Mostrar código-fonte de Revolta de Kronstadt

{{Info/Guerra
| nombre = Revolta de Kronstadt
| parte_da = {{nobold|Parte da}} [[Guerra Civil Russa]]
| imagem = [[Ficheiro:Kronstadt attack.JPG|300px]]
| legenda = Tropas do [[Exército Vermelho]] atacam [[Kronstadt]] sobre o mar congelado.
| data = [[1 de março|1]]-[[18 de março]] de [[1921]]
| local = [[Kronstadt]]
| resultado = Repressão dos rebeldes <br /> Implatanção da [[Nova Política Econômica]] <br /> Eliminação da oposição política
| combatente1 = {{flag |RSFS da Rússia|1918}}<br /> [[Ficheiro:Red Army flag (Fictitious).svg|border|20px]] [[Exército Vermelho]]
| combatente2 = [[Ficheiro:Petropavlovsk-Krondstadt flag.svg|border|20px]] Marinheiros e soldados rebeldes da Frota do Báltico<br /> [[Ficheiro:Petropavlovsk-Krondstadt flag.svg|border|20px]] Cidadãos armados de Kronstadt
| comandante1 = [[Ficheiro:Red Army flag (Fictitious).svg|border|20px]] [[Mikhail Tukhachevsky]]<br /> [[Ficheiro:Red Army flag (Fictitious).svg|border|20px]] [[Leon Trótski]]
| comandante2 = [[Ficheiro:Petropavlovsk-Krondstadt flag.svg|border|20px]] [[Stepan Petrichenko]]
| força1 = [[Ficheiro:Red Army flag (Fictitious).svg|border|20px]] {{formatnum|45000}} <small>([[15 de março]])</small><ref>Bookchin, Murray (2004). ''[http://books.google.cl/books?id=QBTLrRnq6MUC&printsec=frontcover&hl=es#v=onepage&q&f=false The Third Revolution: Popular Movements in the Revolutionary Era]''. Tomo III. Londres; Nueva York: A&C Black, pp. 324. ISBN 978-0-82645-054-8.</ref><br /> [[Ficheiro:Red Army flag (Fictitious).svg|border|20px]] {{formatnum|50000}} <small>([[17 de março]])</small><ref>Mccauley, Martin (2013) [2008]. ''[http://books.google.cl/books?id=uqWsAgAAQBAJ&printsec=frontcover&hl=es#v=onepage&q&f=false The Rise and Fall of the Soviet Unión]''. Abingdon; Nueva York: Routledge, pp. 64. ISBN 978-1-31786-783-8.</ref><ref>Ragsdale, Hugh (1996). ''[http://books.google.cl/books?id=4R8cG837RegC&printsec=frontcover&hl=es#v=onepage&q&f=false The Russian Tragedy: The Burden of History]''. Armonk: M.E. Sharpe, pp. 192. ISBN 978-1-56324-755-2.</ref><ref name= Patenaude67 >Patenaude, Bertrand (2010). ''[http://books.google.cl/books?id=81Se6bj7D0YC&printsec=frontcover&hl=es#v=onepage&q&f=false Stalin's Nemesis: The Exile and Murder of Leon Trotsky]''. Londres: Faber & Faber, pp. 67. ISBN 978-0-57125-834-5.</ref><ref name= Bookchin325 >Bookchin (2004), p. 325</ref>
| força2 = [[Ficheiro:Petropavlovsk-Krondstadt flag.svg|border|20px]] {{formatnum|15000}}<ref name= Patenaude67 /><ref name= Bookchin325 /><ref>Schwartz, Stephen (1986). ''[http://books.google.cl/books?id=r7jnaMCRCfMC&printsec=frontcover&hl=es#v=onepage&q&f=false Brotherhood of the Sea: A History of the Sailors' Union of the Pacific, 1885-1985]''. New Brunswick: Transaction Publishers, pp. 54. A população da ilha em 1921 era de {{formatnum|50000}} pessoas. ISBN 978-0-88738-121-8.</ref><ref>Getzler, Israel (2002). ''Kronstadt 1917-1921: The Fate of a Soviet Democracy''. Cambridge: Cambridge University Press, pp. 9. ISBN 9780521894425. Em fevereiro de 1917 a base teria {{formatnum|20000}} soldados e {{formatnum|12000}} marinheiros.</ref>
| vítimas1 = {{formatnum|10000}} mortos, feridos e desaparecidos<ref name= Bookchin325 />
| vítimas2 = 600 mortos, {{formatnum|1000}} feridos, {{formatnum|2500}} prisioneiros, 800 cidadãos e 700 marinheiros e soldados refugiados na Finlândia<ref name= Bookchin325 />
}}
{{Socialismo libertário}}
A '''Revolta de Kronstadt''' foi uma [[insurreição]] dos marinheiros da [[Frota Naval Militar da União Soviética]] da cidade portuária de [[Kronstadt]] contra o [[Conselho do Comissariado do Povo|governo]] da [[República Socialista Federativa Soviética da Rússia]]. Foi a última grande revolta contra o regime bolchevique no território russo durante a [[Guerra Civil Russa|guerra civil]] que assolou o país. A revolta iniciou-se em 1º de março de 1921 na fortaleza naval da cidade, localizada na [[ilha de Kotlin]], no [[golfo da Finlândia]]. Tradicionalmente, Kronstadt servia como base da frota russa do [[Báltico]] e da defesa de [[São Petersburgo]] (então Petrogrado), localizada a 30 km da ilha. Durante dezesseis dias, os rebeldes insurgiram-se em oposição ao governo soviético que eles mesmos haviam ajudado a consolidar.<ref name="avrich9">[[#Bibliografia|Avrich (2004)]], p. 9</ref>

Os rebeldes, entre os quais muitos comunistas decepcionados com os rumos do governo [[bolchevique]], exigiam uma série de reformas, tais como a eleição de novos sovietes, inclusão de partidos socialistas e grupos anarquistas nos novos sovietes e o fim do monopólio bolchevique no poder, [[liberdade econômica]] para camponeses e operários, dissolução dos órgãos burocráticos do governo criados durante a guerra civil e a restauração de [[direitos civis]] para a classe trabalhadora. Apesar da influência de alguns partidos da oposição, os marinheiros não apoiaram nenhum em particular.

Convencidos da popularidade das reformas pelas quais lutavam e que tentaram aplicar parcialmente durante a revolta, os marinheiros de Kronstadt esperaram em vão o apoio da população no resto do país e rejeitaram ajuda de emigrados. Apesar de os conselhos de oficiais defenderem uma estratégia mais ofensiva, os rebeldes mantiveram uma atitude passiva ao esperar do governo o primeiro passo nas negociações, o que acabou por isolar as forças continentais. As autoridades, pelo contrário, adotaram uma postura intransigente, apresentando um ultimato exigindo a rendição incondicional no dia 5 de março. Uma vez expirado o prazo da rendição, os bolcheviques enviaram uma série de incursões militares contra a ilha, conseguindo reprimir a revolta em 17 de março após uma série de fracassos e muitas baixas. Houve alguns focos de resistência na ilha, eliminados em 18 de março.

Os rebeldes foram considerados mártires revolucionários por seus partidários e classificados como "agentes da [[Tríplice Entente|Entente]] e da contrarrevolução" pelas autoridades. A resposta bolchevique à revolta causou grande controvérsia e foi responsável pela desilusão de vários simpatizantes do regime estabelecido pelos bolcheviques,<ref name="avrich9"/> como [[Emma Goldman]], por exemplo. Porém, ainda que a revolta tenha sido reprimida e as exigências políticas dos rebeldes não tenham sido atendidas, ela serviu para acelerar a implantação da [[Nova Política Econômica]] (NEP), que substituiu o "[[comunismo de guerra]]".<ref name="chamberlin445">[[#Bibliografia|Chamberlin (1965)]], p. 445</ref>

==Contexto==

No outono de 1920, a [[Guerra Civil Russa]] estava chegando ao fim.<ref name="chamberlin431">[[#Bibliografia|Chamberlin (1965)]], p. 431</ref> Em 12 de outubro o governo soviético firmava um armistício com a [[Polônia]] e três semanas mais tarde o último grande general [[Exército Branco|branco]], [[Pyotr Nikolayevich Wrangel]], abandonava a [[Crimeia]],<ref name="avrich13">[[#Bibliografia|Avrich (2004)]], p. 13</ref> e em novembro o governo conseguira dispersar as forças de [[Nestor Makhno]] na [[Ucrânia]].<ref name="avrich13"/> [[Moscou]] havia recuperado o controle do [[Turquistão]], da [[Sibéria]] e da Ucrânia, além das regiões carboníferas e petrolíferas de [[Donetsk]] e [[Baku]], respectivamente; em fevereiro de 1921, as forças do governo reconquistaram a região do [[Cáucaso]] com a tomada da [[Geórgia]].<ref name="avrich13"/> Apesar de alguns combates prosseguirem em algumas regiões (contra Makhno na Ucrânia, em um combate que durou até o final de outono; contra [[Alexandre Antonov|Antonov]] em [[Revolta de Tambov|Tambov]]; no [[Daguestão]] e na [[Sibéria]] contra revoltas camponesas), estes não representavam uma séria ameaça militar para o poderio comunista.<ref name="chamberlin430"/>

O governo de [[Lênin]], após ter abandonado as esperanças de uma revolução comunista mundial, tratou de consolidar o poder localmente e normalizar suas relações com as potências ocidentais, que interromperam sua [[Intervenção dos Aliados na Guerra Civil Russa|intervenção na guerra civil]]<ref name="chamberlin430">[[#Bibliografia|Chamberlin (1965)]], p. 430</ref> e iniciaram um bloqueio econômico<ref name="chamberlin430"/> ao país.<ref name="chamberlin430"/><ref name="avrich13"/> Ao longo de 1920, firmaram-se diversos tratados com a [[Finlândia]] e outras repúblicas bálticas; em 1921 houve acordos com a [[Pérsia]] e o [[Afeganistão]].<ref name="avrich14">[[#Bibliografia|Avrich (2004)]], p. 14</ref> Apesar da vitória militar e da melhora nas relações exteriores, a Rússia enfrentava uma grave crise social e econômica,<ref name="avrich14"/> que ameaçava Lênin e seus partidários.<ref name="chamberlin430"/>

== Causas da revolta ==
===Crise econômica e política===

A revolta na base naval de Kronstadt começou como um protesto pela situação do país.<ref name="daniels241">[[#Bibliografia|Daniels (1951)]], p. 241</ref> Ao fim da guerra civil, a Rússia estava arruinada.<ref name="mawdsley506">[[#Bibliografia|Mawdsley (1973)]], p. 506</ref><ref name="avrich14"/><ref name="chamberlin431"/> O conflito havia deixado um grande número de vítimas e o país estava assolado pela fome e doenças.<ref name="chamberlin431"/><ref name="avrich14"/> A produção agrícola e industrial reduzira-se drasticamente e o sistema de transporte encontrava-se desorganizado.<ref name="avrich14"/> As secas de 1920 e 1921 ajudaram a completar um cenário catastrófico para o país.<ref name="chamberlin431"/>

