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Manoel Bandeira: diferenças entre revisões

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Revisão das 14h56min de 27 de janeiro de 2005

Manoel Bandeira . .. ... .... ... .. . . .. ... .... ... .. . . .. ... .... ... .. .


Manuel Carneiro de Sousa Bandeira Filho nasceu em Recife (PE) em 1886. Depois de morar no Rio, em Santos e em São Paulo, a família regressou ao Recife, onde permaneceu por mais algum tempo. A nova mudança para o Rio levou o menino a ser matriculado no colégio Pedro II. Com 17 anos, Manuel Bandeira foi para São Paulo, a fim de ingressar na Escola Politécnica, mas já no ano seguinte (l904) ficou tuberculoso. Abandonou os estudos, passando temporadas em várias outras cidades, de clima mais propício ao seu estado de saúde. Em 1913 partiu para a Suíça em busca de tratamento. Regressou no ano seguinte, pois estava começando a Primeira Guerra Mundial. Em 1917 publicou seu primeiro livro: A cinza das horas.




Obra

Poesia: A cinza das horas (1917); Carnaval (1919); O ritmo dissoluto (1924); Libertinagem (1930); Estrela da manhã (1936); Lira dos cinquent'anos (1940); Belo, belo (1948); Mafuá do malungo (1954); Estrela da tarde (1963); Estrela da vida inteira, incluindo todas essas obras, é de 1966 e foi lançada para comemorar os 80 anos do poeta.

Prosa: Crônicas da província do Brasil (1937); Itinerário de Pasárgada (1954); Andorinha, andorinha (1966).



Madrigal melancólico

O que eu adoro em ti, Não é tua beleza. A beleza, é em nós que ela existe. A beleza é um conceito. E a beleza é triste. Não é triste em si, Mas pelo que há nela de fragilidade e de incerteza. O que eu adoro em ti Não é tua inteligência. Não é teu espirito sutil, Tão ágil, tão luminoso, -Ave solta no céu matinal da montanha. Nem é a tua ciência Do coração dos homens e das coisas. O que eu adoro em ti, Não é a tua graça musical, Sucessiva e renovada a cada momento, Graça aérea como o teu próprio pensamento, Graça que perturba e que satisfaz. O que eu adoro em ti, Não é a mãe que já perdi, Não é a irmã que já perdi, E meu pai. O que eu adoro em tua natureza, Não é o profundo instinto maternal Em teu flanco aberto como uma ferida. Nem a tua pureza. Nem a tua impureza. O que eu adoro em ti - lastima-me e consola-me! O que eu adoro em ti, é a vida.

O impossível carinho


Escuta, eu não quero contar-te meu desejo; Quero apenas contar-te minha ternura; Ah se em troca de tanta felicidade que me dás; Eu te pudesse repor; - Eu te soubesse repor -; No coração despedaçado; As mais puras alegrias de tua infância!


Teresa


A primeira vez que vi Teresa Achei que ela tinha pernas estúpidas Achei também que a cara parecia uma perna

Quando vi Teresa de novo Achei que os olhos eram muito mais velhos que o resto do corpo (Os olhos nasceram e ficaram dez anos esperando que o resto do corpo nascesse)

Da terceira vez não vi mais nada Os céus se misturaram com a terra E o espírito de Deus voltou a se mover sobre a face das águas.


Paisagem Noturna

A sombra imensa, a noite infinita enche o vale . . . E lá do fundo vem a voz Humilde e lamentosa Dos pássaros da treva. Em nós, - Em noss'alma criminosa, O pavor se insinua . . . Um carneiro bale. Ouvem-se pios funerais. Um como grande e doloroso arquejo Corta a amplidão que a amplidão continua . . . E cadentes, metálicos, pontuais, Os tanoeiros do brejo, - Os vigias da noite silenciosa, Malham nos aguaçais.


Pouco a pouco, porém, a muralha de treva Vai perdendo a espessura, e em breve se adelgaça Como um diáfano crepe, atrás do qual se eleva A sombria massa Das serranias.


