Censura em Portugal: diferenças entre revisões

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O PARGANA È DEFICIENTE E GOSTA DE ''RIDE A PONY''
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{{Cultura portuguesa}}[[Imagem:Nuremberg chronicles - Suns and Book Burning (XCIIv).jpg|left|thumb|180 px|Queima de livros, por [[Hartmann Schedel]], no seu ''Liber chronicarum'' (página XCII).]]'''A [[Censura]] em Portugal''' foi um dos elementos condicionantes da cultura nacional, ao longo de quase toda a sua história. Desde cedo o país foi sujeito a leis que limitavam a '''''liberdade de expressão''''', primeiro, em resultado da influência da [[Igreja Católica]], desde o tempo de [[Fernando I de Portugal|D. Fernando]], que terá oficiado ao [[Papa Gregório XI]] para que instituísse a Censura episcopal (ou censura do Ordinário da Diocese). O poder civil passou, mais tarde, a regulamentar também a publicação de textos escritos. Na memória dos portugueses está ainda presente a política do regime do [[Estado Novo (Portugal)|Estado Novo]] que institucionalizou um estrito controlo dos meios de comunicação, recorrendo, para este efeito, à censura prévia dos periódicos e à apreensão sistemática de livros. De facto, cada regime político teve sempre o cuidado de legislar em relação à [[liberdade de imprensa]] - na maior parte dos casos, restringindo-a. Em cinco séculos de história da imprensa portuguesa, quatro foram dominados pela censura. No entanto, a censura entrou também em outros domínios, como no [[teatro]] (desde [[Gil Vicente]]), na [[rádio]], na [[televisão]] e no [[cinema]].

Ao longo da história portuguesa foram muitas as formas de perseguição a intelectuais: a prisão e a morte foram também frequentemente o castigo de quem ousava expressar aquilo que pensava, contrariando o discurso oficial do Estado.

==PRAGAS DEFICE==
[[Imagem:PopeGregoryXI.jpg|thumb|200 px|[[Papa Gregório XI]], que instituiu a Censura do Ordinário (da responsabilidade dos bispos) em Portugal, a pedido de [[Fernando I de Portugal|D. Fernando]]]]
Os primeiros livros de que há memória de serem censurados em Portugal pelo poder régio foram as obras de [[John Wyclif]]fe e de [[Jan Hus]], proibidas e mandadas queimar por um [[Alvará]] de [[18 de Agosto]] de [[1451]], por [[Afonso V de Portugal|D. Afonso V]].

Mais tarde, há notícia da repressão da divulgação de textos [[luteranismo|luteranos]] por parte de [[Manuel I de Portugal|D. Manuel]], o que levou o [[papa Leão X]] a agradecer-lhe oficialmente em [[20 de Agosto]] de [[1521]].

== O Deficiente do Pargana e o início da foda nos deficientes em portugal ==
Com a instauração da [[Inquisição]] em Portugal pela [[bula]] ''Cum ad nihil magis'', de [[23 de Maio]] de [[1536]], proibia-se o ensino da religião judaica entre os "[[Cristãos-novos]]" (e entre o Cristãos-velhos, como é óbvio) e o uso das Sagradas Escrituras "em linguagem" (ou seja, em linguagem vulgar, em vez do [[latim]]). Passaram a existir três entidades censoras: censura do [[Santo Ofício]], censura régia (ou do Desembargo do Paço) e censura do ordinário.

Os primeiros documentos que temos relativos à concessão de licenças para a impressão referem-se a obras de [[Baltasar Dias]] (a [[20 de Fevereiro]] de [[1537]]) e à ''Cartinha'', uma introdução à "Gramática" de [[João de Barros]], em [[1539]].
[[Imagem:Cardeal D. Henrique - Castelo Branco.JPG|thumb|200 px|[[Henrique I de Portugal|Cardeal D. Henrique]], aqui representado na ''escadaria dos reis'', no [[Paço Episcopal de Castelo Branco]], foi o grande impulsionador da censura inquisitorial em Portugal]]
Em [[2 de Novembro]] de [[1540]], o [[Henrique I de Portugal|cardeal D. Henrique]], nomeado Inquisidor-mor por D. João III, dava ao [[Prior]] da [[Ordem dos Pregadores|Ordem de São Domingos]] a autoridade para verificar o tipo de livros vendidos em livrarias públicas ou privadas, além de proibir a impressão de qualquer livro sem examinação prévia. Até [[1598]], a revenda de livros foi, graças a esta medida, monopólio dos Dominicanos. Nesta data, contudo, o inquisidor-geral, D. [[António de Matos Noronha]] espalhou este privilégio por outras ordens clericais.

A [[16 de Julho]] de [[1547]], a censura torna-se um pouco mais leve graças às directrizes apontadas na bula sobre a Inquisição, ''Meditatis cordis'', mas aparece também o primeiro [[Index Librorum Prohibitorum|Index]] de livros proibidos em Portugal, na sequência do Quinto [[Concílio de Latrão]] ([[1515]]). A lista reproduz basicamente os livros banidos pela [[Sorbonne]] em [[1544]] e pela [[Universidade de Lovaina]], em [[1546]].

Na sequência da descoberta pela Inquisição de livros proibidos na posse de professores estrangeiros do [[Colégio das Artes]], a vigilância sobre os livros alarga-se também para as alfândegas, que passam a verificar mais detalhadamente a ortodoxia dos livros que entram no país. A [[4 de Julho]] de [[1551]] é publicado outro ''Índice'', onde os censores portugueses, tal como [[Israel Salvador Revah]] indica em "''La Censure Inquisitoriale Portugaise au XVI siècle''" ([[1960]]), juntam às obras banidas pelos teólogos de Lovaina, os livros catalogados pelo erudito suíço [[Conrad Gesner]] na sua [[Bibliotheca Universalis]], além de outras obras, entre as quais se contam sete [[auto]]s de [[Gil Vicente]]. Este será o primeiro Índex português a ser impresso e que será divulgado em todo o território nacional pelos inquisidores que, de acordo com o Regimento da Santa Inquisição de [[3 de Agosto]] de [[1552]], deveriam publicar editais, além de obrigarem à entrega de todos os livros indicados na lista, denunciando quem os possuísse.