A chegada do inverno e a manutenção<ref name="chamberlin431"/> do "[[comunismo de guerra]]" e de diversas privações pelas autoridades soviéticas levaram ao aumento das tensões no campo<ref name="avrich36">[[#Bibliografia|Avrich (2004)]], p. 36</ref> (como na [[Revolta de Tambov]]) e nas cidades, especialmente em [[Moscou]] e [[Petrogrado]] — onde ocorreram greves e manifestações<ref name="daniels241"/> — no começo de 1921.<ref name="avrich41">[[#Bibliografia|Avrich (2004)]], p. 41</ref> Por conta da manutenção e reforço dos métodos do "comunismo de guerra", as condições de vida haviam piorado ainda mais após o fim dos combates.<ref name="chamberlin432">[[#Bibliografia|Chamberlin (1965)]], p. 432</ref>

O estopim dos protestos<ref name="chamberlin440"/> foi um anúncio governamental, dado em 22 de janeiro de 1921, determinando a redução das rações de pão em um terço para os habitantes de todas as cidades.<ref name="avrich41"/><ref name="chamberlin432"/> As grandes nevascas e a falta de combustível, fatores que impediam o transporte dos alimentos estocados na Sibéria e no Cáucaso para abastecer as cidades, obrigaram as autoridades a tomarem tal medida,<ref name="chamberlin432"/> porém mesmo essa justificativa não foi capaz de evitar o descontentamento popular.<ref name="avrich41"/> Em meados de fevereiro, os trabalhadores começaram a se manifestar em Moscou; tais manifestações eram precedidas por reuniões operárias nas fábricas e oficinas. Os operários exigiam o fim do "comunismo de guerra" e liberdade de trabalho. Os enviados do governo não conseguiram apaziguar a situação.<ref name="avrich41"/> Logo surgiram revoltas que só puderam ser reprimidas mediante o uso de cadetes e tropas armadas.<ref name="avrich42">[[#Bibliografia|Avrich (2004)]], p. 42</ref>

Quando a situação parecia se acalmar em Moscou, os protestos estouraram em Petrogrado,<ref name="schapiro296"/> onde cerca de 60% das grandes fábricas tiveram que fechar em fevereiro por conta da falta de combustível<ref name="schapiro296"/><ref name="chamberlin432"/> e o abastecimento de alimentos havia praticamente cessado.<ref name="avrich43">[[#Bibliografia|Avrich (2004)]], p. 43</ref> Assim como em Moscou, as manifestações e exigências eram precedidas por reuniões nas fábricas e oficinas.<ref name="avrich43"/> Diante da escassez das rações alimentares dadas pelo governo e apesar da proibição do comércio, os trabalhadores organizavam expedições para buscar suprimentos nas zonas rurais perto das cidades; as autoridades trataram de eliminar tais atividades, o que aumentou o descontentamento popular.<ref name="schapiro297">[[#Bibliografia|Schapiro (1965)]], p. 297</ref> Em 23 de fevereiro, uma reunião na pequena fábrica Trubochny aprovou uma medida favorável ao aumento das rações e da distribuição imediata de roupas de inverno e calçados que, segundo rumores, estavam sendo entregues praticamente apenas para os bolcheviques.<ref name="avrich43"/> No dia seguinte, os trabalhadores convocaram um protesto e, apesar de não terem conseguido convencer os soldados do regimento finlandês a se unirem a manifestação, contaram com o apoio de outros operários e de alguns estudantes, que marcharam pela ilha de Vasilievsky.<ref name="avrich43"/> O soviete local enviou cadetes que dispersaram os manifestantes sem que houvesse mortes.<ref name="avrich44">[[#Bibliografia|Avrich (2004)]], p. 44</ref> [[Grigori Zinoviev]] constituiu um "Comitê de Defesa" com poderes especiais para acabar com os protestos; estruturas semelhantes foram criadas nos diversos distritos da cidade na forma de ''[[troika]]s''.<ref name="avrich44"/> Os bolcheviques da província mobilizaram-se para enfrentar a crise.<ref name="schapiro297"/> Em 25 de fevereiro, houve novas manifestações, mais uma vez iniciadas pelos operários da Trubochny, e que dessa vez se espalharam por toda a cidade, em parte por conta de rumores sobre a ocorrência de vítimas da repressão na manifestação anterior.<ref name="avrich44"/> Diante do crescimento dos protestos, no dia 26 de fevereiro, o soviete local aprova uma medida que estabelecia o fechamento das fábricas com maior concentração de revoltosos, porém tal medida não apaziguou a situação e o movimento estendeu-se nos dias seguintes.<ref name="avrich47">[[#Bibliografia|Avrich (2004)]], p. 47</ref> Logo as reivindicações, de cunho econômico, passaram a ter também cunho político, o que era mais preocupante para os bolcheviques.<ref name="avrich47"/> Para acabar definitivamente com os protestos, as autoridades concentraram um grande número de tropas na cidade, trataram de fechar mais fábricas com grande concentração de rebeldes, proclamaram [[lei marcial]]<ref name="chamberlin440"/> e iniciaram uma campanha de detenções, executada pela [[Cheka]] e que resultou em milhares de pessoas presas.<ref name="avrich52">[[#Bibliografia|Avrich (2004)]], p. 52</ref> Cerca de quinhentos operários e dirigentes sindicais foram presos, assim como milhares de estudantes e intelectuais, além dos principais líderes [[menchevique]]s<ref name="avrich52">[[#Bibliografia|Avrich (2004)]], p. 52</ref> que ainda se encontravam livres — cinco mil mencheviques foram presos nos primeiros meses do ano. Os poucos [[anarquismo|anarquista]]s e [[Partido Socialista Revolucionário (Russo)|socialistas revolucionários]] livres também foram presos.<ref name="avrich52"/> As autoridades solicitaram aos trabalhadores que voltassem ao trabalho para evitar o derramamento de sangue e outorgaram certas concessões<ref name="schapiro298">[[#Bibliografia|Schapiro (1965)]], p. 298</ref> — permissão para ir ao campo para trazer comida às cidades, relaxamento dos controles contra a especulação, permissão da compra de carvão para aliviar a escassez de combustível, anúncio do fim dos confiscos de grãos —, além de terem aumentado as rações dos operários e soldados, mesmo à custa do esgotamento das escassas reservas de alimentos.<ref name="avrich53">[[#Bibliografia|Avrich (2004)]], p. 53</ref> Tais medidas fizeram com que os operários de Petrogrado voltassem ao trabalho entre os dias 2 e 3 de março.<ref name="avrich54">[[#Bibliografia|Avrich (2004)]], p. 54</ref>

===Crise governamental===

O autoritarismo bolchevique e a ausência de liberdades e de algumas reformas reforçavam a oposição e aumentavam o descontentamento por parte de seus próprios seguidores: na sua ânsia e em seu esforço de garantir o poder soviético, os bolcheviques na verdade favoreciam o crescimento da oposição.<ref name="daniels252">[[#Bibliografia|Daniels (1951)]], p. 252</ref>  O centralismo e a burocracia do "comunismo de guerra" aumentavam as dificuldades que deveriam ser enfrentadas.<ref name="daniels252"/>

Com o fim da guerra civil, surgiram grupos de oposição dentro do próprio partido bolchevique.<ref name="daniels252"/> Um dos grupos oposicionistas, de uma ala mais esquerdista e com um projeto muito próximo do [[sindicalismo]], almejava a direção do partido.<ref name="daniels252"/> Outra ala dentro do partido defendia a descentralização do poder, que deveria ser imediatamente entregue aos sovietes.<ref name="avrich36"/>

==A situação da base naval de Kronstadt e da frota do Báltico==

===Composição da frota===
[[Ficheiro:Anarkistimatruuseja.jpg|A tripulação do couraçado {{navio||Petropavlovsk|couraçado de 1911|2}}, durante o motim da frota do Báltico em março de 1917.|thumb]]
Desde 1917, as ideias anarquistas exerciam forte influência em Kronstadt.<ref name="daniels242"/><ref name="schapiro299">[[#Bibliografia|Schapiro (1965)]], p. 299</ref><ref name="chamberlin440"/> Os habitantes da ilha eram favoráveis à autonomia dos sovietes locais e consideravam a interferência do governo central indesejável e desnecessária.<ref name="avrich61">[[#Bibliografia|Avrich (2004)]], p. 61</ref> Núcleo de apoio radical aos sovietes, Kronstadt havia tomado parte em importantes acontecimentos do período revolucionário — como as [[Dias de Julho|Jornadas de Julho]],<ref name="schapiro298"/> a [[Revolução de Outubro]], o assassinato dos ministros do [[Governo Provisório Russo|Governo Provisório]]<ref name="schapiro298"/> e a dissolução da [[Assembleia Constituinte Russa de 1918|Assembleia Constituinte]] — e da guerra civil; mais de quarenta mil marinheiros da frota do Báltico participaram dos combates contra o [[Exército Branco]] entre 1918 e 1920.<ref name="avrich64">[[#Bibliografia|Avrich (2004)]], p. 64</ref> Apesar da participação em importantes conflitos ao lado dos bolcheviques e figurarem entre as mais ativas tropas a serviço do governo, os marinheiros desde o começo mostraram-se receosos diante da possibilidade de centralização do poder e da formação de uma ditadura.<ref name="avrich64"/>

A composição da base naval, entretanto, havia mudado durante a guerra civil.<ref name="daniels242">[[#Bibliografia|Daniels (1951)]], p. 242</ref><ref name="schapiro296"/> Muitos dos antigos marinheiros que a compunham haviam sido enviados para diversos outros pontos do país durante o conflito, sendo substituídos por camponeses ucranianos menos favoráveis ao governo bolchevique,<ref name="daniels242"/> porém a maioria<ref name="getzler207">[[#Bibliografia|Getzler (2002)]], p. 207</ref> dos marinheiros presentes em Kronstadt durante a revolta — cerca de três quartos — eram veteranos de 1917.<ref name="mawdsley509">[[#Bibliografia|Mawdsley (1973)]], p. 509</ref><ref name="getzler226">[[#Bibliografia|Getzler (2002)]], p. 226</ref> No começo de 1921, a ilha contava com uma população de cerca de cinquenta mil habitantes entre civis e militares — vinte e seis mil marinheiros e soldados — e, desde 1918, era a principal base da frota do [[Báltico]], após a evacuação de ''Reval'' (atual [[Tallinn]]) e ''Helsingfors'' (atual [[Helsinque]]) após a assinatura do [[Tratado de Brest-Litovsk]].<ref name="getzler205">[[#Bibliografia|Getzler (2002)]], p. 205</ref> Até a revolta, a base naval ainda considerava-se favorável aos bolcheviques, contando com diversos afiliados ao partido.<ref name="getzler205"/>

===Penalidades===
A frota do Báltico estava sendo reduzida desde o verão de 1917, quando contava com oito navios de guerra, nove cruzadores, mais de cinquenta contratorpedeiros, cerca de quarenta submarinos e centenas de embarcações auxiliares; em 1920, restara da frota de 1917 apenas dois navios de guerra, dezesseis contratorpedeiros, seis submarinos e uma flotilha de caça-minas.<ref name="mawdsley506"/> A escassez de combustível<ref name="avrich69"/> agravava-se<ref name="mawdsley506"/> e havia temores de que se perdessem ainda mais navios por conta de certas falhas que eram suscetíveis no inverno.<ref name="mawdsley507">[[#Bibliografia|Mawdsley (1973)]], p. 507</ref> A falta de combustível impedia também a calefação dos navios.<ref name="avrich69"/> O abastecimento na ilha também era deficiente,<ref name="avrich69"/> em parte pelo sistema de controle altamente centralizado; muitas unidades ainda não haviam recebido seus novos uniformes em 1919.<ref name="mawdsley507"/> As rações diminuíram em quantidade e qualidade, e no final de 1920, ocorreu um surto epidêmico de [[escorbuto]] na frota; os protestos exigindo melhorias nas rações alimentícias dos soldados foram ignorados e os agitadores foram presos.<ref name="avrich70">[[#Bibliografia|Avrich (2004)]], p. 70</ref>