O plenilúnio via romper . . . Já da penumbra Lentamente reslumbra A paisagem de grandes árvores dormentes. E cambiantes sutis, tonalidades fugidias, Tintas deliqüescentes Mancham para o levante as nuvens langorosas.


Enfim, cheia, serena, pura, Como uma hóstia de luz erguida no horizonte, Fazendo levantar a fronte Dos poetas e das almas amorosas, Dissipando o temor nas consciências medrosas E frustrando a emboscada a espiar na noite escura, - A Lua Assoma à crista da montanha. Em sua luz se banha A solidão cheia de vozes que segredam . . .


Em voluptuoso espreguiçar de forma nua

As névoas enveredam

No vale. São como alvas, longas charpas

Suspensas no ar ao longe das escarpas.

Lembram os rebanhos de carneiros

Quando,

Fugindo ao sol a pino,

Buscam oitões, adros hospitaleiros

E lá quedam tranqüilos ruminando . . .

Assim a névoa azul paira sonhando . . .

As estrelas sorriem de escutar

As baladas atrozes

Dos sapos.


E o luar úmido . . . fino . . .

Amávico . . . tutelar . . .

Anima e transfigura a solidão cheia de vozes . . .


Vou me embora prá Pasárgada


Vou-me embora prá Pasárgada Lá sou amigo do rei Lá tenho a mulher que eu quero Na cama que escolherei Vou-me embora prá Pasárgada


Vou-me embora prá Pasárgada Aqui não sou feliz Lá a existência é uma aventura De tal modo inconseqüente Que Joana a Louca de Espanha Vem a ser contraparente Da nora que nunca tive


E como farei ginástica Andarei de bicicleta Montarei em burro bravo Subirei no pau-de-sebo Tomarei banhos de mar! E quando estiver cansado Deito a beira do rio Mando chamar a mãe-díágua. Prá me contar histórias Que no tempo de eu menino Rosa vinha me contar Vou-me embora prá Pasárgada


Em Pasárgada tem tudo É outra civilização Tem um processo seguro De impedir a concepção Tem telefone automático Tem alcalóides à vontade Tem prostitutas bonitas Para gente namorar


E quando eu estiver mais triste Mas triste de não ter jeito Quando de noite me der Vontade de me matar Lá sou amigo do rei Terei a mulher que eu quero Na cama que escolherei Vou-me embora prá Pasárgada.


Dedução


Não acabarão com o amor, nem as rusgas, nem a distância. Está provado, pensado, verificado. Aqui levanto solene minha estrofe de mil dedos e faço o juramento: Amo firme, fiel e verdadeiramente.


Comumente é assim


Cada um ao nascer traz sua dose de amor, mas os empregos, o dinheiro, tudo isso, nos resseca o solo do coração.

Sobre o coração levamos o corpo, sobre o corpo a camisa, mas isto é pouco. Alguém imbecilmente inventou os punhos e sobre os peitos fez correr o amido de engomar. Quando velhos se arrependem.

A mulher se pinta. O homem faz ginástica pelo sistema Muller. Mas é tarde. A pele enche-se de rugas. amor floresce, floresce, e depois desfolha.


Ou isto ou aquilo


Ou se tem chuva e não se tem sol, ou se tem sol e não se tem chuva! Ou se calça a luva e não se põe o anel, ou se põe o anel e não se calça a luva! Quem sobe nos ares não fica no chão , Quem fica no chão não sobe nos ares. É uma grande pena que não se possa estar ao mesmo tempo em dois lugares! Ou guardo dinheiro e não compro o doce, ou compro o doce e não guardo o dinheiro. Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo... e vivo escolhendo o dia inteiro! Não sei se brinco, não sei se estudo, se saio correndo ou fico tranqüilo. Mas não consegui entender ainda qual é melhor: se é isto ou aquilo.


Renúncia


Chora de manso e no íntimo... procura

Tentar curtir sem queixa o mal que te crucia:

O mundo é sem piedade e até riria

Da tua inconsolável amargura.


Só a dor enobrece e é grande e é pura.

Aprende a amá-la que a amarás um dia.

Então ela será tua alegria,

E será ela só tua ventura...


