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Resterpo, Eduardo. “Politicas de la alteridad: Etnicización de “comunidad negra” en el Pacífico sur colombiano”. In: The Journal of latin American anthropology. 7(2):35-59, 2002.[editar | editar código-fonte]

Introdução[editar | editar código-fonte]

Neste artigo Restrepo se propõe pensar a questão da emergência de etnicidade de populações negras no contexto colombiano, enquanto um processo relacionado a diferentes atores sociais imbricado em múltiplos fatores: (1) Irrupção do movimento indígena; (2) posicionamento de novos discursos identitários que permitem a relocalização da indigenicidade no plano dos imaginários nacionais, regionais e locais; (3) as reformas de marcos jurídicos de grande parte dos países abertos a "discriminações positivas"; (4) o abandono do modelo de estado nacional-populista em prol do modelo neo-liberal; e (5) a emergência de uma noção de etnicidade. É neste contexto que as narrativas e políticas de indigenicidade deixam de ser mera expressão de uma essência primordial ou uma invenção arbitrária, para ser entendida como resultado de desta realidade articulada.

Pensando o quadro conceitual o autor apresenta o termo de aboriginalidade que segundo Briones (1998) seria uma alternativa analítica no contexto de uma econômia política da produção da diferença cultural. Entendido num enfoque processual e relacional de produção e inscrição de "outros" (diferentes-assinalados) e "nós" (diferentes-não assinalados) em uma trama social de exclusões e inclusões.

Wader (1997) por sua vez assina-la a sobreposição das identades raciais e étnicas tanto na análise quanto na prática na América Latina, uma vez que o lócus do negro e o lócus do índio têm localizações diferentes no período pós-colonial. Considerando os processos de etnicização e racialização das populações negra, apresenta estas populações não só como sendo invisíveis como também são apresentadas de forma desarticulada, e geralmente desconsideradas nas análises que não levam sistematicamente em conta a produção da "brancura" e da "mestiçagem".

O que se busca compreender aqui é o processo de etnicização dos negros na Colombia em um período de 2 décadas a partir de um processo de realocação do "negro" nas políticas de alteridade indicadas por Wader. Neste caso Restrepo pretende apresentar um etnografia sobre o contexto, as mediações, e os atores que fizeram possível a emergência da "comunidade negra" enquanto um grupo étnico naquela região.

O contexto do Pacífico Sul[editar | editar código-fonte]

Chocó (em verde), departamento colombiano do noroeste

A região do pacífico colombiano, uma área de 71.000 quilometros quadrados entre o oceano pacífico e a cordilheira ocidental, é uma das regiões mais úmidas do mundo coberta por uma mata densa com grande biodiversidade. É habitada à centenas de anos por indígenas e negros: grupos que tiveram trajetórias distintas em suas relações com à empresa colonial.

A tentativa de redução dos indígenas foi apenas parcialmente conseguida, dos quais os agentes coloniais enfrentaram muita resistência até o século XIX. As populações negras por sua vez foram escravizados em África e trazidas para trabalhar nas minas de ouro. Enquanto os indígenas são apenas 5% da população, os negros representam mais de 90% de seu total.

Nesta região a emergência de discursos sobre "etnicidade" e "biodiversidade" nas últimas décadas, tem articulado relações e estratégias entre atores distintos com relação a alteridade cultural e biológica lá existente.

O Artigo Transitório 55 enquanto catalizador de "comunidade negra"[editar | editar código-fonte]

Os discursos e as políticas de alteridade da "comunidade negra" encontram-se associadas ao processo iniciado em torno do Artigo Transitória 55 (AT 55) da constituição política de 1991. Antes dele não existiam políticas de alteridade para esta região, não só se tratando de dinâmicas organizacionais mas também relacionado com outros atores sociais e institucionais.

Agindo como uma forma de catalizador o AT 55 gerou a emergência de um novo tipo de organizações sociais de caráter étnico, possíveis devido a um sem número de mediações. Isto entanto não significa reduzir estas dinâmicas a uma resposta passiva diante das demandas de representações originadas da lei.

