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Zapatista: diferenças entre revisões

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1. Chiapas: um Estado onde as contradições são gritantes
(Sem diferenças)

Revisão das 12h27min de 5 de março de 2005

1. Chiapas: um Estado onde as contradições são gritantes.[1]



Localizado na fronteira com a Guatemala, Chiapas é um dos 32 Estados que compõem a federação mexicana. Sua superfície de 74.211 quilômetros quadrados é habitada por cerca de 3 milhões e 600 mil pessoas, das quais mais de um milhão são indígenas.

As riquezas que já estão sendo extraídas deste Estado nos impedem de afirmar que ele seja pobre em recursos naturais. Além dos poços de petróleo ainda não explorados, Chiapas hospeda cerca de 82% da planta petroquímica mexicana e suas hidroelétricas produzem 20% da energia que o país precisa. Enquanto isso, somente um terço das casas chiapanecas têm energia elétrica e a grande maioria das demais não possui sequer um lampião a gás.

Considerado o maior produtor nacional de milho, Chiapas detém também 35% da produção nacional de café. De suas florestas saem madeiras nobres e as grandes fazendas contam com cerca de 3 milhões de cabeças de gado. Apesar do peso da produção agropecuária chiapaneca na economia mexicana, 54 em cada 100 moradores do Estado estão desnutridos e, nas regiões de montanha ou na selva, a desnutrição ameaça a vida de 80% da população. Os efeitos da miséria cobram o altíssimo preço de uma morte a cada 35 minutos.

O turismo que se desenvolve em torno das pirâmides e das construções dos antigos maias é outra grande fonte de recursos para o país e para o Estado. Para atender às suas demandas, Chiapas conta com uma média de 7 quartos de hotel para cada mil turistas, ao mesmo tempo em que possui só 0,3 leitos de hospital para cada mil habitantes e um centro cirúrgico para cada 100 mil chiapanecos.

A educação vem sendo considerada como a pior do país. “De cada 100 crianças que freqüentam o ensino primário, 72 não terminam a primeira série. Mais da metade das escolas não oferecem nada além da terceira série e somente metade têm um professor para cada curso que é oferecido. Ainda que não divulgados, os números da deserção escolar das crianças indígenas são muito altos devido à necessidade de incorporar a criança ao processo de exploração. Em qualquer comunidade indígena, é comum encontrar crianças carregando lenha ou milho, cozinhando ou lavando roupas durante as horas em que deveriam estar na escola. Em 1989, das 16.058 salas e aula, somente 1096 estavam nas zonas indígenas”.

Não é necessário sermos grandes economistas para entendermos que Chiapas é um Estado com grandes riquezas e um potencial de desenvolvimento enorme que convivem lado a lado com profundas contradições sociais e delas se alimentam para garantir o enriquecimento de um seleto grupo de proprietários. Nas últimas décadas, tais condições têm se agravado na medida em que a expansão da criação de gado, a ação das guardias blancas[2], a implantação das hidroelétricas, a extração do petróleo e das madeiras nobres, além de aumentar a devastação do solo, têm ocupado as terras boas que eram aproveitadas para a produção de alimentos por parte dos camponeses e das comunidades indígenas.

Expulsos de suas terras, a luta pela sobrevivência empurra indígenas e camponeses para as regiões de montanha e de selva onde as terras são pobres e se esgotam facilmente. Boa parte deles vive em pequenos vilarejos, a grande maioria dos quais é situada num dos 1.887 ejidos presentes no Estado. O ejido é uma forma de propriedade coletiva da terra criada no processo de reforma agrária que a burguesia mexicana vai viabilizar no país inteiro após a tentativa revolucionária de Villa e Zapata como forma de conter as pressões dos camponeses.

Até 1992, o artigo 27 da constituição mexicana impede que as terras dos ejidos possam ser vendidas, arrendadas ou hipotecadas. Apesar das pressões dos latifundiários, da falta de crédito, de infra-estrutura, de instrução e assistência técnica, os ejidos se mantêm vivos. Mas o grande capital não pode conviver com limitações deste tipo e, justamente em 1992, o México é obrigado a revogar a parte do artigo 27 que protege esta forma de propriedade coletiva como uma das condições para a sua admissão no Tratado de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA).

Com esta medida, fecha-se para milhões de indígenas e camponeses a única porta legal que dava acesso à posse da terra. Para atrair os investimentos estrangeiros, todas as terras, inclusive as indígenas, devem ser transformadas em mercadoria, eliminando assim qualquer entrave legal à mais ampla e selvagem exploração do solo.

No caso de Chiapas, o capital tem uma razão a mais para apressar este processo: ao pesquisar novos poços de petróleo, os Estados Unidos haviam descoberto abundantes jazidas de urânio. Diante das novas possibilidades de lucro ... indígenas e camponeses não passam de um empecilho. Ao alterar o artigo 27 da constituição, o governo mexicano assina a sentença de morte das comunidades instaladas entre as montanhas e na selva de Chiapas.

Como veremos mais adiante, este fato vai apressar os tempos da rebelião e marca a necessidade de preparar-se para uma longa e desgastante ação de resistência a partir das condições materiais extremamente limitadas nas quais as próprias comunidades indígenas se debatem para poder sobreviver. Enquanto a morte afia suas lâminas letais á luz do dia, a vida prepara debaixo da terra os brotos que anunciam um novo amanhecer.




[1] As citações e a maior parte dos dados recolhidos neste capítulo pode ser encontrada no comunicado do EZLN de 1992 “Chiapas: o sudeste entre dois ventos, uma tempestade e uma profecia”.

[2] Guardias blancas: jagunços.