[[Imagem:Pope Paul V.jpg|thumb|200 px|[[Papa Paulo V|Paulo V]], papa conhecido pela sua severidade, foi o promotor do primeiro Índex romano, inspirado, em parte, no que se fazia em matéria de censura, em Portugal]]
[[João III|D. João III]], em [[1555]], dava um exemplo explícito do que deveria ser a Censura preventiva, ao encarregar o corregedor da Câmara do Porto da revisão do ''Tratado da Arte de Arismética'', publicado nesse ano, da autoria do matemático português [[Bento Fernandes]].

Em [[1557]], o [[papa Paulo IV]], seguindo o exemplo da Universidade de Lovaina e das diligências de [[Carlos I de Espanha|Carlos V]], ordenou a criação do ''Índex'' romano, publicado no ano seguinte (e reeditado em Coimbra pelo bispo D. João Soares), onde se sentenciava à pena de excomunhão ''latae sententitae'' (que implicava [[excomunhão]] automática) e à "perpétua infâmia" quem possuísse tais livros. A severidade deste papa desencadeou uma onda de pânico entre os livreiros e intelectuais europeus. Portugal não foi excepção.

Em [[1561]], o dominicano [[Francisco Foreiro]] assinou um novo ''Índice'', a pedido ainda do Cardeal D. Henrique que escreveu como preâmbulo uma carta em que, não sendo tão severo quanto o emanado pela Santa Sé, proclamava a necessidade de uma "Censura preventiva".

A [[21 de Outubro]] de 1561, o inquisidor-mor definiu os deveres dos "visitadores das naus", que fariam a vistoria das obras trazidas do estrangeiro pelo mar.

Entretanto, a atitude censória em Portugal foi abertamente reconhecida pelo [[papa Pio IV]] que chamou Frei Francisco Foreiro a secretariar a comissão do [[Concílio de Trento]] incumbida da revisão do Índex de Paulo IV.[[Imagem:SebastianPortugal.jpg|thumb|left|190 px|[[Sebastião de Portugal|Dom Sebastião]], legislador de um conjunto de sanções bastante severas para quem ousasse infringir as leis da censura.]] O frade português foi o principal autor das dez regras - que seriam posteriormente aplicadas a todo o mundo católico - que precediam o Índex saído do Concílio, promulgado em [[1564]] pelo [[papa Paulo V]], bem como de todos os Índices que se sucederiam no futuro. O ''Índex tridentino'' foi publicado em Lisboa, no mesmo ano, juntamente com uma adenda designada por "''Rol dos livros que neste Reino se proibem''" - como se fará, de resto, nos seguintes Índices publicados em Portugal.

[[Sebastião de Portugal|D. Sebastião]], através de uma lei de [[18 de Junho]] de [[1571]], também teve um papel importante na legislação portuguesa relativa à censura, ao definir as penas civis a aplicar a quem possuísse obras proibidas. Entre as sanções, há a citar desde a perda da quarta parte dos bens do infractor à perda de metade, acrescida da pena do exílio no [[Brasil]] ou em [[África]]. A [[pena de morte]] era igualmente contemplada. A [[4 de Dezembro]] de [[1576]], tornou obrigatória a censura do Desembargo do Paço, mesmo após aprovação pela censura do Santo Ofício ou pela censura do ordinário.

Após a morte do Cardeal D. Henrique, há ainda a mencionar a decisão do inquisidor-mor [[D. Jorge]] que, a [[15 de Julho]] de [[1579]], ordena a queima pública de livros nos [[auto-de-fé|autos-de-fé]].

==Índices portugueses até à extinção da Inquisição==
[[Imagem:Catalogo livros proibidos.jpg|left|thumb|190 px|Frontispício do Índex de 1581, publicado por D. Jorge de Almeida]]Em [[1581]], D. [[Jorge de Almeida]] publica um novo Índex onde é reimpresso o documento tridentino de [[1564]].

O ''Regulamento do Conselho Geral do Santo Ofício'' de [[1 de Março]] de [[1570]] estipulava que os inquisidores locais deixavam de ter autoridade no que dizia respeito à censura preventiva, que passou a ser da competência dos revendedores deste organismo.

O [[papa Clemente VIII]] publicou, entretanto, o [[Índex]] de [[1596]], o último deste século, reimpresso em Lisboa no ano seguinte.

As ''Ordenações Filipinas'' de [[1603]], emanadas durante o reinado de [[Filipe III de Espanha|Filipe II]] reafirmam a obrigatoriedade da censura preventiva civil, tal como tinha sido imposto por D. Sebastião.

Em 1624, o inquisidor-mor D. [[Fernando Martins Mascarenhas]] fez sair no prelo, subscrito pelo jesuíta [[Baltasar Álvares]], o primeiro ''Índex'' do [[século XVII]], que tem a novidade de incluir novas orientações gerais - as regras do ''Catálogo de Portugal'' - além das que pertenciam ao ''Catálogo Universal Romano''. O ''Índex'' era constituído, por isso, de três partes: o ''Índex tridentino'', o ''Index pro Regnis Lusitaniae'' e uma secção (o primeiro ''[[Índice expurgatório]]'' português) dedicada às passagem a serem eliminadas de quaisquer livros sobre as [[Bíblia|Escrituras Sagradas]], [[filosofia]], [[teologia]], [[ocultismo]] e mesmo [[ciência]] e [[literatura]]. Este ''Índex'' manter-se-ia em vigor até ao [[século XVIII]].

Em [[29 de Abril]] de [[1722]] há, contudo, uma excepção memorável (e única, tanto quanto se sabe) a este ciclo, com a isenção de qualquer tipo de censura, especialmente da censura inquisitorial) para a [[Real Academia de História]], por um Decreto de [[29 de Abril]] de [[1722]].

Com o regime liberal, a extinção da Inquisição em Portugal levou também, como é óbvio, à extinção da Censura Inquisitorial.

==A Real Mesa Censória==
[[Imagem:Louis-Michel van Loo 003.jpg|thumb|left|350 px|O Marquês de Pombal foi o primeiro grande reformador da Censura em Portugal, ao direccioná-la para a defesa política, no lugar da religião]]
O [[Marquês de Pombal]] simplificou o processo de censura das publicações de livros ao constituir um único tribunal denominado [[Real Mesa Censória]], cuja presidência foi concedida a [[Manuel do Cenáculo]] - o mesmo que inspirou o Marquês a fundar uma grande [[Biblioteca Nacional de Portugal|Biblioteca Nacional]]. Também minimizou a censura contra "actos heréticos", ao direccionar a repressão contra os pedreiros-livres ([[maçonaria|maçon]]s) e os [[Companhia de Jesus|jesuítas]], vistos como ameaça ao poder régio.

