Ritos genéticos editoriais

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Os ritos genéticos editoriais são todos os procedimentos realizados por diferentes atores (editores, preparadores, copidesques, revisores – nomenclaturas que variam, conforme se esclarece mais abaixo) para que os originais (ou primeira versão de um texto autoral) sejam publicados, isto é, todos os processos, serviços, etapas, atividades e funções editoriais necessários para que um texto chegue a uma versão final para circulação pública. De origem discursiva, mais pontualmente nos estudos da Análise de Discurso de tradição francesa, o termo foi proposto por Luciana Salazar Salgado na tese Ritos genéticos no mercado editorial: autoria e práticas de textualização (2007)[1] e no livro Ritos genéticos editoriais: autoria e textualização (2011[2], 2016[3]) a partir de um desdobramento da noção de ritos genéticos de Dominique Maingueneau (2006), segundo a qual “o escritor original é de fato obrigado a inventar ritos genéticos na medida da sua necessidade”[4], que são então “consagrados” por ele de acordo com sua contribuição para o êxito das obras. Nesse sentido, os ritos genéticos editoriais especificam e direcionam a noção de Maingueneau focalizando os processos de edição adotados em diferentes publicações, “sem jamais perder de vista que o trabalho do coenunciador editorial, assim como o do autor e de todos os que lidam com seu texto, é feito de um dado lugar discursivo”.[5]

Funcionamento[editar | editar código-fonte]

Os ritos genéticos editoriais compreendem tanto etapas de tratamento textual já bastante estabelecidas no mercado editorial quanto práticas menos oficializadas e anteriores à entrega do texto a uma editora ou equipe de editoria. Incluem-se aí os variados tipos de trabalho com o texto tradicionalmente postos no guarda-chuva da “revisão”. Dessa perspectiva, a leitura do texto por pares e os comentários decorrentes, antes comuns no ambiente acadêmico, as etapas de preparação e revisão dentro ou fora de uma editora, o serviço de normalização textual, por exemplo, mostram “o quanto o original de um autor, no longo processo que o transforma em publicação, movimenta-se, passando por diferentes olhares e cuidados”.[6]

Profissionais relacionados[editar | editar código-fonte]

Para além dos coletivos de trabalho ou acadêmicos, e até mesmo em alguns deles, muitos ofícios e serviços são compreendidos superficialmente devido ao desconhecimento sobre o trabalho editorial e à falta de legislação específica sobre muitos deles. Em levantamento[7] sobre a família de “profissionais da escrita”, organizada pelo extinto Ministério do Trabalho e Emprego – MTE, verifica-se a ausência do “revisor” nessa categoria[nota 1]. A ocupação consta em “Profissionais do Jornalismo”, e, diferentemente de outros ofícios (como o de tradutor[nota 2]), não se propõe uma especificação de suas funções – portanto, não há, tampouco, consenso quanto a regimes de contratação, valores e tipos de serviço, etc.

É comum, por exemplo, que se entenda o autor/escritor como único responsável intelectual e criativo por uma obra publicada, apagando uma ampla equipe editorial que trabalha em sua produção, ou a estereotipação do revisor como “polícia da língua” [8], que “corrige” (numa perspectiva normativista) questões pontuais de gramática, ortografia e pontuação, desconsiderando aspectos discursivos do ofício e sua função mais ampla de mediação editorial entre a primeira e a última versão de um texto que vai circular publicamente. Esse imaginário relacionado ao revisor deve-se, em grande medida, à formação precária ou ausente em estudos da linguagem de boa parcela de profissionais que atuam na área, o que leva a incompreensões sobre sua atuação profissional mesmo em ambientes especializados de escrita e edição.

Notas

  1. A esse respeito, ver a plataforma de buscas da Classificação Brasileira de Ocupações (CBO).
  2. O Sindicato Nacional dos Tradutores é responsável pela especificação dos serviços realizados por esses profissionais e pelo estabelecimento de valores de referência para seus trabalhos. Não existe um órgão correspondente para a categoria dos revisores de texto.

Referências

  1. SALGADO, Luciana Salazar. Ritos genéticos no mercado editorial: autoria e práticas de textualização. 2007. 299 f. Tese (Doutorado em Linguística) – Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2007.
  2. ______. Ritos genéticos editoriais: autoria e textualização. São Paulo: Annablume/FAPESP, 2011.
  3. ______. Ritos genéticos editoriais: autoria e textualização. Bragança Paulista: Margem da Palavra, 2016.
  4. MAINGUENEAU, Dominique. Discurso literário. Tradução de Adail Sobral. São Paulo: Contexto, 2006, p.157.
  5. SALGADO, 2011, p. 155
  6. SALGADO, 2011, p. 20
  7. SALGADO, 2016, p.24-29.
  8. RUGONI, Luciana Sousa. O imaginário do revisor de textos nos ritos genéticos editoriais. 2015. 142 f. Dissertação (Mestrado em Linguística) – Programa de Pós-Graduação em Linguística, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2015, p. 24

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

  • CLARES, Letícia Moreira. Ritos genéticos editoriais do impresso ao audiolivro: o revisor de textos e as manobras de intervenção. Monografia (Trabalho de Conclusão de Curso) – Departamento de Letras, Universidade Federal de São Carlos – UFSCar, 2013.
  • CLARES, Letícia Moreira. Mediação editorial na comunicação científica: um estudo de dois periódicos de humanidades. 150 f. Dissertação (Mestrado em Linguística) – Centro de Educação e Ciências Humanas, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2017.
  • SALGADO, Luciana Salazar. Ritos genéticos editoriais: uma abordagem discursiva da edição de textos. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, São Paulo, n. 57, p. 253-276, dez. 2013.
  • SALGADO, Luciana Salazar. Quem mexeu no meu texto? Questões contemporâneas de edição, preparação e revisão textual. Divinópolis: Artigo A, 2017.
  • SALGADO, Luciana Salazar; MUNIZ JR., José de Souza. Da interlocução editorial: a presença do outro na atividade dos profissionais do texto. Bakhtiniana, São Paulo, v. 1, n. 5, p. 87-102, 1º sem. 2011.

Ver também[editar | editar código-fonte]

Ligações externas[editar | editar código-fonte]