Teoria egológica do direito

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A Teoria Egológica do Direito é uma proposta jurisfilosófica de compreensão do Direito, elaborada pelo catedrático argentino Carlos Cossio, a partir da teoria de Hans Kelsen, de acordo com as ideias da fenomenologia crítica de Edmund Husserl e do existencialismo de Martin Heidegger.

Tese fundamental[editar | editar código-fonte]

A síntese do pensamento egológico pode ser expressada nas seguintes proposições:

  • O direito é conduta em interferência intersubjetiva referida a valores;
  • O direito considera todas as ações humanas;
  • O direito se interessa pelo ato humano em sua unidade;
  • O direito supõe a possibilidade de atos de força;
  • A liberdade é um conteúdo imprescindível do direito;
  • As normas jurídicas conceituam a conduta em interferência intersubjetiva; e
  • As normas jurídicas imputam sanções e são juízos disjuntivos, diferenciando-se da teoria da norma de [Hans Kelsen] que entendia que a norma jurídica era um juízo hipotético.

O papel do egologismo na Filosofia do Direito[editar | editar código-fonte]

As raízes filosóficas da teoria egológica do direito se encontram na fenomenologia, sendo um exemplo paradigmático dessa influência, justamente, a fenomenologia da sentença criada e desenvolvida por Carlos Cossio.[1].

Para os juristas argentinos Aftalión, Olano e Vilanova, o egologismo entende que a filosofia jurídica envolve quatro grandes temas[2]:

  • ontologia jurídica;
  • lógica jurídica formal;
  • lógica jurídica transcendental; e
  • axiologia jurídica.

Ao contrário da afirmação recorrente de que Cossio e o Egologismo entendem que a ciência jurídica deveria estudar somente a conduta humana em sua dimensão social, prescindindo da norma jurídica, um dos principais divulgadores da obra de Cossio no Brasil, o jurista Machado Neto sustenta que a principal preocupação da teoria egológica é a busca da essência (fundamento ontológico) do Direito. Logo, para o egologismo jurídico esse fundamento não estaria na norma jurídica, tal como defendido por Hans kelsen, mas estaria na conduta humana[3].

Direito, norma e conduta[editar | editar código-fonte]

Para Hans Kelsen, a fórmula lógica da norma jurídica é deontológica (ou do "dever-ser": dado A deve ser B), cujo enunciado é: "Dada a não prestação deve ser sanção".

Cossio aditou a esta lógica a condicionante humana, também deontológica (ou do "dever ser") ou seja, para que haja uma sanção é preciso haver um sujeito (juiz) que lha aplique; de igual forma, a ilicitude em si não gera automaticamente esta sanção. E, mesmo a não-prestação de uma norma depende do sujeito a quem a sanção se destina: a sociedade, a quem o direito serve. Segundo Kelsen o Direito se identifica com a norma e para Cossio com a conduta humana. Sendo que esta norma representa apenas o dever-ser da conduta .Mais importante que a Lei é a conduta do indivíduo e a interação de seu ego em sociedade — daí o nome “Egológica”. Para Cossio, o Direito é uma idéia, não um conceito como Kelsen o atribuía. Cossio declara que a ciência jurídica deve estudar a conduta humana enfocada em sua dimensão social, e não na norma jurídica.

Sua fórmula para a norma jurídica, então, obedece ao seguinte enunciado:

Dado um fato gerador deve ser prestação pelo sujeito obrigado face ao sujeito pretensor, ou, dada a não-prestação, deve ser sanção pelo funcionário obrigado face à comunidade pretensora.

A grande contribuição que a teoria egológica trouxe ao estudo do Direito é a nova forma de olhar a norma. Mais importante que a própria norma é a integração do ego em sociedade (ego - referência ao sujeito do conhecimento jurídico, ao "eu"), sendo que uma de suas projeções é o "dever-ser". Destarte, o pensamento de Cossio faz do Direito um fenômeno incorporado ao cotidiano dos homens e não resumido em um conceito e no estudo das normas como quis Kelsen.

