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Romance: diferenças entre revisões

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O romance - sempre em crise?
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Revisão das 19h05min de 26 de maio de 2004

FIM DO ROMANCE DE NOVO?

Considera-se que o romance nasceu no início do século XVII, sendo o precursor deste gênero o Dom Quixote de La Mancha. Na tentativa de parodiar a novela de cavalaria, Miguel de Cervantes não só escreveu um dos grandes clássicos da literatura, como ajudou a firmar as pernas daquele que viria substituir a epopéia, gênero que agonizava e desapareceria no século XVIII, com o advento da era industrial. O romance é, portanto, a epopéia burguesa moderna, segundo Hegel. Estudiosos do assunto dividem a modernidade literária em três fases: a primeira vai do início do século XVI ao fim do século XVIII. Esta fase tem como pano de fundo a Renascença, desencadeando uma grande revolução intelectual e artística. A segunda fase se inicia com a Revolução Francesa, chegando à segunda guerra mundial. Este período foi comandado pela expansão industrial, pela ascensão e consolidação da burguesia. A produção artística se intensifica: letras, artes plásticas, ensaios políticos e filosóficos etc. A terceira fase tem início no pós-guerra chegando aos nossos dias. É a vez das vanguardas, que buscam oxigenar todos os setores das artes, afrontam normas etc. O romance chega à modernidade com Balzac e à plenitude com Proust, Joyce, Faulkner. A partir destes últimos a ordem cronológica é desfeita: passado, presente e futuro são fundidos. A partir de meados deste século intensifica-se a discussão em torno de uma provável crise do romance, sua possível morte. Essa morte teria ocorrido por volta dos anos 50: Na França Alain Robbe-Grillet, Claude Simon, Robert Pinget, Nathalie Sarraute, Marguerite Duras, Michel Butor, entre outros, rejeitam o conceito de romance cuja função é contar uma história e delinear personagens conforme as convenções realistas do século XIX; transgridem também outros valores do romance tradicional: tempo, espaço, ação, repúdio à noção de verossimilhança etc. Sartre diz que ao destruírem o romance, esses escritores, na verdade, estão renovando-o, principalmente com a influência do cinema. É o noveau roman sacudindo as bases tradicionais da literatura. De qualquer forma, a idéia do fim das coisas não é nova; no século passado Hegel acreditava que a História chegara ao fim. Hoje prega-se o fim de praticamente tudo: da ciência, da economia, da história, do dinheiro, da literatura, e até o fim do mundo. Uma coisa é certa: essa pregação sobre o fim de tudo tem a ver com o momento histórico: estamos no fim de uma década, de um século e de um milênio. Em 1936 os Estados Unidos viviam a época clássica do cinema falado. Antes de ser influenciado pelo cinema, o romance influenciou-o; ao ponto de, nas décadas de 30 e 40, a indústria cinematográfica ter privilegiado os filmes narrativos e grandes romancistas terem sido contratados pelos estúdios para escreverem roteiros. Mesmo assim em 1936 Scott Fitzgerald escrevia: "vi que o romance, que na minha maturidade era o meio mais forte e flexível de transmitir pensamento e emoção de um ser humano para outro, estava ficando subordinado a uma arte mecânica... só tinha condições de refletir os pensamentos mais batidos, as emoções mais óbvias. Era uma arte em que as palavras eram subordinadas às imagens..." Fitzgerald foi o primeiro escritor a perceber que o romance estava sendo suplantado pelo cinema, mas continuou acreditando que, como arte, o romance sempre seria superior. Antes disso, na década de 20, com a publicação do Ulisses, passou-se a afirmar que o livro de Joyce era o ápice do romance, que depois dele o romancista deveria ater-se ao mínimo, outros diziam que Ulisses era a paródia final do romance, como quem assina embaixo da frase de Kierkegaard: Toda fase histórica termina com a paródia de si mesma. Nos anos 60 Marshall McLuhan afirmou que os escritores eram uma espécie em vias de extinção; disse McLuhan: "já não serve para nada escrever