Defaunação

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Fotografia de medicamentos ilegais vendidos no mercado de Laomeng, perto do condado de Yuanyang, na China. Os produtos incluem garra de tigre, pênis de tigre e chifres de cabra.

Defaunação consiste na diminuição da riqueza, diversidade e/ou biomassa de animais da floresta que ocorre principalmente devido à caça e fragmentação do habitat. Reduz de forma rápida e drástica as espécies de mamíferos e aves de médio e grande porte, tendo consequências imediatas na demografia, diversidade e densidade de espécies animais.

Como consequências da defaunação, há a quebra ou relaxamento das interações animal-planta, interferindo na dinâmica florestal, o que tem sérias implicações sobre a manutenção dos ecossistemas.[1][2] [3]


Defaunação e Fragmentação de Habitats[editar | editar código-fonte]

A fragmentação do habitat causa não só a perda de várias espécies vegetais, mas também contribui com a defaunação. As populações animais em áreas muito fragmentadas tornam-se mais isoladas, o acesso de caçadores é mais fácil e há uma redução do número de habitats disponíveis.[4] [5]

Relações negativas entre o tamanho da área e o grau de caça foram encontradas na Amazônia e a extinção de espécies ocorre mais rápido em áreas menores que sofrem caça moderada ou intensa.[6]

A defaunação em fragmentos florestais pode levar à redução no recrutamento de plantas zoocóricas com sementes grandes, aumento na predação de sementes por pequenos roedores, e dominância de espécies pioneiras com sementes pequenas. Essas falhas no recrutamento podem acompanhar o gradiente de defaunação dos fragmentos.

A Caça[editar | editar código-fonte]

Na maioria das florestas tropicais, os animais mais caçados são os ungulados, roedores e primatas de grande porte, pois além de apresentarem uma grande biomassa, vivem em grandes grupos e forrageiam em locais previsíveis. Espécies de pequeno porte como gambás, carnívoros, edentados e primatas raros normalmente são negligenciadas pelos caçadores e animais como ratos, morcegos e primatas de pequeno porte quase nunca são caçados.[7][8]

Espécies menos sensíveis à caça ou aquelas raramente caçadas podem ter suas densidades altamente afetadas, caso as espécies preferenciais e mais sensíveis já se encontrarem escassas ou inexistentes.[9][10][11]


Defaunação e as Plantas[editar | editar código-fonte]

A ausência de herbívoros de médio a grande porte pode levar a uma dominância das espécies vegetais, pois esses animais são seletivos no consumo de sementes e plântulas. A consequência da defaunação é um aumento na densidade e na sobrevivência de plântulas, o que pode reduzir a diversidade vegetal ao longo do tempo.[1] [8] [11]

As taxas de remoção e predação de sementes e distâncias de dispersão de sementes são menores em áreas com menor número de agentes dispersores e em áreas intensamente caçadas. As taxas de predação de sementes por microrganismos e insetos são maiores em áreas intensamente caçadas pelo aumento do número de sementes embaixo da planta-mãe que não são removidas devido às baixas densidades de vertebrados.[1]

A ausência de animais dispersores de sementes pode afetar tanto a quantidade da dispersão, pela redução no número de sementes dispersas, quanto a qualidade da dispersão, a qual pode ocorrer se o dispersor substituto manipula ou deposita as sementes em locais inapropriados para o seu sucesso no estabelecimento e germinação .[12]


Impactos da defaunação em diferentes biomas[editar | editar código-fonte]

O sucesso reprodutivo de diversas espécies de plantas está diretamente ligado a funções ecológicas exercidas por animais .[13] A caça e perda de habitat são fatores que afetam a comunidade de mamíferos em florestas tropicais, acarreta sérios efeitos tróficos podendo levar a um aumento na abundância de roedores em locais defaunados, afetando os processos ecológicos, como a predação de sementes.[1]

A defaunação tem inúmeras consequências sobre os diferentes biomas e pode ser conduzido por diferentes condutores (drivers) de forma direta e indireta. Diretamente pela caça e comercio ilegal de animais, gerando impactos de magnitude considerável, por exemplo, da ordem de 23 milhões de animais vertebrados (mamíferos e pássaros) mortos anualmente na Amazônia brasileira .[2] Outro condutor direto é a invasão de planta (geralmente exótica) ou taxa animal, que pode deslocar os animais nativos de um dado ecossistema.[14] De maneira indireta, a mudança no uso da terra, segundo o qual a redução da área e isolamento dos habitats naturais impede espécies de manter populações geneticamente e demograficamente viáveis.[15] Os efeitos da fragmentação de habitat têm sido estudados em várias regiões e com muitos grupos taxonômicos, pois os impactos negativos sobre a biodiversidade são muito expressivos .[4] No Brasil, estudos sobre a fragmentação de habitat têm sido desenvolvidos desde a década de 70, com uma grande ênfase em ecossistemas tipicamente florestais, como a Amazônia e a Mata Atlântica.[6] Talvez por sua natureza não-florestal, os estudos de fragmentação no Cerrado são mais escassos, embora o bioma tenha sido, em termos absolutos, o que mais perdeu área para as atividades antrópicas como a agricultura e pecuária, que impulsionaram, particularmente, a construção de estradas e por isso vem sofrendo os impactos negativos deste processo.[16] Esse tipo de interferência possui um mecanismo de fragmentação de alto impacto, removendo a cobertura vegetal original, gerando efeito de borda e alterando a função e a estrutura da paisagem .[5] Este tipo de modificação acarreta em sérios impactos à fauna de vertebrados em processos de deslocamento para superar rodovias, como barreira artificial, elevando o índice de mortalidade, além de facilitar o acesso de ações antrópicas como a caça de várias outras espécies.[7][17] A caça a aves como tucanos e arapongas acelera a perda de diversidade da Mata Atlântica .[3][10] As flores deixam de ser polinizadas e as sementes, além de dispersas em uma área mais restrita, tornam-se cada vez menores, e com menor potencial de germinação.[11]

