Usuário(a):Arthur Bortone/Testes

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1. Introdução[editar | editar código-fonte]

A gliconeogênese (“nova formação de açúcar”) é, dentre outros processos metabólicos conhecidos e estudados, um dos “métodos” mais importantes pelo qual o organismo controla a oferta de glicose para os tecidos, de acordo com a demanda e com o estado metabólico do indivíduo. Neste contexto, a gliconeogênese é assim designada por aglutinar as reações que possibilitam a conversão de substâncias não glicídicas, como aminoácidos, piruvato, glicerol e lactato, em glicose.

Historicamente, reconheceu-se, durante bastante tempo, que o fígado era o único sítio com enzimas capazes de realizar a atividade de gliconeogênese. Apesar disso, estudos de longa duração demonstraram a capacidade do rim humano também em desempenhar este processo metabólico. A primeira evidência de que o rim produzia glicose veio com Bergman e Drury, em 1938. Na década de 50, Teng mostrou que o córtex renal apresentava revertia a via da gliconeogênese por causa da insulina. Em 1963, Krebs estudou mais extensivamente os mecanismos bioquímicos da gliconeogênese renal e postulou duas importantes observações: 1) se considerássemos o peso do órgão e a concentração enzimática, a capacidade gliconeogênica do rim seria, no mínimo, equivalente a do fígado; 2) Já que o aporte sanguíneo tanto para o fígado quanto para os rins não apresentam distinções significativas em termos de quantitativos, a distribuição dos precursores da gliconeogênese seria similar. Nesse sentido, Krebs iniciou a ideia de que o rim poderia ter bastante significância para o processo neoglicogênico. A partir de vários estudos desde a década de 90, tem-se a confirmação de que a glicose liberada ao corpo no período pós-prandial é tanto decorrente do fígado, em maioria, quanto dos rins, em menor fração. No entanto, a quantidade de glicose renal produzida pode se tornar mais significativa no jejum prolongado6.

O fígado e o rim respondem conjuntamente a um sistema comum de controle neuro-hormonal integrado com mobilização e armazenamento de nutrientes no organismo, tendo como prioridade absoluta a manutenção de níveis glicêmicos normais. No caso dos rins, a glicose filtrada costuma ser integralmente reabsorvida nos túbulos renais – a excreção da glicose na urina a valores não desprezíveis pode decorrer do estabelecimento de um excesso de glicose plasmática – este é um mecanismo renal compensatório que impede o desenvolvimento de um quadro hiperglicêmico – o que geraria complicações, como a hiperosmolaridade e a desidratação intracelular. Por outro lado, se o rim é capaz de introduzir glicose à circulação, ele pode prevenir o desenvolvimento de hipoglicemia grave, com consequentes perturbações do funcionamento cerebral, perda de consciência e, inclusive, morte.

2. Estrutura Morfofuncional do Rim[editar | editar código-fonte]

O rim começa a ser formado a partir da quarta semana até o terceiro mês de desenvolvimento.  O rim definitivo, embriologicamente falando, é chamado de metanefro – este é subdivido em uma porção excretora (cápsula de Bowman, túbulo contorcido proximal, alça de Henle e túbulo contorcido distal) e a porção coletora (ureter, pelve renal, cálices maiores e menores, ductos coletores). Estas duas porções são derivadas de diferentes sítios do mesoderma intermediário. A porção coletora e os ureteres se diferenciam de uma sequência de bifurcação do broto uretérico; a porção excretora, por sua vez, se diferencia do mesênquima metanéfrico. A porção excretora é a porção renal com associação ao processo gliconeogênico, especialmente a parte mais proximal deste néfron8.

O rim é um órgão oval, par e retroperitoneal, localizado sobre a parede posterior do abdome, no nível das vértebras 12ª torácica (T12) (polo superior do rim esquerdo) a 3ª lombar (L3) (polo inferior do rim direito – localizado mais abaixo que o rim esquerdo, por conta do fígado). Os rins, em sua região excretora, possuem uma região cortical (subdividida em córtex externo e córtex justamedular) e uma região medular (subdividida em medula externa e medula interna), em ambas se observam diferentes segmentos do néfron – que é a unidade morfofuncional do rim2.