A vida é vã como a sombra que passa

Sofre sereno e de alma sombranceira

Sem um grito sequer tua desgraça.


Encerra em ti tua tristeza inteira

E pede humildemente a Deus que a faça

Tua doce e constante companheira...


Epígrafe


Sou bem-nascido. Menino,

Fui, como os demais, feliz.

Depois, veio o mau destino

E fez de mim o que quis.

Veio o mau gênio da vida,

Rompeu em meu coração,

Levou tudo de vencida,

Rugia e como um furacão,

Turbou, partiu, abateu,

Queimou sem razão nem dó -

Ah, que dor!

Magoado e só,

- Só! - meu coração ardeu:

Ardeu em gritos dementes

Na sua paixão sombria...

E dessas horas ardentes

Ficou esta cinza fria.

- Esta pouca cinza fria.



Desencanto


Eu faço versos como quem chora

De desalento. . . de desencanto. . .

Fecha o meu livro, se por agora

Não tens motivo nenhum de pranto.

Meu verso é sangue. Volúpia ardente. . .

Tristeza esparsa... remorso vão...

Dói-me nas veias. Amargo e quente,

Cai, gota a gota, do coração.

E nestes versos de angústia rouca,

Assim dos lábios a vida corre,

Deixando um acre sabor na boca.

- Eu faço versos como quem morre.


Versos escritos n'água


Os poucos versos que aí vão,

Em lugar de outros é que os ponho.

Tu que me lês, deixo ao teu sonho

Imaginar como serão.

Neles porás tua tristeza

Ou bem teu júbilo, e, talvez,

Lhes acharás, tu que me lês,

Alguma sombra de beleza...

Quem os ouviu não os amou.

Meus pobres versos comovidos!

Por isso fiquem esquecidos

Onde o mau vento os atirou.



Desesperança


Esta manhã tem a tristeza de um crepúsculo.

Como dói um pesar em cada pensamento!

Ah, que penosa lassidão em cada músculo. . .

O silêncio é tão largo, é tão longo, é tão lento

Que dá medo... O ar, parado, incomoda, angustia...

Dir-se-ia que anda no ar um mau pressentimento.

Assim deverá ser a natureza um dia,

Quando a vida acabar e, astro apagado,

Rodar sobre si mesma estéril e vazia.

O demônio sutil das nevroses enterra

A sua agulha de aço em meu crânio doído.

Ouço a morte chamar-me e esse apelo me aterra...

Minha respiração se faz como um gemido.

Já não entendo a vida, e se mais a aprofundo,

Mais a descompreendo e não lhe acho sentido.

Por onde alongue o meu olhar de moribundo,

Tudo a meus olhos toma um doloroso aspeto:

E erro assim repelido e estrangeiro no mundo.

Vejo nele a feição fria de um desafeto.

Temo a monotonia e apreendo a mudança.

Sinto que a minha vida é sem fim, sem objeto...

- Ah, como dói viver quando falta a esperança!


Velha Chácara

A casa era por aqui...

Onde? Procuro-a e não acho.

Ouço uma voz que esqueci:

É a voz deste mesmo riacho.


Ah quanto tempo passou!

(Foram mais de cinqüenta anos.)

Tantos que a morte levou!

(E a vida...nos desenganos...)


A usura fez tábua rasa

Da velha chácara triste:

Não existe mais a casa...

- Mas o menino ainda existe.


Neologismo


Beijo pouco, falo menos ainda

Mas invento palavras

Que traduzem a ternura mais funda

E mais cotidiana.

Inventei, por exemplo, o verbo teadorar.

Intransitivo :

Teadoro, Teadora.


Momento Num Café

Quando o enterro passou

Os homens que se achavam no café

Tiraram o chapéu maquinalmente

Saudavam o morto distraídos

Estavam todos voltados para a vida

Absortos na vida

Confiantes na vida.

Um no entanto se descobriu num gesto largo e demorado

Olhando o esquife longamente

Este sabia que a vida é uma agitação feroz e sem finalidade

Que a vida é traição

E saudava a matéria que passava

Liberta para sempre da alma extinta.