===Tentativas de reformas e problemas na administração===

A organização da frota havia mudado drasticamente desde 1917: o comitê central, o [[Tsentrobalt]], que havia tomado o controle após a Revolução de Outubro, progressivamente ia dando passos em direção a uma organização centralizada, processo que se acelerou em janeiro de 1919, com a visita de [[Trótski]] à Kronstadt após um desastroso ataque naval a Reval.<ref name="mawdsley511">[[#Bibliografia|Mawdsley (1973)]], p. 511</ref> A frota agora era controlada por um Comitê Militar Revolucionário escolhido pelo governo e os comitês navais foram abolidos.<ref name="mawdsley511"/> Fracassaram as tentativas de formar um novo corpo de oficiais navais bolcheviques para substituir os poucos czaristas que ainda dirigiam a frota.<ref name="mawdsley511"/> A nomeação do [[Fyodor Raskolnikov]] como comandante em chefe em junho de 1920, feita com o objetivo de aumentar a capacidade de ação da frota e acabar com as tensões, resultou em um fracasso e os marinheiros receberam-no com hostilidade.<ref name="mawdsley514">[[#Bibliografia|Mawdsley (1973)]], p. 514</ref><ref name="getzler210">[[#Bibliografia|Getzler (2002)]], p. 210</ref> As tentativas de reforma e de aumentar a disciplina, que implicaram na mudança do pessoal da frota, produziram grande insatisfação entre os membros locais do partido.<ref name="mawdsley515">[[#Bibliografia|Mawdsley (1973)]], p. 515</ref> As tentativas de centralizar o controle desagradaram à maioria dos comunistas locais.<ref name="mawdsley516">[[#Bibliografia|Mawdsley (1973)]], p. 516</ref> Raskolnikov também entrou em confronto com Zinoviev, já que ambos desejavam controlar a atividade política na frota.<ref name="mawdsley515"/> Zinoviev tentou apresentar-se como um defensor da velha democracia soviética e acusava Trótski e seus comissários de serem os responsáveis pela introdução do autoritarismo na organização da frota.<ref name="schapiro299"/> Raskolnikov tentou se livrar da forte oposição existente mediante a expulsão<ref name="getzler205"/><ref name="schapiro300">[[#Bibliografia|Schapiro (1965)]], p. 300</ref> de um quarto dos membros da frota no fim de outubro de 1920, porém fracassou.<ref name="mawdsley517">[[#Bibliografia|Mawdsley (1973)]], p. 517</ref>

===Crescimento do descontentamento e da oposição===

Em 15 de fevereiro de 1921, um grupo de oposição<ref name="avrich70"/> dentro do próprio partido bolchevique que discordava das medidas aplicadas na frota conseguiu aprovar uma resolução crítica em uma conferência do partido que reuniu delegados bolcheviques da frota do Báltico.<ref name="daniels242"/><ref name="avrich72">[[#Bibliografia|Avrich (2004)]], p. 72</ref> Tal resolução criticava duramente a política administrativa da frota, acusando-a de ter afastado esta das massas e dos funcionários mais ativos, e de ter-se tornado um órgão meramente burocrático;<ref name="daniels242"/><ref name="mawdsley518">[[#Bibliografia|Mawdsley (1973)]], p. 518</ref><ref name="avrich72"/> além disso, exigia a democratização das estruturas do partido e advertiu que, se não houvesse mudanças, poderia haver uma rebelião.<ref name="daniels242"/> Além disso, a organização da frota passava por uma situação problemática:<ref name="getzler212"/> em janeiro, Raskolnikov havia perdido o controle real<ref name="getzler212">[[#Bibliografía|Getzler (2002)]], p. 212</ref> da administração da frota por conta de suas disputas com Zinoviev e mantinha seu cargo apenas formalmente,<ref name="mawdsley518"/> enquanto a frota encontrava-se desorganizada.<ref name="mawdsley518"/> No mesmo dia em que os marinheiros revoltaram-se em Kronstadt, Raskolnikov foi oficialmente deposto de seu cargo.<ref name="mawdsley521">[[#Bibliografia|Mawdsley (1973)]], p. 521</ref>

Por outro lado, o moral das tropas era baixo: a inatividade, a escassez de abastecimentos e munição, a impossibilidade de abandonar o serviço e a crise administrativa contribuíram para desanimar os marinheiros.<ref name="mawdsley519">[[#Bibliografia|Mawdsley (1973)]], p. 519</ref> O aumento temporário nas licenças dos marinheiros após o fim dos combates com as forças antissoviéticas também contribuiu para minar o ânimo da frota: os protestos nas cidades e a crise no campo por conta das apreensões do governo e a proibição do comércio privado afetaram diretamente os marinheiros que regressaram temporariamente para suas casas; os marinheiros haviam descoberto a grave situação do país após meses ou anos de luta em favor do governo, o que lhes desencadeou um forte sentimento de desilusão.<ref name="avrich69">[[#Bibliografia|Avrich (2004)]], p. 69</ref> O número de deserções cresceu abruptamente durante o inverno de 1920-1921.<ref name="avrich69"/>

As notícias dos protestos em Petrogrado, juntamente de rumores<ref name="chamberlin440"/> inquietantes de uma dura repressão dessas manifestações por parte das autoridades, fez aumentar a tensão entre os membros da frota.<ref name="avrich72"/><ref name="schapiro301">[[#Bibliografia|Schapiro (1965)]], p. 301</ref> Em 26 de fevereiro, em resposta aos acontecimentos de Petrogrado,<ref name="chamberlin440"/> as tripulações dos navios {{navio||Petropavlovsk|couraçado de 1911|2}} e {{navio||Sebastopol|couraçado de 1911|2}} realizaram um encontro de emergência e enviaram uma delegação à cidade para investigar e informar Kronstadt a respeito dos protestos.<ref name="avrich73">[[#Bibliografia|Avrich (2004)]], p. 73</ref><ref name="getzler212"/> Ao regressar dois dias depois,<ref name="getzler213">[[#Bibliografia|Getzler (2002)]], p. 213</ref> a delegação informou as demais tripulações sobre as greves e protestos em Petrogrado e a repressão governamental. Os marinheiros decidiram apoiar os manifestantes da capital,<ref name="avrich73"/> aprovando uma resolução com quinze exigências que seria enviada ao governo.<ref name="avrich73"/>

== Primeiras ações ==
===As exigências de Kronstadt===

As exigências aprovadas na reunião dos marinheiros de Kronstadt no dia 28 de fevereiro, semelhantes em alguns pontos às exigências feitas pelos mencheviques em Petrogrado,<ref name="getzler213"/> foram as seguintes:<ref name="avrich74">[[#Bibliografia|Avrich (2004)]], p. 74</ref><ref name="avrich75">[[#Bibliografia|Avrich (2004)]], p. 75</ref><ref name="getzler214">[[#Bibliografia|Getzler (2002)]], p. 214</ref>

{{Quote|
# Novas eleições imediatas para os sovietes. Os presentes sovietes não mais expressam os desejos dos trabalhadores e camponeses. As novas eleições devem ocorrer sob voto secreto, e devem ser precedidas de livre propaganda eleitoral;
# Liberdade de expressão e de imprensa para trabalhadores e camponeses, para os anarquistas, e para partidos socialistas de esquerda;
# Direito à reunião, e liberdade para sindicatos e organizações camponesas;
# A organização, no mais tardar até o dia 10 de março de 1921, de uma conferência de trabalhadores, soldados e marinheiros de Petrogrado, Kronstadt e do distrito de Petrogrado não militantes do Partido;
# A libertação de todos os presos políticos anarquistas e dos partidos socialistas, e de todos os trabalhadores, camponeses, soldados e marinheiros militantes de organizações operárias e camponesas então presos;
# A eleição de uma comissão para estudar os dossiês de todos os detidos em prisões e campos de concentração;
# A abolição de todas as seções políticas dentro das forças armadas. Nenhum partido político deve ter privilégios para a propagação de suas ideias, ou receber subsídios do Estado para este fim. No lugar de seções políticas vários grupos culturais devem ser criados, tomando recursos do Estado;
# A abolição imediata das barreiras militares criadas entre as cidades e o campo;
# A isonomia de rações para todos os trabalhadores, exceto para os que executam funções perigosas ou insalubres;
# A abolição dos destacamentos de combate do Partido em todos os grupos militares. A abolição dos guardas do Partido nas fábricas e empresas. Se guardas fazem-se necessários, eles devem ser nomeados, levando-se em consideração as opiniões dos trabalhadores;
# A concessão aos camponeses de liberdade de ação sobre seu próprio solo, e do direito de possuir gado, contanto que sejam diretamente responsáveis por aqueles e que não utilizem mão de obra assalariada;
# Nós pedimos que todas as unidades militares e grupos de cadetes aspirantes se juntem a esta resolução;
# Nós exigimos que a imprensa dê publicidade adequada a esta resolução;
# Nós exigimos a instituição de grupos de controle operário móveis;
# Nós exigimos que a produção artesanal seja autorizada desde que não utilize mão de obra assalariada.
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[[Ficheiro:19210301-kronstadt resolution.jpg|thumb|A resolução tomada pelos marinheiros de Kronstadt, exigindo demandas como a eleição de sovietes livres e liberdade de expressão e imprensa.]]
Entre as principais reivindicações exigidas pelos rebeldes estavam a realização de novas eleições livres — como estipulava a constituição — para os sovietes,<ref name="daniels242"/> o direito à liberdade de expressão e à total liberdade de ação e comércio.<ref name="avrich76">[[#Bibliografia|Avrich (2004)]], p. 76</ref><ref name="schapiro301"/> Segundo os proponentes da resolução, as eleições resultariam na derrota dos comunistas e no "triunfo das conquistas da Revolução de Outubro".<ref name="daniels242"/> Os comunistas, que planejavam um programa econômico muito mais ambicioso e que ia além das reivindicações exigidas pelos marinheiros,<ref name="schapiro307">[[#Bibliografia|Schapiro (1965)]], p. 307</ref> não podiam tolerar, porém, a afronta que as reivindicações políticas representavam ao seu poder, pois questionavam a legitimidade dos bolcheviques como representantes das classes trabalhadoras.<ref name="avrich76"/> As antigas demandas que Lênin havia defendido em 1917 foram consideradas contrarrevolucionárias e perigosas ao governo soviético pelos bolcheviques.<ref name="avrich77">[[#Bibliografia|Avrich (2004)]], p. 77</ref> 