Fig. 1 Vascularização Renal

À medida que as artérias interlobulares, ramos secundários mais distais da artéria renal, sobem em direção ao córtex externo, elas se ramificam em arteríolas glomerulares aferentes. A arteríola glomerular aferente, por sua vez, forma a rede de capilares glomerulares, envolvida pela cápsula de Bowman, e prossegue como a arteríola glomerular eferente após plasma sanguíneo ter sido filtrado pela barreira de filtração glomerular (FIGURA 1). O conhecimento dessa vascularização será útil para reconhecermos como a circulação sistêmica mantêm contato com a circulação renal, o que é imprescindível no controle glicêmico. Além de compreendermos como o sangue da circulação sistêmica chega aos rins, devemos conhecer como ele retorna, através das veias, para a circulação sistêmica – após o processo de filtragem do plasma. Neste momento, a glicose produzida pela gliconeogênese renal entra nesta circulação renal em direção à circulação sistêmica. A depender da localização do corpúsculo renal, a arteríola glomerular eferente (a qual sai da cápsula de Bowman) pode originar duas redes capilares diferentes: 1) Uma rede capilar peritubular, revestida por células endoteliais fenestradas, que perpassa os segmentos corticais do néfron e drena para a veia interlobular, seguindo o caminho inverso das artérias até a veia renal – que é tributária da veia cava inferior. 2) Os vasos retos, formados por múltiplas ramificaçôes das arteríolas eferentes. Os componentes descendentes dos vasos retos (revestidos por células endoteliais contínuas) estendem-se até a medula, paralelamente aos segmentos medulares dos túbulos uriníferos, fazem uma curva semelhante à alça de Henle, e retornam à junção corticomedular como capilares venosos ascendentes revestidos por células endoteliais fenestradas (FIGURA 2). Através destes dois sistemas, ocorre a secreção de diversas substâncias no néfron ou reabsorção de outras pelo organismo, devolvendo a circulação e impedindo a excreção. Neste contexto, tem-se, em média, que 180 L de ultrafiltrado líquido são produzidos em um dia e transportados através dos túbulos uriníferos. Entretanto, desta quantidade, 178,5 L são recuperados pelas células tubulares e devolvidos à circulação sanguínea, enquanto apenas 1,5 L é excretado como urina.

Fig.2 Vascularização do Néfron

Antes de falarmos sobre o processo da gliconeogênese que acontece nos rins, é preciso conhecer as estruturas tubulares que formam os segmentos do néfron. Em primeira análise, devemos considerar o néfron como uma estrutura que é formada por um corpúsculo renal, que compreende o glomérulo e a cápsula de Bowman e, por túbulos renais, que compreendem o túbulo contorcido proximal, alça de Henle, túbulo contorcido distal, os quais “desembocam” no ducto coletor. Esses túbulos renais possuem particularidades no que se refere aos componentes que são reabsorvidos ou secretados. Ademais, cada um destes segmentos, utiliza transportadores específicos que permitem a passagem de íons e outros compostos pequenos através da membrana luminal e da membrana basolateral das células epiteliais componentes dos túbulos uriníferos. Para regular este processo, existem sinalizações hormonais que garantem maior ou menor reabsorção ou secreção de várias substâncias através do néfron - o que garante tanto uma regulação da tonicidade do fluido extracelular como, inclusive, do potencial hidrogeniônico (pH) do sangue a depender do estado fisiológico do indivíduo 3. Aqui, abordaremos apenas o túbulo contorcido proximal – componente imprescindível da formação de glicose nos rins, bem como por sua absorção e controle da oferta plasmática deste carboidrato.

· TÚBULO CONTORCIDO PROXIMAL

O túbulo contorcido proximal (TCP) é onde cerca de 70% da água, glicose, Na+, Cl- e K+ filtrados e outros solutos são reabsorvidos. É composto de células epiteliais cúbicas que apresentam características estruturais voltadas para reabsorção: Superfície apical com uma borda em escova bem desenvolvida, composta por microvilos; Superfície basolaleral com pregas e intedigitações da membrana plasmática; Longas mitocôndrias localizadas entre as pregas da membrana plasmática, as quais conferem energia ao transporte ativo de íons pela bomba de sódio e potássio dependente de Mg2+; Túbulos, vesículas e lisossomas apicais, que permitem endocitose e quebra de pequenas proteínas em aminoácidos.

