Usuário(a):Júlia Frauches do Nascimento/Testes

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Edição de genoma mediado por CRISPR para o melhoramento de safras[editar | editar código-fonte]

Resenha do artigo: https://doi.org/10.1016/j.molp.2020.11.002

Dogma Central da Biologia Molecular[editar | editar código-fonte]

O dogma central da biologia molecular (DG) foi postulado por Francis Crick (1958)[1] após observar que não existem mecanismos capazes de transformar uma sequência de aminoácidos em uma sequência de nucleotídeos  Observou-se inicialmente que a expressão gênica fluía do DNA para o RNA e posteriormente para a formação das proteínas, utilizando de mecanismos como replicação de DNA (DNA para DNA), transcrição (DNA para RNA), e tradução (RNA para proteína). Estudos posteriores descobriram outros mecanismos como a transcrição reversa (RNA para DNA), e a replicação de RNA (RNA para RNA) que também podem ocorrer no percurso do fluxo gênico, no entanto, uma vez formadas as proteínas não é possível retornar para DNA.[2]

As mudanças epigenéticas e o dogma central da Biologia Molecular[editar | editar código-fonte]

Modificações epigenéticas são mudanças que ocorrem na expressão dos genes que não são causadas por alterações no DNA, essas modificações alteram o fenótipo dos organismos e são passadas para as próximas gerações e ocorrem devido a interações com fatores ambientais, bióticos e abióticos que modificam a arquitetura genética.[1]

Alguns dos processos epigenéticos que podem ocasionar a mudança dos fenótipos são: metilação do DNA, acetilação das histonas, modificação na estrutura da cromatina, processamento pós-transcricional do mRNA, processamento pós-traducional das proteínas.

A memória epigenética permite que as células passem adiante as informações fenotípicas para as próximas gerações, portanto o conhecimento apenas sobre a passagem de informação genética para formação do DNA, RNA e proteínas não é suficiente para compreender a herança epigenética associado a determinado fenótipo.

Apesar de muitos estudos nesta temática, ainda não foi possível mapear uma sequência de aminoácidos e obter com exatidão a sequência de nucleotídeos correspondentes, e nenhum organismo foi capaz de realizar o caminho reverso de proteína para DNA, dessa forma, a compreensão do DG e das modificações epigenéticas se torna fundamental para o melhoramento genético

Neste contexto, técnicas de manipulação da expressão gênica a partir de modificações epigenéticas se apresentam como uma ferramenta promissora para aplicação na construção de organismos que possuam determinadas características fenotípicas, sem integração estável de DNA estranho ao seu genoma. Portanto, a edição de genoma se apresenta como uma alternativa promissora no melhoramento de safras e desenvolvimento de safras planejadas.

A ferramenta CRISPR-Cas[editar | editar código-fonte]

O sistema CRISPR-Cas foi inicialmente observado em bactérias como um tipo de sistema imunológico. Foi observado que após serem infectadas por bacteriófagos as bactérias armazenavam trechos de material genético de seus invasores no seu DNA, espaçados por sequências palíndromas de nucleotídeos regularmente espaçados, essas sequências após serem transcritas originavam um RNA transativador, também chamado de RNA guia, que direcionava uma nuclease a sequência alvo, clivando o DNA viral em caso de reinfecção. A esse sistema foi dado o nome Repetições Palíndromas Curtas, Interespaçadas e Regularmente Agrupadas do inglês (do inglês, Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats, CRISPR)[3].

Em 2012, Emmanuelle Charpentier, diretora do Instituto Max Planck de Biologia das Infecções, e Jennifer A. Doudna, bioquímica da Universidade da Califórnia Berkeley, descobriram que era possível utilizar os princípios observados nas bactérias para engenheirar sistemas CRISPR-Cas para qualquer sequência-alvo desejada, possibilitando a edição genética de uma forma extremamente precisa. Dessa forma, conhecendo uma sequência de nucleotídeos alvo é possível construir um RNA guia que direcionará a enzima Cas para o alvo escolhido, essa enzima funcionará como uma tesoura de edição genética, cortando o pedaço desejado. A partir deste corte é possível inserir, corrigir, ou deletar as bases desejadas.

No entanto, os princípios do CRISPR-Cas vão além da adição ou deleção de sequências de bases de nucleotídeos, neste sentido a ferramenta pode ser utilizada em diferentes etapas da transmissão da informação genética, e pode ser utilizada para realizar modificações de cunho epigenético possibilitando a edição de genoma.

