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Josué de Castro

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Josué Apolônio de Castro (Recife, 5 de setembro de 1908 - Paris, 24 de setembro de 1973), foi um influente médico, professor, nutricionista, antropólogo, geógrafo, sociólogo, escritor, político, intelectual, humanista, ativista brasileiro e nordestino.

Biografia

Pernambucano pobre do Recife filho de retirantes da seca nordestina.

Aos 21 anos concluiu o curso superior de Medicina pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Três anos depois, em 1932, torna-se livre-docente em Fisiologia da Faculdade de Medicina do Recife com a tese “O problema fisiológico da alimentação no Brasil”. Esta tese já indica para a importância que o autor atribui ao campo da nutrição, o que caracterizará toda sua obra.

Em 1935 se muda para o Rio de Janeiro onde assume a cátedra de Antropologia da antiga Universidade do Distrito Federal e em 1940 se torna professor catedrático de Geografia Humana na Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil. Neste período é importante destacar a publicação de “A Alimentação Brasileira à Luz da Geografia Humana” de 1937, sendo esta publicação a primeira na qual Josué de Castro se posiciona claramente em favor do “método geográfico”. Deve-se destacar que o início e meados do século XX são marcados por diversas obras que vão tratar especificamente da realidade brasileira. Entre essas obras podemos destacar “Casa-Grande & Senzala” (1933) de Gilberto Freyre, “Raízes do Brasil” (1936) de Sérgio Buarque de Holanda, e “Formação do Brasil Contemporâneo” (1942) de Caio Prado Júnior. Esse momento de efervescência de um “pensamento brasileiro” certamente influencia e é influenciado por Josué de Castro.

Tratando mais diretamente da Geografia brasileira é imprescindível apontar para sua institucionalização a partir da década de 30. São Paulo e Rio de Janeiro se tornam referência para a Geografia nacional e têm uma característica em comum: ambas são fortemente ligadas à escola francesa de Geografia que chega ao país através das “missões francesas”. A relação com os professores franceses como Pierre Deffontaines, por exemplo, certamente influenciou o modo como Josué de Castro passa a encarar a ciência geográfica e seu método de pesquisa.

Com relação ao contexto político, tendo em vista o cenário nacional, pode-se dizer que Josué de Castro viveu três fases da história nacional (divisão proposta por Boris Fausto). De 30 à 45 vive sob o governo de Vargas, de 45 à 64 vive a curta experiência democrática e de 64 até 73 presencia a tomada de poder por parte dos militares,quando é exilado(nada menos do que 14 paises desenvolvidos ofereceram exilio, todos ricos) por suas idéias "socialistas"-propós melhor divisão de renda. Morou na França até sua morte,quando a filha quis que ele fosse enterrado no Brasil e o governo usou de muita burocracia para trazer o corpo. Já com relação ao contexto político internacional, Josué de Castro testemunha os horrores da Segunda Guerra Mundial e vive intensamente a polarização do mundo em torno de EUA e URSS durante a Guerra Fria.

O Movimento da Obra de Josué de Castro

Os primeiros estudos de Josué de Castro (“O Problema Fisiológico da Alimentação no Brasil” de 1932, “O Problema da Alimentação no Brasil” de 1933, “Condições de Vida das Classes Operárias do Recife” e “Alimentação e Raça” ambos de 1935”) apresentam certamente uma inclinação maior para as áreas da Nutrição e da Antropologia o que muda a partir de 1937 com a publicação de “A Alimentação Brasileira à Luz da Geografia Humana”.

Neste importante livro Josué de Castro afirma que para o estudo da alimentação, devido a sua complexidade, é necessário abordar diversos aspectos da realidade e que “o único método eficaz de análise da questão, é o método geográfico” (CASTRO, 1937). Neste sentido Josué de Castro entende o método geográfico como um método de síntese de diversos conhecimentos, sejam eles naturais ou humanos, que ocorrem sobre a superfície da Terra.

A base da definição de método de Josué de Castro está nos quatro “princípios geográficos” que podem ser notados em toda sua obra. O primeiro princípio seria o da localização, extensão e delimitação que determina que o geógrafo deve sempre localizar e delimitar a ocorrência dos fenômenos que ocorrem sobre a superfície da Terra.O segundo princípio seria o da coordenação ou correlação onde o entendimento de cada fenômeno nunca se dá de modo isolado, mas sempre levando em consideração outros fenômenos ocorridos em outras partes do globo terrestre.O terceiro princípio seria o da conexidade que aponta para a conexão dada pelo meio aos fenômenos impondo uma unidade terrestre.E o quarto e último princípio geográfico seria o da causalidade que estabelece que os geógrafos ao examinar qualquer fenômeno devem atentar para suas causas e efeitos.

