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1810: diferenças entre revisões

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Revisão das 18h15min de 24 de agosto de 2004

1810 – Tratado de Amizade e Aliança e um outro, de Navegação e Comércio, entre Portugal e Inglaterra, são assinados em 1810 no Rio de Janeiro. Protegia-se a família real e a Casa de Bragança, consagrava-se a reciprocidade mas também se estendiam os privilégios comerciais ingleses, não só ao Brasil, mas a todas as colónias lusas. Em Portugal, terceira invasão francesa sob o comando de Massena. Na Primavera de 1810, Napoleão empreende um novo esforço para expulsar os ingleses da Península Ibérica, onde constituíam uma ameaça ao domínio francês sobre a Europa. O General Massena entra com as suas tropas pela fronteira da Beira e, no Buçaco, enfrenta pela primeira vez a 27 de Setembro, o exército anglo-português. Apesar de derrotado, Massena consegue ladear o inimigo e progredir para Sul. A 17 de Julho de 1810, já com a cavalaria francesa às portas de Almeida, Fletcher vai a despacho com Wellington perto do Côa. É-lhe ordenado que reforce os postos avançados. Nas invasões de 1809 e 1810, os ingleses mantêm-se no nosso país, organizando a defesa militar com brilho mas cometendo já abusos de autoridade e arbitrariedades inqualificáveis, de que é exemplo o fuzilamento do comandante da fortaleza de Almeida por não ter resistido mais a Massena. Os redutos entre Alhandra e Sobral foram unidos de modo a formarem uma frente ininterrupta, o mesmo sucedendo até Torres Vedras e daí até à foz do Sisandro, ao longo da margem esquerda. Nascia um novo perímetro fortificado de 50 km, paralelo ao inicial e distante deste entre 5 e 10 km. Como os franceses tardassem, houve ainda tempo para fortificar o vale de Calhandriz, unindo as defesas da serra de Sevres às de Subserra. À frente das linhas, tudo o que pudesse embaraçar o campo de tiro dos defensores foi arrasado. À retaguarda, uma rede de estradas permitia a movimentação das reservas e o reabastecimento. Num conceito muito avançado para a época, Wellington não «amarrava» as suas melhores tropas às fortificações, ficando estas livres para contra-atacar e deixando a defesa dos redutos a cargo de tropas de segunda categoria e dos artilheiros. Os redutos não se destinavam a defender-se a si próprios mas a albergar a artilharia encarregada de bater determinadas zonas. Por isso foram abandonados os clássicos traçados em estrela das grandes praças-fortes. Estas posições podiam albergar desde duas peças e meia centena de homens até dezenas de bocas de fogo e centenas de soldados. Era o fogo da infantaria, abrigada atrás de parapeitos e combatendo de cima para baixo (o que tratando-se de tropas de segunda classe lhes dava confiança) que assegurava a defesa dos redutos. As peças estavam pré-apontadas e o seu recuo controlado, de forma a garantir precisão e cadência de fogo (até seis disparos por minuto). Tinham rodas pequenas, sendo dificilmente transportáveis pelo inimigo em caso de tomada da posição. Sabiamente, a artilharia de maior calibre estava localizada na linha mais recuada, agora designada por Segunda Linha. Em Outubro de 1810, era este o dispositivo que esperava os franceses, totalizando 126 redutos e 247 peças. Dois anos depois, com as Linhas no seu apogeu, chegar-se-ia a 152 redutos e 500 bocas de fogo. Entretanto Massena basicamente, perdia tempo. Começou por gastar preciosas semanas a cercar Ciudad Rodrigo, tenazmente defendida pelos espanhóis, só entrando em Portugal a 15 de Julho de 1810. A passagem do Côa e a conquista de Almeida retardaram-no até 24 de Agosto (data da trágica explosão do paiol da praça-forte). «L'Armée du Portugal» vinha na máxima força, com 65 mil homens e alguns dos melhores comandantes franceses, como era o caso de Ney e de outros que conheciam bem o terreno, como Junot, condutor da I Invasão e o seu adjunto Loison, o odiado «maneta». A chefiá-la, André Massena, um dos poucos generais que tinha estatuto para continuar a tratar Napoleão por tu. Notabilizara-se no ano anterior na Áustria, ao cobrir a retirada do