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Lucrécia Bórgia: diferenças entre revisões

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Revisão das 21h35min de 8 de fevereiro de 2005

Lucrecia Bórgia

Lucrecia Bórgia! Que pavor esta filha de Papa tão famosa na história, porém pouco proeminente, nos traz em pleno século XXI. Desde muito pequenos, percebemos nossos professores de história fazerem uma careta quando, por um motivo ou outro, suas aulas tropeçarem no nome. E mais tarde, durante qualquer conversa trivial, vemos nossos amigos sussurrarem os seguintes adjetivos sobre ela: envenenadora! corrupta! incestuosa!

´´Madona Lucrecia é uma dama com cerca de 17 anos e tem sua beleza nas alturas. Nós sabemos que, de fato, seu pai tem um amor por ela acima do bem-querer paternal...este caso, todavia, é muito obscuro. Por outro lado, dizem que Lucrecia está indisponível para o seu pai Papa, já que ela estaria envolvida em outro relacionamento incestuoso - ou relacionamentos incestuosos - um provável triângulo amoroso com seus dois belos irmãos. O problema é que cada um deles, deseja tê-la exclusivamente para si...´´

Foi com este e outros relatos, muitos de origem um tanto duvidosa, que Lucrecia Bórgia construiu sua má fama, que é sustentada até hoje.

Lucrecia Bórgia foi a terceira dos quatro filhos que Joana Cattanei, dita Vanozza, deu ao então cardeal Roderigo Bórgia, futuro Papa Alexandre VI. A bela e saudável criança veio ao mundo em 18 de abril de 1480, em Roma. Além de Lucrecia, Vanozza deu à Roderigo os seguintes filhos: César (1475) Giovanni (1477) e Geofredo (1481-3). Os primeiros anos de vida da menina, foram passados na casa de sua mãe nas imediações de Roma, na chamada Piazza Pizzo di Merlo, em absoluta paz familiar. Ela tinha um pai que lhe adorava, uma mãe dedicada, dois irmãos que brigavam por sua atenção, e outro para mimar. Já nesta época, começaram a surgir as primeira desavenças entre Giovanni e César Bórgia. Tudo começou pela disputa que os dois travavam pela preferência da pequena irmã, e pelo ciúmes qual César sustentava pela preferência que o seu pai dava a Giovanni.

Quando completou nove anos, Lucrecia foi separada de seus irmãos: Giovanni seguiu para a Espanha; César viu-se obrigado por Roderigo a entrar para a vida religiosa, mesmo sem a menor vocação; e a própria Lucrecia foi despachada para a casa de Adriana de Mila, dama da nobreza e viúva, à fim de receber uma educação erudita ao lado da rigorosa senhora. Adriana era e mãe de Orsino Orsini, garoto com a mesma idade de Lucrécia e recém-casado com uma jovem beldade de 14 anos chamada, Giulia Farnese. Giulia, apesar de casada, logo tornou-se amante do cardeal Roderigo Bórgia, pai de Lucrecia, e a família do marido da garota era totalmente conivente com isso. Afinal, Roderigo era um dos homens mais poderosos da Itália e um Papa em potencial. Giulia e Lucrecia logo se tornaram grandes amigas: compartilhavam de tudo, desde os mais preciosos segredos até dicas de sedução. Aí foi o grande erro de Roderigo quanto a criação de Lucrecia Bórgia. Ela esteve sob a influência mundana de Giulia Farnese por muitos anos. Em apenas quatro anos, Lucrecia evoluiu de uma frágil menina para uma estonteante mulher.

Em 25 de julho de 1492 morre o Papa Inocêncio VIII. O papado está vago, e o principal candidato ao cargo é o próprio Roderigo Bórgia. Em 10 de agosto Roderigo oferece 15.000 ducados, feudos, e cargos clericais para quem votar nele próprio. Os votos eram dados por reis, arcebispos e cardeais. Como foi o que mais ofereceu privilégios, Roderigo Bórgia em 26 de agosto foi aclamado Papa com o nome de Alexandre VI. Ele tinha 60 anos.

Agora a filha do novo papa está hospedada no palácio de Santa Maria del Popolo, em frente ao Vaticano. Simultaneamente Lucrecia, agora a garota mais importante da Itália por ser filha do Papa, se viu comprometida com muitos noivos. Mas finalmente, noivou realmente com Giovanni Sforza, Senhor de Pesaro.