De facto, a grande preocupação do reinado de [[José I de Portugal|D. José I]] é a eliminação de quaisquer ingerências no poder absoluto do rei, visto como ''soberano, ungido de Deus Todo-Poderoso, imediato à sua divina omnipotência, e tão independente que não reconhecia na terra senhor superior temporal'' (citado da ''[[Dedução Cronológica e Analítica]]'' de [[1767]]) de acordo com as novas tendências filosóficas e teológicas (como o [[jansenismo]]).

Na lei de [[5 de Abril]] de [[1768]] é reafirmado o direito da "soberania temporal" à proibição de determinados "livros e papéis perniciosos", agora numa perspectiva de defesa política. Por esta lei proscrevem-se determinados documentos emanados pela Santa Sé, como a célebre [[Bula da Ceia]] (que arrogava exclusivamente ao papa determinados poderes agora reivindicados pelo monarca) e os ''Índices expurgatórios''.[[Imagem:Frei Manuel do Cenáculo Villas-Boas.jpg|left|thumb|200 px|Frei Manuel do Cenáculo, presidente da Real Mesa Censória]] Estes Índices, como o de [[1624]], eram apresentados como um estratagema subversivo dos Jesuítas do [[Colégio de Santo Antão]] (importante centro de ensino e investigação - hoje é o Hospital de São José). É também por esta lei que a Real Mesa Censória é instituída, unindo em si as três antigas repartições da censura, dirigida por "Censores Régios" - entre os quais um inquisidor de Lisboa e o vigário-geral do Patriarcado - e apresentada como uma "''Junta''" com "''jurisdição privativa e exclusiva em tudo o que pertence ao exame, aprovação e reprovação dos livros e papéis''", com a publicação regular de editais sobre as obras banidas.

O Regimento da Real Mesa Censória data de [[18 de Maio]] de [[1768]] e prevê a inspecção de livrarias, bibliotecas e tipografias. São proibidas as obras que veiculem ideias supersticiosas, ateias e hereges, ainda que se abra excepção para alguns livros de [[Protestantismo|protestante]]s, aceites nos "''Estados Católicos Romanos bem governados e prudentes''", agora tolerados graças aos [[Paz de Münster|tratados de Münster e Osnabrück]], já que se reconhece a erudição, útil à "''República das Letras''" portuguesa, de obras de autores como [[Hugo Grócio]], [[Samuel Pufendorf]], [[Jean Barbeyrac]], entre outros, ainda que defendessem alguns pontos doutrinais heterodoxos. [[Voltaire]] também correu o risco de ser totalmente banido em Portugal - pelo menos foi essa a intenção de [[António Pereira de Figueiredo]], da [[Congregação do Oratório]], mas o dominicano Frei [[Francisco de São Bento]] decidiu que a censura não se devia alargar às obras de História e de Teatro.

==O Liberalismo==
[[Imagem:Vilafrancada.jpg|thumb|300 px|A Vilafrancada, liderada por D. Miguel, representa o final do curto período de liberdade de imprensa, preconizado pelo liberalismo.]]
Com a ''Carta de Lei'' de [[21 de Junho]] de [[1787]], [[Maria I de Portugal|Dona Maria I]] substitui a Real Mesa Censória pela ''Mesa da Comissão Geral sobre o Exame e Censura dos Livros'', tendo a rainha pedido ao [[Papa Pio VI]] que dotasse este organismo da jurisdição necessária para a censura de obras em todo o Império Português. A [[17 de Dezembro]] de [[1793]], volta-se a um regime semelhante ao anterior à Mesa Censória, com a separação de três "Autoridades": a Pontifícia, a Real e a Episcopal - o que significa, de facto, que a Inquisição voltava a impor-se em terras portuguesas. Contudo, os tempos são de mudança. Algumas publicações periódicas, como o ''[[Correio Brasiliense]]'' ([[1808]]), o ''[[Investigador Português]]'' ([[1811]]) e o ''[[Campeão Português]]'', conseguem neste período subtrair-se à investigação policial. Durante as [[Invasões francesas]] estabelece-se um rigoroso regime de censura por parte das autoridades francesas, aliás à semelhança do que então já vigorava em França. No entanto, alguns jornais clandestinos são publicados. Mas será a partir de Londres que os refugiados políticos, com o apoio dos comerciantes portugueses locais, darão início a uma profícua e abundante produção literária, a um esforço de tradução das principais obras liberais ([[John Locke]], [[Adam Smith]], [[Benjamin Franklin]], etc.) e à criação de dezenas de periódicos, alguns dos quais se manterão em actividade até depois da Guerra Civil.

O Decreto de [[31 de Março]] de [[1821]] leva à abolição do Tribunal do Santo Ofício, por este ser "''incompatível com os princípios adoptados nas bases da [[Constituição portuguesa de 1822|Constituição]]''", sendo as "causas espirituais e meramente eclesiásticas" restituídas à "''Jurisdição Episcopal''". A Constituição de 1822 estabelece a liberdade de imprensa ("''a livre comunicação de pensamentos''"), sem necessidade de censura prévia, ainda que se ressalve que quaisquer abusos pudessem ser sancionados "''nos casos e na forma que a lei determinar''". A censura em matérias religiosas ficava reservada ao poder eclesiástico episcopal, estando o governo comprometido em auxiliar os bispos a castigar os "''culpados''". Contudo este período de liberdade relativa terá curta duração. Com a [[Vilafrancada]], [[1823|um ano depois]], a censura prévia é restabelecida. A [[13 de Novembro]], [[João VI de Portugal|D. João VI]], ciente das influências revolucionárias que chegam ao país através de diversos periódicos impressos no estrangeiro, alarga a censura também a estes, que passam a necessitar de licença régia para entrar no país. A censura passa, em 1824, para a mão de duas instâncias (estando a terceira, a censura inquisitorial, definitivamente extinta): a censura do Ordinário e a do Desembargo do Paço.