Imperador em Essling e vencer a decisiva batalha de Wagram. Então com 51 anos e uma perna doente, Massena comandara as tropas vitoriosas de dentro de um coche. Quando instado a vir para Portugal, fez uma birra e disse que só aceitaria se pudesse fazer-se acompanhar de duas pessoas: o filho e a amante. Na altura com 18 anos, Henriette era casada com um oficial do estado-maior de Massena, o capitão Leberton, e irmã de outra antiga amante do marechal. Vestida com o uniforme de Hussardo, circulava pelos acampamentos de calças justas e gola de pele... As invasões francesas marcaram Almeida para sempre com a explosão do Castelo, por incúria, na noite de 26 de Agosto de 1810, durante o cerco que Massena fez à fortaleza, o que levou à derrota militar da guarnição portuguesa. Os termos da capitulação foram assinados na Casa da Guarda, nas portas de S. Francisco. Iniciaram-se então novamente obras de restauro das muralhas que se arrastaram por mais de 13 anos. Desconfiado (e com razão) de possíveis emboscadas na estrada de Castelo Branco, o comando francês optou pelo itinerário de Viseu. Tão má era a estrada nesse tempo que a srª Leberton ficou indisposta e Massena mandou fazer alto em Mortágua durante cinco longos dias. Cinicamente, mandou dizer a Napoleão que aguardava reabastecimentos. A verdade é que as linhas de comunicação com França eram de tal forma inseguras que a maior parte dos mensageiros era capturada ou morta. Por isso, Napoleão, para poder seguir o andamento da campanha, tinha que ler o «Times», já que este jornal despachara para Portugal Henry Crabb Robinson como correspondente de guerra (um dos primeiros jornalistas com esta missão). Escusado será dizer que Wellington aproveitou este tempo para se entrincheirar no alto do Buçaco. Interessava-lhe travar a batalha, mais por razões políticas (mostrar serviço à Corte britânica) que militares, muito embora achasse ser chegada a altura de testar a capacidade das tropas portuguesas que o acompanhavam. E assim, na madrugada de 26 de Setembro, enquanto os luso-britânicos tremiam de frio no alto da serra sem sequer poderem acender uma fogueira para não revelarem a sua presença, um desesperado Ney via-se forçado a berrar as conclusões de um reconhecimento feito à pressa, através da porta do quarto onde Massena velava «Madame X»... O resultado ficou para a história: apesar da carga heróica dos franceses, trepando por uma encosta abrupta, estes perderam cinco mil homens, contra 1500 dos contrários. Acordando para a gravidade da situação, Massena consegue descobrir como contornar a posição inimiga. O exército inglês recua então para a Estremadura, refugiando-se nas Linhas de Torres Vedras, onde chega a 10 de Outubro. Wellington retira a caminho das Linhas, perseguido pelos franceses. Mas estes tornam a parar mais três dias em Coimbra, para deixar os feridos e doentes à guarda de uma pequena força que, de resto, não tardaria a ser dominada pela guerrilha portuguesa. Apesar de a entrada nas Linhas se ter feito em boa ordem, com estafetas a cavalo conduzindo cada unidade para o seu posto, ainda houve um episódio crítico que os franceses não puderam aproveitar por virem longe: o brigadeiro Crawfurd e a Divisão Ligeira perderam-se de noite e deixaram desguarnecido o flanco direito até ao nascer do sol... Quando, no dia 13 de Outubro, Massena chegou diante das Linhas, nem acreditava no que via: canhões e soldados inimigos a perder de vista no alto das cristas. Furioso, interpelou Junot e os portugueses do seu estado-maior (general Pamplona e marquês de Alorna) que lhe responderam que as fortificações não podiam ter mais que um ano. Responde Massena: «Que diabo! E estes montes foi o Wellington que os fez?» No dia seguinte, Massena encabeça um reconhecimento a norte de Alhandra. Os artilheiros do reduto 120 (sobranceiro à aldeia de Adanaia), percebendo tratar-se de uma figura importante, deram fogo à peça e por pouco não mandaram pelos ares o comandante francês. Este, que como se diria em português, era dos tesos, empinou o cavalo, saudou os inimigos com o chapéu e retirou. Na véspera, um episódio semelhante custara a