Lucrecia se casa com Sforza em 12 de junho de 1493, ela tinha 13 anos e ele 26. Sforza recebeu como dote 15.000 ducados. Todos os seus irmãos estiveram presentes na cerimonia. Desde que eles haviam saído da casa de Vanozza, em 1489, que os irmãos Bórgia não se encontravam. César, agora cardeal, e Giovanni, agora duque de Gandia, brigavam mais do que nunca. Agora não apenas por causa da atenção da irmã ou do pai, mas sim por quem tinha mais mulheres e mais riquezas. Porém, o maior espanto de todos não foi César, Giovanni ou muito menos Geofredo: foi sim Lucrecia, a noiva, que havia mudado tanto físico quanto psicologicamente. Da menininha que era em 1489, agora ela era precocemente uma mulher fatal que já tinha desejos carnais ativos. Seu corpo não aparentava, nem de longe, os seus treze anos e já mostravam belas formas capazes de chamar a atenção de qualquer homem. Lucrecia tinha cabelos cor de ouro e olhos de um azul cintilante. Ela foi dita a mais bela mulher de toda Roma.

Todos os encantos da garota seduziram todos os presentes, senão o duro e áspero noivo. Foi documentado que Giovanni Sforza permaneceu frio à Lucrecia durante todas as festividades, e sequer dançou com a noiva no banquete. Porém, isso não fez a mínima diferença para ela. Se ela tinha um marido que não estava disposto a dançar, ela tinha irmãos que estavam - e muito.

Lucrecia permaneceu por todo o banquete acompanhada hora por César, hora por Giovanni Bórgia. Quando marido e mulher foram se deitar ao quarto nupcial, os dois leram para a irmã poemas falando de amor. Começaram aí as primeiras acusações de incesto na família Bórgia. Porém, ao menos desta vez, admite-se que isso não prova algum relacionamento além do fraternal entre Lucrecia e os irmãos, já que recitar poemas de amor para a noiva era um costume italiano muito ativo no século XV.

O casamento não se consuma, pois a noiva era considerada jovem demais. E, por incrível que isso pareça, Lucrecia se mantém virgem e intacta até a primeira noite com o marido por volta de 1495. Os dois anos que separaram o casamento da consumação, marido e mulher passaram totalmente afastados, Giovanni Sforza governando Pesaro e Lucrecia curtindo as orgias nos aposentos de seu pai e de seus irmãos no Vaticano. Neste meio tempo, Alexandre depõe Giulia Farnese como sua amante favorita e a expulsa do Vaticano, assim Lucrecia fica sem a amiga. Porém, ela já arranjaria outra no mesmo nível de frivolidade: a nova esposa de seu irmão Geofredo, Sanchia de Aragão, filha bastarda do rei de Nápoles. Sanchia, além de servir a Geofredo como esposa, freqüentava também a cama dos outros dois irmãos Bórgia, Giovanni e talvez também César.

Em 1495, Giovanni Sforza levou Lucrecia consigo para Pesaro. Sanchia de Aragão acompanhou o casal, a fim de afastar-se por algum tempo do Vaticano para abafar seus escândalos. O mesmo também acontecia com Lucrecia Bórgia, já que os boatos sobre o seu incesto aumentavam cada vez mais. O próprio Sforza acusou a mulher para o seu tio Ludovico, o Mouro de manter constantes relações sexuais com seus irmãos e, vez por outra, com o próprio pai. Essas acusações NÃO devem ser levadas ao pé-da-letra, já que foram feitas na época em que convinha a ele acusar a Lucrécia.

Quando Sforza retornou ao Vaticano com Lucrecia, um plano de César e Giovanni (e encoberto pelo Papa Alexandre), planejava matar o próprio Giovanni Sforza para que a irmã pudesse casar-se com um noivo muito mais vantajoso: o duque de Biscegli, irmão de Sanchia de Aragão. Lucrecia descobriu o plano escutando a conversa por trás da porta, e tomou uma atitude heróica qual deixou o pai e os irmãos decepcionados: avisou Sforza do que o esperava, e aconselhou-o a fugir. Ela própria fez as malas do marido às pressas e o acobertou na fuga.

