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Direitos humanos: diferenças entre revisões

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Revisão das 18h07min de 21 de abril de 2004

Terminologia

"Direitos naturais", "direitos humanos", "direitos do homem", "direitos individuais", "direitos públicos subjetivos", "direitos fundamentais", "liberdades fundamentais", "liberdades públicas" são todas expressões utilizadas para designar uma mesma categoria jurídica (Silva, 1998: 179). A preferência por uma determinada designação varia no tempo e no espaço. Originalmente, era disseminada a designação direitos naturais, pois essa categoria de direitos era tida como universal e imutável, decorrente da própria natureza humana, enquanto criada à imagem e semelhança de Deus ou enquanto ser racional. Com a evolução histórica e a positivação desses direitos, passou-se a preferir, nos países anglo-saxões e latinos, a expressão “direitos do homem”, mas que foi, por ocasião da 2a. Guerra Mundial e da fundação da Organização das Nações Unidas (ONU), substituída por “direitos humanos” na medida em que aquela não necessariamente contemplava as mulheres (Weston, 1990: 656). Direitos individuais, direitos subjetivos públicos, liberdades fundamentais e liberdades públicas são designações modernas, mas que estão demasiado vinculadas a uma concepção específica de Estado, a liberal. Pecam por uma concepção individualista e anti-estatal dos direitos fundamentais, incompatível com os mais recentes desenvolvimentos de direitos sociais, coletivos e difusos que dependem de prestações estatais positivas (Silva, 1990: 180 e 181).

Assim sendo, a melhor designação é aquela preferida pela tradição germânica, qual seja, a de “direitos fundamentais da pessoa humana”, ou simplesmente “direitos fundamentais” (Bonavides, 1997: 514). A qualificação “fundamentais” daria a entender que se trata de “situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive” (Silva, 1998: 182). Já o qualificativo “da pessoa humana” implica que tais situações “a todos, por igual, devem ser, não apenas formalmente reconhecidos, mas concreta e materialmente efetivados” (Idem: ibidem). Tal designação faz referência também à soberania popular como fonte de tais direitos, logo à sua largamente reconhecida historicidade. Embora estejamos cientes da crítica feita relativamente ao fato de que todos os direitos são necessariamente humanos, já que, por enquanto, só seres humanos têm personalidade jurídica, neste trabalho, usaremos a expressão direitos humanos por ser esta a preferida pelo Direito Internacional (idem: 180).

A acima descrita variedade de designações, aliada à constante ampliação e transformação da categoria dos direitos humanos ao longo de sua evolução histórica, dificulta a sua definição sucinta e precisa (Silva, 1998: 179 e Mello, 2000: 770). Nesse sentido, Louis Henkin chega a afirmar que os direitos humanos “constituem um termo comum, mas não são categoricamente definidos”; incluem todas as “reivindicações morais e políticas, que, no consenso contemporâneo, todo ser o humano tem o dever de ter perante sua sociedade ou governo, reivindicações estas reconhecidas como ‘de direito’ e não apenas por amor, graça ou caridade” (Mello, 2000: 771, grifo nosso). Bonavides, citando Hesse, menciona duas acepções, uma mais ampla e outra mais restrita e normativa para a categoria, que podemos interpretar como sendo baseadas, respectivamente, num critério material e num formal de caracterização. A mais ampla, ou seja, material, seria a dos direitos que almejam “criar e manter os pressupostos elementares de uma vida na liberdade e na dignidade humana”. Já a mais estrita e formal diria que “são aqueles direitos que o direito vigente qualifica como tais” (1998: 514). Nesse último sentido, temos, por exemplo, também Mello que afirma serem os

“direitos do homem [...] aqueles que estão consagrados nos textos internacionais e legais, não impedindo que novos direitos sejam consagrados no futuro. [...] os já existentes não podem ser retirados, vez que são necessários para que o homem realize plenamente a sua personalidade no momento histórico atual” (2000: 772).

