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Homeopatia: diferenças entre revisões

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Revisão das 00h48min de 12 de março de 2004

A homeopatia é um paradigma de saúde cuja epistemologia a aproxima das ciências modernas, como a física quântica, a biologia cognitiva e de novas antiqüíssimas) propostas de conceituação da vida, como a hipótese Gaia.

Os princípios gerais da homeopatia foram enunciados por Hipócrates há cerca de 2500 anos. Coincidindo com Albert Lyons, podemos resumir os princípios do método hipocrático em quatro pontos, quais sejam:

• Observar. Para Hipócrates, grande parte da arte consiste na capacidade de observação do médico. A observação deve ser feita sem nenhum tipo de preconceito ou julgamento, estando o prático aberto aos relatos explícitos e implícitos do paciente.

• Estudar o doente, e não a doença. Princípio fundamental de qualquer ciência terapêutica séria, foi, no ocidente, pela primeira vez enunciado naquele tempo. Sentou as bases da holística, estabelecendo que na compreensão do processo saúde/enfermidade não se divide a pessoa em sistemas ou órgãos, devendo-se avaliar a totalidade sintética do indivíduo. Este ponto é essencial no entendimento das históricas divergências entre as escolas de Cós (cujo expoente principal é o próprio Hipócrates) e de Cnidos. Esta última pregava a especialização, a impessoalidade, o organicismo e a classificação das doenças.

• Avaliar honestamente. Dá-se importância à leitura prognóstica dos problemas da pessoa.

• Ajudar a natureza. A função precípua do médico é auxiliar as forças naturais do corpo para conseguir a harmonia, isto é, a saúde.

Esses princípios guardam evidente semelhança com as conclusões de Samuel Hahnemann no século XVIII, como veremos adiante. Hipócrates foi também o primeiro a descrever as duas maneiras principais de se abordar a terapêutica:

• Similia similibus curantur. Semelhantes são curados por semelhantes, base terapêutica da homeopatia. • Contraria contrariis curantur. Contrários são curados por contrários. Princípio seguido por Galeno que estabeleceu as bases da atual alopatia.

A visão integradora de Hipócrates permeia toda a sua obra, cujos textos mais conhecidos são Aforismos e Juramento. A saúde para ele é resultado da harmonia entre os quatro humores presentes no corpo e da interação da pessoa com o meio. Higiene, dieta, exercícios físicos, clima e outras circunstâncias são levadas em consideração na avaliação da saúde. O adoecimento obedece a três estágios facilmente reconhecíveis por um observador atento: degeneração (desequilíbrio) dos humores, cocção e crise. Não dá importância à classificação das doenças, levando muito mais em conta a pessoa e seu contexto. Na terapêutica é parco no uso de medicamentos, interferindo somente nos momentos necessários, quando a natureza assim o indicar. Ficou muito conhecido por sua honestidade científica e na relação com os pacientes e seus familiares, insistindo na necessidade de se trabalhar com a verdade e de se fazer a leitura do prognóstico do estado de saúde. Estabeleceu as bases da ética nas relações entre médicos, entre médico e discípulos e entre médicos e pacientes.

Os séculos seguintes apresentaram preponderância crescente das crenças de Cnidos e das práticas de Galeno, chegando ao dogmatismo. O establishment da Antigüidade e, posteriormente, da Idade Média, não permitia qualquer tipo de oposição às idéias galênicas que reinaram quase absolutas por quinze séculos. Galeno ficou conhecido por seus preparados farmacêuticos que incluíam várias substâncias em cada um deles. Sua teriaga, uma de tantas misturas preparadas, chegou a ter mais de setenta ingredientes em sua composição até a época de sua morte. Na Idade Média o preparado já continha mais de cem substâncias, sendo usado como antídoto universal. Até o final do Século XIX a teriaga estava registrada nas farmacopéias oficiais de vários países europeus.