Ao perceber que sua irmã havia ajudado Giovanni Sforza a fugir, César trancou-se em seu quarto com Lucrecia. Conta-se que ela gritava dizendo que estava altamente decepcionada e escandalizada com a crueldade do pai e dos irmãos, e que desejava afastar-se deles para sempre. Um pouco menos exaltada, ela pediu ao seu pai que a deixasse passar uma temporada no Convento de San Sisto. Ela partiu, enquanto seus irmãos e Alexandre VI planejavam o divórcio de Lucrecia com Sforza baseando-se no hipótese de Giovanni ser impotente (apesar de sua primeira esposa ter morrido em conseqüências de parto), e que o casamento nunca foi consumado. Duas grandes mentiras!

Em 14 de julho de 1497, César e Giovanni vão cear na casa da mãe, Vanozza Cattanei. Giovanni parte antes mesmo da ceia terminar, alegando um encontro amoroso com uma de suas amantes. Ele reaparece apenas dias depois, morto no Rio Tibre, degolado e com grandes feridas por todo o corpo. As investigações dos emissários de Alexandre VI começaram, e todas as provas apontavam apenas um assassino: César Bórgia. Além de criados seus terem sido vistos nas imediações do local no horário do acontecimento, ele era a pessoa que mais tinha motivos para assassinar Giovanni: a inveja por seu irmão ser duque de Gandia, já que sendo o mais velho, teoricamente César teria este direito; a preferência que o pai sempre deu a Giovanni; o ciúmes doentio que ele sentia por Lucrécia ser mais próxima a Giovanni - aos olhos dele, já que ela sempre declarou que César era o seu irmão favorito. Ao perceber que seu próprio filho era o responsável, o papa ordenou que as investigações fossem terminadas antes que o escândalo fosse ainda maior.

Logo após a morte de Giovanni Bórgia, outra polêmica familiar ocorria: a gravidez de Lucrecia, apesar desta estar enclausurada em um convento. A paternidade da criança é amplamente discutida até os dias de hoje. Existem teses de que o próprio César Bórgia engravidou a irmã; e outros dizem que o responsável foi um belo jovem espanhol chamado Pedro Calderón. Calderón era da criadagem do papa Alexandre, e era o incumbido de transportar as correspondência entre pai e filha. O que certo é que, por algum tempo, ele realmente foi amante de Lucrecia Bórgia, mas não há como provar se ele a engravidou ou não. Foi documentado que ao descobrir o romance entre sua irmã e Pedro, César desvairado de raiva e de ciúme o esfaqueou, porém o rapaz conseguiu chegar aos aposentos do papa e sujou sua batina de sangue. Pedro Calderón escapou desta vez, mas a sorte não lhe sorriria novamente. Pouco depois, ele seguiu o destino de Giovanni Bórgia e surgiu morto no Rio Tibre. E o assassino foi também o mesmo de Giovanni: César Bórgia.

Em princípios de 1498, grávida de seis meses, Lucrécia seguiu até o Vaticano para atestar sua ´virgindade´ e assim poder se divorciar de Giovanni Sforza. Ela conseguiu convencer os jurados, usando várias náguas para esconder seu estado. "Virgo intacta sum", declarou ela.

Lucrécia deu a luz a um menino em uma data indeterminada de abril de 1498, que chamou de Giovanni. Porém, ele ficou conhecido apenas como "o Infante Romano"(Infans Romanus), e nada mais. A paternidade foi reconhecida por César Bórgia, agora que este largou a batina. Lucrecia agora se preparava para casar-se novamente, desta vez com Afonso de Aragão, duque de Biscegli.

Em 17 de junho de 1498, Lucrecia Bórgia desposa Afonso de Biscegli em uma cerimônia pomposa no Vaticano. Lucrecia tinha 18 anos, e Afonso 17. Ele, na realidade não tinha a mínima vontade de se casar com uma Bórgia, pois tinha escutado boatos de que a esposa era uma cruel envenenadora que guardava um veneno mortal dentro de um anel, uma mulher frívola que era "filha, mulher, e cunhada" de seu pai. Porém, ao conhecer Lucrecia e verificar que ela era realmente bonita e aparentemente inofensiva, ele logo se apaixonou terminantemente.