Na vertente material de caracterização, tanto Silva (1998: 182) quanto Mello (2000: 771) consideram adequada e completa a definição de direitos humanos por Pérez Luño “como um conjunto de faculdades e instituições que, em cada momento histórico, concretiza as exigências da dignidade, da liberdade e da igualdade humanas, as quais devem ser reconhecidas positivamente pelos ordenamentos jurídicos nos âmbitos nacional e internacional” (Pérez Luño, A. E. et al., Los Derechos Humanos, significación, estatuto jurídico y sistema, Sevilla, Publicaciones de la Universidad de Sevilla, 1979).

Características

Das definições apresentadas acima, podem-se inferir alguns caracteres comuns ao direitos humanos. O primeiro deles é sua historicidade, explicitado nas expressões “consenso contemporâneo”, “direito vigente”, “em cada momento histórico”. Nesse sentido, Hannah Arendt chamava atenção para o fato de que os homens não nascem livre e iguais; a liberdade e a igualdade são opções políticas (apud Lafer, 1988: 150). É justamente porque, em algum momento histórico, optou-se por buscar recuperar a liberdade e a igualdade perdidas com o advento da propriedade privada que se começaram a construir coletivamente os direitos humanos como um instrumento de luta contra a opressão. Nessa luta, constantemente modificam-se e expandem-se.

Essa opção coletiva pela liberdade e pela igualdade tornou os direitos humanos obrigatórios para os membros da sociedade política, pois a existência de pessoas destituídas de direitos humanos enfraqueceria a posição de todos. Mal comparando, é uma situação que lembra a questão econômica do desemprego: quanto mais desempregados houver, mais frágil será a posição dos empregados (para conseguir melhorias salariais, de condição de trabalho e, mesmo, para manter o emprego). Daí derivam os três outro caracteres comuns a cada direito humano, a saber, a inalienabilidade, a imprescritibilidade e a irrenunciabilidade, todos os quais se referem à impossibilidade jurídica, no âmbito de um ordenamento que os reconheça, de o ser humano, voluntaria ou involuntariamente, privar-se ou ser privado de seus direitos fundamentais. O que, obviamente, não impede que eles sejam violados (Silva, 1997: 185).

Classificação

Para a classificação dos direitos humanos, costuma-se recorrer ao critério das gerações, baseado grosso modo na ordem cronológica em que os diversos direitos foram sendo reconhecidos ao longo da história moderna. Tal divisão, contudo, não deve ser interpretada como uma afronta ao princípio da indivisibilidade dos direitos humanos, mas tão-somente como um recurso metodológico para melhor compreensão de certos aspectos seus. Inicialmente, como acabamos de mencionar, tal classificação é útil para que se tenha uma noção da formação histórica do conjunto de direitos humanos hodiernamente reconhecidos. Na medida em que cada geração foi reconhecida a partir de lutas políticas, tal classificação permite também que se tenha em mente as influências ideológicas que são subjacentes a cada direito. Por fim, essa classificação é útil na implementação dos direitos humanos, posto que facilita a compreensão de aspectos como titularidade, conteúdo e formas de exercício de cada direito.

É importante, entretanto, notar que da classificação em gerações não deve ser deduzido nem que uma geração surge naturalmente do desenvolvimento da anterior, como nos seres vivos, nem que o surgimento de uma nova geração torna a anterior obsoleta. Ao contrário, a Assembléia Geral da ONU já reiteradamente afirmou a indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos. No mesmo diapasão, a mais atual literatura a respeito ressalta, com base nos princípios da expansão e melhoria em grau e extensão da proteção conferida pelos direitos humanos e da aplicação da norma mais favorável ao protegido, a complementaridade e a necessidade de uma interpretação harmonizante entre as diversas gerações, assim como entre os diversos instrumentos normativos (Trindade, 2002A: 971 e segs. e Weston, 1990: 659 e 660).