Desenvolvimento e críticas[editar | editar código-fonte]

As idéias inovadoras de Cossio encontraram respaldo no Brasil, com o então jovem jurista Antônio Luiz Machado Neto, professor da Universidade Federal da Bahia e da Universidade de Brasília. Com o advento dos regimes militares, tanto no Brasil quanto na Argentina, ambos foram tratados como persona non grata dos respectivos governos. Em parte por conta disto, as idéias do egologismo não encontraram respaldo no meio acadêmico, e tratadas com descaso e ironia, por parte dos demais juristas, afeitos à ordem vigente.

No Brasil, não se pode perder de vista a importante contribuição do Professor Julio C. Raffo (ex-reitor da Universidade Nacional de Lomas de Zamora, Argentina), discípulo direto de Carlos Cossio, que nos anos 70 e 80 do século passado atuou no Rio de Janeiro como professor de Lógica, Metodologia e Filosofia Jurídicas na Universidade Cândido Mendes de Ipanema e na PUC-RJ. Raffo chegou a publicar pela Editora Forense a obra "Introdução ao conhecimento jurídico", atualmente esgotada.

Na atualidade, o egologismo jurídico possui na jurista baiana Marília Muricy, uma discípula e continuadora do trabalho de A. L. Machado Neto, sendo uma das responsáveis para que a Faculdade de Direito da UFBA tenha sido um dos polos do egologismo no Brasil.

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

Fontes primárias (produzidas por Carlos Cossio)[editar | editar código-fonte]

  • COSSIO, Carlos. La plenitud del ordenamiento jurídico, 2. ed., Buenos Aires: Losada, 1947.
  • COSSIO, Carlos. Phenomenology of the decision. In: SICHES, Luis Recaséns; COSSIO, Carlos; AZEVEDO, Juan Llambías de; MÁYNEZ, Eduardo García. Latin-American Legal Philosophy. Translated by: Gordon Ireland, Milton R. Konvitz, Miguel A. de Capriles and Jorge Roberto Hayzus. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1948.
  • COSSIO, Carlos. Panorama der Egologischen Rechslehre. Archiv für Rechts- und Sozialphilosophie, v. 40, n. 2, 1952. (tr.: Otto E. Langfelder)
  • COSSIO, Carlos. El derecho en el derecho judicial, 2. ed., Buenos Aires: Abeledo-Perrot , 1959.
  • COSSIO, Carlos. La Teoría Egológica del Derecho y el concepto jurídico de libertad, 2. ed., Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1964.
  • COSSIO, Carlos. Radiografía de la Teoría Egológica del Derecho. Buenos Aires: Depalma, 1987.

Fontes secundárias (produzidas por comentadores)[editar | editar código-fonte]

