 e 1908 mediante mais de vinte campanhas levadas a cabo com reduzidos efectivos e alianças com os régulos, durante o governo de José Celestino da Silva.[64]

A primeira campanha deu-se contra Lamaquitos, Suai, Raimean e Cailaco, tendo esta sido bem-sucedida em resultado do apoio prestado pelos guerreiros de régulos aliados.[64] A 24 de Maio de 1895 começou a segunda, contra os reinos de Cailaco, Obulo, Marobo, Atabai, Balibó e Fatumean, na fronteira com o território Holandês, que negociantes chineses haviam encorajado à revolta como reacção a uma fiscalização mais apertada ao contrabando e tráfico de armas pelas autoridades portuguesas.[64] Ainda em Agosto de 1895 deu-se a terceira, que envolveu mais de 12,000 guerreiros timorenses contra o régulo de Manufahi, dada como terminada a 28 de Outubro depois de uma emboscada que vitimou alguns soldados portugueses.[64]
Em Julho de 1896 foi ocupado Batugadé e levada a cabo uma campanha contra Dato-Talo, que contou com 4 canhões, 208 soldados, artilheiros e oficiais, 560 moradores e 7558 auxiliares.[64] Entre inícios de Setembro e 5 de Outubro deu-se o mais duro combate, na escalada de Deribate, no bosque sagrado de Talo, que envolveu cerca de 3000 moradores timorenses liderados pelo alferes Francisco Duarte, conhecido como o Arbiru.[64] A fronteira com o território holandês foi dada por ocupada a 23 de Outubro.[64]
A definitiva pacificação de Timor deu-se sob o governo de Filomeno da Câmara, primeiro governador de Timor após a instauração da república, em cujo mandato se deu uma tentativa de ocupação de Lakumara pelos holandeses e a revolta do Manufahi.
Ver também
[editar | editar código]- Descrição da Viagem à Mussumba do Muatiânvua
- Questão do Ambriz
- Tratado de Simulambuco
- Reduto do Conselheiro Jacinto Cândido
- Forte da Baguia
- Forte de Balibó
- Reinos Tsonga
Referências
- ↑ Matias 2010, p. 9-30.
- ↑ Matias 2010, p. 9.
- ↑ Matias 2010, p. 17-19.
- ↑ a b Pélissier, 2000, II, p.. 446-447.
- ↑ Malyn Newitt: História de Moçambique, 1995, Publicações Europa-América, p. 285.
- ↑ a b c d e f g h i j Carlos Bessa: "Angola. Do Feudalismo Luso-Africano à Ocupação" in Nova História Militar de Portugal, Círculo de Leitores, 2004, pp. 271-286.
- ↑ Costa, Rodrigues, Oliveira, 2014, p. 385.
- ↑ Costa, Rodrigues, Oliveira, 2014, p. 386.
- ↑ a b Costa, Rodrigues, Oliveira, 2014, p. 387.
- ↑ Costa, Rodrigues, Oliveira, 2014, p. 398.
- ↑ a b c João Paulo Oliveira e Costa, José Damião Rodrigues, Pedro Aires Oliveira: História da Expansão e do Império Português, Esfera dos Livros, 2014, p. 416.
- ↑ Pélissier, 1994, I, p. 171.
- ↑ Telo, 2004, p. 16.
- ↑ Telo, 2004, pp. 44-51.
- ↑ Costa, Rodrigues, Oliveira, 2014, p. 420.
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Bibliografia
[editar | editar código]- Matias, Diogo (2010). «As operações militares de manutenção do Império Português em África: Uma visão sobre as tácticas usadas na perspectiva da doutrina actual» (PDF)
Ligações externas
[editar | editar código]- «As guerras de ocupação». Radio Televisão Portuguesa