e publicar livros". Tudo isso por causa do avanço da eletrônica, que tornou a comunicação muito rápida entre as pessoas, ao ponto de dispensar, segundo ele, o jornal, o livro etc. No Brasil os anos 50 foram férteis: 1956, por exemplo, é considerado um dos grandes marcos literários do país; foram publicados naquele ano O encontro marcado, de Fernando Sabino; Doramundo, de Geraldo Ferraz; Vila dos Confins, de Mário Palmério e Grande Sertão: veredas, de Guimarães Rosa. Ainda desta década é Gabriela, Cravo e Canela (58), de Jorge Amado. A trilogia O tempo e o vento, de Érico Veríssimo, teve seu primeiro volume, O continente, publicado em 49 e O retrato em 51. A verdade é que já em 1880 falava-se em crise do romance. Naquele ano foi feito na França uma enquete sobre o assunto e Jules Renard disse que o romance havia morrido. E quem estava em atividade naquela época? Zola, André Gide, Valéry; mais adiante surgiriam Proust, Joyce, Kafka, Robert Musil, Machado de Assis... Numa entrevista Gabriel Garcia-Márquez reitera sua crença no gêneto: se você diz que o romance está morto, não é o romance, é você que está morto. Justamente quando se discutia se os recursos do romance estariam realmente esgotados, se seus dias estavam mesmo contados, surge o que ficou conhecido como o boom da literatura latino-americana: Cortázar, Vargas Llosa, Gabriel Garcia-Márquez, Carlos Fuentes, Cabrera Infante, Miguel Angel Asturias, Alejo Carpentier etc. Era o descobrimento do realismo mágico. Na verdade o romance sempre esteve ameaçado. Ele mesmo um dos filhos da revolução industrial, se viu diante da concorrência de outros irmãos: o desenvolvimento do jornalismo, o cinema, o rádio, a TV; e mais recentemente os computadores, a Internet etc. O que se tem visto, no entanto, são os rivais se transformarem em aliados do romance: a imprensa escrita veio influenciar e divulgar a literatura, com o cinema a mesma coisa acontece. A Internet também vem se transformando numa divulgadora da literatura. Em Repertório, Michel Butor diz que o romance é o laboratório da narrativa. E não há espaço mais propício para se fazer novas experiências do que um laboratório. Uma literatura que pretende representar o mundo só o fará se acompanhar as mudanças desse mundo. É preciso, então, mudar a própria noção de romance. Que a palavra romance se desgastou ao ponto de se criar preconceitos em torno dela, isso não se discute. Há pessoas, por exemplo, que acreditam que o fato de não lerem romances é um sintoma de intelectualidade. Na maioria das vezes, entretanto, quando se diz eu não leio romance está-se querendo dizer eu não leio prosa de ficção. Assim o preconceito se espalha para a literatura em geral. Outra coisa indiscutível é o fato de o romance não ocupar mais o mesmo espaço que ocupou até o início deste século. Michel Butor diz que é preciso compreender que toda invenção literária, hoje em dia, produz-se no interior de um ambiente já saturado de literatura. Para Henry James o romancista é alguém para quem nada está perdido. Para Mishima a literatura é uma flor imperecível. Para Barthes a única verdadeira crise do romance acontece quando o escritor repete o que já foi dito ou quando deixa de escrever. Vivemos numa época em que todos os valores estão em transição, novas realidades surgem rapidamente. Isso exige mudanças estéticas no romance; assim ele tem se metamorfoseado ao longo de sua existência. E metamorfose não é morte, é transformação. Viva o romance!


FONTES: Os subúrbios da criação, Flávio M. da Costa Letras francesas: teoria do novo romance in De fato e de ficção, Gore Vidal Dicionário de termos literários, Massaud Moisés Dez grandes escritores, W.H. Auden Repertório, Michel Butor Quem faz cinema? in De fato e de ficção, Gore Vidal Os escritores e seus fantasmas, Ernesto Sábato A era da suspeita, Nathalie Sarraut Romance hispano-americano, Bella Jozef A ascensão do romance, Ian Watt Aspectos do romance, E.M. Forster O desafio da criação, Julieta de Godoy Ladeira O livro dos insultos de H.L. Mencken, H.L. Mencken Também utilizei anotações próprias, algumas com as fontes citadas, outras não.