No dia seguinte, 1º de março, cerca de quinze mil pessoas<ref name="chamberlin440"/><ref name="schapiro303">[[#Bibliografia|Schapiro (1965)]], p. 303</ref> compareceram a uma grande assembleia convocada pelo próprio soviete local e presidida pelo dirigente executivo<ref name="schapiro302"/> deste na praça de Ancla.<ref name="daniels243"/><ref name="avrich77"/><ref name="getzler215">[[#Bibliografia|Getzler (2002)]], p. 215</ref> As autoridades tentaram apaziguar os ânimos da multidão enviando [[Mikhail Kalinin]], presidente do [[Comité Executivo Central de Todas as Rússias]] (VTsIK) como orador,<ref name="daniels243">[[#Bibliografia|Daniels (1951)]], p. 243</ref><ref name="avrich77"/><ref name="getzler215"/><ref name="schapiro302">[[#Bibliografia|Schapiro (1965)]], p. 302</ref> enquanto Zinoviev não se atreveu a ir para a ilha.<ref name="avrich77"/> Porém, logo ficou clara a atitude da multidão presente, que exigia eleições livres para os sovietes, liberdade de expressão e imprensa para os anarquistas e socialistas de esquerda e para todos os operários e camponeses, liberdade de reunião, supressão das seções políticas no exército, rações iguais salvo para aqueles que realizavam trabalhos mais pesados — os comunistas desfrutavam das melhores rações —, liberdade econômica e liberdade de organização para os operários e camponeses, além de uma anistia política.<ref name="daniels243"/><ref name="chamberlin441">[[#Bibliografia|Chamberlin (1965)]], p. 441</ref> Os presentes assim aprovaram por esmagadora maioria a resolução adotada anteriormente pelos marinheiros de Kronstadt.<ref name="avrich79">[[#Bibliografia|Avrich (2004)]], p. 79</ref><ref name="getzler216">[[#Bibliografia|Getzler (2002)]], p. 216</ref><ref name="schapiro302"/> Grande parte dos comunistas presentes na multidão também apoiaram a resolução.<ref name="schapiro303"/> Os protestos dos dirigentes comunistas foram rechaçados, porém Kalinin pôde regressar sem problemas a Petrogrado.<ref name="daniels243"/><ref name="avrich79"/>

Embora os rebeldes não esperassem um confronto militar com o governo, a tensão em Kronstadt cresceu após a prisão e o desaparecimento de uma delegação da base naval, enviada para Petrogrado para investigar a situação das greves e protestos que ocorriam na cidade.<ref name="daniels243"/><ref name="avrich79"/> Enquanto isso, alguns comunistas da base começavam a se armar, enquanto outros a abandonavam.<ref name="daniels243"/>
[[Ficheiro:Petrichenko.jpg|thumb|left|[[Stepan Petrichenko]], marinheiro anarquista de origem ucraniana que presidiu o Comitê Revolucionário Provisório durante a revolta de Kronstadt.]]
Em 2 de março, os delegados dos navios de guerra, das unidades militares e dos sindicatos reuniram-se para preparar a reeleição do soviete local.<ref name="daniels243"/><ref name="avrich80">[[#Bibliografia|Avrich (2004)]], p. 80</ref><ref name="getzler216"/> Cerca de trezentos delegados juntaram-se para renovar o soviete como decidido na assembleia do dia anterior.<ref name="avrich80"/> Os principais representantes comunistas tentaram dissuadir os delegados através de ameaças, porém não obtiveram êxito.<ref name="daniels243"/><ref name="avrich83">[[#Bibliografia|Avrich (2004)]], p. 83</ref> Três deles, o presidente do soviete local e os comissários da frota Kuzmin e do pelotão de Kronstadt, foram presos pelos rebeldes.<ref name="avrich83"/><ref name="getzler217"/> A ruptura com o governo ocorreu por conta de um rumor que se espalhou pela assembleia: o governo estaria planejando reprimir a assembleia e as tropas governamentais estariam se aproximando da base naval.<ref name="daniels244"/><ref name="avrich84">[[#Bibliografia|Avrich (2004)]], p. 84</ref> Imediatamente foi eleito um Comitê Revolucionário Provisório (CRP),<ref name="schapiro303"/><ref name="chamberlin442"/> formado pelos cinco membros da [[órgão colegiado|presidência colegiada]] da assembleia, para administrar a ilha até a eleição de um novo soviete local. Dois dias mais tarde, foi aprovada a ampliação do Comitê para quinze membros.<ref name="getzler227"/><ref name="daniels244">[[#Bibliografia|Daniels (1951)]], p. 244</ref><ref name="avrich84"/><ref name="getzler217">[[#Bibliografia|Getzler (2002)]], p. 217</ref> A assembleia dos delegados tornou-se o parlamento da ilha, e reuniu-se em duas ocasiões, nos dias 4 e 11 de março.<ref name="getzler217"/><ref name="getzler227">[[#Bibliografia|Getzler (2002)]], p. 227</ref>

Parte dos comunistas de Kronstadt abandonaram a ilha precipitadamente; um grupo deles, liderados pelo comissário da fortaleza, tentou esmagar a revolta, porém, carentes de apoio, acabaram fugindo.<ref name="avrich85">[[#Bibliografia|Avrich (2004)]], p. 85</ref> Durante a madrugada do dia 2 de março, a cidade, os barcos da frota e as fortificações da ilha já estavam nas mãos do CRP, que não encontrou resistência.<ref name="avrich86">[[#Bibliografia|Avrich (2004)]], p. 86</ref> Os rebeldes prenderam trezentos e vinte e seis comunistas,<ref name="getzler240"/> cerca de um quinto dos comunistas locais. Os demais foram deixados em liberdade, embora as autoridades bolcheviques tenham executado quarenta e cinco marinheiros em [[Oranienbaum]] e tomado parentes dos rebeldes como reféns.<ref name="avrich184">[[#Bibliografia|Avrich (2004)]], p. 184</ref> Nenhum dos comunistas detidos pelos rebeldes sofreu maus tratos ou torturas e nem houve execuções.<ref name="avrich185">[[#Bibliografia|Avrich (2004)]], p. 185</ref><ref name="chamberlin442"/> Os presos receberam as mesmas rações que o resto dos habitantes da ilha e perderam apenas suas botas e abrigos, que foram entregues aos soldados que realizavam plantão nas fortificações.<ref name="getzler241">[[#Bibliografia|Getzler (2002)]], p. 241</ref>

O governo acusou os opositores de serem contrarrevolucionários liderados pela [[França]] e afirmou que os rebeldes de Kronstadt eram comandados pelo general Kozlovski, antigo oficial czarista então responsável pela artilharia da base<ref name="daniels244"/><ref name="avrich97">[[#Bibliografia|Avrich (2004)]], p. 97</ref><ref name="schapiro303"/> — embora estivesse nas mãos do Comitê Revolucionário.<ref name="daniels244"/> Ainda no dia 2 de março, toda a província de Petrogrado foi submetida à lei marcial e o Comitê de Defesa presidido por Zinoviev obteve poderes especiais para reprimir os protestos.<ref name="avrich98">[[#Bibliografia|Avrich (2004)]], p. 98</ref> Trótski apresentou supostos artigos da imprensa francesa que anunciavam a revolta duas semanas antes de sua eclosão, como prova de que a rebelião seria um plano tramado pelos emigrados e pelas forças da Entente. Lênin adotou a mesma estratégia para acusar os rebeldes poucos dias mais tarde no X Congresso do Partido.<ref name="avrich98"/>

Apesar da intransigência do governo e da disposição das autoridades em esmagar a revolta através da força, muitos comunistas defendiam a aplicação das reformas exigidas pelos marinheiros e preferiam uma resolução negociada para pôr fim ao conflito.<ref name="daniels244"/> Na realidade, a atitude inicial do governo de Petrogrado não foi tão intransigente quanto parecia; o próprio Kalinin assumiu que as reivindicações eram aceitáveis, devendo sofrer apenas algumas alterações,<ref name="daniels245"/> enquanto o [[Soviete de Petrogrado|soviete local]] tentou apelar para os marinheiros ao dizer que eles haviam sido enganados por certos agentes contrarrevolucionários.<ref name="daniels245">[[#Bibliografia|Daniels (1951)]], p. 245</ref> A atitude de Moscou, porém, desde o início foi bem mais dura do que a dos dirigentes de Petrogrado.<ref name="daniels245"/>

Os críticos do governo, inclusive alguns comunistas, acusavam este de ter traído os ideais da revolução de 1917 e implantado um regime violento, corrupto e burocrático.<ref name="daniels249">[[#Bibliografia|Daniels (1951)]], p. 249</ref> Em parte, os diversos grupos de oposição dentro do próprio partido — os [[Comunistas de Esquerda (Rússia)|comunistas de esquerda]], [[Grupo do Centralismo Democrático|centralistas democráticos]] e a [[Oposição Operária|oposição operária]] — concordavam com tais críticas, ainda que seus dirigentes não tenham apoiado a revolta;<ref name="daniels250">[[#Bibliografia|Daniels (1951)]], p. 250</ref> no entanto, os membros da oposição operária e os centralistas democráticos ajudaram a reprimir a revolta.<ref name="schapiro305">[[#Bibliografia|Schapiro (1965)]], p. 305</ref><ref name="avrich181"/>

===Acusações e postura das autoridades===
[[Ficheiro:CartelContraMencheviquesYSocialrevolucionarios1920.jpg|Propaganda [[bolchevique]] contra os [[menchevique]]s e [[Partido Socialista Revolucionário (Russo)|socialistas revolucionários]]: "Cuidado com os mencheviques e socialistas revolucionários. Eles seguem os generais, sacerdotes e proprietários de terras czaristas".|thumb|right]]
As acusações das autoridades de que a revolta seria um plano contrarrevolucionário eram falsas.<ref name="schapiro296">[[#Bibliografia|Schapiro (1965)]], p. 296</ref> Os rebeldes não esperavam ataques por parte das autoridades e nem iniciaram ataques contra o continente — rechaçando os conselhos de Kozlovski<ref name="avrich102">[[#Bibliografia|Avrich (2004)]], p. 102</ref> —, nem os comunistas da ilha denunciaram qualquer tipo conluio por parte dos rebeldes nos primeiros momentos da revolta, e inclusive participaram da assembleia de delegados ocorrida em 2 de março.<ref name="daniels246">[[#Bibliografia|Daniels (1951)]], p. 246</ref><ref name="daniels247"/> Inicialmente, os rebeldes procuraram mostrar uma postura conciliadora com o governo, acreditando que este pudesse acatar as reivindicações de Kronstadt. Kalinin, que poderia ter sido um valioso refém para os rebeldes, pôde voltar sem complicações para Petrogrado após a assembleia ocorrida em 1º de março.<ref name="daniels247">[[#Bibliografia|Daniels (1951)]], p. 247</ref>

Nem os rebeldes e nem o governo esperavam que os protestos de Kronstadt desencadeassem uma rebelião.<ref name="daniels247"/> Os comunistas locais inclusive publicaram um manifesto no novo periódico da ilha.<ref name="daniels247"/> Muitos dos membros locais do partido bolchevique não viam nos rebeldes e em suas reivindicações o caráter supostamente contrarrevolucionário denunciado pelos dirigentes de Moscou.<ref name="daniels248">[[#Bibliografia|Daniels (1951)]], p. 248</ref>