O AT 55: a etnicização do "negro" na Colombia[editar | editar código-fonte]

Apesar da constituição política colombiana de 1991 reconhecer a diversidade étnica e cultural e os direitos específicos destas populações, somente as populações indígenas foram objeto explícito de disposições territoriais, econômicas, educativas, político-administrativas específicas, às populações negras seus direitos específicos eram abordados somente em um artigo transitório. Esta é uma evidência da assimetria da materialização dos direitos na conjuntura da Constituinte.

Os povos indígenas possuíram muito mais protagonismo à ocasião da Constituinte, se comparados aos representantes negros. Neste contexto os candidatos negros não chegaram a ser eleitos. Apesar disso os processos associados a AT 55 podem ser considersdos como o ponto mais importante da realocação conceitual e política do "negro" nas estruturas de alteridade da Colômbia.

Na década de 80 o AT 55 possui seus antecedentes: camponeses negros habitantes dos bosques que reivindicaram seus direitos a titulações coletivas de terra junto ao estado embasados em sua especificidade étnica e cultural. Este discurso por sua vez serviria de articulação para o surgimento da ACIA (Associação Camponesa Integral do Atrato). Nessa mesma época as condições históricas da população negra da região estavam chegando a um ponto sem retorno: o sistema de manejo da terra ao longo das bacias dos rios, bacias e lagos, mantido desde o período colonial já não era mais viável diante do avanço do capital extrativista da indústria madereira e mineira e seus avanços tecnológicos. As condições de vida da região haviam mudado radicalmente, face a estas transformações econômicas, políticas e sociais as populações começaram a se organizar em grande parte como resultado do trabalho da igreja (Teologia da libertação).

A ACIA tem como antecedente os Comitês Cristãos de Base constituídos por grupos de missionários na primeira metade da década de 1980. Também o DIAR constitui um fator importante: através dele percebeu-se que as populações negras possuiam técnicas e modelos produtivos extremamente adaptados para aquele meio, um manejamento do ecossistema claramente diferenciado em muito, por exemplo dos empresários madereiros, extrativistas e monocultores. Tendo isto em mente pouco a pouco a interpretação da histórias das populações negras passaram a se dar através de outros critérios. Diante da possibilidade de perda de terra surge um discurso sobre o território, ancestralidade, práticas tradicionais de produção e identidade étnica.

O AT 55 e "comunidade negra" no Pacífico narinense[editar | editar código-fonte]

Nariño (em verde), departamento no sudoeste colombiano.

Ao contrário de Chóco, em Nariño não havia nenhuma organização como a ACIA que estivessem baseando suas estratégias políticas na alteridade cultural da "comunidade negra". No entanto, isso não significa que todas as organizações que tenham encarnado este discurso sejam posteriores ao AT 55. Associações de defesa de rios e agricolas antes da formulação do artigo transitório estavam ancoradas a outros referenciais organizacionais. Portanto, antes de serem pensados nos termos de sua etnicidade de "comunidades negras", estas populações e os ativistas (intelectuais, sacerdotes, etc) que se organizavam em torno delas acessavam outros referenciais políticos discursivos. Assim até o AT 55 a "comunidade negra" não era compreendida como uma alteridade étnica para estes atores políticos, diferente das idéias de classe, sindicato, cidadania, partidos políticos etc.

Pensar estas populações nos termos de um grupo etnico, com especificidades identitárias e territoriais, práticas tradicionais de produção e direitos específicos é um exercício de constituição da diferença que só se deu em Nariño na década de 1990 com o posicionamento institucional e social deste novo tipo de regime de representação. Estas populações no entanto não eram "invisíveis", estavam dentro de uma série de diagnósticos, planejamentos, intervenções a partir de outros critérios e abrindo mão de outras narrativas. As populações locais apareciam como camponeses das florestas e nunca através da categoria de grupos étnicos.