No tema da produção de glicose pelos rins, é importante que conheçamos mais profundamente os mecanismos desta parte do néfron. Para tanto, precisamos compreender que o túbulo proximal é dividido em três segmentos: S1, S2 e S3. Suas porções mais iniciais têm maior área de membrana apical e maior número de mitocôndrias, o que leva a maior reabsorção de solutos nesses segmentos 3.

Fig. 3 Reabsorção de glicose

Basicamente, existem dois mecanismos simples de transporte através do aparelho tubular do rim: O transporte transcelular (através das células) e o transporte paracelular. No túbulo contorcido proximal, grande parte dos solutos transportados para o interior das células são acoplados ao sódio para serem transportadas por carreadores. Neste contexto, existem três mecanismos fundamentais de transporte de solutos acoplados ao sódio. O primeiro se baseia no transporte de glicose e aminoácidos acoplados ao sódio, sendo o transporte de glicose realizado pela grande família dos transportadores SGLT (sodium-glucose transport proteins). O segundo se baseia no co-transporte de prótons hidrogênio através das células por meio de tranportadores da família NHE (sodium–hydrogen exchanger).  O último mecanismo de transporte se baseia no transporte de sódio acoplado a ânions, seja lactato, fosfato, acetato e bicarbonato. Todos esses mecanismos dependem indiretamente da ação da sódio-potássio ATPase, que mantém o gradiente favorável ao co-transporte sem maiores pertubações ao gradiente elétrico intracelular.

Assim, a reabsorção de glicose no túbulo contorcido proximal acontece a partir de transportadores de glicose, que variam ao decorrer das mudanças morfofuncionais do túbulo contorcido proximal. Em sua porção S1, suas células possuem, na membrana luminal, o transportador SGLT2, um transportador que apresenta alta capacidade de transporte do soluto, no entanto apresenta baixa afinidade pelo mesmo. Tal característica apresenta-se vantajosa, dada a alta concentração de glicose apresentada pelo ultrafiltrado glomerular nas porções iniciais do aparelho túbulo-glomerular e por possuir um ponto de saturação mais baixo. Logo após a inserção da glicose no meio intracelular e com o aumento de sua concentração, é gerado um gradiente favorável ao transporte passivo ao fluido extracelular por meio de difusão simples, intermediada por transportadores do tipo GLUT-2. Nos segmentos S2 e S3, os transportadores de glicose constitutivos na região luminal das células do túbulo contorcido proximal são do tipo SGLT1, que possuem maior afinidade e menor capacidade de transporte. Tal característica possibilita um melhor trabalho de absorção em situações de baixa concentração de substrato, visto que grande parte da glicose do ultrafiltrado fora absorvida nos segmentos anteriores do aparelho tubular. Tal transportador opera na razão de duas moléculas de sódio para uma de glicose e aumentam a concentração interna de glicose para a posterior mobilização ao exterior celular intermediada por transportadores do tipo GLUT-1. É, também, através desse mecanismo, como veremos, que a glicose produzida nas células renais, passa ao fluido extracelular em conjunto com a glicose reabsorvida5 (FIGURA 3).

3. A Gliconeogênese no metabolismo[editar | editar código-fonte]

O balanço da glicose sanguínea constitui, bioquimicamente, uma significativa importância no metabolismo. De fato, sem esse balanço, a vida humana não seria possível, já que a glicose é utilizada preferencialmente por inúmeros tecidos do corpo humano, como, por exemplo, o cérebro, a medula renal, a córnea, os testículos e os eritrócitos na obtenção de ATP para realização das atividades celulares básicas. Assim, compreende-se que vários processos catabólicos e anabólicos existem de forma a organizar a oferta de glicose.

Nesse contexto, através da ingestão (alimentação) de compostos glicídicos (carboidratos), ocorre, em seguida, o processo de digestão, ocorrida tanto na luz intestinal (sob ação das enzimas pancreáticas), quanto pelas enzimas da borda em escova intestinal e absorção destes carboidratos no trato gastrointestinal, a fim de obtermos a oferta de glicose plasmática necessária à via da glicólise nos diferentes tecidos e consequente processo de glicogênese (formação de glicogênio) especialmente no fígado com parte do excesso de glicídico da alimentação.