Parte das tropas enviadas pelo governo para reprimir a revolta passou para o lado dos rebeldes, ao saber que estes haviam eliminado a "comissáriocracia" na ilha.<ref name="daniels248"/> O governo teve sérios problemas com as tropas regulares enviadas para reprimir a insurreição, tendo que utilizar unidades de cadetes e agentes da [[Cheka]].<ref name="daniels248"/><ref name="chamberlin443"/> A direção dos planos militares ficou nas mãos dos mais altos dirigentes bolcheviques, que tiveram que regressar do X Congresso do Partido que estava sendo realizado em Moscou para encabeçar as operações.<ref name="daniels248"/>

A pretensão dos rebeldes de iniciar uma "terceira revolução" que retomasse os ideais de 1917 e acabasse de vez com os desmandos do governo bolchevique representava uma grande ameaça para este, podendo minar o apoio popular ao partido e dividi-lo, criando um grande grupo de oposição.<ref name="daniels253"/> Para evitar tal possibilidade, o governo precisava fazer com que qualquer revolta parecesse contrarrevolucionária, o que explica sua postura intransigente com Kronstadt e a campanha contra os rebeldes.<ref name="daniels253"/> Os comunistas tentavam apresentar-se como os únicos defensores legítimos dos interesses das classes trabalhadoras.<ref name="daniels254">[[#Bibliografia|Daniels (1951)]], p. 254</ref>

=== Atividades da oposição ===

Os diversos grupos de emigrados e opositores do governo estavam muito divididos para realizarem um esforço em conjunto para apoiar os rebeldes.<ref name="avrich115">[[#Bibliografia|Avrich (2004)]], p. 115</ref> ''[[Partido Constitucional Democrata|Kadetes]]'', mencheviques e socialistas revolucionários mantiveram suas diferenças e não colaboraram entre si para apoiar a rebelião.<ref name="avrich121">[[#Bibliografia|Avrich (2004)]], p. 121</ref> [[Victor Chernov]] e os socialistas revolucionários tentaram lançar uma campanha de arrecadação de fundos para ajudar os marinheiros,<ref name="avrich121"/> porém o CRP recusou o auxílio,<ref name="schapiro304"/><ref name="getzler237">[[#Bibliografia|Getzler (2002)]], p. 237</ref> convencido de que a revolta iria espalhar-se pelo país, não havendo necessidade de ajuda externa.<ref name="avrich122">[[#Bibliografia|Avrich (2004)]], p. 122</ref> Os mencheviques, por sua vez, mostraram-se simpáticos com as reivindicações dos rebeldes, mas não com a revolta em si.<ref name="avrich123">[[#Bibliografia|Avrich (2004)]], p. 123</ref><ref name="schapiro299"/> A União Russa de Indústria e Comércio, sediada em [[Paris]], conseguiu o apoio do Ministério de Relações Exteriores francês para abastecer a ilha e começou a arrecadar dinheiro para os rebeldes.<ref name="avrich115"/> Wrangel — a quem os franceses seguiam abastecendo<ref name="avrich117">[[#Bibliografia|Avrich (2004)]], p. 117</ref> — prometeu a Kozlovski o apoio de suas tropas de [[Constantinopla]] e iniciou uma campanha para obter o apoio das potências, obtendo pouco êxito.<ref name="avrich116">[[#Bibliografia|Avrich (2004)]], p. 116</ref> Nenhuma potência aceitou prestar apoio militar aos rebeldes e somente a França tratou de facilitar a chegada de alimentos na ilha.<ref name="avrich117"/> O abastecimento planejado pelos ''kadetes'' da [[Finlândia]] não estabeleceu-se em tempo hábil. Apesar das tentativas dos antibolcheviques de pedir auxílio à seção russa da [[Cruz Vermelha]] para ajudar Kronstadt, nenhuma ajuda chegou à ilha durante as duas semanas de rebelião.<ref name="avrich120">[[#Bibliografia|Avrich (2004)]], p. 120</ref>

Ainda que existisse um plano do Centro Nacional de realizar um levante em Kronstadt, no qual os ''kadetes'' iriam tomar conta da cidade para convertê-la em um novo centro de resistência contra os bolcheviques com a chegada das tropas de Wrangel na ilha, a revolta que ocorreu não teve qualquer qualquer relação com a trama.<ref name="avrich124">[[#Bibliografia|Avrich (2004)]], p. 124</ref> Foram poucos os contatos entre os rebeldes de Kronstadt e os emigrados durante a revolta, embora alguns rebeldes tenham se unido às forças de Wrangel após o fracasso da insurreição.<ref name="avrich124"/>

=== Postura e medidas tomadas pelos rebeldes ===

Os rebeldes justificaram o levante afirmando que este era um ataque contra o que eles chamavam de "comissáriocracia" comunista. Segundo eles, os bolcheviques haviam traído os princípios da Revolução de Outubro, tornando o governo soviético uma autocracia<ref name="chamberlin442">[[#Bibliografia|Chamberlin (1965)]], p. 442</ref> burocrática sustentada pelo terror da Cheka.<ref name="getzler234">[[#Bibliografia|Getzler (2002)]], p. 234</ref><ref name="avrich162">[[#Bibliografia|Avrich (2004)]], p. 162</ref> Segundo os rebeldes, uma "terceira revolução" deveria devolver o poder aos sovietes eleitos livremente, eliminar a burocracia dos sindicatos e começar a implantação de um novo socialismo que serviria de exemplo para o mundo todo.<ref name="getzler234"/> Os cidadãos de Kronstadt, entretanto, não desejavam a realização de uma nova assembleia constituinte<ref name="avrich180">[[#Bibliografia|Avrich (2004)]], p. 180</ref><ref name="chamberlin441"/> e nem o retorno da "democracia burguesa",<ref name="avrich163"/> e sim a devolução do poder aos sovietes livres.<ref name="getzler234"/> Temerosos de justificarem as acusações dos bolcheviques, os dirigentes da rebelião não atentaram contra os símbolos revolucionários e tomaram muito cuidado ao aceitar qualquer ajuda que pudesse os relacionar de alguma forma com os emigrados ou com as forças contrarrevolucionárias.<ref name="getzler235">[[#Bibliografía|Getzler (2002)]], p. 235</ref> Os rebeldes tampouco exigiam o fim do partido bolchevique, e sim uma reforma para eliminar sua forte tendência autoritária e burocrática que havia crescido durante a guerra civil, opinião defendida por algumas correntes de oposição dentro do próprio partido.<ref name="avrich180"/> Os rebeldes sustentavam que o partido havia se afastado do povo e sacrificado seus ideais democráticos e igualitários para manter-se no poder.<ref name="avrich181">[[#Bibliografia|Avrich (2004)]], p. 181</ref> Os marinheiros de Kronstadt permaneciam fiéis aos ideais de 1917, defendendo a ideia de que os sovietes deveriam ser livres do controle de qualquer partido e que todas as tendências de esquerda poderiam participar destes sem restrições, garantindo os direitos civis dos trabalhadores e serem eleitos diretamente por estes, e não serem designados pelo governo ou por algum partido político.<ref name="avrich163">[[#Bibliografia|Avrich (2004)]], p. 163</ref>

Diversas tendências de esquerda participaram da revolta. Os rebeldes de tendência anarquista<ref name="avrich170">[[#Bibliografia|Avrich (2004)]], p. 170</ref> reivindicavam, além de liberdades individuais, a autodeterminação dos trabalhadores. Os bolcheviques viam com receio os movimentos espontâneos das massas, acreditando que a população pudesse cair nas mãos da reação.<ref name="avrich188">[[#Bibliografia|Avrich (2004)]], p. 188</ref> Para Lênin, as reivindicações de Kronstadt mostravam um "caráter tipicamente anarquista e pequeno-burguês"; porém, como refletiam as inquietações das massas camponesas e operárias, representavam uma ameaça muito maior para o seu governo do que os exércitos czaristas.<ref name="avrich188"/> Os ideais dos rebeldes, segundo os dirigentes bolcheviques, lembravam o [[narodnik|populismo russo]]. Os bolcheviques muito haviam criticado os populistas, que em sua opinião eram reacionários e irrealistas por rejeitarem a ideia de um Estado centralizado e industrializado.<ref name="avrich189">[[#Bibliografia|Avrich (2004)]], p. 189</ref> Tal ideia, por mais popular que fosse,<ref name="chamberlin441"/> segundo Lênin deveria conduzir à desintegração do país em milhares de comunas separadas, pondo um fim no poder centralizado dos bolcheviques mas que, com o tempo, poderia resultar na implantação de um novo regime centralista e de direita, razão pela qual tal ideia deveria ser suprimida.<ref name="avrich189"/>

Influenciados por diversos grupos socialistas e anarquistas, porém livres do controle ou das iniciativas desses grupos, os rebeldes acataram diversas reivindicações de todos esses grupos em um programa vago e pouco definido, que representava muito mais um protesto popular contra a miséria e a opressão do que um programa de governo coerente.<ref name="avrich171">[[#Bibliografia|Avrich (2004)]], p. 171</ref> Entretanto, muitos notam a proximidade das ideias rebeldes com o anarquismo, com discursos enfatizando a coletivização das terras, a liberdade, a importância da vontade e da participação popular e a defesa de um Estado descentralizado.<ref name="avrich171"/> Naquele contexto, o grupo político mais próximo destas posições, além dos anarquistas, era a [[União dos Socialistas Revolucionários Maximalistas]], que sustentava um programa muito semelhante aos slogans revolucionários de 1917  — "toda a terra para os camponeses", "todas as fábricas para os trabalhadores", "todo o pão e todos os produtos para os trabalhadores", "todo poder aos sovietes livres" —, ainda muito populares.<ref name="avrich172">[[#Bibliografia|Avrich (2004)]], p. 172</ref> Desiludidos com os partidos políticos, os sindicatos tomaram parte na revolta defendendo a ideia de que sindicatos livres deveriam devolver o poder econômico aos trabalhadores.<ref name="getzler238">[[#Bibliografia|Getzler (2002)]], p. 238</ref> Os marinheiros, assim como os socialistas revolucionários, defendiam amplamente os interesses do campesinato e não demonstravam muito interesse em questões relativas à grande indústria, ainda que rejeitassem a ideia de realizar uma nova assembleia constituinte, um dos pilares do programa socialista revolucionário.<ref name="avrich168">[[#Bibliografia|Avrich (2004)]], p. 168</ref>

Durante a insurreição, os rebeldes modificaram o sistema de racionamento; entregando quantias de rações iguais para todos os cidadãos, com exceção das crianças e dos doentes, que recebiam rações especiais.<ref name="avrich160">[[#Bibliografia|Avrich (2004)]], p. 160</ref> Foi imposto um toque de recolher e as escolas foram fechadas.<ref name="avrich160"/> Foram implantadas algumas reformas administrativas: foram abolidos os departamentos e comissariados, sendo substituídos por juntas de delegados sindicais, e em todas as fábricas, instituições e unidades militares foram formadas ''troikas'' revolucionárias para aplicar as medidas do CRP.<ref name="avrich160"/><ref name="getzler240">[[#Bibliografia|Getzler (2002)]], p. 240</ref>