Alterações na dinâmica da vegetação em florestas tropicais podem ser traduzidas em impactos em escala global, porque a maioria das árvores das florestas tropicais, onde a grande quantidade do carbono na Terra está armazenado, dependem dos serviços de dispersão de vertebrados frugívoros.[8] Portanto, a defaunação em diferentes locais pode ter coletivamente um efeito dominó em todo o globo.[18][19] Os fenômenos que ocorrem via esses efeitos em multiescala, irão variar de acordo com os níveis biológicos de organização, a partir de alterações comportamentais e fisiológicas de organismos individuais, mudanças no processo ecossistêmico dentro de biomas e o seu potencial de conduzir mudanças na escala evolutivas ao longo do tempo.[8]

Referências

  1. a b c d WRIGHT, S.J.; ZEBALLOS , H.; DOMÍNGUEZ, I.; GALLARDO, M.M.; MORENO, M.C.; IBÁÑEZ, R. Poachers alter mammal abundance, seed dispersal and seed predation in neotropical forest. Conservation Biology, v.14, n.4, p.227-239, 2000.
  2. a b METZGER JP ET AL., 2009. Time-lag in biological responses to land scape changes in a highly dynamic Atlantic forest region. Biological Conservation, 142:1166-1177.
  3. a b FERREIRA, A.A. et al. Levantamento de animais silvestres atropelados na BR-153/GO-060 nas imediações do Parque Altamiro de Moura Pacheco. In:
  4. a b POULSEN, J.R., CLARK, C.J., PALMER, T.M., 2013. Ecological erosion of an Afrotropical forest and potential consequences for tree recruitment and forest biomass. Biol.Conserv. 163, 122–130
  5. a b FERREIRA, A.A. et al. Levantamento de animais silvestres atropelados na BR-153/GO-060 nas imediações do Parque Altamiro de Moura Pacheco. In:
  6. a b METZGER JP ET AL., 2009. Time-lag in biological responses to land scape changes in a highly dynamic Atlantic forest region. Biological Conservation, 142:1166-1177.
  7. a b PEÑA, A.P.; DRUMOND, M.E. Levantamento de vertebrados mortos por atropelamento na rodovia GO-244 – Área de influência do projeto de irrigação “Luiz Alves do Araguaia”. Relatório apresentado ao IBAMA, não publicado. 1999.
  8. a b c d GALETTI, M., DIRZO, R. 2013. Ecological and evolutionary consequences of living in a defaunated world. Biological Conservation 163: 1-06
  9. GALBIATI, L. A.; GALETTI, M.; NEVES, C. L.;GIACOMINI, H. C. 2009. Defaunation effects on seed palm predation of atlantic forest.
  10. a b BROCARDO, C.R. Defaunação em uma área contínua de Mata Atlântica e consequências para o sub-bosque florestal. Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual Paulista “Julio Mesquita Filho”, Instituto de Biociências- Rio Claro, 2011
  11. a b c DONATTI, C. I. Consequências da defaunação na dispersão e predação de sementes e no recrutamento de plântulas da palmeira brejaúva (Astrocaryum aculeatissimum) na Mata Atlântica. Dissertação (mestrado) – Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, Piracicaba, 2004.
  12. CORDEIRO, N. J.; HOWE, H.F. Low recruitment of trees dispersed by animals in African forests fragments. Conservation Biology, v. 15, n.6, p. 1733-1741, 2001.
  13. JORDANO, P., M. GALETTI, M. A. PIZO & W. R. SILVA. 2006. Ligando Frugivoria e Dispersão de Sementes à Biologia da Conservação. Pp. 411 – 436. In Rocha, C. F. D., H. G. Bergallo, M. V
  14. YOUNG, H.S., MCCAULEY, D.J., DUNBAR, R.B. & DIRZO, R.2010. Plants cause ecosystem nutrient depletion via the interruption of bird derived spatial subsidies. Proceedings of the National Academy of Sciences USA107: 2072–2077.
  15. DIXO, M., METZGER, J.P., MORGANTE, J.S.,ZAMUDIO, K.R., 2009. Habitat fragmentation reduces genetic diversity and connectivity among toad populations in the Brazilian Atlantic Coastal Forest. Biol. Conserv. 142, 1560–1569.
  16. MACHADO, R. B. (2000). A fragmentação do Cerrado e efeitos sobre a avifauna na região de Brasília-DF. Tese de Doutorado. Universidade de Brasília, Departamento de Ecologia, Brasília, DF.
  17. EITEN, G. (1972). The cerrado vegetation of Brazil. Botanical review 38: 201-341.
  18. ASHTON, M.S., TYRRELL, M.L., SPALDING, D., GENTRY, B., 2012. Managing Forest Carbon ina Changing Climate. Springer, London.Barnosky, A.D., 2008. Climatic change, refugia, and biodiversity: where do we go from here? An editorial comment. Climatic Change 86, 29–32.
  19. POULSEN, J.R., CLARK, C.J., PALMER, T.M., 2013. Ecological erosion of an Afrotropical forest and potential consequences for tree recruitment and forest biomass. Biol.Conserv. 163, 122–130