Um dos maiores críticos de Galeno, e, não casualmente, devoto de Hipócrates, foi Paracelsus (1491 – 1541). Dotado de um espírito questionador, iconoclasta e revolucionário, esse médico e alquimista, nascido em Zurich, abalou as estruturas acadêmicas de sua época, questionando os clássicos e afirmando a necessidade de se realizarem experiências e observações próprias para o conhecimento da ciência. A medicina paracelsista é um retorno à filosofia da natureza, ao holismo. Ele vê a pessoa submetida às mesmas leis e princípios que governam o universo; em suas palavras: “Assim como é em cima, é em baixo”. A saúde é resultante da harmonia entre o homem (microcosmo) e o Universo (macrocosmo). Paracelsus reconhece a capacidade de cura pelo semelhante e prescreve: “Scorpio escorpionem curat”.

No Século XVIII, Samuel Hahnemann (1755-1843) nasce na Alemanha e inicia sua prática médica em 1779 em um ambiente em que imperava a falácia médica. Naquela época, sangrias, eméticos e purgantes eram receitados sem nenhum resguardo. Os médicos julgavam-se autoridades máximas, acima da natureza, e não duvidavam de seus métodos mesmo diante de desastrosas evidências do dano que causavam. Hahnemann frustra-se profundamente com a prática médica e decide abandoná-la em 1789. Um de seus escritos reflete a angústia e o desânimo que pousaram sobre ele naquela época: “converter-me em assassino de meus irmãos era para mim um pensamento tão terrível que renunciei à prática para não me expor mais a continuar prejudicando”. Essa postura mostra sintonia com a máxima hipocrática: “Primo nil nocere”, ou seja, primeiramente não prejudicar.

Ele era um poliglota, consta que conhecia grego, latim, hebraico, árabe, caldeu, alemão, inglês, francês, italiano, espanhol, entre outras línguas. O conhecimento desses idiomas é decisivo no futuro de Hahnemann, pois, havendo abandonado a prática médica, começa a sobreviver realizando trabalhos de tradução. Traduz, sobretudo, obras médicas e científicas, retomando estudos de antigos mestres como Hipócrates, Paracelsus, van Helmont, Sydenham, Boerhaave, Stahl e Haller.

A história registra sua personalidade prodigiosa, dotada de uma ímpar capacidade de observação e de agudo senso crítico. Foi quando trabalhava na tradução da Materia Medica de Cullen, em 1790, que um fato descrito por aquele autor chamou sua atenção. A Cinchona officinalis (quinina ou simplesmente quina) era usada na Europa, proveniente do Peru, para o tratamento do paludismo. Segundo explicações do autor do livro, a Cinchona atuaria fortalecendo o estômago e produzindo uma substância contrária à febre. Movido por curiosidade e intuição científicas, Hahnemann decide provar, nele mesmo, o medicamento. Observou em si o aparecimento de sintomas semelhantes ao das crises febris da malária (esfriamento das extremidades, rubor facial, sonolência, prostração, pulsações na cabeça) ao ingerir a quina e seu desaparecimento ao cessar o uso. Repetiu várias vezes o experimento com a quinina e depois continuou fazendo provas com beladona, mercúrio, digital, ópio, arsênico e outros medicamentos. Inspirado pela obra de von Haller, quem preconizava o estudo do medicamento na pessoa saudável, antes de ser ministrada ao doente, inclui seus parentes nas experiências, observa e anota pormenorizadamente os resultados.

Depois de seis anos de pesquisas intensas, Hahnemann dá à luz um “Ensaio sobre um novo princípio para descobrir as virtudes curativas das substâncias medicamentosas, seguido de alguns comentários a respeito dos princípios aceitos na época atual.” É assim que o ano de 1796 entra para a História da medicina como o ano de sistematização dos conhecimentos homeopáticos (para alguns o “nascimento” da homeopatia). Como vimos acima, os princípios já haviam sido enunciados por outros médicos anteriormente, mas é Hahnemann quem dá um corpo único, coerente, sintético, com fundamentos nitidamente compreensíveis à homeopatia. É curioso mencionar que foi ele quem cunhou os termos homeopatia (à qual também se referia como Arte de Curar) e alopatia (prática abusiva, agressiva e pouco eficaz).