Esses carboidratos são absorvidos pelo trato gastrointestinal na forma de monômeros (os monossacarídeos: glicose, frutose e galactose). Por isso, é importante que esses sejam devidamente digeridos desde a cavidade oral até o intestino delgado.

Na cavidade oral, a presença da enzima ptialina (amilase salivar), que é liberada pelos ácinos das glândulas salivares como parte da secreção salivar, permite hidrolisar as ligações α-1,4 terminais do amido, atuando sobre um pH ótimo entre 6,6 e 6,8. No duodeno, a amilopsina (amilase pancreática) atua semelhantemente a ptialina, entretanto, sobre um pH ótimo de 7,1, sendo secretada pelo pâncreas. Além da amilopsina, existem, no intestino delgado, outras enzimas que atuam na hidrólise dos poli e dissacarídeos como: a amilase intestinal, isomaltase, maltase e sacarase/lactase. Já no estômago não há hidrólise enzimática, contudo, o seu meio ácido permite a hidrólise ácida da sacarose, gerando assim a glicose e frutose livres prontas para serem absorvidas.

A absorção desses monossacarídeos ocorre essencialmente na borda em escova dos enterócitos através de transportadores de membrana (SGLT E GLUT) ou por difusão simples pela diferença do gradiente de concentração entre a luz, mucosa e plasma. O SGLT1 atua como transportador ativo secundário, pois faz com que glicose e galactose sejam absorvidas junto ao sódio, a favor do gradiente de concentração, que é mantido pela atividade da bomba de Na+/K+ ATPase (bomba sódio-potássio).   Já o GLUT5 é um transportador de membrana específico da família dos transportadores de glicose, atuando na absorção da frutose nos enterócitos pelo mecanismo de transporte facilitado. Ademais, a passagem desses monossacarídeos dos enterócitos para o sangue é feita pelo próprio GLUT5 e pelo GLUT21,5.

Apesar disso, a oferta de glicose diminui imensamente no período de jejum – já que não ocorre esta sequência de digestão e absorção dos compostos glicídicos até que a pessoa se alimente novamente. Assim, a via glicolítica necessitará da glicose oriunda do sistema de estocagem citado – o glicogênio, um homopolissacarideo composto por vários monômeros do mesmo monossacarídeo (a glicose). Este glicogênio é armazenado, especialmente, no tecido hepático, chegando a constituir cerca de 7% do peso do fígado. Além disso, há também significativa importância do glicogênio armazenado no tecido muscular para as próprias necessidades dos músculos. O processo conhecido como glicogenólise é assim designado para inferir a quebra das ligações covalentes entre os monômeros de glicose, a fim de garantir uma oferta glicídica ao sangue e, consequentemente, aos demais tecidos corporais. Sabe-se, no entanto, que a quantidade de glicogênio armazenada é limitada e pode se esvair muito rápido, durando cerca de 10 a 18 horas após o início do jejum.  A via alternativa que garante essa oferta de glicose é a gliconeogênese – processo este melhor abordado a seguir.

A concentração de glicose sanguínea é mantida a níveis basais, com baixa variação, entre 60 e 90 mg/100ml por meio de um grande aparato sinalizatório e regulatório. Em um estado não alimentado, o organismo tende a esgotar suas reservas energéticas na seguinte ordem: glicogênio hepático, triacilgliceróis oriundos principalmente do tecido adiposo e, por fim, o suprimento proteico tecidual. Entretando, em virtude da exclusividade da glicose em alguns tecidos, torna-se proveitoso ao organismo reverter as vias oxidativas a fim de reestabelecer a glicemia a partir de compostos não glicídicos. Para tanto, é ativada uma cascata de sinalização, regulada por diversos hormônios, mas protagonizado pelo hormônio glucagon.

