Liga dos Canelas Pretas

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Liga dos Canelas Pretas é o nome popular da Liga Nacional de Futebol Porto-Alegrense, do início do século XX, formada na região do antigo bairro da Ilhota, em Porto Alegre unicamente por homens negros. Foi também chamada de Liga da Canela Preta ou simplesmente de Liga Canela Preta.[1]

Histórico[editar | editar código-fonte]

A Liga dos Canelas Pretas teria surgido de segregação manifestada pela Liga Metropolitana (de times "brancos") quando negou a participação ao Rio-Grandense, que era um time de mulatos. De acordo com uma crônica do compositor Lupicínio Rodrigues,[2] o veto teria sido dado pelos dirigentes do Internacional, em uma época ainda de formação do futebol brasileiro. A liga teria sido formada em 1910, segundo algumas fontes,[3] ou após 1912, possivelmente em 1915,[4] atingindo seu maior reconhecimento na década de 1920. Os dois clubes com melhor quadro técnico eram o Bento Gonçalves (tido como o primeiro time realmente negro a excursionar pelo interior do estado do Rio Grande do Sul) e o Rio-Grandense (presidido primeiro por Julio da Silveira, em 1907,[2] mais tarde gerente do jornal O Exemplo, e depois por Francisco Rodrigues, funcionário da Faculdade de Comércio,[5] pais respectivamente do jornalista Antonio Onofre da Silveira e do compositor Lupicínio Rodrigues, que prosseguiriam a amizade). Na criação e implementação da liga, além de Rodrigues e Silveira, os relatos também apontam a participação de Orlando Ferreira da Silva (funcionário da Biblioteca Pública do Estado), Otacílio Conceição, José Gomes e outros.[2]

Quanto às equipes, além do Rio-Grandense e do Bento Gonçalves, também participavam os times Primavera (dos arredores da Rua Gonçalves Dias), Primeiro de Novembro (formado por funcionários do Forno do Lixão), Oito de Setembro (da área então chamada de Colônia Africana, hoje o bairro Rio Branco), União, Palmeiras, Aquidabã e Venezianos,[6] totalizando nove clubes associados.[7]

Mesmo no interior da Liga era percebido certo grau de segmentação. O Rio-Grandense (não confundir com outros times homônimos) era um time majoritariamente de mulatos (os "mulatinhos cor-de-rosa", conforme depoimento[8]), formado por funcionários públicos e de hotéis, e o Bento Gonçalves, um time majoritariamente de negros, formado por engraxates e profissionais de baixo status.[9]

Nos anos 1920 a Liga Metropolitana criou sua segunda divisão (a "liga do sabão"), absorvendo os novos e melhores jogadores, o que acabaria por fazer desaparecer a Liga dos Canelas Pretas na década de 1930 (possivelmente até 1933,[3] início do profissionalismo no futebol local). O Internacional teria o primeiro registro de um negro em sua equipe no ano de 1927, com o zagueiro Dirceu Alves.[3] Antes dele, o primeiro clube a aceitar negros em Porto Alegre teria sido o Esporte Clube Americano.

No Grêmio, pesquisas recentes realizadas pelo clube indicam que os primeiros negros (ou pardos) a atuarem foram os Irmãos Carlos e Alfredo Mostardeiro, na equipe principal a partir de 1911 (tendo ingressado no clube em 1909 e participado da segunda equipe em 1910). A seguir, vem Antunes[10], que atuou de 1913 até 1915 no Grêmio. Nas três décadas seguintes, vários jogadores aparecem nos registros fotográficos pertencentes ao arquivo do Memorial Hermínio Bittencourt, do Grêmio FBPA, .

Ver também[editar | editar código-fonte]

Referências

  1. Chamada assim em reportagem de Tino Marcos para a TV Globo, programa Esporte Espetacular exibido em 28/06/2009. Sinopse: "Na década de 1920 do século XX, os negros eram impedidos de atuar nos clubes do Rio Grande do Sul. Para jogar, eles fundam um torneio próprio só com jogadores da raça negra." Originalmente disponível em <http://video.globo.com/Videos/Player/Esportes/0,,GIM1069382-7824-HISTORIAS+ESPORTIVAS+A+LIGA+DA+CANELA+PRETA,00.html>. Consultado em 16/01/2010: indisponível.
  2. a b c RODRIGUES, Lupicínio. Foi assim: o cronista Lupicínio conta as histórias das suas músicas. Porto Alegre: L&PM, 1995. p. 47-49. A publicação original (com resolução para leitura) pode ser consultada na Wikimedia Commons.
  3. a b c SILVA, Jonas Lopes da. A Canela Preta. In: SANTOS, Irene (org.). Negro em preto e branco: história fotográfica da população negra de Porto Alegre. Porto Alegre: edição da autora/Fumproarte, 2005. p. 99-101.
  4. Segundo MACHADO, Vinicius Sant’Ana e BUCHMANN, Carolina Butzke, Futebol de campo em Porto Alegre, RS. Ver página 1 disponível em <http://www.cref2rs.org.br/atlas/cd/texto/Futebol%20de%20Campo%20em%20Porto%20Alegre-RS.pdf Arquivado em 9 de outubro de 2010, no Wayback Machine.>. Consultado em 16/01/2010.
  5. GONZALEZ, Demosthenes. Roteiro de um boêmio: vida e obra de Lupicínio Rodrigues. Porto Alegre: Sulina, 1986. p.10.
  6. Segundo MASCARENHAS, G. ou JESUS, Gilmar Mascarenhas. Esporte e mito da democracia racial no Brasil: memórias de um Apartheid no futebol. Capítulo III disponível em <http://www.efdeportes.com/efd14b/apart1.htm>. Consultado em 16/01/2010.
  7. ANJOS, José Luiz dos. Futebol no Sul: história da consciência étnica. <http://www.revistas.ufg.br/index.php/fef/article/viewArticle/143/1332>. Consultado em 16/01/2010.
  8. Conforme entrevista de Jayme Moreira da Silva para Morgana Gualdi Laux, sem data, reproduzida em <http://www.clicrbs.com.br/blog/jsp/default.jsp?source=DYNAMIC,blog.BlogDataServer,getBlog&uf=1&local=1&template=3948.dwt&section=Blogs&post=240080&blog=219&coldir=1&topo=4238.dwt>. Consultado em 16/01/2010.
  9. DAMO, Arlei Sander. Futebol e identidade social: uma leitura antropológica das rivalidades entre torcedores e clubes. Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS, 2002. p. 89-94.
  10. Márcio Neves (2013). «Site do Grêmio FBPA - Seção Curiosidades». Grêmio FBPA. Consultado em 20 de junho de 2014. Arquivado do original em 21 de julho de 2011