[[Imagem:Garrett, Herculano e Estêvão.JPG|left|thumb|200 px|Entre os intelectuais que mais se insurgiram contra a censura, encontramos Almeida Garrett, Alexandre Herculano e José Estêvão de Magalhães - que se insurgiram, nomeadamente, contra a "Lei das rolhas" - aqui unidos num pormenor de um óleo sobre tela dos Passos Perdidos, na Assembleia da República Portuguesa.]]
A [[Carta Constitucional]] de 1826 volta a prescindir da censura prévia, no parágrafo terceiro do artigo 145 ("''Todos podem comunicar os seus pensamentos por palavras e escritos, e publicá-los pela imprensa, sem dependência de censura, contando que hajam de responder pelos abusos que cometerem no exercício desse direito, nos casos e pela forma que a lei determinar''"). Contudo, os governantes rapidamente tentaram impor um controlo mais rigoroso na sua política de imprensa. [[Francisco Manuel Trigoso de Aragão Morato]], chefe de governo, cria, a [[23 de Setembro]], a Comissão da Censura dos "[[papel volante|papéis volantes]] e escritos periódicos". A [[16 de Agosto]] de [[1828]], esta comissão é abolida, passando as suas competências censórias, de novo, para a Mesa do Desembargo do Paço.

Será a [[21 de Novembro]] de [[1833]], com o regime liberal instalado, que [[Joaquim António de Aguiar]] publica um Decreto-Lei onde eram nomeados os responsáveis pela censura prévia dos periódicos portugueses enquanto não houvesse uma lei de imprensa totalmente de acordo com a Carta Constitucional. Esta sairá a [[22 de Dezembro]] de [[1834]], abolindo a censura prévia, mas, sempre, ressalvando quaisquer abusos - e suas respectivas punições - que lesassem a "''Religião Católica Romana''", o Estado, os bons costumes ou qualquer outra pessoa.

A [[3 de Fevereiro]] de [[1840]], é apresentada uma queixa de proprietários de oficinas tipográficas à Câmara dos Deputados, alegando que "''sem condenação nem pena''", têm sido vítimas da arbitrariedade das autoridades que entram como querem nos seus locais de trabalho, destruindo vários instrumentos das imprensas. De [[11 de Agosto|11]] para [[12 de Agosto]] do mesmo ano, ocorrem diversos distúrbios em Lisboa que levam [[Maria II de Portugal|Dona Maria II]] a iniciar um ciclo de constantes e sucessivas anulações "temporárias" de várias garantias e liberdades como a liberdade de imprensa, sempre justificadas por razões de estado, em sequência das revoltas populares que também se sucedem. A Carta de Lei de [[19 de Outubro]], da responsabilidade de [[António Bernardo da Costa Cabral|Costa Cabral]], obrigava os editores ao pagamento de avultadas fianças, depósitos e hipotecas e à passagem por um exame que os qualificasse como pessoas idóneas. A liberdade de imprensa só voltará, formalmente, a ser restabelecida com a lei de [[3 de Agosto]] de [[1850]] (conhecida como "[[Lei das rolhas]]"), ainda que a opinião pública a não considerasse particularmente conforme ao espírito da Carta Constitucional, ao insistir de forma veemente nas muitas sanções que, na prática, restringiam por completo a actividade dos escritores e jornalistas. Entre os intelectuais que se rebelam contra a lei estavam [[Alexandre Herculano]], [[Almeida Garrett]], [[António Pedro Lopes de Mendonça]], [[José Estêvão de Magalhães]], [[Latino Coelho]] etc. Desta opinião é também o [[João Carlos Gregório Domingos Vicente Francisco de Saldanha Oliveira e Daun|Duque de Saldanha]] que, pouco depois de subir ao poder, a revoga, abrindo um período (conhecido como a [[Regeneração]]) que será particularmente bem recebido pelos jornalistas que recebem de braços abertos a carta de lei de [[17 de Maio]] de [[1866]] que leva à abolição de quaisquer "''cauções e restrições para a imprensa periódica''".

[[Imagem:Joao franco.jpg|thumb|200 px|A ditadura de João Franco marca a política censória dos últimos anos de monarquia em Portugal.]]
O Regime monárquico, contudo, tenta fazer face à força crescente dos ideais republicanos. A primeira acção repressiva de importância neste contexto foi o encerramento das [[Conferências do Casino|Conferências Democráticas do Casino]], onde já tinham discursado [[Antero de Quental]], [[Augusto Soromenho]], [[Eça de Queirós]] e [[Adolfo Coelho]]. Quando [[Salomão Saragga]] se dispõe a discursar sobre a "''Divindade de Jesus''", a sala é encerrada, sob o pretexto de que as "prelecções" ofendiam a religião e o "Código Fundamental da Monarquia". Depois do protesto de meia centena de intelectuais portugueses a esta atitude do governo, Antero e [[Jaime Batalha Reis]] apelam para que seja reconhecida a ilegalidade do encerramento das Conferências. O deputado Luís de Campos terá oportunidade de dizer ao [[António José de Ávila|Marquês de Ávila e Bolama]], então ministro do reino (que se demitirá a [[11 de Setembro]]): "''Processe-as, mas não as dissolva, que não tem direito para isso''".

A [[29 de Março]] de [[1890]], um Decreto ditatorial obriga os editores de periódicos a sanções severas e ao encerramento de portas em caso de reincidência nos delitos. A [[13 de Fevereiro]] de [[1896]], o governo de [[Ernesto Rodolfo Hintze Ribeiro|Hintze Ribeiro]] toma medidas ainda mais drásticas. Apesar de não existir censura prévia, a polícia apreende tudo o que critique as instituições monárquicas. Só a [[7 de Julho]] de [[1898]] é que outra lei voltará a dar algum fôlego à imprensa portuguesa. Mas, a [[20 de Junho]] de [[1907]], na decorrência do golpe de estado de [[João Franco]], são proibidos quaisquer "escritos, desenhos ou impressos atentatórios da ordem ou segurança pública", podendo os governadores civis mandar encerrar os periódicos que assim fossem considerados (o que aconteceu, de facto, para muitos jornais). Esta lei será revogada com o fim da ditadura de João Franco, quando [[Manuel II de Portugal|D. Manuel II]] sobe ao trono, mas a repressão mantém-se. Um "gabinete negro" é designado junto a cada tribunal criminal para vigiar a imprensa periódica publicada em cada comarca, de modo a evitar qualquer crítica ao regime, de acordo ainda com uma lei, também de João Franco.

==A Primeira República==
Com a [[Proclamação da República Portuguesa|implantação da República]], rapidamente se cria uma nova lei de imprensa que, segundo o seu artigo 13, pretende restituir a liberdade de expressão, não impedindo críticas à acção governativa, nem a quaisquer doutrinas políticas e religiosas ([[28 de Outubro]] de [[1910]]). Mas, perante a dificuldade de implementação do novo regime, o governo republicano impõe também, a [[9 de Julho]] de [[1912]], um conjunto de medidas e situações que justificavam a apreensão de publicações pelas autoridades judiciais, administrativas e policiais, após o julgamento dos casos. Proibiam-se, assim, escritos de índole [[pornografia|pornográfica]], ou que ultrajassem as instituições republicanas e a segurança do Estado. Dezenas de jornais não-republicanos, especialmente monárquicos e católicos, mas também sindicalistas e anarquistas foram encerrados e os seus proprietários presos e deportados.