- Principais hormônios reguladores da gliconeogênese:

· Glucagon: Hormônio peptídico produzido e secretado por células alfa das ilhotas pancreáticas, parênquima endócrino pancreático, em resposta à redução da glicose sanguínea, principalmente. Atua em enzimas chave do metabolismo do glicogênio, como a glicogênio fosforilase, que promove a mobilização do mesmo, ativa vias de adenilato-ciclase nas células hepáticas, que promovem a ativação de enzimas chave da gliconeogênese, principalmente a enzima FBPase-1, aumenta a produção de fosfoenolpiruvato por inibir sua enzima conversora, a piruvato cinase e estimula a atividade da enzima PEP-Carboxicinase, que atua na conversão de piruvato em oxalacetato. Diante disso, por promover vias hiperglicemiantes e inibir vias oxidativas, o glucagon exerce um fundamental papel na manutenção da homeostase glicêmica. É importante enfatizar, no entanto, que o glucagon regula fortemente a gliconeogênese hepática, mas não a renal.

· Adrenalina: Secretada pelas células cromoafins da medula adrenal, a adrenalina age principalmente nos tecidos cardíaco, hepático e adiposo. As catecolaminas são capazes de aumentar a disponibilidade de substratos por promover a lipólise no tecido adiposo (ácidos graxos e glicerol), a degradação de glicogênio muscular com glicólise anaeróbica (lactato) e pela ação proteolítica com liberação de aminoácidos (alanina, glutamina). Ativa a enzima glicogênio fosforilase, aumentando a disponibilização de glicose sanguínea a partir do glicogênio hepático. Na via de neoglicogênese, atua nos tecidos pancreáticos, estimulando a síntese e secreção de glucagon, exercendo as atividades mencionadas acima.

· Cortisol: Hormônio liberado em diversas situações de estresse, dentre eles o metabólico. Glicocorticóide produzido pela zona fasciculada do córtex da suprarrenal, o cortisol atua estimulando a degradação de proteínas no tecido muscular, na mobilização de triacilgliceróis no tecido adiposo e promove a gliconeogênese por promover a ativação da enzima PEP-carboxicinase, que converte o oxalacetato em fosfoenolpiruvato, para a futura conversão em glicose.

· Insulina: Sintetizada pelas células beta das ilhotas de Langerhans no pâncreas. Possui ação antagônica ao glucagon, promove vias de armazenamento e oxidação da glicose. Promove a exposição de transportadores de glicose, enzimas de captação da glicose, como a hexocinase, enzimas promotoras de armazenamento, como a glicogênio sintase e a Acetil-Coa-Carboxilase, promove a glicólise por ativação da enzima PFK2 e PFK1 e inibe todos os processos antagônicos a esses – como a gliconeogênese, por inbição da atividade da enzima PEP-carboxicinase. Em outras palavras, a elevação dos níveis plasmáticos de insulina tende a reduzir, enquanto a queda na concentração de insulina tende a aumentar a produção de glicose por gliconeogênese.

Neste contexto, a gliconeogênese compreende as reações que possibilitam a conversão de substâncias não glicídicas em glicose. A gliconeogênese ocorre principalmente no figado, e nos rins, podendo ocorrer também, em mínima extensão, nos enterócitos intestinais. A glicose assim produzida passa para o sangue e vai suprir outros tecidos. Os precursores da gliconeogênese chegam pela veia porta hepática que é formada pelas veias mesentérica superior e esplênica e saem por veias hepáticas após metabolização no fígado. Em relação ao parênquima renal, os precursores da gliconeogênese chegam via artérias renais até os componentes arteriais mais distais, citados na seção anterior, e voltam para a circulação sistêmica através das veias segmentares que saem dos segmentos renais e tributam nas veias renais. Assim, alguns dos componentes absorvidos no trato digestório servem de base para a formação da “nova glicose”4.

- Processos da gliconeogênese:

