Discussão:Bento Prado Júnior

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O texto abaixo foi publicado na seção Opniões do do jornal "Comércio do Jahu" em 20/01/2007


Adeus caro amigo

Em 1994 resolvi deixar um cargo de engenheiro executivo que ocupava numa multinacional em São Paulo para me aprofundar mais em meus estudos acadêmicos. Fui para o Departamento de Engenharia Mecânica da USP de São Carlos onde completei o pós-doutorado e logo após me tornei professor colaborador da pós-graduação do departamento. São Carlos possui duas importantes Universidades: a USP e a UFSCar. Como é de se esperar, conheci inúmeras pessoas brilhantes e fiz muitas amizades, algumas das quais cultivo até hoje. Não é minha intenção falar sobre minha vida particular ou a respeito de outras cidades, mas sim de um amigo muito especial que tive o privilégio e a honra de conhecer em São Carlos: o Prof. Dr. Bento Prado Ferraz de Almeida Júnior. Nascido e criado em Jaú, Bento Prado, como era conhecido, foi professor de filosofia na Universidade de São Paulo (USP) de 1961 a 1969, época em que foi cassado pela ditadura militar e desligado da universidade por um decreto presidencial que aposentou 23 importantes docentes desta instituição. De 1970 a 1974, Bento Prado ficou exilado na França, onde fez pós-doutorado como pesquisador do Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS). Em 1977 recomeça sua carreira no Brasil, como professor de filosofia na UFSCar, em São Carlos e em 1998 lhe foi outorgado o prestigioso título de Professor Emérito de Filosofia da USP.

Meus primeiros contatos com Bento Prado foram casuais. Algumas vezes, após o término de minhas atividades na USP, me dirigia a uma lanchonete próxima à Universidade. Lá encontrava diversos alunos e professores universitários e nos reuníamos para conversar. Quase sempre lá estava Bento Prado que muito me impressionava com seu vasto conhecimento de filosofia, literatura e arte, entre outros assuntos. Às vezes havia professores de outros países e como anfitriões, nos esforçávamos para manter o diálogo no idioma alheio, inclusive o francês, sendo este um idioma que Bento Prado dominava magistralmente.

Apesar se sua simplicidade e irreverência, aos poucos fui sabendo mais a respeito de sua pessoa. Bento Prado era um dos maiores filósofos do Brasil e um dos grandes do mundo. Lembro-me que suas aulas eram cativantes e extremamente informativas. Uma vez um filósofo, colega nosso, me disse: “Em suas aulas, Bento se assemelha a um helicóptero que pousa em diversos locais do espaço e do tempo e sintetiza eventos passados de uma forma clara, objetiva e sempre de maneira surpreendente”. Os anfiteatros onde ele lecionava estavam sempre lotados e uma grande parte da audiência não era composta por alunos de filosofia e muitos sequer eram de São Carlos. Vinha apenas para assistir uma aula do famoso e ilustre Bento Prado, o mestre dos mestres. Foi autor de diversas obras importantes como: “Alguns ensaios: Filosofia, Literatura e Psicanálise”, “Filosofia da Psicanálise” e “Erro, Ilusão, Loucura”, entre outros. Em 2002, lançou, em Paris, a tradução francesa de sua obra “Presença e Campo Transcendental: Consciência e Negatividade na Filosofia de Bergson”. Colaborou também com diversas instituições, como a Unicamp, a Unesp e PUC-SP. Além de ilustre acadêmico, o mesmo era, também, bem conhecido nas altas esferas da política nacional. Lembro-me que o Exmo. Dr. Fernando Henrique Cardoso, então presidente da república, sempre que podia, vinha pessoalmente cumprimentá-lo em suas festas de aniversário.

Depois de alguns anos ficamos bons amigos e era para mim sempre muito agradável sair para conversar com Bento Prado. Não me esquecerei jamais de nossos encontros. Ele, sempre alegre, com o braço esticado, me saudava com um sorriso maroto de uma criança travessa: “Olá Duarte, como vai?” Nossa conversa era bem eclética, cobria inúmeros temas e o tempo passava mais rápido do que percebíamos. Bento Prado era aficionado por artes marciais e às vezes conversávamos horas sobre este tema. Em 1998 lhe presenteei com um diploma simbólico de faixa preta de caratê, uma pequena lembrança que muito lhe agradou. Era um homem eclético, um gênio em todos os sentidos da palavra. Talvez um dos mais célebres e ilustres filhos de Jaú e certamente um dos mais importantes filósofos do Brasil.

Na sexta feira passada, doze de janeiro, fiquei chocado ao ler no Comércio do Jahu que Bento Prado havia falecido. Eu sabia que ele estava doente e planejava visitá-lo em São Carlos, porém, o destino foi mais rápido; findou-se o diálogo! Descanse em paz caro amigo, onde quer que você esteja. Que Deus lhe dê um lugar privilegiado, adequado aos grandes gênios, que de vez em quando Ele envia para passar uma temporada aqui na terra, junto de nós, seres humanos comuns.

Durval Duarte Júnior é engenheiro nuclear, professor colaborador da pós-graduação da EESC-USP e pesquisador sênior da FEM-UNICAMP. dduartes@globo.com.