A partir deste momento Josué de Castro trilha um longo caminho marcado por continuidades e descontinuidades. Podemos dividir o conjunto de sua obra em três fases, com o intuito de facilitar o entendimento e a exposição de sua obra, mas ao mesmo tempo tomando o devido cuidado em não tornar esta divisão uma “amarra” que atrapalhe a interpretação da obra do autor.

Em “Josué de Castro na perspectiva da Geografia Brasileira: 1934/1956 – Uma contribuição à historiografia do pensamento geográfico nacional” Antônio Alfredo Teles de Carvalho aponta para uma clara distinção no movimento da obra de Josué de Castro. Segundo ele, haveria uma primeira fase mais descritiva que se estende até meados da década de 40 e uma segunda fase crítica a partir de 1946, data da publicação de “Geografia da Fome”. Concordamos com a divisão, mas preferimos aqui denominar esta primeira fase como uma fase explicativa, onde Josué de Castro lança as bases para suas publicações que tratarão diretamente do fenômeno da fome (“Geografia da Fome” e “Geopolítica da Fome”) e adotando um tom mais crítico.

É necessário ressaltar que a escolha da temática da fome, como temática central de sua obra, tem tanto um significado científico como político e se manifestará durante toda sua obra como um elemento potente na realização da crítica ou denúncia das relações sociais existentes.

Podemos dizer que este momento mais crítico dura até o ano de 1957 quando Josué de Castro publica “O Livro Negro da Fome” e adota claramente uma interpretação do fenômeno atravessada pelo conceito de subdesenvolvimento. Esta fase tem clara relação com a atividade política que Josué de Castro desempenhou de 1952 a 1955 na FAO (Organização para a Agricultura e Alimentação da ONU) e de 1956 até 1962 como deputado federal pelo Estado de Pernambuco.

O Fenômeno da Fome

Ao longo de sua obra Josué de Castro desenvolveu diversos temas de relevância para a Geografia e para a sociedade como um todo. Mas, certamente, a temática da fome foi a que mais tomou sua atenção e que acabou por torná-lo internacionalmente reconhecido.

Mais uma vez é necessário citar o contexto em que Josué de Castro viveu para entendermos o porquê da escolha da temática da fome. O próprio Josué de Castro revela no prefácio de seu romance “Homens e Caranguejos” intitulado “A descoberta da fome” que foi nos mangues e alagados de Recife que tomou conhecimento da fome.

Sua vida e sua obra são marcadas por essa experiência e mesmo após se formar em Medicina e tornar-se reconhecido Josué de Castro sempre travou uma luta contra a fome. Prova disso é seu estudo de 1935 “Condições de Vida das Classes Operárias do Recife” onde, após poucos anos de ter completado sua formação como médico, dirige um estudo voltado para as condições de vida (com ênfase nas condições de moradia e alimentação) das classes mais pobres do Recife.

Mas a opção pelo fenômeno da fome não é dada somente pelo contexto. É importante notar que esta opção é também intencional e tem seu caráter político. Josué visa através dela agitar tanto o meio acadêmico como o meio político nacional e internacional, que por anos virou as costas para este grave problema que afetava grande parte da população.

Seguramente neste momento Josué rompe com muitos limites de sua época e ele sabe que o está fazendo, pois ele próprio diz ser necessário derrubar o tabu que existe por trás do tema da fome.

O primeiro passo no estudo do fenômeno da fome na obra de Josué de Castro deve ser o de precisar o conceito de fome que o autor desenvolve. Este conceito foi claramente exposto em seu livro “Geografia da Fome” no terceiro item do prefácio intitulado: “Nosso conceito de fome: as fomes individuais e coletivas. As fomes totais e parciais. As fomes específicas e as fomes ocultas.” (CASTRO, 1946) Neste ponto Josué de Castro afirma que irá tratar especificamente da fome coletiva seja ela endêmica (permanente) ou epidêmica (transitória), seja ela total (inanição) ou parcial ou oculta. Josué de Castro confere uma atenção especial para a fome parcial ou oculta por esta, segundo ele, ser mais freqüente e atingir uma maior parte da população.

É de extrema importância notar que Josué de Castro não irá restringir o conceito de fome, ao contrário, utilizará este conceito, mesmo quando outros autores utilizariam conceitos como o de subnutrição ou desnutrição. Esta opção em “abrir” o conceito tem razões científicas, pois como ele mesmo aponta, a fome parcial além de ser mais freqüente também seria mais grave. Ao mesmo tempo tem razões políticas, pois assim a fome não poderá ser tratada como um fenômeno restrito às “regiões longínquas” como o Oriente e a Europa do pós-guerra.