Mediação na produção de "comunidade negra"[editar | editar código-fonte]

Uma das principais figuras de mediação centrais no processo de emergência e consolidação étnica tanto em Chóco quanto em Nariño foram os setores de base da igreja católica. Foi através da divulgação da igreja do AT 55 que as populações de Nariño ficaram sabendo da existência deste artigo na então recente constituição de 1991. No entanto isto não exclui a ação de outros grupos da sociedade civil.

Entender os locais de mediação das retóricas e políticas da "comunidade negra" implica em um questionamento daquelas análises que supõem que tais movimentos sociais emergiram simplesmente por sua dialética moral e justiça de suas reinvidicações. É justamente a mediação, o lugar de onde operam os especialistas enunciando seus saberes sobre os conteúdos da alteridade das comunidades negras definem a fala e a legitimidade de quem devem ser considerado enquanto tal. Retomam sua palavra e reconduzem a sua alteridade radical, assim como instrumentalizam diversas tecnologias para sua administração.

Eclosão de "comunidade negra"[editar | editar código-fonte]

Cabe justamente análisar o porque que a AT 55 ocupou este lugar de catalizador entre as populações negras naquele período: isto se deve justamente porque o referido discurso podia adquirir sentido para as experiências das pessoas daquelas regiões permitindo não só articular novos discursos e representações sobre si, como também novos mecanismos concretos e possíveis de configurações organizacionais. Um destes elementos é precisamente a defesa da terra diante da monocultura e do extrativismo capitalistas que buscavam por todos os meios, recorrendo até mesmo ao assassinato para se apropriarem das terras dos camponeses. Este no entanto não foi o único aspecto do AT 55 em sintonia com os processos locais. Na área urbana de Tumaco estava se consolidando um setor cultural que revindicava uma tradição de autenticamente negro através de danças e performances de uma história de escravidão e liberdade. Intelectuais iriam igualmente influir na constituição desta corrente urbana de resgate e valorização do "artístico-cultural" do negro: para muitos deles que engressaram na Comissão Pró-Etnia o AT 55 era coerente com suas reivindicações de corte culturalista.

Do outro lado temos uma emergência do "biológico" como fato social global, entendido enquanto novas articulações entre o transnacional e o lugar que passam por definir os estados nacionais. É neste horizonte em que se consolidam um sem número de organizações ambientais em diversos pontos do globo, ao mesmo tempo o "ambiental" passa a ocupar um lugar privilegiado nas agendas de governos e entidades internacionais. O resultado deste movimento na Colombia é a criação de um Ministério do Meio Ambiente que leva em conta o manejo sustentável e a conservação dos "recursos naturais". A construção da "comunidade negra" possui um forte componente ambientalista, diante disto diversas organizações ambientais regionais e estatais "grupos negros" e "indígenas" são incluídos nas políticas nacionais ambientais desde sua formulação em 1999.

Em resumo, somente certas dinâmicas locais eram "traduziveis" e comensuráveis com este sujeito cognitivo e político em surgimento que é a "comunidade negra".

Conclusão[editar | editar código-fonte]

Hoje parece natural aos olhos de muitos que as populações negras do Pacífico Sul colombiano constituam um grupo étnico, com uma história, uma cultura, um território, uma identidade étnica e direitos enquanto tais. Esta historicização dos discursos e práticas que atualmente configuram as políticas da alteridade cultural de "comunidade negra" implicam em um questionamento não só das leituras que tendem a naturalizar sua etnicidade como também aquelas interpretações que a consideram uma caprichosa construção. Nem primordialismo naturalizante, nem construtivismo descontextualizante permite entender o processo de etnificação da "comunidade negra" no Pacífico sul colombiano.

Nesta perspectiva o processo de etnicização implica tanto numa ruptura como em várias continuidades: ruptura com as retóricas e políticas na medida em que emerge uma nova comunidade imaginada. Profundas continuidades porque essa imagem está ligada a experiências concretas, que se encontram em síntonia com as condições locais das pessoas que a interpela; são nesses alcances e limites que é traçado "o negro" nas estruturas da alteridade desde a colonia.