vida ao general Sainte-Croix, de 28 anos, outro favorito de Napoleão desde a batalha de Essling. Conduzia uma força de Dragões junto ao Tejo quando uma canhoneira britânica os bombardeou. O General francês, com uma força de cerca de 65.000 homens, chega às Linhas no dia 14. Consegue ainda tomar a vila do Sobral de Monte Agraço, mas é depois vencido. A 12 de Outubro - Massena estaciona as suas tropas frente às "Linhas de Torres", onde se tinha instalado, no dia 9 o grosso do exército anglo-luso comandado por Wellington. Dia 16, nova escaramuça frente ao forte do Alqueidão (Sobral) convence o marechal francês da inutilidade de um ataque frontal, até porque a artilharia pesada que Junot reclamava para tentar abrir uma brecha, tinha ficado em Almeida. Wellington projectara as Linhas prevendo uma desproporção de um para dois entre atacados e atacantes. Dava-se agora o caso inverso: Massena teria no máximo 55 mil homens mas, do lado contrário, entre portugueses, britânicos e espanhóis havia 65 mil, fora as tropas dos redutos e os artilheiros. Do lado francês, a fome e a doença imperavam, já que a doutrina napoleónica estabelecia que um exército tinha que se bastar a si próprio, isto é, viver do saque. Era verdade, mas apenas para campanhas-relâmpago como as dirigidas pelo próprio Napoleão. Wellington, que era um fanático da logística, defendia o ponto de vista oposto. A frota britânica reabastecia-o e a política de terra queimada (de que resultou uma vaga de refugiados e milhares de mortos civis à fome e ao frio) criara o vazio à volta dos franceses. Contemplando do alto do Alqueidão o campo adverso, desmoralizado pela fome e pelo frio, Wellington terá dito: «Podia facilmente dar cabo daquele bando de maltrapilhos, mas o mais certo era isso custar-me dez mil homens e a Inglaterra só tem este exército.» Na madrugada de 14 de Novembro, uma guarda avançada portuguesa, desconfiada da longa imobilidade das sentinelas francesas, avança no meio do nevoeiro e descobre que se tratava de bonecos de palha: Massena retirara para Santarém e não tardaria a recuar até Espanha. A 14 de Novembro o exército francês inicia a sua retirada dessas posições. Para além das fortificações, o Inverno particularmente chuvoso havia feito transbordar as margens do rio Sizandro, transformando-o numa barreira intransponível. Sem conseguir avançar e enfrentando a rebelião dos seus oficiais, a fome, a chuva, o frio, a doença e a falta de comunicações, Massena inicia a retirada das suas tropas na noite de 15 de Novembro de 1810, coberto pelo nevoeiro e deixando bonecos de palha no lugar dos soldados, enganando assim o inimigo e atrasando a sua reacção. A derrota de Massena nas Linhas de Torres Vedras marca o início da viragem da carreira vitoriosa de Napoleão Bonaparte. Wellesley, por sua vez, foi galardoado por D. João VI com os títulos de 1º Conde do Vimeiro e 1º Marquês de Torres Vedras. Para homenagear o exército luso britânico, o município de Torres Vedras erigiu um obelisco no centro da vila, concebido pelo Arq. Miguel Jacobety e inaugurado no dia 10 de Outubro de 1954. A Guerra Peninsular assumiu uma violência superior à de quaisquer outras guerras anteriormente ocorridas em Portugal, e que as suas repercussões económicas, sociais e políticas foram muito duradouras. O número de mortos foi superior a 100.000 e muitos milhares de habitantes viriam ainda a falecer em consequência da fome e da falta de recursos que se seguiram à política da terra queimada. Com a religião confinavam festejos pagãos de Carnaval e Quaresma, que se abriam licenciosamente às necessidades do pecar - que as rascoas ofereciam pelas ruas escuras com o seu impudico convite do "quer tomar?". De 1810 a 1825, as jovens seriam presas no Recolhimento de Santa Maria de Cortona, instalado na Cordoaria, que albergava também órfãos e reclusos menores nos Colégios de Santo António e São Pedro, de 1816 a 1826… Usos e costumes de uma sociedade que o Terramoto destabilizara e levava meio século a achar-se no outro lado da História, entre ideias novas e hábitos velhos, sob a coroa de um monarca que pasquins populares, já dos anos 