A partir de 1801 Hahnemann começa a usar medicamentos dinamizados (técnica própria da homeopatia que visa ao desenvolvimento da força medicamentosa latente na substância e que consiste em submeter a droga a diluições e sucussões sucessivas) e observa que isso dá mais potência ao medicamento. Em 1810 publica sua obra fundamental, “Organon da Medicina Racional”, mais tarde, “Organon da Arte de Curar”. Em vida, chega a publicar cinco edições do Organon. A sexta e definitiva edição vai para o prelo post mortem, em 1921.

Além da visão holística impressa em toda a obra de Hahnemann, ou seja, a visão do todo sobre as partes, há quatro princípios que orientam a prática homeopática, quais sejam:

• Lei dos Semelhantes. Resultado de suas releituras dos Clássicos e, sobretudo, de suas próprias experiências, anuncia esta Lei universal da cura: similia similibus curantur. Exemplificando, um medicamento capaz de provocar, em uma pessoa sadia angústia existencial que melhora após diarréia e febre, curará uma pessoa cuja doença natural apresente essas característica.

• Experimentação na pessoa sadia. A fim de conhecerem as potencialidades terapêuticas dos medicamentos, os homeopatas realizam provas, chamadas patogenesias; em geral são eles mesmos os experimentadores. Tipicamente não se fazem experiências com animais. Uma condição básica para a escolha dos provandos é que sejam saudáveis. Esses medicamentos são capazes de alterar o estado de saúde da pessoa saudável e justamente o que se busca é os efeitos puros dessas substâncias. Isso serve até mesmo como alerta aos que pensam que medicamento homeopático é isento de efeitos indesejados quando tomado sem indicação de um bom especialista. Não o é! E pode, inclusive, ser mais deletério que medicamentos alopáticos, por sua maior capacidade de penetração.

• Doses infinitesimais. A preparação homeopática dos medicamentos segue uma técnica própria que consiste em diluições infinitesimais seguidas de sucussões rítmicas. Essa técnica “desperta” as propriedades latentes da substância. Toma-se o cuidado de prescrever a menor dose possível, porquanto o poder do medicamento homeopaticamente preparado é grande e há pessoas sensíveis a ele.

• Medicamento único. A homeopatia é uma ciência muito criteriosa em sua prática. Primeiro o homeopata avalia se a natureza individual está a “pedir” intervenção com medicamento, pois esse é um dos meios que o médico tem para auxiliar a pessoa e não o único. Sendo o caso, usa-se um medicamento por vez, levando-se em conta a totalidade sintomática do paciente. Só assim é possível ver seus efeitos, a resposta terapêutica e avaliar sua eficiência ou não. Após a primeira prescrição é que se pode fazer a leitura prognóstica, ver se é necessário repetir a dose, modificar o medicamento ou aguardar a evolução.

É surpreendente que Hahnemann tenha enunciado os princípios da homeopatia no final do século XVIII, somente como resultado da observação; ele estava muito à frente de seu tempo. Só no século XX (principalmente na segunda metade) é que a expressão integral desse preceito começou a ser notada pelos cientistas contemporâneos, com destaques para as pesquisas de Vithoulkas, Masaru Emoto, Benveniste, Capra, Jung, Lovelock, Margulis, Bateson, Maturana, Lorenz, Bohr dentre vários outros. É evidente que esta pequena lista mostra cientistas de ramos muito diferentes e que a relação de suas pesquisas com a homeopatia pode não ser direta. Mas todos têm algo muito forte em comum: a ruptura com a visão cartesiana-positivista de parte substancial da ciência ocidental. Muitos deles foram, inclusive, perseguidos ou boicotados, porque o resultado de suas pesquisas contrariam o status de poderosos interesses construídos sob uma visão machista e dominadora do mundo.

Depois de Hahnemann, a homeopatia expandiu-se por boa parte do mundo. Mas a expansão não foi linear. Em sua trajetória, tem enfrentado oposição quase doentia por parte da intelligenzia industrial que se serve duma retórica sofista para influenciar a opinião pública e encontra ouvidos até bem intencionados. Mas, chegados ao século XXI, parece que a homeopatia começa a ocupar seu lugar histórico, pois “nada é tão forte como uma idéia cuja hora é chegada”. Um mundo sedento de Paz e harmonia, encontra na homeopatia as respostas para os desequilíbrios pessoais (isto é, universais).