== Extensão da revolta e enfrentamentos com o governo ==
=== Fracasso da extensão da revolta ===
[[Ficheiro:Map of St. Petersburg (Einseitige Farbkarte).jpeg|Mapa de 1888 que ilustra bem a posição de [[Kronstadt]] e [[Petrogrado]] no [[golfo da Finlândia]]. No mapa, também aparecem cidades próximas à costa que tiveram um papel importante durante as operações, como [[Oranienbaum]], [[Peterhof]] e [[Lisy Nos]].|thumb|right|400px]]
Na tarde de 2 de março, os delegados enviados por Kronstadt cruzaram o mar congelado até Oranienbaum com a resolução adotada pelos marinheiros, para divulgá-la em Petrogrado e nos arredores da cidade.<ref name="avrich138">[[#Bibliografia|Avrich (2004)]], p. 138</ref> Já em Oranienbaum, receberam o apoio unânime da 1ª Esquadra Aérea e Naval.<ref name="avrich139">[[#Bibliografia|Avrich (2004)]], p. 139</ref> Nessa noite, o CRP enviou um destacamento de 250 homens para Oranienbaum, porém as forças de Kronstadt tiveram de retornar sem alcançar seu destino ao serem rechaçadas sob o fogo de metralhadoras; os três delegados que a esquadra aérea de Oranienbam havia enviado para Kronstadt foram presos pela Cheka enquanto regressavam para a cidade.<ref name="avrich139"/> O comissário de Oranienbaum, ciente dos fatos e temendo a sublevação de suas outras unidades, solicitou a ajuda urgente de Zinoviev, armou os membros locais do partido e aumentou suas rações para tentar assegurar sua lealdade.<ref name="avrich139"/> Durante a madrugada do dia seguinte, um blindado com cadetes e três baterias de artilharia leve chegaram em Petrogrado, cercando os quartéis da unidade sublevada e prendendo os insurretos. Após um extenso interrogatório, quarenta e cinco deles foram fuzilados.<ref name="avrich139"/>

Apesar deste revés,<ref name="avrich139"/> os rebeldes seguiram mantendo uma postura passiva e rechaçaram os conselhos dos "especialistas militares" — eufemismo que se utilizava para designar os oficiais czaristas empregados pelos soviéticos sob vigilância dos comissários — de atacarem diversos pontos do continente em vez de se manterem na ilha.<ref name="avrich140">[[#Bibliografia|Avrich (2004)]], p. 140</ref><ref name="schapiro303"/><ref name="chamberlin442"/><ref name="getzler242">[[#Bibliografia|Getzler (2002)]], p. 242</ref> O gelo ao redor da base não foi rompido, os navios de guerra não foram liberados e as defesas das entradas de Petrogrado não foram reforçadas.<ref name="avrich140"/> Kozlovski queixava-se da hostilidade dos marinheiros em relação aos oficiais, julgando o momento da insurreição inoportuno.<ref name="avrich140"/> Os rebeldes estavam convencidos de que as autoridades comunistas cederiam e negociaram as reivindicações exigidas.<ref name="getzler242"/>

Nos poucos lugares do continente onde os rebeldes conseguiram certo apoio, os comunistas agiram com prontidão para sufocar as revoltas.<ref name="avrich141">[[#Bibliografía|Avrich (2004)]], p. 141</ref> Na capital, foi detida uma delegação da base naval que tentava convencer a tripulação de um  [[quebra-gelo]] de se unir a rebelião.<ref name="avrich141"/> A maioria delegados da ilha enviados para o continente foram detidos.<ref name="avrich141"/> Incapazes de fazerem com que a revolta se propagasse pelo país e rechaçando as exigências das autoridades soviéticas de acabar com a rebelião, os rebeldes adotaram uma estratégia defensiva com o objetivo de começar as reformas administrativas na ilha e evitar que fossem detidos até o degelo da primavera, que aumentaria suas defesas naturais.<ref name="avrich141"/>

Em 4 de março, na assembleia que aprovou a ampliação do CRP e a entrega de armas aos cidadãos a fim de manter a segurança na cidade, para que os soldados e marinheiros pudessem se dedicar à defesa da ilha, já que os informes dos delegados que haviam conseguido regressar do continente indicavam que as autoridades haviam silenciado o caráter real da revolta e começado a difundir notícias de um suposto levante branco na base naval.<ref name="getzler227"/>

=== Ultimato do governo e preparação das forças militares ===

Em uma tumultuada reunião do Soviete de Petrogrado na qual foram convidadas outras organizações, foi aprovada uma resolução exigindo o fim da rebelião e a devolução do poder ao soviete local de Kronstadt, apesar da resistência por parte dos representantes dos rebeldes.<ref name="avrich144">[[#Bibliografia|Avrich (2004)]], p. 144</ref> Trótski, que era bastante habilidoso com negociações, não pôde chegar a tempo para participar da reunião: soube da rebelião quando estava na Sibéria ocidental, partiu imediatamente para Moscou para falar com Lênin e chegou em Petrogrado no dia 5 de março.<ref name="avrich144"/> Imediatamente, foi apresentado um ultimato aos rebeldes que exigia a rendição incondicional e imediata.<ref name="avrich144"/><ref name="chamberlin443">[[#Bibliografia|Chamberlin (1965)]], p. 443</ref> As autoridades de Petrogrado ordenaram a prisão dos familiares dos rebeldes, estratégia antes usada por Trótski durante a guerra civil para tentar assegurar a lealdade dos oficiais czaristas empregados pelo [[Exército Vermelho]] e que dessa vez foi aplicada não por Trótski, mas sim pelo Comitê de Defesa de Zinoviev.<ref name="avrich147">[[#Bibliografia|Avrich (2004)]], p. 147</ref> Petrogrado exigiu a libertação dos oficiais comunistas detidos em Kronstadt e ameaçou atentar contra seus reféns, mas os rebeldes responderam afirmando que os presos não estavam sofrendo maus tratos e não os libertaram.<ref name="avrich147"/>

A pedido de alguns anarquistas que desejavam a mediação entre as partes e evitar um conflito armado, o Soviete de Petrogrado propôs o envio de uma comissão formada por comunistas a Kronstadt para estudar a situação.<ref name="avrich148">[[#Bibliografia|Avrich (2004)]], p. 148</ref> Revoltados com a tomada dos reféns pelas autoridades, os rebeldes rejeitaram a proposta, a única no sentido de tentar mediar o impasse diante negociações de alguma forma.<ref name="avrich148"/> Eles exigiram o envio de delegados que não fossem do partido comunista, eleitos por operários, soldados e marinheiros sob a supervisão dos rebeldes, além de alguns comunistas eleitos pelo Soviete de Petrogrado; a contraproposta foi rejeitada e pôs fim a um possível diálogo.<ref name="avrich148"/>
[[Ficheiro:М.Н. Тухачевский.jpg|[[Mikhail Tukhachevsky|Mikhail Tukhachévski]], figura destacada do [[Exército Vermelho]] que comandou as operações contra Kronstadt.|thumb|right]]
Em 7 de março, expirou o prazo de aceitação do ultimato de 24 horas de Trótski, que já havia sido ampliado um dia.<ref name="avrich148"/> Entre os dias 5 e 7 de março, o governo havia preparado forças — cadetes, unidades da Cheka e outras consideradas as mais leais do Exército Vermelho — para atacar a ilha.<ref name="avrich148"/> Foram chamados alguns dos mais importantes "especialistas militares" e comandantes comunistas para preparar um plano de ataque.<ref name="avrich148"/> Em 5 de março, [[Mikhail Tukhachevsky|Mikhail Tukhachévski]], então um jovem oficial de grande destaque, tomou o comando<ref name="mawdsley521"/> do 7º Exército e do resto das tropas do distrito militar de Petrogrado. O 7º Exército, que havia defendido a antiga capital durante toda a guerra civil e era formado principalmente por camponeses, encontrava-se desmotivado e desmoralizado, tanto pelo desejo de acabar logo com a guerra por parte de seus soldados quanto pela simpatia destes com os protestos operários e sua relutância em combater aqueles que consideraram camaradas em combates anteriores.<ref name="avrich149">[[#Bibliografia|Avrich (2004)]], p. 149</ref> Tukhachévski teve que contar com as unidades de cadetes, da Cheka e dos comunistas para encabeçar o ataque à ilha rebelde.<ref name="avrich149"/>

Em Kronstadt, a guarnição de treze mil homens havia sido reforçada com o recrutamento de dois mil civis e a defesa começou a ser reforçada.<ref name="avrich149"/> A ilha contava com uma série de fortes — nove ao norte e seis ao sul — bem blindado e equipados com canhões pesados de grande alcance.<ref name="avrich150">[[#Bibliografia|Avrich (2004)]], p. 150</ref> No total, 135 canhões e sessenta e oito metralhadoras defendiam a ilha.<ref name="avrich150"/> Os principais navios de guerra da base, ''Petropavlovsk'' e ''Sebastopol'', eram fortemente armados, porém ainda não haviam sido liberados por conta do gelo e não podiam manobrar livremente.<ref name="avrich150"/> Apesar disso, sua artilharia era superior à de qualquer outro navio disposto pelas autoridades soviéticas.<ref name="avrich150"/> A base também contava com mais oito encouraçados, quinze canhoneiras e vinte rebocadores<ref name="avrich150"/> que poderiam ser usados nas operações.<ref name="avrich151">[[#Bibliografia|Avrich (2004)]], p. 151</ref> O ataque à ilha não era fácil de ser realizado: o ponto mais próximo do continente, Oranienbaum, encontrava-se a oito quilômetros ao sul.<ref name="avrich151"/> Um ataque de infantaria supunha que os atacantes cruzassem grandes distâncias sobre o mar congelado sem qualquer proteção e sob fogo da artilharia e das metralhadoras que defendiam as fortificações de Kronstadt.<ref name="avrich151"/>

Os rebeldes de Kronstadt também tinham suas dificuldades: não contavam com munição suficiente para se defenderem de um cerco prolongado, nem com roupas e calçados adequados para o inverno e combustível suficiente.<ref name="avrich151"/> A reserva de alimentos da ilha também era escassa.<ref name="avrich151"/>

=== Início dos combates ===

As operações militares contra a ilha começaram na manhã de 7 de março<ref name="schapiro304">[[#Bibliografia|Schapiro (1965)]], p. 304</ref><ref name="chamberlin443"/> com um ataque de artilharia<ref name="chamberlin443"/> de [[Sestroretsk]] e [[Lisy Nos]], na costa norte da ilha; os bombardeios tinham como objetivo debilitar as defesas da ilha para facilitar um posterior ataque da infantaria.<ref name="avrich151"/> Após o ataque da artilharia, em 8 de março começou o ataque da infantaria em meio a uma tempestade de neve; as unidades de Tukhachévski atacaram a ilha ao norte e ao sul.<ref name="avrich152">[[#Bibliografia|Avrich (2004)]], p. 152</ref> Os cadetes iam na vanguarda, seguidos das unidades seletas do Exército Vermelho e das unidades de metralhadoras da Cheka, que deveriam impedir possíveis deserções.<ref name="avrich153">[[#Bibliografia|Avrich (2004)]], p. 153</ref>