Fig. 4 Precursores da gliconeogênese

Existem três grandes precursores da gliconeogênese (FIGURA 4): O lactato, o glicerol e aminoácidos, principalmente a alanina. O lactato é produzido através do metabolismo anaeróbico da glicose, essencialmente em eritrócitos e no tecido muscular em extenuante atividade. Com a finalidade de reestabelecer o gradiente de transportadores de elétrons, a célula desvia seu metabolismo para a reintegração destes. O lactato produzido por tais tipos celulares é conduzido ao tecido hepático via circulatória, neste tecido é reconvertido em piruvato que, por meio da ação da enzima piruvato carboxilase, é convertido em oxalacetato, que prossegue a via da gliconeogênese no próprio fígado ou nos rins até seu último produto, a glicose, tal processo é denominado Ciclo de Cori. O glicerol, oriundo da oxidação de reservas energéticas sob a forma de triacilgliceróis de reservas adiposas, é reconvertido em dihidroxicetona fosfato, que encontra-se em equilíbrio com o gliceraldeído-3-fosfato,e pode ser reconvertida em frutose-6-fosfato, substância parte da gliconeogênese. A alanina, principal aminoácido produtor de glicose, é oriunda do metabolismo muscular de proteínas e dos processos de transaminação.  Quando chega no tecido hepático, sofre a ação de enzimas transaminases que convertem a alanina em piruvato, podendo, assim, ser inserida na gliconeogênese. Outros aminoácidos podem gerar precursores da via da gliconeogênese, (FIGURA 4, em rosa) estes geram essencialmente oxalacetato, piruvato, alfacetoglutarato, fumarato e succinil-coA.

Fig. 5 Glicólise X Gliconeogênese

A gliconeogênese (anabolismo da glicose) e a glicólise (catabolismo da glicose) compartilham varias etapas, no entanto, não são vias idênticas ocorrendo em direções opostas (FIGURA 5); sete das dez reações enzimáticas da gliconeogênese são inversas das reações glicólicas. Mesmo assim, três reações da glicólise são essencialmente irreversíveis, estando caracterizadas por uma grande variação negativa da energia livre, e não são utilizadas na gliconeogênese: a conversão de glicose em glicose-6-fosfato pela hexocinase, a fosforilação da frutose-6-fosfato em frutose-1,6-bifosfato pela fosfofrutocinase-1 e a conversão de fosfoenolpiruvato em piruvato pela piruvato-cinase. Na gliconeogênese, as três etapas irreversíveis são revertidas por enzimas distintas, catalisando reações suficientemente exergônicas para serem efetivamente irreversíveis no sentido do comprometimento com a síntese de glicose. Em animais, a glicólise e a gliconeogênese são vias que ocorrem principalmente no citosol e necessitam de regulação reciproca e coordenada, de maneira a prevenir o gasto operacional com as duas vias ao mesmo tempo4.

A soma das reações biossintéticas que levam de piruvato até glicose livre no sangue: 2 piruvato + 4 ATP + 2 NADH + 2 H+  + 4 H2O à glicose + 4 ADP + 2 GDP + 6 Pi + 2 NAD+ . Para cada molécula de glicose formada a partir do piruvato, seis grupos fosfato de alta energia são consumidos, quatro na forma de ATP e dois na forma de GTP. Além disso, duas moléculas de NADH são necessárias para a redução de duas moléculas de 1,3-bifosfoglicerato. Ratifica-se, dessa forma, que a glicólise e a gliconeogênese não são vias idênticas em sentidos opostos, já que a conversão de glicose em piruvato pela glicólise, que exigiria apenas duas moléculas de ATP: Glicose + 2 ADP + 2 Pi + NAD+ à 2 piruvato + 2 ATP + 2 NADH + 2 H+ + 2 H2O. A síntese de glicose a partir de piruvato é um processo relativamente dispendioso, o que se justifica pela necessidade de assegurar a irreversibilidade do processo gliconeogênico.

Três etapas irreversíveis na glicólise são contornadas por reações catalisadas pelas enzimas gliconeogênicas: 1) a conversão de piruvato em fosfoenolpiruvato (PEP) via oxaloacetato, catalisada pela piruvato-carboxilase e pela PEP-carboxicinase; 2) a defosforilação da frutose-1,6-bifosfato, mediada pela FBPase-1; 3) a defosforilação da glicose-6-fosfato pela glicose-6-fosfatase.