Tornar pública a existência da fome através da denúncia de suas causas e conseqüências foi o grande objetivo de duas das maiores obras de Josué de Castro, a primeira publicada em 1947, “Geografia da Fome”, e a segunda publicada em 1951, “Geopolítica da Fome”.

A diferença teórico-metodológica é praticamente nula entre ambas, sendo a escala de análise a principal modificação de uma para a outra. Josué de Castro aponta no prefácio de “Geografia da Fome” duas razões que o levaram a pensar em escrever esta obra em diferentes volumes. A primeira se refere à extensão do fenômeno da fome que abrange todos os continentes e a segunda se refere a possibilidade de lançar volumes separadamente sem prejudicar o conteúdo da obra como um todo.

Em ambos os livros Josué inicia sua apresentação do fenômeno da fome através de um tratamento mais teórico da questão. Este tratamento tem como objetivo dar base para que o leitor possa entender o conteúdo que virá a seguir, ou seja, dar instrumento para que o leitor entenda o conteúdo dos estudos das regiões afetadas pelo drama da fome.

Em “Geopolítica da Fome”, utilizando o zoneamento apresentado pelo próprio autor em “A Alimentação Brasileira à Luz da Geografia Humana” Josué de Castro divide o Brasil em cinco grandes áreas sendo três delas consideradas áreas de fome. Área Amazônica, Área da Mata do Nordeste ou Área do Nordeste Açucareiro e Área do Sertão do Nordeste são as áreas de fome no Brasil, enquanto as áreas do Centro-Sul e Extremo Sul, apesar de não apresentarem um padrão dietético satisfatório não são consideradas áreas de fome.

Já em “Geopolítica da Fome” Josué de Castro trata do fenômeno da fome no mundo dividindo sua análise nos seguintes continentes: América, Ásia, África e Europa.

De certo modo podemos apresentar duas linhas principais apontadas por Josué de Castro em “Geopolítica da Fome”. A primeira trata-se, de como já foi mencionado, da superação do tabu da fome, onde Josué de Castro tenta demonstrar como a humanidade sempre sofreu com o drama da fome, não importando a época ou a região do globo. Neste sentido o autor realiza em todos os capítulos uma retrospectiva histórica do fenômeno da fome para cada região.

A segunda linha principal, que já pode ser notada em “Geografia da Fome” é a denúncia dos estragos cometidos pelo processo de colonização ao redor do mundo. Josué de Castro indica insistentemente para o fato de que todas as regiões que passaram pelo processo de colonização (europeu principalmente) sofreram e ainda sofrem com o flagelo da fome.

É imprescindível destacar ainda o debate que Josué de Castro trava com o pensamento malthusiano principalmente após 1948, ano da publicação do livro “O caminho da sobrevivência” de Willian Vogt, livro este que teve grande repercussão entre o público estadunidense e tinha forte caráter malthusiano.

É verdade que desde o início de sua obra Josué de Castro trata o fenômeno da fome como um fenômeno social e não natural que pode ser superado através da ação do próprio Homem. Porém, a partir de 1948, Josué de Castro se coloca em franco debate com as idéias malthusianas negando suas teses e apontando para dois erros na tese me que Malthus afirma que a população cresce em progressão geométrica e a produção de alimentos em progressão aritmética.

Primeiramente Josué de Castro afirma que não se pode ver o crescimento da população como uma variável independente, sendo este crescimento sujeito a fatores políticos e econômicos variando de acordo com a conjuntura social. Depois Josué de Castro aponta para os avanços técnicos que foram realizados desde os tempos de Malthus que provaram que o crescimento da produção de alimentos pode acompanhar o crescimento da população.

Contudo, a principal e talvez mais polêmica tese de Josué de Castro, trata da relação entre a fome e o fenômeno da “superpopulação”. Trabalhando com o princípio de causalidade Josué de Castro afirma que o fenômeno da “superpopulação” não causa fome, mas sim que a fome é a causa do fenômeno da “superpopulação”.

Para Josué de Castro populações com deficiências alimentares se tornariam mais férteis, tendo mais filhos o que causaria um aumento indesejado da população. Além disso, segundo Josué de Castro, com um alto índice de mortalidade infantil e a necessidade de braços para trabalhar para o sustento da família o número de filhos por casal também aumentaria significativamente.