Os rebeldes, preparados, investiram violentamente contra as forças do governo; alguns soldados do Exército Vermelho se afogaram nos buracos abertos no gelo pelas explosões, outros mudaram de lado e uniram-se aos rebeldes ou negaram-se a continuar na batalha.<ref name="avrich153">[[#Bibliografia|Avrich (2004)]], p. 153</ref> Poucos soldados do governo alcançaram a ilha, sendo logo rechaçados pelos rebeldes.<ref name="avrich153"/> Quando a tempestade acalmou, foram retomados os ataques de artilharia e pela tarde os aviões soviéticos começaram a bombardear a ilha, porém não causaram danos consideráveis.<ref name="avrich153"/> O primeiro ataque fracassou.<ref name="avrich154">[[#Bibliografia|Avrich (2004)]], p. 154</ref><ref name="chamberlin443"/> Apesar das declarações triunfalistas das autoridades, os rebeldes continuavam resistindo.<ref name="avrich154"/> As forças enviadas para combater os rebeldes — cerca de vinte mil soldados — haviam sofrido centenas de baixas e deserções, que se deram tanto pela desistência dos soldados em enfrentar os marinheiros quanto pela insegurança em realizar um ataque sem nenhuma proteção.<ref name="avrich154"/>

=== Ataques menores ===

Enquanto os bolcheviques preparavam forças maiores e mais eficientes — que incluíam regimentos de cadetes, membros das juventudes comunistas, forças da Cheka e unidades especialmente leais de diversas frentes —, realizou-se uma série de ataques menores contra Kronstadt nos dias seguintes ao primeiro ataque fracassado.<ref name="avrich193">[[#Bibliografia|Avrich (2004)]], p. 193</ref> Zinoviev realizou novas concessões para a população de Petrogrado para manter a calma na antiga capital;<ref name="avrich194">[[#Bibliografia|Avrich (2004)]], p. 194</ref> um relatório de Trótski ao X Congresso do Partido fez com que cerca de trezentos delegados do congresso se apresentassem como voluntários<ref name="chamberlin443"/> para combater em Kronstadt em 10 de março.<ref name="schapiro304"/><ref name="avrich194"/> Como um sinal de lealdade ao partido, os grupos de oposição intrapartidários também apresentaram voluntários. A principal tarefa destes voluntários era elevar o moral das tropas após o fracasso de 8 de março.<ref name="avrich195">[[#Bibliografia|Avrich (2004)]], p. 195</ref>

Em 9 de março, os rebeldes rechaçaram outro ataque menor das tropas governamentais; em 10 de março, alguns aviões bombardearam a fortaleza de Kronstadt e pela noite, baterias localizadas na região costeira começaram a disparar contra a ilha.<ref name="avrich195"/> Na manhã de 11 de março, as autoridades tentaram realizar um ataque ao sudeste da ilha, que fracassou e resultou em um grande número de baixas entre as forças do governo.<ref name="avrich195"/> A névoa impediu as operações durante o resto do dia.<ref name="avrich195"/> Estes reveses não desanimaram os oficiais comunistas, que continuaram ordenando ataques à fortaleza enquanto organizavam forças para uma investida maior.<ref name="avrich196">[[#Bibliografia|Avrich (2004)]], p. 196</ref> Em 12 de março, houve novos bombardeios, que causaram poucos danos; em 13 de março se realizou uma nova investida contra a ilha,<ref name="chamberlin444"/> também fracassada.<ref name="avrich196"/> Na manhã de 14 de março, outro ataque foi realizado, fracassando novamente. Esta foi a última tentativa de tomar a ilha de assalto utilizando pequenas forças militares, entretanto, os ataques aéreos e de artilharia nas regiões costeiras foram mantidos.<ref name="avrich196"/> 

Durante as últimas operações militares, os bolcheviques tiveram de reprimir diversas revoltas em [[Peterhof]] e Oranienbaum, mas isso não os impediu de concentrarem suas forças para um ataque final; as tropas, muitas delas de origem camponesa, também mostravam mais empolgação do que nos primeiros dias do ataque, por conta da notícia — propagada pelos delegados do X Congresso do partido — do fim dos confiscos de grãos do campesinato e a sua substituição por um imposto em espécie.<ref name="chamberlin445"/><ref name="avrich197">[[#Bibliografia|Avrich (2004)]], p. 197</ref> A melhora no moral das tropas governamentais coincidiu com o crescente desalento dos rebeldes.<ref name="avrich197"/> Estes não haviam conseguido estender a revolta até Petrogrado e os marinheiros sentiam-se traídos pelos operários da cidade.<ref name="avrich199">[[#Bibliografia|Avrich (2004)]], p. 199</ref> A falta de apoio somou-se a uma série de privações para os rebeldes, já que as reservas de petróleo, munição, roupa e alimento esgotavam-se.<ref name="avrich199"/> O estresse causado pelos combates e bombardeios e a ausência de qualquer apoio externo foram minando o moral dos rebeldes.<ref name="avrich200">[[#Bibliografia|Avrich (2004)]], p. 200</ref> A paulatina redução das rações, o fim das reservas de farinha em 15 de março e a possibilidade de que a fome se agravasse entre a população da ilha fizeram com que o CRP aceitasse a oferta de alimentos e medicações da Cruz Vermelha.<ref name="avrich200"/>

=== O ataque final ===

No mesmo dia da chegada do representante da Cruz Vermelha em Kronstadt, Tukhachévski finalizava seus preparativos para atacar a ilha com um grande contingente militar.<ref name="avrich201">[[#Bibliografia|Avrich (2004)]], p. 201</ref> A maior parte das forças concentrou-se ao sul da ilha, enquanto um contingente menor concentrava-se ao norte.<ref name="avrich201"/> Dos cinquenta mil soldados que participaram da operação, trinta e cinco mil atacaram a ilha ao sul; participaram da operação os mais destacados oficiais do Exército Vermelho, inclusive alguns antigos oficiais czaristas.<ref name="avrich201"/> Muito mais preparados do que no assalto de 8 de março, os soldados mostraram muito mais ânimo para tomar a ilha sublevada.<ref name="avrich201"/>

[[Ficheiro:Petropavlovsk_Kronshtadt_1921.jpg|thumb|300px|Danos no ''Petropavlovsk'' causados durante a repressão a Kronstadt.]]

O plano de Tukhachévski consistia em um ataque em três colunas precedido por um intenso bombardeio.<ref name="avrich202">[[#Bibliografia|Avrich (2004)]], p. 202</ref> Um grupo deveria atacar ao norte enquanto outros dois deveriam fazê-lo ao sul e ao sudeste.<ref name="avrich202"/> O ataque da artilharia começou no início da tarde de 16 de março e durou o dia todo; um dos disparos atingiu o navio ''Sebastopol'' e causou cerca de cinquenta baixas.<ref name="avrich202"/> No dia seguinte, outro projétil atingiu o ''Petropavlovsk'' e causou ainda mais baixas. Os danos dos bombardeios aéreos foram escassos, porém serviram para desmoralizar as forças rebeldes.<ref name="avrich202"/> Pela noite, o bombardeio cessou e os rebeldes prepararam-se para uma nova investida contra as forças de Tukhachévski, que começou na madrugada de 17 de março.<ref name="avrich202"/> 

Protegidos pela escuridão e pela neblina, soldados das forças concentradas ao norte começaram a avançar contra as fortificações numeradas do norte desde Sestroretsk e Lisy Nos.<ref name="avrich202"/> Às 5h da manhã, os cinco batalhões que haviam partido de Lisy Nos alcançaram os fortes 5 e 6; apesar da camuflagem<ref name="chamberlin444">[[#Bibliografia|Chamberlin (1965)]], p. 444</ref> e do cuidado ao tentarem passar despercebidos, acabaram sendo descobertos pelos rebeldes.<ref name="avrich203">[[#Bibliografia|Avrich (2004)]], p. 203</ref> Estes, em vão tentaram convencer os soldados do governo de que não lutassem e seguiu-se um violento combate<ref name="chamberlin444"/> entre os rebeldes e os cadetes.<ref name="avrich203"/> Após terem sido inicialmente rechaçados e sofrido grandes baixas, o Exército Vermelho conseguiu tomar os fortes ao retornar.<ref name="avrich203"/> Com a chegada da manhã, a névoa dissipou-se deixando os soldados soviéticos desprotegidos, forçando-os a acelerar a tomada dos outros fortes.<ref name="avrich203"/> Os violentos combates causaram um grande número de baixas, e apesar da persistente resistência dos rebeldes, as unidades de Tukhachévski haviam tomado a maior parte das fortificações durante a tarde.<ref name="avrich203"/>
 
Embora as forças de Lisy Nos tenham alcançado Kronstadt, as de Sestroretsk — formadas por duas companhias — tiveram dificuldades para tomar o forte de Totleben na costa norte.<ref name="avrich204">[[#Bibliografia|Avrich (2004)]], p. 204</ref> O violento combate causou muitas baixas e somente na madrugada de 18 de março os cadetes conseguiram pôr fim conquistar o forte.<ref name="avrich204"/> 

Enquanto isso, no sul, uma grande força militar havia partido de Oranienbaum na madrugada de 17 de março.<ref name="avrich204"/> Três colunas avançaram para o porto militar da ilha, enquanto uma quarta coluna se dirigiu para a entrada de Petrogrado.<ref name="avrich204"/> As primeiras, escondidas pela névoa, conseguiram tomar diversas posições da artilharia rebelde, porém logo foram derrotadas por outras posições da artilharia rebelde e pelo fogo das metralhadoras.<ref name="avrich204"/> A chegada de reforços rebeldes permitiu o rechaço do Exército Vermelho. A brigada 79 perdeu a metade de seus homens durante o ataque, fracassado.<ref name="avrich204"/> A quarta coluna, pelo contrário, obteve mais êxitos: ao amanhecer, a coluna conseguiu abrir uma brecha perto da entrada de Petrogrado e adentrou Kronstadt. As grandes perdas sofridas pelas unidades deste setor aumentaram ainda mais nas ruas de Kronstadt, onde a resistência foi feroz; entretanto, um dos destacamentos conseguiu libertar os comunistas presos pelos rebeldes.<ref name="avrich204"/>

A batalha continuou durante o dia todo e os civis, inclusive as mulheres, contribuíram para a defesa da ilha.<ref name="avrich204"/> No meio da tarde, um contra-ataque dos rebeldes estava a ponto de rechaçar as tropas governamentais, porém a chegada do 27º Regimento de Cavalaria e um grupo de voluntários comunistas os derrotaram.<ref name="avrich206">[[#Bibliografia|Avrich (2004)]], p. 206</ref> Ao anoitecer, a artilharia trazida de Oranienbaum começou a atacar as posições que ainda eram controladas pelos rebeldes, causando grandes danos; pouco depois as forças vindas de Lisy Nos entraram na cidade, capturaram o quartel general de Kronstadt e tomaram um grande número de prisioneiros.<ref name="avrich206"/> Até a meia-noite, os combates foram perdendo a intensidade e as tropas governamentais foram tomando os últimos fortes rebeldes.<ref name="avrich206"/> Nessa mesma noite, e como havia previsto o Comitê de Defesa de Petrogrado, os membros do CRP que ainda se encontravam em liberdade e os oficiais czaristas abandonaram a ilha e fugiram para a [[Finlândia]]<ref name="chamberlin444"/> junto com outros oitocentos rebeldes. Ao longo do dia seguinte, cerca de oito mil pessoas da ilha buscaram refúgio na Finlândia.<ref name="avrich207">[[#Bibliografia|Avrich (2004)]], p. 207</ref><ref name="getzler244">[[#Bibliografia|Getzler (2002)]], p. 244</ref>