20, retratavam em verso, sem animosidade, antes com brandura e quiçá contentamento: "Nós temos um Rei/ Chamado João/ Faz o que lhe mandam/ Come o que lhe dão/ E vai para Mafra/ Cantar canto-chão". A expansão da cidade brasileira para fora dos seus limites anteriores ia levando, no dizer do intendente, a uma "arbitrária edificação" sem qualquer regularidade e algumas recomendações foram feitas ao Senado da Câmara em Outubro de 1810: "Que as ruas que de novo se abrirem sejam mais largas e conformes ao novo plano, para nelas se edificarem edifícios regulares". Nos arruamentos deviam ser deixados espaços para praças, "o que não só embeleza a cidade, mas contribui para a saúde da população". A chamada "cidade nova" teria portanto ruas largas, praças e edifícios regulares. Era importante também que as ruas fossem direitas para facilitar as "carruagens emparelhadas" numa época em que, com a chegada dos reinóis, as tradicionais cadeirinhas estavam sendo substituídas por outros meios de transporte. Bolívar, com Miranda proclama a independência da Venezuela. É publicado o Código Penal, em França. Bohnenberger inventa o giroscópio. Goya: Os Desastres da Guerra. Restos da Vénus Hotentote Foram Finalmente Enterrados. Indígena sul-africana foi exibida desde 1810 pela Europa, como objecto exótico, o que a tornou um símbolo da luta pelos direitos da mulher africana. O Governo da África do Sul escolheu as celebrações nacionais do Dia da mulher para realizar a cerimónia fúnebre dos restos mortais de Saartjie Baartman. A indígena da etnia Hotentote foi levada para a Europa em 1810, por colonos holandeses, que a exibiram em várias capitais europeias, como a exótica Vénus Hotentote. Foi explorada e exibida em público por todo o velho continente, até morrer, em 1815, pobre e doente, em Paris. Os seus restos mortais, que pertenciam ao Museu da Humanidade francês, foram este ano reclamados pela África do Sul. A cerimónia teve lugar esta semana, num vale remoto a Leste da Cidade do Cabo. Num dos ensaios do livro "O Sorriso do Flamingo", o cientista e escritor Stephen Jay Gould, recentemente falecido, conta como um dia, ao passear pelo Museu da Humanidade, em Paris, viu a Vénus de Hotentote, ou o que dela restava - os seus órgãos genitais conservados num frasco para a posteridade, preservados pelo anatomista francês Georges Cuvier, que dissecou o cadáver de Saartjie, depois de fazer um molde do seu corpo. No Século XIX, sem televisão ou cinema, explica Stephen Jay Gould, a exibição de homens ou mulheres malformados, ou com traços físicos exóticos, rendia muito dinheiro. Acontece que os Hotentotes, conforme Cuvier descreveu mais tarde, tinham como característica física umas nádegas protuberantes, muito afiladas, que sobressaiam devido à sua baixa estatura - Saartjie, por exemplo, tinha apenas 1,30 metros. Como se não bastasse, as mulheres hotentotes apresentam ainda uma outra particularidade física pouco comum: os pequenos lábios dos seus genitais têm um tamanho maior que o normal - podem atingir oito ou dez centímetros abaixo da vagina, pelo que se convencionou chamar a esta característica avental de hotentote. Saartjie Baartman foi trazida em 1810 para a Europa pelo irmão do patrão holandês para o qual trabalhava ela trabalhava, numa quinta na Província do Cabo, na África do sul. Exibida a troco de dinheiro durante anos, acabou por se prostituir e morrer doente passados cinco anos. A sua história foi divulgada como um exemplo da opressão sofrida pela mulher, e mais concretamente pela mulher negra. E a África do Sul reclamou há muito que reclamava os restos mortais daquela que logo se tornou um mártir e símbolo dos direitos femininos. O pedido acabou por ser atendido, esta Primavera, pela França. Satisfeito o pedido, a cerimónia, presidida pelo Presidente sul-africano Thabo Mbeki, consistiu na queima de ervas purificadoras do espírito dos mortos (um rito hotentote), à qual se seguiu o enterro: "Finalmente Sarah repousa, depois de quase dois séculos, com a dignidade na morte que lhe faltou durante a curta vida", disse Mbeki, citado pela BBC Online. Governante: D. Maria I – D. João.