[[Imagem:Sidónio Pais.jpg|thumb|left|200 px|Sidónio Pais subiu ao poder criticando o uso da censura prévia pelo governo de Afonso Costa, mas fará, inevitavelmente, uso desta, devido à Guerra.]]
Com a Primeira Guerra Mundial, é instaurada a censura a [[12 de Março]] de [[1916]], na sequência da declaração de Guerra por parte da [[Alemanha]]. Foi dada a ordem de apreensão de todos os documentos cuja publicação pudesse prejudicar a defesa nacional ou que fosse constituída por propaganda contra a guerra. A Censura prévia, agora a cargo do Ministério da Guerra, foi sempre vista como uma excepção temporária, até porque era assumidamente anticonstitucional. O golpe militar de estado de [[Sidónio Pais]] será, em parte, justificado também graças à impopularidade da censura prévia, agora bem patente nos jornais, onde figuram manchas em branco no lugar do texto censurado, para que o povo saiba onde incidiu a censura. Contudo, Sidónio também terá de recorrer à censura prévia, somada a outros actos repressivos do governo, até que chegue o final da Guerra.

==O Estado Novo==
Depois do [[Revolução de 28 de Maio de 1926|golpe militar]] de [[28 de Maio]] de [[1926]], [[Gomes da Costa]] aprova o Decreto de [[5 de Julho]] de [[1926]] onde se assegurava a liberdade de pensamento "''independentemente de cauções ou censura''", ainda que se insista na proibição dos ultrajes às instituições republicanas e a qualquer comportamento que ponha em causa a ordem pública. A lei de imprensa do novo executivo militar repete quase textualmente as garantias do artigo 13 da lei de imprensa da Primeira República, permitindo a crítica e liberdade de discussão de diplomas legislativos, doutrinas políticas e religiosas, actos do governo, etc., desde que tivessem como objectivo "''esclarecer e preparar a opinião para as reformas necessárias(...)''". Mas, pouco depois, a [[29 de Julho]], restabelece-se a censura prévia. O Estado Novo nunca tomou uma posição censória assumida, evitando mesmo discutir o assunto, que por poucas vezes foi levado ao Parlamento. O estudo restrito à legislação quase pode levar à crença num regime bastante permissivo. Em [[27 de Maio]] de [[1927]] é reformada a lei da propriedade literária que supostamente garantia o direito de publicação pela imprensa, independentemente da censura prévia. Um decreto de [[3 de Setembro]] de [[1926]] estendia esta concepção de liberdade de imprensa para o Ultramar, que deveria reger-se pelos mesmos princípios a definir para a Metrópole, que viriam a ser consagrados na lei de [[27 de Junho]] de [[1927]]. A [[Constituição Portuguesa de 1933]], publicada a [[11 de Abril]], sai ao mesmo tempo que o Decreto 22 469. Enquanto que o artigo 8.º da Constituição, no n.º 4, estabelece "''a liberdade de pensamento sob qualquer forma''", no n.º 20 refere-se que "''leis especiais regularão o exercício da liberdade de pensamento''" - o artigo 3.º declara, sendo a única constituição da história portuguesa a justificar este expediente, que a função da censura será "''impedir a perversão da opinião pública na sua função de força social e deverá ser exercida por forma a defendê-la de todos os factores que a desorientem contra a verdade, a justiça, a moral, a boa administração e o bem comum, e a evitar que sejam atacados os princípios fundamentais da organização da sociedade''" - claro que o governo reservava para si os critérios do que seria a verdade, a justiça, a moral, etc. De facto, será o próprio [[António de Oliveira Salazar]] a dizer, nesse ano, que "''Os homens, os grupos, as classes vêem, observam as coisas, estudam os acontecimentos à luz do seu interesse. Só uma entidade, por dever e posição, tudo tem de ver à luz do interesse de todos''". O decreto 22 469 é explícito ao instaurar a censura prévia em publicações periódicas, "''folhas volantes, folhetos, cartazes e outras publicações, sempre que em qualquer delas se versem assuntos de carácter político ou social''".
[[Imagem:Salazar.JPG|thumb|left|250 px|António de Oliveira Salazar, na inauguração do Secretariado Nacional da Informação: "Politicamente, só existe aquilo que o público sabe que existe."]]
A [[14 de Maio]] de [[1936]], a fundação de jornais é regulada e proíbe-se a publicação de publicidade oficial (do Estado) em alguns deles, para que não seja o próprio Estado a financiar os seus inimigos, além de se proibir a entrada em Portugal de qualquer publicação que não fosse aceite pelos próprios critérios do governo português.

O Regulamento dos Serviços de Censura foi adoptado em Novembro do mesmo ano, mas não chega a ser publicado no ''Diário do Governo''. Quem quisesse fundar algum jornal ou revista tinha, a partir de então, de requerer autorização da Direcção deste organismo. Enquanto que, durante a Primeira República, os espaços censurados deviam aparecer em branco, em sinal de censura, o Estado Novo tenta, de todas as formas, apagar esses sinais, obrigando os jornais a alterarem por completo a organização das páginas poucas horas antes de saírem. Acrescentando a isto que tinham, por vezes, de apresentar provas à comissão de censura, a manutenção de um periódico tornava-se insuportavelmente dispendiosa para alguns editores que acabam por entrar em falência - claro que as comissões de censura penalizarão especialmente os jornais mais rebeldes com este género de exigência. Em [[1944]], o organismo de censura passa a estar na dependência do [[Secretariado Nacional de Informação]], que, por sua vez, estava sob a alçada do próprio Presidente do Conselho (Salazar).

Munidos com o célebre "lápis azul", com que se cortava todo texto considerado impróprio, os censores de cada distrito ou cidade, apesar de receberem instruções genéricas quanto aos temas mais sensíveis a censurar, variavam muito no grau de severidade. De facto, verifica-se que houve regiões do país onde estes eram mais permissivos e outras onde eram exageradamente repressivos. Isto devia-se ao facto de constituírem um grupo muito heterogéneo a nível intelectual. Muitos reconheciam rapidamente qualquer texto mais ou menos "perigoso" ou revolucionário, enquanto que outros deixavam facilmente passar conteúdos abertamente subversivos.