Os marinheiros sabotaram parte das fortificações antes de abandoná-las, porém as tripulações dos encouraçados negaram-se a levá-los para fora da ilha e estavam dispostas a renderem-se aos soviéticos.<ref name="avrich207"/> Nas primeiras horas de 18 de março, um grupo de cadetes tomou o controle dos barcos.<ref name="avrich207"/> Ao meio-dia, havia apenas pequenos focos de resistência e as autoridades já tinham o controle dos fortes, dos barcos da frota e de quase toda a cidade.<ref name="avrich207"/> Os últimos focos de resistência caíram ao longo da tarde.<ref name="avrich207"/>

Não se sabe ao certo o número exato de vítimas dos combates, ainda que se pense que o Exército Vermelho tenha sofrido muito mais baixas do que os rebeldes.<ref name="avrich208">[[#Bibliografia|Avrich (2004)]], p. 208</ref> Segundo as estimativas do cônsul estadunidense em [[Viborg]], que são consideradas as mais confiáveis, as forças governamentais teriam sofrido cerca de dez mil baixas entre mortos, feridos e desaparecidos.<ref name="avrich208"/> Também não há cifras exatas das baixas dos rebeldes, mas calcula-se que tenham havido cerca de seiscentos mortos, mil feridos e dois mil e quinhentos prisioneiros.<ref name="avrich208"/>

== Repressão ==
[[Ficheiro:1921-stepan_petrichenko_and_russian_emigrants_finland.jpg|300px|thumb|Stepan Petrichenko e outros rebeldes de Kronstadt exilados na Finlândia.]]
A fortaleza de Kronstadt caiu em 18 de março e as vítimas da posterior repressão não tiveram direito a nenhum julgamento.<ref name="schapiro304"/><ref name="avrich211">[[#Bibliografia|Avrich (2004)]], p. 211</ref> Durante os últimos momentos do combate, muitos rebeldes foram assassinados pelas forças governamentais em um ato de vingança pelas grandes perdas ocorridas durante o ataque.<ref name="avrich208"/> Treze prisioneiros foram acusados de serem os articuladores da rebelião e acabaram julgados por um tribunal militar em um julgamento secreto, ainda que nenhum deles tenha de fato pertencido ao CRP, foram todos sentenciados à morte em 20 de março.<ref name="avrich211"/> 

Centenas de prisioneiros foram executados ou enviados para as prisões da Cheka.<ref name="avrich211"/> Durante os meses seguintes, um grande número de rebeldes foi fuzilado, enquanto outros foram condenados a trabalhos forçados nos campos de concentração da [[Sibéria]], onde muitos vieram a falecer de fome ou doentes. O mesmo destino tiveram os familiares de alguns rebeldes, como a família do general Kozlovski.<ref name="avrich211"/> 

Os oito mil rebeldes — em sua maioria soldados e marinheiros — que haviam fugido para a Finlândia foram confinados em campos de refugiados, onde levaram uma vida dura; parte deles mais tarde regressaram à então [[União Soviética]] com a promessa de anistia, porém foram enviados aos campos de concentração.<ref name="avrich212">[[#Bibliografia|Avrich (2004)]], p. 212</ref>

== Consequências ==

Ainda que a insurreição tenha fracassado, ela havia deixado evidente para os bolcheviques que era impossível a manutenção do "[[comunismo de guerra]]", acelerando a implantação da [[Nova Política Econômica]] (NEP),<ref name="avrich219"/><ref name="chamberlin440">[[#Bibliografia|Chamberlin (1965)]], p. 440</ref> que apesar de recuperar alguns traços do capitalismo, segundo Lênin, seria um "recuo tático" para assegurar o poder soviético.<ref name="daniels253">[[#Bibliografia|Daniels (1951)]], p. 253</ref> Ainda que Moscou tenha inicialmente rejeitado as reivindicações dos rebeldes, terminou por aplicá-las parcialmente.<ref name="daniels253"/> O anúncio da implantação da NEP minou a possibilidade de um triunfo da rebelião, já que aliviou o descontentamento popular que alimentava os movimentos grevistas nas cidades e as revoltas no campo.<ref name="avrich219">[[#Bibliografia|Avrich (2004)]], p. 219</ref> Ainda que as diretrizes comunistas tenham hesitado desde o final de 1920 em abandonar o "comunismo de guerra",<ref name="avrich219"/> a revolta, nas palavras do próprio Lênin, "havia mostrado a realidade melhor do que qualquer outra coisa".<ref name="avrich220">[[#Bibliografia|Avrich (2004)]], p. 220</ref> O X Congresso do partido, ocorrido no mesmo momento em que se deu a revolta em Kronstadt, lançou as bases para o desmantelamento do "comunismo de guerra" e a implantação de uma economia mista que satisfizesse minimamente os desejos dos operários e camponeses, o que, segundo Lênin, era essencial para que os comunistas pudessem manter-se no poder. <ref name="avrich221">[[#Bibliografia|Avrich (2004)]], p. 221</ref>

Embora as exigências econômicas de Kronstadt tenham sido adotadas parcialmente com a implantação da NEP, o mesmo não se deu com as reivindicações políticas dos rebeldes.<ref name="avrich224">[[#Bibliografia|Avrich (2004)]], p. 224</ref> O governo tornou-se ainda mais autoritário, eliminando a oposição interna e externa ao partido e não cedeu mais nenhum direito civil à população.<ref name="avrich224"/> O governo reprimiu fortemente os outros partidos de esquerda, mencheviques, socialistas revolucionários e anarquistas;<ref name="avrich224"/> Lênin afirmou que o destino dos socialistas que se opusessem ao partido seria o cárcere ou o exílio.<ref name="avrich224"/> Ainda que para alguns opositores fosse permitido o exílio, a maioria deles acabou nas prisões da Cheka ou condenados a trabalhos forçados nos campos de concentração da Sibéria e da Ásia central.<ref name="avrich224"/> Ao final de 1921, a ditadura bolchevique havia finalmente se consolidado.<ref name="avrich225">[[#Bibliografia|Avrich (2004)]], p. 225</ref>

De sua parte, o Partido Comunista agiu no X Congresso reforçando a disciplina interna, proibindo a atividade da oposição intrapartidária e aumentando o poder das organizações encarregadas de manter a disciplina dos filiados,<ref name="avrich225"/> ações que mais tarde facilitariam a ascensão de [[Stálin]] ao poder e a eliminação de praticamente toda a oposição política.<ref name="daniels254"/>

As potências ocidentais não se mostraram dispostas a abandonar as negociações com o governo bolchevique para apoiar a rebelião.<ref name="avrich218">[[#Bibliografia|Avrich (2004)]], p. 218</ref> Em 16 de março, firmou-se em [[Londres]] o primeiro acordo comercial entre o [[Reino Unido]] e o governo de Lênin; no mesmo dia foi assinado um acordo de amizade com a [[Turquia]] em Moscou.<ref name="avrich218"/> A revolta tampouco desbaratou as negociações de paz entre os soviéticos e poloneses e o [[Paz de Riga|Tratado de Riga]] foi firmado em 18 de março.<ref name="avrich218"/> A Finlândia, por sua parte, negou-se a auxiliar os rebeldes, confinados em campos de refugiados, e não permitiu que se lhes prestasse ajuda em seu território.<ref name="avrich218"/>

== Análise ==
Na sua análise da rebelião, o historiador [[Paul Avrich]] escreveu que os rebeldes tinham poucas hipóteses de êxito, mesmo que o gelo tivesse derretido a seu favor e a ajuda tivesse chegado. Kronstadt estava despreparada, intempestiva e em desvantagem em relação a um governo que acabara de vencer uma guerra civil de maior magnitude. Petrichenko, presidente do Comité Revolucionário de Kronstadt, partilhava esta crítica retrospectiva. A ajuda do general [[Pyotr Wrangel|Wrangel]], do [[Exército Branco]], teria levado meses a ser mobilizada. Avrich resumiu todo o contexto na introdução do seu livro Kronstadt, 1921: <blockquote>Em 1921, a Rússia Soviética não era o Leviatã das últimas décadas. Era um Estado jovem e inseguro, confrontado com uma população rebelde a nível interno e com inimigos implacáveis no exterior que ansiavam por ver os bolcheviques expulsos do poder. Mais importante ainda, Kronstadt estava em território russo; o que confrontava os bolcheviques era um motim na sua própria marinha, no seu posto mais estratégico, que guardava os acessos ocidentais a Petrogrado. Temiam que Kronstadt pudesse incendiar o continente russo ou tornar-se o trampolim para outra invasão antissoviética. Havia cada vez mais provas de que os emigrantes russos estavam a tentar ajudar a insurreição e a transformá-la em seu próprio benefício. Não que as atividades dos brancos possam desculpar as atrocidades cometidas pelos bolcheviques contra os marinheiros. Mas tornam mais compreensível o sentido de urgência do governo em esmagar a revolta. Dentro de algumas semanas, o gelo do golfo finlandês derreteria e poderiam ser enviados mantimentos e reforços do Ocidente, transformando a fortaleza numa base para uma nova intervenção. Para além da propaganda envolvida, Lenine e Trotsky parecem ter ficado genuinamente ansiosos com esta possibilidade.<ref>https://files.libcom.org/files/kronstadt_1921_avrich.pdf</ref></blockquote>

== Ver também ==
* [[Anarquismo na Rússia]]
* [[Revolução Ucraniana]]
* [[Terceira Revolução Russa]]

{{Referências|col=3}}

==Bibliografia==
* [[Paul Avrich|Avrich, Paul]]. ''[http://www.fondation-besnard.org/IMG/pdf/Avrich_Kronstadt_PDF.pdf Kronstadt 1921]'' {{es}}. [[Buenos Aires]]: Libros de Anarres, 2004. <small> ISBN 9872087539</small>
* [[William Henry Chamberlin|Chamberlin, William Henry]]. ''The Russian revolution, 1918-1921: from the civil war to the consolidation of power'' {{en}}. [[Nova Iorque]]: Grosset & Dunlap, 1965. <small> OCLC 614679071</small>
* Daniels, Robert Vincent. [http://www.jstor.org/stable/2492031 Conscience of the Revolution: Communist Opposition in Soviet Russia] {{en}}. ''American Slavic and East European Review'', [[Pittsburgh]], vol. 10, n. 4, p. 241-254, 1951
* Getzler, Israel. ''[https://archive.org/details/kronstadt19171920000getz Kronstadt, 1917-1921: The fate of a Soviet democracy]'' {{en}}. [[Cambridge|Cambridge (Cambridgeshire)]]: Cambridge University Press, 2002. <small>ISBN 9780521894425</small>
* Mawdsley, Evan. [http://www.jstor.org/stable/150800 The Baltic Fleet and the Kronstadt Mutiny] {{en}}. ''Soviet Studies'', [[Abingdon (Oxfordshire)|Abingdon]], vol. 24, n. 4, p. 506-521, 1973.  
* Schapiro, Leonard. ''[http://www.questia.com/library/378044/the-origin-of-the-communist-autocracy-political-opposition The Origin of the Communist Autocracy: Political Opposition in the Soviet State, First Phase, 1917-1922]'' {{en}}. [[Cambridge (Massachusetts)]]: Harvard University Press, 1965. <small>ISBN 9780674644519</small>

{{anarquismo}}

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