No ano seguinte, Alexandre VI deu a filha Lucrecia a fortaleza de Nepi e as regiões de Spoleto e Foligno para que ela governasse. Lucrecia, pela primeira vez mostrou a quem quisesse ver que ela não era apenas bonita como também muito inteligente e perspicaz. Afinal, ela era estudada, sabia falar em várias línguas (além de seu italiano, francês, espanhol, latim e um pouco de grego). Governou os lugares com eficiência, justiça e piedade. Porém, a felicidade de Lucrecia jamais duraria muito: seu irmão, muito enciumado ao ver a felicidade da irmã recomeça a arquitetar. E ele encontra mais um motivo para ter certeza que a aliança com Biscegli era maligna a ele: o fato é que ele esperava se casar com uma das Princesas Francesas, e justamente os inimigos de Afonso e sua Casa de Nápoles

Assim, César Bórgia põe em ação mais um de seus planos malignos e sangrentos: o de matar o próprio Afonso de Biscegli. Lucrecia estava grávida agora, e César conseguiu convencer a irmã e o cunhado a ir ter a criança em Roma, que nasceu e foi chamado de Roderigo. Em julho de 1500, pouco depois da chegada do casal, Afonso foi surpreendido por um grupo de homens fortemente armados o esperando na Praça de São Pedro. Ele foi apunhalado, mas conseguiu fugir até os aposentos de Lucrecia, onde caiu gravemente no chão. Socorrido imediatamente por sua mulher, quem sabia exatamente quem era o mandante do crime e que tentaria novamente. Afonso se recuperava. Lucrecia e sua cunhada, Sanchia de Aragão, cuidavam de Biscegli e com medo de envenenamento, elas próprias faziam a comida do duque. Porém em uma noite de descuido de Lucrecia e Sanchia, César e um criado (Michelotto Corella - um primo dos Bórgia, homem de confiança do papa e de César) entraram sorrateiramente nos aposentos de Afonso e o enforcaram. Foi dito que quando saíram do quarto, César se deparou com Lucrecia do lado de fora. Ela gritou de horror.

Lucrecia Bórgia passou a história como a culpada deste assassinato. Dizia-se que Biscegli foi vítima de um de seus venenos, apesar de a acusação não ter fundamento algum, apenas na história pitoresca de Victor Hugo.

Toda a visão de Victor Hugo foi patrocinada pelas invenções de um certo satirista. Filofila, protegido secretamente pelos Orsini, difamava Lucrecia e sua família por Roma. Toda noite, um novo cartaz sobre a família papal aparecia nas ruas. Filofila cantava sobre as orgias no Vaticano, dizia que o papa tinha "vinte filhos naturais" - o que não deixava de ser verdade. Que Alexandre, além de financiar a campanha de seu filho César com o dinheiro das simonias (isso é verdade!), tinha ordenado que sua filha Lucrecia se deitasse com os cardeais, para no dia seguinte poder envenena-los com um pozinho branco, escondido em um compartimento de seu anel; "a mulher Bórgia é até uma pessoinha bem culta", dizia Filofila, "sua cultura foi muito bem aprendida quando ela se deitava com os poetas que cantam sobre sua beleza!". Dizia Filofila, "a filha do papa adora copular. Pode ser com seu irmão, pai, poeta, cachorro, bode, ou até um macaco". Ele falava que César tinha transformado "um irmão em corno e outro em cadáver". "Assassinato é sua violência mais sutil e estupro é seu prazer mais necessário". Com detalhes, Filofila descrevia a suposta relação incestuosa de César e Lucrécia. Mas para a danação do sátiro, certo dia seus restos apareceram mutilados na porta do castelo de seus senhores Orsini. Sobre o caso, César apenas comentou que "Roma havia se acostumado a escrever e falar o que quisesse, mas eu ensinarei a todo o povo a perder o mau costume".

Em 1501, o papa passou algumas semanas em Nápoles, recém conquistada pelos Franceses. O mais convencional, seria deixar um cardeal de confiança do papa em sua ausência para tomar as rédeas do Vaticano. Mas Alexandre VI escandalizou a Europa com uma escolha inédita: durante sua viagem, a papisa seria sua filha Lucrecia Bórgia. O ato totalmente inédito na história do papado, provocou uma fúria explicável no renomado Colégio dos Cardeais.