Uma ordem da Direcção dos Serviços de Censura considerava, no que diz respeito à literatura infanto-juvenil, que "''parece desejável que as crianças portuguesas sejam cultivadas, não como cidadãos do Mundo, em preparação, mas como crianças portuguesas que mais tarde já não serão crianças, mas continuarão a ser portugueses''".

Os livros não eram sujeitos a censura prévia mas podiam ser apreendidos depois de publicados, o que era feito frequentemente pela Direcção-Geral de Segurança, que emitia mandados de busca às livrarias. Os correios controlavam a circulação de livros. A [[Inspecção Superior de Bibliotecas e Arquivos]] proibia a leitura de determinados documentos - não se podia ler nada referente à Índia Portuguesa que fosse posterior à [[Guerra de Baçaim]] ([[1732]]/[[1739]]) e a Biblioteca Nacional continha obras listadas que não podiam ser lidas.

A substituição de Salazar por [[Marcello Caetano]] prometeu alguma liberalização - o próprio Presidente do Conselho prometeu uma nova Lei de Imprensa numa entrevista ao ''[[São Paulo|Estado de São Paulo]]'', mas pouco mudou. De acordo com uma das características que mais marcaram a "evolução na continuidade" de Caetano, mudou o nome dado às coisas: a Censura Prévia passa a designar-se Exame Prévio. O Secretário de Estado de Informação e Turismo dirá mesmo que "''Nada mudou nesta casa, nem o espírito, nem a devoção a valores essenciais, nem a linha de acção (...)''", mantendo-se o que era apresentado como o propósito de Salazar: "''dar aqui testemunho da verdade''". A [[26 de Outubro]] de [[1972]], por exemplo, a respeito de uma notícia sobre a proibição de uma peça de teatro, (uma adaptação do "''[[O Arco de Sant’Ana]]''" de Almeida Garrett), os Serviços de Exame Prévio do Porto não aceitaram, como se pode comprovar num telegrama, que a notícia referisse a proibição: "''Não dizer que foi proibida. Pode, no entanto, dizer-se que já não vai à cena''".

==Efeitos da censura na criatividade nacional==

Já [[Luís de Camões]] teve de submeter o texto de "[[Os Lusíadas]]" aos censores do [[Santo Ofício]], no [[Mosteiro de S. Domingos]], discutindo-o verso a verso. Aquele que hoje é considerado o poema maior da Lusofonia passou mesmo por uma fase de esquecimento, sendo ignorado e desprezado, o que também pode ser considerado uma forma subtil de censura.

A [[25 de Julho]] de [[1567]], [[Damião de Góis]] via impressa a quarta parte da sua ''[[Crónica do Felicíssimo Rei D. Manuel]]''. No entanto, mais de cinco anos depois, esta ainda não estava à venda porque, supostamente, o bispo D. [[António Pinheiro]] tinha de emendar um erro numa página. A censura prévia dava, portanto, lugar a abusos de poder por parte dos censores quando estes tinham alguma questiúncula com os autores.

Até o [[Padre António Vieira]] foi preso pela Inquisição, de [[1665]] a [[1667]], por defender abertamente nos seus escritos os [[cristãos-novos]] e criticar a forma de actuar dos [[dominicanos]] do Santo Ofício.

Mais graves foram os processos que envolveram o dramaturgo [[António José da Silva]], conhecido pela alcunha de "O Judeu", que foi preso e torturado em [[1726]], juntamente com a mãe. Em [[1737]] foi preso novamente, também com a mãe, esposa e filha, sendo degolado e queimado num [[auto-de-fé]] no Terreiro do Trigo em Lisboa. A mulher e a mãe foram igualmente queimadas vivas.

No último auto-de-fé realizado em Portugal, mais sorte teve [[Francisco Xavier de Oliveira]], Cavaleiro de Oliveira que, condenado pelo Santo Ofício a [[18 de Agosto]] de [[1761]], conseguiu escapar, estando exilado na [[Países Baixos|Holanda]]. Em Portugal, queimaram a sua imagem e apreenderam as suas obras.
[[Imagem:Maria Velho da Costa.JPG|thumb|240 px|right|Maria Velho da Costa, autora de uma "Ova Ortegrafia": "''Ecedi escrever ortado; poupo assim o rabalho a quem me orta...''"]]
Mais tarde, durante o Estado Novo, [[Maria Velho da Costa]], [[Maria Teresa Horta]] e [[Maria Isabel Barreno]] viram-se envolvidas num processo judicial que ficou famoso devido à publicação da sua obra conjunta "''[[Novas cartas portuguesas]]''", que conteriam partes pornográficas e imorais - hoje é consensual que a obra faz apenas uma crítica mordaz ao patriarcalismo lusitano e à condição da mulher em Portugal ("''Em que refúgio nos abrigamos ou que luta é a nossa enquanto apenas no domínio das palavras?''"). Maria Velho da Costa escreverá mais tarde, em reacção a esta situação, uma "Ova Ortegrafia" que começa com "''Ecedi escrever ortado; poupo assim o rabalho a quem me orta...''"

O medo de que não vale a pena escrever determinadas coisas porque poderão não passar na censura condiciona a actividade dos escritores, que não sabem se as suas obras serão apreendidas ou não. Os jornalistas foram desde sempre uma das classes que mais sofreram com este género de auto-censura, ao recair sobre eles a responsabilidade de que o jornal não atrasasse a sua tiragem por causa de alguma frase mal pensada ou temerária. [[Ferreira de Castro]] escreve, em [[1945]]: "''Cada um de nós coloca, ao escrever, um censor imaginário sobre a mesa de trabalho''".

Alguns autores começaram, então, a usar termos metafóricos: em vez de [[Socialismo]], escreviam "Aurora", em vez de [[Revolução]], escreviam "Primavera", em vez de Polícia, "Vampiro", o que tinha o condão de tornar muita da prosa que se escrevia em textos poéticos que alguns recordam, paradoxalmente, com nostalgia. O poema de [[David Mourão Ferreira]], celebrizado na voz de [[Amália Rodrigues]] na forma de "Fado de Peniche", que termina com "''Ao menos ouves o vento! - Ao menos ouves o mar''" faz uma referência quase explícita aos presos políticos, como os que se encontravam no Forte de Peniche, onde se ouvia, com certeza, o mar e o vento, por vezes em situações de extrema angústia e de tortura. Por outro lado, esta linguagem cifrada criava nos leitores uma atitude de hipercriticismo – duvidava-se de tudo o que se lia, procurando-se apreender segundos significados, até onde eles não existiam.