- As reações que compõem a gliconeogênese, isto é, a formação de glicose, a partir do piruvato são as seguintes (em azul estão os contornos):

Equação 1:

(Catalisada pela enzima piruvato-carboxilase)

Equação 2:

(Catalisada pela enzima PEP-carboxicinase)

Equação 3:

(Catalisada pela enzima enolase)

Equação 4:

(Catalisada pela enzima fosfoglicerato mutase)

Equação 5:

(Catalisada pela enzima bifosfoglicerato-cinase)

Equação 6:

(Catalisada pela enzima Gliceraldeído 3-fosfato desidrogenase)

Equação 7:

(Catalisada pela enzima Triose fosfato isomerase)

Equação 8:

(Catalisada pela enzima Aldolase)

Equação 9:

(Catalisada pela enzima Frutose-1,6-bifosfatase [FBPase-1])

Equação 10:

(Catalisada pela enzima fosfoglicose isomerase)

Equação 11:

(Catalisada pela enzima glicose-6-fosfatase)

4. A gliconeogênese nos rins[editar | editar código-fonte]

Para além do fígado, os rins (ou mais precisamente, o córtex renal) também produzem, como vimos, continuamente glicose para o sangue, mas, neste caso, porque o armazenamento de glicogênio é escasso, praticamente toda a produção renal de glicose tem origem na gliconeogênese. Apesar disso, o rim também oxida a glicose e, diferentemente do fígado, em geral, a captação e a produção renais de glicose se anulam.

No entanto, a quantidade de glicose produzida na gliconeogênese renal é semelhante à produzida na gliconeogênese hepática. Além disso, se o tempo de jejum se prolongar por mais de um dia, o glicogênio esgota-se e a glicogenólise deixa de contribuir para a produção de glicose. Nestas condições, a importância dos rins na produção endógena de glicose aumenta, podendo passar a ter um contributo semelhante ao do fígado.

Ressalta-se que a função renal dedicada à manutenção da homeostase da glicose depende, em grande parte, da integridade destes fatores físicos (fluxo de sangue) e bioquímicos (enzimas e transportadores). O fluxo sanguíneo renal é de cerca de 1,2 litros por minuto (equivalente a 20% do débito cardíaco). Ao passar pelo rim, este volume de sangue transporta cerca de 1g de glicose por minuto, dos quais 20% (200mg) são filtrados nos glomérulos e atingem o túbulo proximal, onde são completamente reabsorvidos. A reabsorção de glicose e a gliconeogênese são atividades exclusivas do túbulo renal proximal, pois, a glicose não pode ser metabolizada e a oxidação de ácidos graxos serve como fonte exclusiva de energia celular. Os sistemas de co-transporte ativo de sódio e glicose e de sódio e aminoácidos estão localizados na membrana plasmática das células do túbulo proximal, e a carga de glicose reabsorvida passa pelo citoplasma intracelular sem sofrer qualquer alteração bioquímica, sendo transportada integralmente ao espaço intersticial peritubular. Esta glicose se mistura com o restante da carga de glicose proveniente diretamente do fluxo de sangue renal (cerca de 800mg por minuto), que escapa ao processo de filtração glomerular. Neste túbulo proximal, pelo processo de gliconeogênese, a glicose é formada a partir de substratos precursores, como o lactato, a glutamina e o glicerol. Após ser desfosforilada, a glicose adicional formada no túbulo proximal é transportada para o espaço intersticial peritubular juntamente com a glicose reabsorvida e se soma ao restante da carga de glicose circulante (FIGURA 6).

Fig 6. Absorção de gicose no túbulo renal

O metabolismo oxidativo da glutamina nos rins garante metabólitos para a gliconeogênese renal. Em uma acidose metabólica, a eliminação renal de NH4 + precisa ser incrementada (para excreção indireta de H+). Neste momento, ocorre, de forma simultânea, aumento estratégico na gliconeogênese renal, devido à atividade de enzimas que acoplam a amoniogênese e o metabolismo oxidativo da glutamina à produção de glicose. Isso é muito importante na acidose, já que a demanda por glicose nos rins aumenta significativamente para suprir as ATPases responsáveis pelos transportes ativos que participam da eliminação renal dos excessos de H + na regulação ácido-base.

Visto que no túbulo proximal a atividade enzimática da glicoquinase (enzima pró-utilização intracelular de glicose) é baixa ou inexistente e que a atividade enzimática da glicose 6 fosfatase (enzima desfosforiladora, pró-utilização extracelular da glicose) é abundante, o transporte transcelular favorece a secreção de glicose para o espaço extracelular, sem retenção da glicose dentro das células epiteliais do túbulo. Isso explica o motivo de a glicose reabsorvida e produzida no segmento serem dirigidas ao espaço extracelular com maior facilidade. O fluido peritubular é, então, rico em glicose e responsável pela perfusão dos túbulos distais e da medula renal, onde a glicose é massivamente utilizada.