Lucrecia, após sua controversa regência, se recolheu a fortaleza de Nepi com seus filhos Roderigo e Giovanni ("Infante Romano"), enquanto seu pai e irmão planejam mais um casamento-chave para ela. Desta vez o novo alvo da família Bórgia era o filho do poderoso duque de Ferrara, o jovem Afonso d´Este. O casamento foi confirmado, e realizado em 30 de dezembro de 1501, sem a presença do noivo, em cerimônia simples no Vaticano. Em 2 de fevereiro do ano seguinte, Lucrecia entra triunfalmente em Ferrara. Como dote, foi pago aos d'Este 200.000 ducados, apesar da proposta inicial do noivo ter sido de 300.000. Comparando aos 15.000 ducados pagos a Giovanni Sforza, o primeiro marido de Lucrecia, alguns anos antes, a diferença é formidável. Mas há uma explicação muito simples. Lucrecia Bórgia, na época uma menina de treze anos, não tinha nenhuma mácula em seu nome. Mas agora, aos olhos de toda a Europa, ela era envenenadora e incestuosa. Lucrecia finalmente se livraria da sombra de seus parentes infames, nunca mais tornaria a ver Alexandre VI, mas não se livraria do irmão César por enquanto. Lucrecia tinha 22 anos e Afonso d´Este 25. Como o duque de Biscegli, Afonso também não estava lá muito desejoso de se casar com uma Bórgia. Mas também acabou sucumbindo aos encantos da jovem.

Na realidade, como disse a própria Isabella d`Este, irmã de Afonso d´Este, Lucrecia Bórgia estava muito acima das expectativas. Eles a imaginavam como uma "mulher frívola e com a maldade nos olhos", mas o que encontraram foi uma pessoa "sensível e agradável". Um cortesão de Ferrara, descreveu a jovem como "de beleza delicada e grandiosa, que seus bons modos e compostura incríveis fazem parecer ainda maior". Lucrecia também teve de se acostumar com a frieza dos d´Este: diferente dos Bórgia, eles jamais se permitiam a festas ´alegres´ que cambaleavam para as orgias, tão adoradas por Lucrecia. Em poucos anos, Lucrecia acabou por tornar-se muito mais uma d´Este do que uma Bórgia. Tornou-se inexpressiva, e o sorriso, companhia tão assídua que tinha quando era uma ´Bórgia´, era agora muito raro, apesar de estar sempre contente. As festas agora não faziam mais parte de seu planejamento, e sim as sua visitas aos orfanatos, hospícios e conventos. As obras sociais se tornaram prioridades em sua vida.

César mantém visitas constantes a irmã na corte de Ferrara, já que se instala em Cesena. Quando a irmã cai doente de malária (evento qual abortaria uma criança), César Bórgia vai a Ferrara (interrompendo uma campanha militar) desconfiando de um envenenamento. Ele avisa perigosamente ao duque que "se minha irmã morrer, o sangue dela não será o único derramado por aqui". Mas Lucrecia se cura, e só depois seu desconfiado irmão segue seu caminho. Eles nunca mais se veriam.

Em 1503, o papa Alexandre morreu, e com a eleição do papa Júlio, César viu seus planos totalmente arruinados. César casou-se com a princesa Charlotte de França, ganhou o título de duque de Valentinois, e entrou para a história como ´O Duque Valentino´. Foi imortalizado por Maquiavel em sua obra prima, O Príncipe, que tomava César Bórgia como o exemplo de bom governante e habilidade política. César foi morto em 1507, lutando pela França, em uma emboscada na Espanha.

Voltando a Lucrecia, ela engravidou em 1503. Mas acabou por contrair malária, e seu médico teve de abortar a criança para não pôr a vida de Lucrecia em perigo.Com a morte do sogro em 1505 ela e marido foram nomeados duques de Ferrara. No mesmo ano, deu a luz ao primeiro rebento, Afonso. A criança morreu semanas depois, mas três anos depois o casal ducal foi presenteado com outro menino, Hércules. Depois deste, vieram outros filhos: Hipólitho (1509), Francesco (1516), Alexandre (1514), Eleanora (1515), e Isabel Maria (1519). Ela foi boa mãe para todos os seus filhos, inclusive para os que estavam longe dela, como Roderigo e o misterioso Giovanni, "O Infante Romano". Sabe-se que Roderigo morreu em 1512, aos treze anos de idade, fazendo Lucrecia Bórgia sofrer e se recolher em um convento por algum tempo; mas quanto ao "Infante Romano", apenas se sabe que ele morreu em 1548, tornou-se duque de Spoleto, mas morreu relativamente esquecido e com pouco status de neto de papa, ou filho de Lucrecia Bórgia. Sua linhagem é totalmente desconhecida.