É através desta relação de causa e efeito – fome e “superpopulação” – que Josué de Castro combate o discurso malthusiano e ainda afirma que a melhor maneira de se controlar o crescimento da população é promovendo uma melhoria significativa do padrão alimentar das pessoas.

Porém é possível perceber que assim como Malthus, Josué de Castro trabalhou somente com uma relação de causa e efeito (causalidade). Trata-se de um limite de sua obra, pois este tratamento não chega a superar a lógica do pensamento malthusiano.

Importância de sua obra

Nota-se que Josué de Castro tem uma vasta obra que permite diversas leituras. A importância desta obra se revela a todo momento pois até hoje o fenômeno da fome não foi extinto da superfície da terra.

Josué de Castro apresenta diversos elementos para a discussão do fenômeno da fome hoje, seja tratando de políticas públicas de combate à fome, seja tratando dos discursos produtivistas das empresas multinacionais, seja tratando do imaginário da população com relação ao fenômeno da fome.

Para a “História do Pensamento Geográfico Brasileiro” sua contribuição foi decisiva. Sua obra apresenta um rico debate com diversos geógrafos, em especial com os da Geografia Francesa, e por vezes é possível apontar para avanços teóricos realizados pelo autor no sentido de uma Geografia que tenha uma postura mais crítica e ativa frente à realidade brasileira e mundial.

Bibliografia

O Problema da Alimentação no Brasil, Companhia Editora Nacional, São Paulo/Rio de Janeiro, 1933 (Col. Brasiliana).

O Problema Fisiológico da Alimentação no Brasil. Editora Imprensa Industrial, Recife, 1932.

Condições de Vida das Classes Operárias do Recife. Departamento de Saúde Pública, Recife, 1935.

Alimentação e Raça. Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, l935.

Therapeutica Dietética do Diabete. ln: Diabete. Livraria do Globo, Porto Alegre, 1936. p.271-294.

Documentário do Nordeste. Livraria José Olympio, Rio de Janeiro, 1937.

A Alimentação Brasileira à Luz da Geografia Humana. Livraria do Globo, Rio de Janeiro, 1937.

Fisiologia dos Tabus. Editora Nestlé, Rio de Janeiro, 1939.

Geografia Humana. Livraria do Globo, Rio de Janeiro, 1939.

Alimentazione e Acclimatazione Umana nel Tropici. Milão, 1939.

Geografia da Fome. Editora O Cruzeiro, Rio de Janeiro, 1946. Última Edição - Gryphus, RJ, 1992. Prêmio José Veríssimo da Academia Brasileira de Letras.

La Alimentación em los Tropicos. Fondo de Cultura Económica, México, 1946.

Fatores de Localização da Cidade do Recife. Imprensa Nacional, Rio de Janeiro, 1947. 81p.

Geopolítica da Fome. Casa do Estudante do Brasil, Rio de Janeiro, 1951.

A Cidade do Recife - Ensaio de Geografta Humana. Casa do Estudante do Brasil, Rio de Janeiro, 1956.

Três Personagens. Casa do Estudante do Brasil, Rio de Janeiro, 1955.

O Livro Negro da Fome. Editora Brasiliense, São Paulo, 1957.

Ensaios de Geografia Humana. Editora Brasiliense, São Paulo, 1957. Ensaios de Biologia Social. Editora Brasiliense, São Paulo, 1957.

Sete Palmos de Terra e um Caixão. Editora Brasiliense, São Paulo, 1965.

Ensayos sobre el Sub-Desarrollo. Siglo Veinte, Buenos Aires, 1965.

Adonde va la América Latina? Latino Americana, Lima, 1966.

Homens e Caranguejos. 1.ed. Porto, Brasília, 1967.

A Explosão Demográfica e a Fome no Mundo. ltaú, Lisboa, 1968.

EI Hambre - Problema Universal. La Pléyade, Argentina, 1969.

Latin American Radicalism. Vintagem Books, New York, 1969.

A Estratégia do Desenvolvimento. Cadernos Seara Nova, Lisboa, 1971.

Mensagens. Colibri, Bogotá, 1980.

Fome um Tema Proibido. Última Edição civilização Brasileira 2003. Organizadora: Anna Maria de Castro.

Festa das Letras. Última Edição - Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1996.

(Obs.: Obras traduzidas e editadas em 25 idiomas).

Ver também

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Sobre Josué de Castro

RIBEIRO JUNIOR, José Raimundo Sousa. O movimento da obra de Josué de Castro: uma releitura crítica a partir da Geografia e da Fome. Monografia (Graduação). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas - USP. São Paulo, 2004.

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