O néfron distal (ramo ascendente da alça de Henle, o túbulo distal) além dos ductos coletores e a medula renal se caracterizam pela presença de enzimas que permitem a utilização, armazenamento e oxidação de glicose e pela ausência de enzimas que sintetizem a glicose. A glicose que não é reabsorvida no túbulo proximal atinge o túbulo distal, onde o sistema de co-transporte de sódio/glicose SGLT1, que tem capacidade reduzida, mas grande afinidade pela glicose, garante a reabsorção total da glicose filtrada pelo glomérulo.

A glicose em excesso é armazenada como glicogênio no túbulo distal e funciona como fonte de glicose para oxidação na medula renal, cujas células não têm capacidade enzimática para oxidar ácidos graxos. A atividade enzimática da glicofosfatase nos diversos segmentos do néfron distal é mínima, o que indica uma utilização de glicose intracelular, pois, sem o processo de desfosforilação, a glicose não pode ser exportada para fora da célula. Em consequência, o balanço entre a produção de glicose no túbulo proximal e a utilização de glicose no néfron distal determina a quantidade e a concentração de glicose que alcança a circulação sistêmica7 (FIGURA 7).

Fig. 7 Utilização X produção glicose

Por fim, é imprescindível indicar que a gliconeogênese renal possui regulação semelhante a do tecido hepático, porém, ela não é idêntica. Tal como o tecido hepático, os rins são estimulados por catecolaminas, hormônio do crescimento (GH) e pelo cortisol, no entanto, ao contrário do fígado, os rins parecem não apresentar sensibilidade ao hormônio glucagon para regulação de sua produção de glicose. Nesse contexto, o maior estímulo para a gliconeogênese renal parece resultar da estimulação adrenérgica. Enquanto em outros tecidos a estimulação adrenérgica apresenta aumentos de 50% da produção de glicose, por gliconeogênese, no tecido renal tal estimulação apresenta uma taxa de aumento de 100%. Sob ação de tais hormônios, e consequente disponibilidade de glicose plasmática, as vias são mais finamente reguladas a partir de suas enzimas-chave, para um devido controle homeostático.

5. Conclusão[editar | editar código-fonte]

O objetivo deste trabalho foi reforçar a discussão sobre um tema pouco explorado e/ou citado em livros didáticos das graduações de cursos da saúde – a gliconeogênese renal em humanos. É importante citar, em um primeiro momento, que o presente trabalho é parte de uma atividade avaliativa proposta por professores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) – Campus Macaé do terceiro período do curso de Medicina, com base nos conhecimentos adquiridos durante o período e na pesquisa supervisionada pelos professores da disciplina sobre o tema. Para aprofundamento dos assuntos aqui apresentados, sugerimos a busca pelas referências citadas ao fim.

6. Referências Biblográficas[editar | editar código-fonte]

  1. BAYNES, John W.; DOMINICZAK, Marek H.. Bioquímica Médica. 2. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007.
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  3. KIERSZENBAUM, B. L. Histologia e biologia celular: uma introdução à patologia. 3º Ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012. 720p.
  4. NELSON, David L.; COX, Michael M. Lehninger Princípios de Bioquímica. 4. ed. São Paulo: Savier, 2007 p. 598-605
  5. CURI, R.; PROCOPIO, J. Fisiologia Básica. 1ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009. 857p. p.603
  6. CAVAGNI, GABRIELA MAURA. INFLUÊNCIAS LIGADAS AO SEXO E A SAZONALIDADE SOBRE A GLICONEOGÊNESE RENAL EM RATOS SUBMETIDOS AO JEJUM. Porto Alegre: [s.n.], 2005. 96 p. Disponível em: <https://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/6084/000480552.pdf?sequence=1>. Acesso em: 10 jun. 2018.
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  8. SCHOENWOLF, G. C., BLEYL, S. B., BRAUER, P. R., & FRANCIS-WEST, P. H. (2015). Larsen's human embryology.