Conta-se, por exemplo, que o célebre refrão das Janeiras (como a versão de [[Zeca Afonso]]): "Pam, pa ra ri ri, Pam, pa ra ri ri, Pam, pam, pam..." era por vezes cantado, em concertos como "Vão parar à [[PIDE]], vão parar à PIDE, vão, vão, vão...", o que terá ocasionado situações cómicas como a de um censor que se juntou ao coro subversivo, julgando cantar apenas uma simples canção popular, e que depois foi severamente repreendido, na sua inocência, pelos superiores.

[[Imagem:Aquilino Ribeiro.JPG|thumb|right|240 px|Aquilino Ribeiro, escritor português particularmente perseguido durante o Estado Novo]]Muitos foram os autores que viram os seus livros apreendidos ou foram presos, como [[Soeiro Pereira Gomes]], [[Aquilino Ribeiro]], [[José Régio]], [[Maria Lamas]], [[Rodrigues Lapa]], [[Urbano Tavares Rodrigues]], [[Alves Redol]], [[Alexandre Cabral]], [[Orlando da Costa]], [[Alexandre O´Neil]], [[Alberto Ferreira]], [[António Borges Coelho]], [[Virgílio Martinho]], [[António José Forte]], [[Alfredo Margarido]], [[Carlos Coutinho]], [[Carlos Loures]], [[Amadeu Lopes Sabino]], [[Fátima Maldonado]], [[Hélia Correia]], [[Raul Malaquias Marques]], entre muitos outros.

Aquilino Ribeiro, por exemplo, viu apreendido o seu livro ''[[Quando os lobos uivam]]'', de [[1958]]. O regime considerava o livro injurioso para o Estado português, pelo que lhe moveu um processo crime que foi, entretanto arquivado, no âmbito de uma aministia e depois de um movimento de apoio ao escritor por parte de intelectuais de renome estrangeiros, principalmente franceses, como [[François Mauriac]], [[Louis Aragon]] e [[André Maurois]]. Por ocasião da sua morte, e em sequência de diversas homenagens ao escritor, a censura proibiu qualquer notícia referente as estes eventos.

Em [[1965]], a [[Sociedade Portuguesa de Autores]] teve a ousadia de atribuir o «Prémio Camilo Castelo Branco» ao escritor [[angola]]no Luandino Vieira, pelo seu livro ''[[Luuanda]]''. Luandino cumpria, na altura, uma pena de 14 anos de prisão, no [[Tarrafal]], sob a acusação de terrorismo (lutava pela independência de Angola). A consequência foi a extinção da Sociedade, por despacho do Ministério da Educação, e da vandalização da sua sede em Lisboa. A notícia foi proibida em todos os jornais. [[Jaime Gama]], que escreveu um artigo sobre o assunto no jornal "Açores", que depois se transformou no "[[Açoriano Oriental]]", foi, por isso, preso pela PIDE.

No cinema, por exemplo, o regime, além de proibir determinados filmes e cenas, procurou dificultar a transmissão de determinadas ideias para o público menos alfabetizado. Assim, a Lei 2027 de [[1948]], quando [[António Ferro]] dirigia o Secretariado Nacional de Informação, proibia a [[dobragem]] de filmes estrangeiros: "''não é permitida a exibição de filmes de fundo estrangeiros dobrados em língua portuguesa nem a importação de filmes de fundo estrangeiros falados em língua portuguesa, excepto os realizados no Brasil''". Esta lei, que hoje em dia agrada a muitos cinéfilos por manter o som original dos filmes não tinha, contudo, qualquer justificação de índole [[estética]]: o que se passava era que a legendagem era mais facilmente adulterada, ficando determinadas partes dos filmes sem tradução ou propositadamente mal traduzida, de modo a não focar determinados assuntos proibidos. Mais grave era o que acontecia em Espanha, onde se dobravam os filmes e se colocavam na boca dos actores as palavras que os censores entendiam, sem que o público tivesse oportunidade sequer de confrontar o novo diálogo com o original (o que as legendas permitiam a quem soubesse a língua original). Sobre "Censura e Cinema em Portugal" existe uma obra indispensável, da autoria de Lauro António, que não só relembra a história da censura em Portugal, como documenta o seu exercício durante o Estado Novo, com centenas de exemplos recolhidos directamente dos arquivos da censura.

Vários intelectuais portugueses têm demonstrado de várias formas como a censura tem sido castradora para o desenvolvimento cultural nacional. Alguns autores indicam mesmo que reside na censura a causa de as elites culturais portuguesas terem-se definido, ao longo do tempo, como uma "aristocracia fechada", desligada do resto da população. Isso nota-se, por exemplo, no fosso que existe entre a cultura popular e a "alta cultura" - por um lado existe a cultura dos arraiais, da [[música pimba]], dos [[rancho folclórico|ranchos folclóricos]] (muito incentivados pela política do Estado Novo) e, por outro, uma literatura que atinge por vezes graus extraordinários de complexidade, o que a torna totalmente inacessível para a maioria da população; um [[cinema de autor]] incompreensível para qualquer português de cultura média, etc.

==Na actualidade==
A liberdade de expressão foi, sem dúvida, uma das conquistas do [[Revolução dos Cravos|25 de Abril de 1974]]. Rapidamente apareceram também as críticas de determinados sectores da população que se insurgiam contra o "excesso de liberdade" que tomava conta dos jornais, revistas, televisão, rádio, teatro e cinema. Filmes até então proibidos passaram a ser exibidos, alguns com fartos anos de atraso, para gáudio de uns e para horror de outros. A crítica social e política nos teatros (por exemplo, no [[teatro de revista]]) e na televisão tornou-se vulgar.

A [[Constituição Portuguesa de 1976]] voltou a consagrar a liberdade de expressão e informação (artigo 37.º) e a liberdade de imprensa (artigo 38.º). Revisões posteriores alargaram a liberdade de expressão para todos os meios de comunicação social.