O CRISPR na epigenética[editar | editar código-fonte]

Edição de Cromossomos[editar | editar código-fonte]

O crossing-over é um processo natural de rearranjo dos cromossomos que ocorre na etapa de meiose, durante esse processo fragmentos de DNA são trocados entre as cromátides homólogas dos cromossomos, provocando o surgimento de novas sequências de genes ao longo dos cromossomos.[4] Esse processo é fundamental para a variabilidade genética, que é a base da evolução natural. O sistema CRISPR-Cas pode ser utilizado como ferramenta para mediar estas trocas de forma que elas ocorram de maneira guiada, possibilitando rearranjos benéficos para os organismos de forma mais rápida e precisa.

Edição do Epigenoma[editar | editar código-fonte]

Dentro do núcleo celular o DNA linear é condensado com o auxílio de proteínas empacotadores, para formar a chamada cromatina, esta estrutura é fundamental para a regulação da expressão gênica, uma vez que quando em seu estado menos condensado é possível transcrever um gene, e quando compactada o gene é silenciado. A estrutura da cromatina é dinâmica e varia de acordo com o desenvolvimento celular e fatores ambientais. A partir do sistema CRISPR é possível produzir enzimas dCas9 fundidas a enzimas de modificação epigenética, principalmente acetiltransferases, desacetiltransferases, metiltransferases e desmetiltransferases, que possibilitam a modificação da cromatina através de mecanismos de metilação e acetilação de DNA e histonas, agindo como reguladores da expressão gênica.

A metilação do DNA é um processo de modificação química caracterizada pela adição de um grupamento metila a uma base nucleotídica. Esse processo promove a condensação da cromatina e o recrutamento de proteínas empacotadoras.

O processo de acetilação das histonas, proteínas empacotadoras de DNA, resulta na descompactação da cromatina, permitindo a expressão gênica.[5]

Edição de Promotores[editar | editar código-fonte]

Os promotores são regiões do DNA localizadas a montante dos genes que são responsáveis pelo início da transcrição de determinado gene, eles possuem grande afinidade com a enzima RNA polimerase e com fatores de transcrição que recrutam a DNA polimerase. O CRISPR pode realizar alterações nesses promotores mudando as interações dos fatores de transcrição com a região do promotor e alterar expressão gênica, produzindo variações fenotípicas.

Ferramenta CRISPR em modificações pós-transcricionais[editar | editar código-fonte]

A regulação pós-transcricional é o processo responsável por realizar modificações no RNA, para que ele chegue a sua forma madura e funcional. Durante o estágio de maturação o RNA mensageiro, que será decodificado em proteínas, pode sofrer processos de capeamento, em que são adicionado três grupos fosfato, uma guanosina e um grupo metil à extremidade 5', poliadenilação que consiste na adição de várias adenosinas a extremidade 3', e o splicing alternativo que consiste na retirada de pedaços do RNA que não são necessários para a síntese proteica, chamado íntrons.[6] O sistema CRISPR-Cas foi inicialmente estabelecido como uma ferramenta de edição de DNA, mas estudos recentes mostraram que ao atuar em substratos de RNA, também é possível realizar modificações desejadas em fitas de RNA. Esta técnica se mostra promissora uma vez que a edição genética a nível de DNA causa mudanças irreversíveis que podem levar a consequências desconhecidas, já a manipulação de RNA leva a modificações fenotípicas pontuais, sem alterar permanentemente o genoma do organismo.

Modificação pós-transcricionais utilizando CRISPR guiadas por RNA podem clivar a molécula de RNA alvo e causar o knockdown de um gene específico. Também é possível realizar edição de bases de RNA substituindo precisamente os nucleotídeos ao nível do RNA. Baseado em CRISPR moduladores de splicing podem modificar os locais de splicing direcionados no RNA e, portanto, alterar esse processo. Ferramentas de modificação baseadas em CRISPR também permitem a regulação da estabilidade do RNA e eventos de processamento posteriores.

Ferramenta CRISPR em modificações pós-traducionais[editar | editar código-fonte]

Após a tradução do mRNA em uma sequência de aminoácidos, as proteínas são enoveladas e esse enovelamento é o que garante a sua estabilidade e funcionalidade, outros processos pós-traducionais também podem contribuir com a conformação das proteínas, sendo os principais: fosforilação, acetilação, alquilação, metilação, sulfatação, isoprenilação, glicilação, ubiquitinação e formação de pontes dissulfeto. Neste sentido as ferramentas CRISPR-Cas podem ser utilizadas como agente de modificação pós-tradução, a partir do emprego de enzimas Cas ligadas a qualquer molécula adicional que resulte em modificações precisas na estrutura proteica, como as anteriormente citadas.