Feitas tais ressalvas, dentre as classificações geracionais que encontramos na literatura, trabalharemos nesta monografia com a do jurista francês Karel Vasak, esposada por Weston (1990: 658 e 659) e por Bonavides (1998: 516 e segs.) e inspirada no lema da Revolução Francesa – “liberdade, igualdade e fraternidade”. A primeira geração é aquela informada pelas aspirações à liberdade e conhecida em conjunto como direitos civis e políticos. Refletindo o individualismo liberal-burguês emergente dos séculos XVII e XVIII, os direitos que a compõem tendem a impor obrigações negativas, ou seja, abstenções, ao invés de intervenções, ao Estado e têm mais um sentido de “liberdade de” que de “direito a”. São direitos de titularidade individual, embora alguns sejam exercidos em conjuntos de indivíduos. Essa geração inclui os direitos à vida, liberdade, segurança, não discriminação racial, propriedade privada, privacidade e sigilo de comunicações, ao devido processo legal, ao asilo face a perseguições políticas, bem como as liberdades de culto, crença, consciência, opinião, expressão, associação e reunião pacíficas, locomoção, residência, participação política, diretamente ou por meio de eleições.

A segunda geração é a dos direitos econômicos, sociais e culturais – ou, simplesmente, direitos sociais – e decorrem de aspirações igualitárias historicamente vinculadas a movimentos socialistas e comunistas do século XIX e início do XX. Têm por objetivo garantir aos indivíduos condições materiais tidas por seus defensores como imprescindíveis para o pleno gozo dos direitos de primeira geração e, por isso, tendem a exigir do Estado intervenções na ordem social segundo critérios de justiça distributiva. Incluem os direitos a segurança social, ao trabalho e proteção contra o desemprego, ao repouso e ao lazer, incluindo férias remuneradas, a um padrão de vida que assegure a saúde e o bem-estar individual e da família, à educação, à propriedade intelectual, bem como as liberdades de escolha profissional e de sindicalização.

Finalmente, os direitos de terceira geração são aqueles inspirados no ideal de fraternidade ou solidariedade, interligando e reformulando os valores defendidos pelas gerações anteriores. Para Weston, devem ser compreendidos à luz do processo de ascensão e declínio do Estado-Nação ao longo da segunda metade do século XX (1990: 659). Segundo Bonavides, “tendem a cristalizar-se neste fim de século enquanto direitos que não se destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduos, de um grupo ou de um determinado Estado. Têm primeiro por destinatário o gênero humano mesmo (...)” (1997: 523).

Por isso mesmo, chama-os esse autor também de direitos difusos. Considerados direitos coletivos por excelência, sua concretização depende de um esforço coordenado em nível mundial sem precedentes e ainda por ser realizado. Três deles refletem a emergência do Terceiro Mundo no cenário político mundial: o direito à auto-determinação política, econômica, social e cultural dos povos; ao desenvolvimento econômico e social; à participação nos benefícios da herança comum da humanidade (recursos compartilhados terrestres e extra-terrestres; informações e progresso científico e tecnológico; e tradições, sítios e monumentos culturais). Os outros três derivam justamente da atual percepção da insuficiência e impotência dos Estados face às atuais ameaças mundiais: direito à paz, ao socorro humanitário em casos de desastres e a um meio ambiente sadio (Bonavides, 1997: 523).

Breve histórico

Lafer localiza as origens dos Direitos Humanos nas tradições judaico-cristã e estóica da civilização ocidental. Tais tradições afirmam o valor, a dignidade de cada ser humano, o ser humano como valor-fonte, seja por ter sido criado à imagem e semelhança de Deus, seja por ser cidadão da cosmo-polis (o mundo é uma única cidade em que todos são amigos e iguais). Exemplo prático disso era a proteção jurídica conferida pelo jus gentium romano aos estrangeiros. Desenvolveu-se assim a mais que milenar crença ocidental no Direito Natural, um conjunto de normas jurídico-morais de natureza divina inerentes a cada ser humano, perante as quais poder-se-ia julgar o direito positivo como justo ou injusto.

Já no início Era Moderna (sécs. XVI e XVII), o Direito Natural foi racionalizado e seu fundamento divino foi substituído pela Razão, o elemento comum a todos os seres humanos. Na mesma época, as Reformas protestantes levaram a uma cisão profunda na Cristandade Ocidental que, somada ao processo de consolidação dos Estados-nacionais, engendrou inúmeros conflitos sangrentos, os quais levaram eventualmente ao reconhecimento da liberdade individual de crença religiosa. O instrumento jurídico que instituiu esses novos princípios organizadores da política européia foi o Tratado de Vestfália, de 1648, que encerrou a Guerra dos 30 Anos e garantiu a igualdade de direitos entre as comunidades cristãs católica e protestante no território alemão. Pode, por isso, ser considerado um dos primeiros instrumentos internacionais com medidas de proteção aos direitos humanos.