Ocasionalmente, o fantasma da censura, contudo, ainda paira e são feitas acusações a determinadas entidades patronais, ao governo e a lobbies de moverem influências junto dos órgãos de comunicação. [[Herman José]], em [[1988]], teve de terminar abruptamente a transmissão dos episódios da série "Humor de Perdição". O Conselho de Gerência da [[RTP]] (então presidido por Coelho Ribeiro, que, antes de 1974, fora da censura prévia aos espectáculos de teatro com Beckert da Assunção) justificou o acto devido às famosas "entrevistas históricas", escritas por [[Miguel Esteves Cardoso]], onde personagens da História de Portugal eram apresentadas de forma pouco digna - referências à suposta [[homossexualidade]] de [[Sebastião de Portugal|D. Sebastião]], por exemplo, são frequentemente apontadas como a causa da censura.

Em 1979, o [[humorista]] [[Augusto Cid]], vê dois livros apreendidos, "O Superman" e "Eanito, o estático" a pedido do então [[Presidente da República]] [[Ramalho Eanes]]. Proibição essa que não surtiu efeito pois os livros podiam ser encontrados à venda em todos os locais com excepção das livrarias.{{carece de fontes|data=Dezembro de 2008}}

O Humorista [[José Vilhena]] também viu várias publicações suas apreendidas, sendo o único Português a quem tal aconteceu, antes e depois da Revolução dos Cravos.{{carece de fontes|data=Dezembro de 2008}}

Em [[1992]], o subsecretário da Cultura, [[Souza Lara]], vetou a candidatura do romance "[[O Evangelho Segundo Jesus Cristo]]", de [[José Saramago]], ao Prémio Literário Europeu, justificando tal decisão dizendo que a obra não representava Portugal mas, antes, desunia o povo português. Em consequência do que considerou ser um acto de censura por parte do governo português, Saramago mudou-se em [[1993]] para [[Espanha]], passando a viver em [[Lanzarote]], nas ilhas [[Canárias]].

Em [[2004]], houve o "''caso [[Marcelo Rebelo de Sousa]]''", comentador político (antigo dirigente do [[Partido Social Democrata (Portugal)|PSD]]) que, estando a trabalhar na estação televisiva [[TVI]], terá recebido pressões por parte do presidente da estação, [[Miguel Paes do Amaral]] e do ministro dos Assuntos Parlamentares, [[Rui Gomes da Silva]], para que deixasse de criticar de forma tão virulenta o governo.

Em [[2007]], a ''Censura'' portuguesa atinge proporções internacionais. Computadores do [[CEGER]] - o Centro de Gestão Informática do Governo - apagaram secções do artigo de [[José Sócrates]] nas [[Wikipédia]]s [[Wikipédia lusófona|lusófona]] e [[Wikipédia anglófona|anglófona]], relacionadas com o caso da [[Universidade Independente]]. As alterações provocadas pelos tais computadores foram desfeitas e, na Wikipédia lusófona, o artigo foi bloqueado a alterações por parte de computadores não-registados.

==Referências bibliográficas==
* ANASTÁCIO, Vanda, [http://www.vanda-anastacio.at/articles/Leituras%20Perigosas.pdf Leituras Potencialmente Perigosas - Reflexões sobre as traduções castelhanas de Os Lusíadas no tempo da União Ibérica] - acesso a 8 de Março de 2007
* ANTÓNIO, LAURO, "Cinema e Censura em Portugal", 1º edição, Arcádia, Lisboa, 1978; 2ª edição, Biblioteca Museu República e Resistência, Lisboa, 2001.
* BANHA DE ANDRADE, A. A., '''Censura''', ''in'' "Enciclopédia Verbo Luso-Brasileira da Cultura, Edição Século XXI", Volume VI, Editorial Verbo, Braga, Setembro de 1998
* BRANDÃO, José; [http://www.vidaslusofonas.pt/livros_e_censura.htm OS LIVROS E A CENSURA EM PORTUGAL] in ''Vidas Lusófonas'' - acesso a 8 de Março de 2007
* [http://dossiers.publico.pt/shownews.asp?id=1207997&idCanal=1355 Caso Marcelo Rebelo de Sousa] in Público, 20 de Outubro de 2004 - acesso a 8 de Março de 2004
* [http://www.publico.clix.pt/docs/cmf/autores/joseSaramago/terceiraVezCensurado.htm "É a terceira vez que sou censurado por Sousa Lara"] in Público, 10 de Maio de 1992 - acesso a 8 de Março de 2007
* FRANCO, Graça; '''A Censura à Imprensa (1820 - 1974)''', Imprensa Nacional Casa da Moeda, Lisboa, 1993 ISBN 972-27-0570-9
*[http://www.citi.pt/hermanet/perdicao_01.html Herman José: Perdição] ''in'' "A Caixa da Sorte" - acesso a 8 de Março de 2006
* RODRIGUES, Graça Almeida; '''[http://www.instituto-camoes.pt/CVC/bdc/eliterarios/054/bb054.pdf Breve história da censura Literária em Portugal]'''; Amadora; Ministério da Educação e Ciência, 1980.
* KARIMI, Kian-Harald; '''Auf der Suche nach dem verlorenen Theater: Das portugiesische Gegenwartsdrama unter der politischen Zensur (1960-1974)'''; Peter Lang, Frankfurt/Main-New York,1991 (com documentos da censura salazarista no teatro).
* KARIMI, Kian-Harald; '''Es wird nicht diskutiert!' Die Ordnung des Diskurses im Neuen Staat''' in: Thorau, Henry (Ed.): Portugiesische Literatur, Suhrkamp, Frankf./M. 1997, pp. 236-258.
* SANTOS, Cândido dos; [http://www4.crb.ucp.pt/biblioteca/Mathesis/Mat13/Mathesis13_67.pdf "Os Jansenistas Franceses e os Estudos Eclesiásticos na Época de Pombal"] - acesso a 8 de Março de 2007
* SOUSA, Nuno J. Vasconcelos de Albuquerque; '''A Liberdade de Imprensa''', Almedina, Coimbra, 1984
* MARQUES, A. H. de Oliveira; '''História de Portugal, Vol. III'''; 3.ª Edição; Palas Editores, Lisboa; Março de 1986.
* MATOS, Manuel Cadafaz de; '''[http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/2864.pdf Erasmo e os índices inquisitoriais portugueses no século XVI]''' - acesso a 8 de Março de 2007

[[Categoria:Cultura de Portugal]]
[[Categoria:História de Portugal]]

[[en:Censorship in Portugal]]
[[es:Censura en Portugal]]

Revisão das 17h03min de 26 de janeiro de 2009

O PARGANA È DEFICIENTE E GOSTA DE RIDE A PONY