Utilização da técnica CRISPR para além da edição de DNA para o melhoramento de safras[editar | editar código-fonte]

A busca pelo melhoramento genético de vegetais é uma das principais aplicações da biologia molecular. O cultivo de plantas resistentes a pragas, e tolerantes a estresses climáticos são necessários para suprir a demanda por alimentos no futuro e garantir a segurança alimentar. Diversas técnicas de modificação genética já são realizadas, para espécies como soja, milho e algodão no Brasil[7], no entanto, ainda existem extensos debates relativos ao plantio de transgênicos e as possíveis consequências que a introdução de genes de diferentes organismos podem ocasionar numa espécie, além dos riscos envolvidos na contaminação de espécies selvagens e possibilidade de fluxo gênico para as plantas nativas. Neste contexto, a utilização do sistema CRISPR-Cas como ferramenta de manipulação a nível epigenético e pós-transcricional pode romper essas barreiras, pois tais modificações são reversíveis e não envolvem a incorporação de DNA estranho. Dois desses resultados são apresentados abaixo[1]:

Espécie Sistema CRISPR-Cas Tipo de modificação Resultado
Tomate mutante lncRNA1459 CRISPR-Cas9 Edição de RNA Atraso no amadurecimento do fruto
Arabidopsis CRISPR-Cas9 Splicing Alternativo (Deleção dos exons 2 e 3) Florescimento tardio e precoce respectivamente
Arroz dCas9 (CRISPR-Act2.0) Ativação transcricional Expressão de múltiplos genes

Atualmente o maior gargalo que impede o avanço da edição de genoma utilizando CRISPR é o desconhecimento de todos os fatores regulatórios da expressão gênica em plantas. As aplicações das ferramentas CRISPR já expandiram nosso entendimento permanente de processos do DC em vários organismos, incluindo plantas, o contínuo aprimoramento dessa ferramenta é fundamental para que essa técnica se expanda ainda mais e permita a descoberta de novos conceitos e novas ideias para modular o DC. Portanto, a tecnologia CRISPR representa um avanço significativo na engenharia genética e terá um papel fundamental no futuro para a melhoria de safras e agricultura sustentável.

Referências:[editar | editar código-fonte]

  1. a b c Pramanik, Dibyajyoti; Shelake, Rahul Mahadev; Kim, Mi Jung; Kim, Jae-Yean (janeiro de 2021). «CRISPR-Mediated Engineering across the Central Dogma in Plant Biology for Basic Research and Crop Improvement». Molecular Plant (em inglês) (1): 127–150. doi:10.1016/j.molp.2020.11.002. Consultado em 13 de outubro de 2021 
  2. Bueno Júnior, Carlos Roberto; Pereira, Marcelo Gomes (maio de 2010). «Biologia molecular como ferramenta no esporte de alto rendimento: possibilidades e perspectivas». Revista Brasileira de Ciências do Esporte (Impresso) (em inglês) (3): 231–249. ISSN 0101-3289. doi:10.1590/S0101-32892010000300016. Consultado em 13 de outubro de 2021 
  3. User, Super. «CRISPR-CAS9 - Microbiologia». www.microbiologia.ufrj.br. Consultado em 13 de outubro de 2021 
  4. Jones, Gareth H.; Franklin, F. Chris H. (julho de 2006). «Meiotic Crossing-over: Obligation and Interference». Cell (em inglês) (2): 246–248. doi:10.1016/j.cell.2006.07.010. Consultado em 13 de outubro de 2021 
  5. «Mecanismos Epigenéticos». ead.hemocentro.fmrp.usp.br. Consultado em 13 de outubro de 2021 
  6. «Regulação pós transcrição (artigo)». Khan Academy. Consultado em 13 de outubro de 2021 
  7. Azevedo, João Lúcio de; Fungaro, Maria Helena Pelegrinelli; Vieira, Maria Lúcia Carneiro (outubro de 2000). «Transgênicos e evolução dirigida». História, Ciências, Saúde-Manguinhos (2): 451–464. ISSN 0104-5970. doi:10.1590/S0104-59702000000300014. Consultado em 13 de outubro de 2021