A crítica política e filosófica racionalista e a ascensão econômica da classe burguesa levaram a um período de revoluções contra os regimes absolutistas e contra a organização hierárquica das sociedades. As revoluções levadas a cabo na busca pela igualdade dos indivíduos, extinguiram a divisão em estamentos, instituindo o status único da cidadania – categoria que Arendt entendo como sendo o “direito a ter direitos” – para todos os indivíduos. Em troca dos privilégios que o status conferia, foram positivados os direitos naturais nas constituições pós-revolucionárias. Os direitos fundamentais então declarados constituem a primeira geração de direitos humanos.

A segunda geração de Direitos Humanos, de direitos econômicos, sociais e culturais, foi reivindicada ao longo do século XIX, pelos movimentos proletários socialistas. Só foi, contudo, positivada no início do século XX, pelas constituições revolucionárias mexicana e russa, bem como na da República de Weimar. Na medida em que, a partir da Europa, o sistema internacional vestfaliano foi-se consolidando, passou-se a identificar o Estado com a Nação, dando ensejo à formação de Estados-nações (Lafer, 1988: 135). Por meio das expansões imperialistas, generalizou-se o critério nacional e o território e a população do planeta acabaram divididos em Estados nacionais ou em impérios coloniais centrados num Estado nacional. A concomitante expansão do liberalismo fez com que boa parte dos novos Estados adotassem constituições que reconheciam direitos fundamentais (Lafer, 1988: 137 e 138). Nesse sistema, a proteção internacional dos Direitos Humanos se dava pelas vias diplomáticas, por meio das quais cada Estado procurava zelar pelos direitos de seus cidadãos onde quer que eles se encontrassem.

O sistema diplomático de proteção aos direitos humanos começou a ruir com a crise mundial da primeira metade do século XX. As duas Grandes Guerras geraram um gigantesco contingente de refugiados, apátridas e minorias que simplesmente não se encaixavam no sistema internacional, na trindade “Estado-Povo-Território” (Lafer, 1988: 139). Sua simples presença em algum país já era uma violação da lei, o que levou, segundo Lafer, ao Estado policial, em prejuízo também dos seus nacionais (1988: 139 e 149). Hannah Arendt identifica nesse fenômeno um dos mais importantes ingredientes para o surgimento do totalitarismo. A ruptura totalitária se dá justamente quando essas pessoas destituídas de cidadania, de direito a ter direitos, tornam-se supérfluas, subvertendo o princípio da dignidade de cada ser humano subjacente aos ordenamentos moral e jurídico do Ocidente.

Essa ruptura e a tragédia dela decorrente acarretaram a substituição do sistema de proteção diplomática dos direitos humanos por uma proteção internacional que tutelasse os direitos dos indivíduos independentemente de serem nacionais de qualquer Estado (idem: 154). Essa substituição pode ser interpretada como uma de tentativa superar os paradoxos evidenciados pela ruptura. O primeiro deles é de que um princípio jurídico universal – a proteção dos direitos humanos – dependia de um elemento contigente – a cidadania. O segundo é o de que o ser humano nu, privado de suas qualidades acidentais – a cidadania –, “vê-se privado de sua substância, vale dizer: tornado pura substância, perde a sua qualidade substancial, que é de ser tratado pelos outros como um semelhante”. Por isso, após a 2a. Guerra Mundial, o Direito Internacional Público reagiu procurando minimizar os efeitos da condição de apátrida e refugiado, principalmente, buscando evitar tal situação. Isso foi feito por meio da elaboração de instrumentos jurídicos multilaterais que tutelam a apatridia e o status de refugiado e prevêem a cidadania como um direito humano , mas também, e mais importante, pela formação de um sistema completo de proteção dos direitos humanos que fosse aplicável a todos seres humanos enquanto tais, independentemente de sua condição ou não de nacional de algum Estado.