  • AFTALIÓN, Enrique R.; OLANO, Fernando García; VILANOVA, José. Introducción al derecho. 5. ed. Buenos Aires: El ateneo Editorial, 1956.
  • CATALINI, Marta Pisi de. La teoría egologica de Carlos Cossio y el tridimensionalismo jurídico de Miguel Reale. Cuyo: Anuario de Filosofía Argentina Y Americana. Mendoza, Universidad Nacional de Cuyo, v. 8-9, p. 49-90, 1991-1992.
  • CIURO CALDANI, M. A. (a cargo de). La filosofía del derecho en el Mercosur. Homenaje a W. Goldschmidt y C. Cossio. Madrid, 1997.
  • CRACOGNA, Dante. Derecho y Moral en la Teoría Egológica del Derecho. Anuario de Filosofía Jurídica y Social, Buenos Aires, n. 11, 1991.
  • CRACOGNA, Dante. La crítica egológica del derecho natural. Revista de Ciencias Sociales, n. 41, Universidad de Valparaíso, 1996.
  • CRACOGNA, Dante. La norma jurídica en la Teoría Egológica del Derecho. Estudios de Derecho de la Facultad de Derecho y Ciencias Políticas de la Universidad de Antioquia, Medellín, n. 130, 2000.
  • CRACOGNA, Dante. El legado de Carlos Cossio. Isonomía, México, n. 12, p. 197-209, abr. 2000.
  • CUETO RÚA, Julio C. La justicia en la Teoria Egologica. Anuario de Filosofía Jurídica y Social, Buenos Aires, n. 3, 1983.
  • CUETO RÚA, Julio C. La norma jurídica segun la Teoria Egologica. Anuario de Filosofía Jurídica y Social, Buenos Aires, n. 5, 1985.
  • CUETO RÚA, Julio C. Carlos Cossio: el derecho como experiencia. Anuario de Filosofía Jurídica y Social, Buenos Aires, n. 7, 1987.
  • DUXBURY, Neil. Carlos Cossio and Egological Legal Philosophy. Ratio Juris, v. 2, n. 3, 1989.
  • FILIPPI, Alberto. Norberto Bobbio y Carlos Cossio: La filosofía jurídica de la interpretación analógica. Isonomía, México, n. 21, p. 261-269, 2004.
  • MACHADO NETO, A.L.. Direito, cultura e existência (ou sobre a instrumentalidade da teoria egológica do direito). Revista de Informação Legislativa. Brasília, v. 9, n. 36, p. 149-164, out./dez. 1972.
  • MACHADO NETO, A.L.. Compêndio de introdução à ciência do direito. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 1988.
  • MURICY M. PINTO, Marília. O espaço teórico da conduta nas ciências humanas: notas paralelas sobre o interacionismo simbólico e a teoria egológica. In: Machado Neto. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas: Centro Editorial e Didático da Universidade Federal da Bahia, 1979.
  • PIRES-OLIVEIRA, Thiago. A fenomenologia da sentença de Carlos Cossio como contribuição à teoria da decisão jurídica. Revista CEJ, Brasília, Ano XVI, n. 58, set./dez. 2012.
  • REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
  • SANTOS, Thereza de Jesus S. Carlos Cossio e a Experiência Jurídica. Revista Direito Unifacs, v. 1., n. 161, 2013.
  • SOARES, Ricardo Mauricio Freire; SILVA, Raissa Pimentel. O Pensamento Culturalista de A.L Machado Neto: Contributos Para o Egologismo Jurídico. Revista da ESMAT. v. 9, n. 13, 2017.
  • YERGA DE YSAGUIRRE, María del Carmen. Los fundamentos filosóficos de la libertad jurídica en la teoría egológica del derecho. Cuyo: Anuario de Filosofía Argentina Y Americana. Mendoza, Universidad Nacional de Cuyo, 1988.
  • YNOUB, Roxana Cecilia. La axiología jurídica de Carlos Cossio: revisión teórica para la adaptación a categorías descriptivas de la psicogénesis de la experiencia normativa. In: XIV Jornadas de Investigación y Tercer Encuentro de Investigadores en Psicología del Mercosur. Facultad de Psicología - Universidad de Buenos Aires, Buenos Aires, 2007.


Referências

  1. PIRES-OLIVEIRA, Thiago. A fenomenologia da sentença de Carlos Cossio como contribuição à teoria da decisão jurídica. Revista CEJ, Brasília, Ano XVI, n. 58, set./dez. 2012, p. 74-75
  2. AFTALIÓN, Enrique R.; OLANO, Fernando García; VILANOVA, José. Introducción al derecho. 5. ed. Buenos Aires: El ateneo Editorial, 1956.
  3. MACHADO NETO, A.L. Direito, cultura e existência (ou sobre a instrumentalidade da teoria egológica do direito). Revista de Informação Legislativa. Brasília, v. 9, n. 36, p. 149-164, out./dez. 1972.
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