A primeira vez que Lucrecia ficou como regente em Ferrara, foi um ano após sua nomeação como duquesa. Ela aproveitou a oportunidade para mostrar outra simpatia comum de sua família: a vontade de ajudar o povo Judeu, criando um édito proibindo terminantemente qualquer tipo de discriminação a eles. Lucrecia em Ferrara formou a chamada "Corte das Letras": incluía escritores como Ludovico Ariosto (que dedicou-lhe "Orlando Furioso"), Pedro Bembo (que definiu o seu amor por Lucrecia Bórgia como ´platônico´) e Hercules Strozzi (assassinado por Afonso d´Este pelo ciúmes que ele sentia do literário com Lucrecia). Sua corte também reunia pintores como Tiziano, Venetto entre outros. Em 1508, Lucrecia recebe o humanista Erasmo em sua corte. Em 1506 fica como regente de Ferrara durante a ausência do marido, apesar de estar sob a vigilância de seu cunhado, o cardeal Hipólitho. Apesar das constantes infidelidades do marido, - ele, após a morte de Lucrecia Bórgia, juntou-se a Laura Dianti, uma de suas amantes, que viveu como Duquesa de Ferrara apesar de nunca terem se casado formalmente - Lucrecia foi feliz com Afonso d`Este. Ela nunca o amou realmente, como seu 2o marido, porém tinha-lhe apreço e amizade.

Como uma Bórgia, Lucrecia guardava algum rancor do papa Julio II, antigo Giuliano della Rovere. Afinal, ele havia sido inimigo ferrenho de seu pai e traído seu irmão. Então, ela se jubilou quando Ferrara entrou em guerra contra o papa em 1511, e mais ainda quando a venceu. Comemorou mais ainda quando o papa Julio morreu, e quem assumiu a Santa Tiara foi um Médici, Leão X. Afinal, a família Médici sempre foi aliada dos Bórgias. Inclusive o próprio papa, antigo Giovanni de Médici, havia sido muito amigo de seu irmão César nos tempos que ambos cursavam a Universidade de Pisa.

Aos 39 anos de idade, Lucrecia está prestes a sofrer outro parto. Prevendo sua morte, ela enviou uma carta ao papa Leão X pedindo a benção especial. Cercada de amor familiar, em 24 de junho de 1519, morre Lucrecia Bórgia em Ferrara, após uma longa febre pós-parto. A benção papal não veio a tempo, mas Leão X escreveu ao viúvo que lamentava muito a morte da "boa duquesa" quem o "inesquecível amigo César falava com tanto carinho". Foi sepultada no convento de Corpus Domini (Ferrara, em um hábito de freira), de onde foi protetora em vida.

E Geofredo (ou Jofrè) Bórgia, o menos turbulento do quarteto de filhos dado por Vanozza ao cardeal Roderigo, é hoje em dia visto como o melhor dos Bórgia. Ele sempre esteve muito apagado diante diante de seus irmãos, o sem escrúpulos Giovanni, o ambicioso César, e a brilhante Lucrecia. Mas nunca se importou com isso, como um contemporâneo reportou. Geofredo tinha real vocação religiosa, e se tornou um cardeal após a morte de sua mulher Sanchia, em 1504. Porém, um infortúnio para sua felicidade, quando seu irmão César morreu três anos depois, teve de largar a Igreja para agir como o único homem da família. Casou-se com Maria de Milão. De seu segundo casamento, foi pai de Francesco, Marina, e Lucrecia Bórgia, nome dado a esta última em homenagem a sua querida irmã. Geofredo morreu em 1517, e foi o único dos Bórgia que levou realmente uma vida sã.

Francesco, filho de Lucrecia, foi marquês de Massolambarda e pai de dois filhos. Morreu em 1578.

Seu primeiro filho com Afonso, Hércules d'Este, de aparência física muito idêntica ao pai, sucedeu-o como duque de Ferrara em 1534, foi pai de cinco filhos, e morreu em 1559. Hipólitho tornou-se um alto religioso, e morreu em 1572, como um verdadeiro cardeal Bórgia: com uma boa fortuna, e muitos filhos chorando sua morte. Os dois, sem dúvidas, eram muito mais Bórgia do que d´Este. O gosto pelas coisas mundanas, excessos, e o costume de se livrar dos inimigos pelo modo 'fácil' eram características herdadas da família materna. Alexandre viveu apenas por dois anos. Eleonora herdou a beleza da mãe, assim como o fascínio que causava nos poetas. Apesar disso, tornou-se uma freira por ordens de seu pai, e morreu como uma abadessa virtuosa em 1575. E Isabel Maria, a menina que cujo o parto causou a morte da mãe, seguiu a Lucrecia e morreu semanas depois.