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A Criança e a Vida Familiar no Antigo Regime

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L'enfant et la vie familiale sous l'ancien régime (em Portugal: A Criança e a Vida Familiar no Antigo Regime (1988);[1] no Brasil, a tradução foi baseada em uma versão francesa de 1973 que é abreviada da versão original: História Social da Criança e da Família (1ª ed. 1978)[2] é um livro de 1960 sobre a história da infância do historiador francês Philippe Ariès. É considerado o livro mais famoso sobre o assunto[3] e conhecido por seu argumento de que o conceito de "infância" seria um desenvolvimento moderno.

O livro argumenta que a infância como uma ideia mudou ao longo do tempo.[3] Abrange os conceitos de infância, relações adulto-criança e experiência infantil através de culturas e períodos de tempo.[3] Suas fontes mais conhecidas são pinturas medievais que mostram crianças como pequenos adultos.[4] Ariès argumenta que a infância não era entendida como uma fase separada da vida até o século XV e que as crianças eram vistas como pequenos adultos que compartilhavam as mesmas tradições, jogos e roupas.[4]

Jogos Infantis, Bruegel, 1560

Suas conclusões mais famosas eram de que a "infância" é uma ideia recente,[4][5] e que a paternidade na Idade Média era em grande parte distante.[5] Ariès argumenta o seguinte: vínculos de amor de família nuclear e preocupação não existiam na época, e as crianças morriam com muita frequência para se tornarem emocionalmente ligadas.[4][5] As crianças não eram tratadas como delicadas ou protegidas da sexualidade.[4] Eles passavam tempo com adultos fora das estruturas familiares e nem sempre eram segregadas nas estruturas escolares e familiares.[4] Muitas vezes, elas seriam adotadas por outros como empregados domésticos.[4]

Apesar da fama do livro por sua tese, A Criança e a Vida Familiar no Antigo Regime se concentra mais nos primórdios da escolarização sistematizada e no declínio de uma sociabilidade pública comum. Esse enfoque estende-se da maior crítica do autor à vida moderna e de sua cisão de elementos sociais que ele via como outrora unidos: "amizade, religião, [e] profissão". Dessa forma, Ariès não acreditava que as famílias modernas substituíssem adequadamente o papel da comunidade pública comum.[4]

Escrevendo para The American Historical Review em 1998, Hugh Cunningham afirma que a influência do livro "permanece profunda" depois de quarenta anos, especialmente no que diz respeito à infância medieval.[3] Ele acrescentou que Ariès conseguiu persuadir seus leitores de que a experiência da infância e seu tratamento como uma etapa da vida evoluíram ao longo do tempo e do lugar.[3] O livro deu início ao estudo da história da infância, o que levou a monografias sobre histórias de aspectos individuais da infância.[6] Uma tradução enganosa do francês sentiment ("sentimento") em "ideia" tornou-se uma das linhas mais conhecidas da tradução, "Na sociedade medieval a ideia de infância não existia", e levou a uma "mini-indústria" de estudiosos medievais refutando esta falsa tese.[3]

"Não é demais enfatizar que não há nada a ser dito sobre a visão de Aries sobre a infância na Idade Média... As visões de Aries estavam erradas: não apenas em detalhes, mas em substância. É hora de pô-las para descansar."

Nicholas Orme, Medieval Children[4]

A visão popular da tese de Ariès foi desmantelada nas décadas seguintes.[5] Stephen Metcalf, da Slate, descreve uma sistema doméstico "anti-arièsista", cujos praticantes mais notáveis incluem os historiadores Steven Ozment e Nicholas Orme.[4] Orme escreveu Medieval Children, um livro dedicado a refutar a tese de Ariès, o que os críticos concordam que o realizou.[4][5] Orme concluiu que "as crianças medievais éramos nós mesmos, quinhentos ou mil anos atrás" e que seus pais genuinamente estimavam e sofriam por seus filhos, semelhantes aos pais modernos.[5] Apesar dessas décadas de refutação, a tese de Ariès persiste em não acadêmicos, que associam crianças medievais a "adultos em miniatura".[4]

O livro teve considerável influência acadêmica e iniciou uma tendência nas humanidades em que as ideias estudadas são vistas como causadas pela cultura e não pela natureza, biologia ou pessoa.[4] Metcalf descreveu A Criança e a Vida Familiar no Antigo Regime como um livro "que, virtualmente em contato, incendeia a mente" por sua imaginação, especialmente conforme escrito em 1960, época de expansão da infância. Metcalf afirmou que o método das causas culturais de Ariès influenciou o pensamento de Michel Foucault, que desde então tocou a maioria das disciplinas acadêmicas.[4]

Referências

  1. Ariès, Philippe (1988). A criança e a vida familiar no Antigo Regime. Lisboa: Relógio D'Água 
  2. Ariès, Philippe (1981). «Prefácio». História Social da Criança e da Família 2ª ed. Rio de Janeiro: Editora Guanabara 
  3. a b c d e f Cunningham 1998, p. 1197.
  4. a b c d e f g h i j k l m n Metcalf, Stephen (11 de março de 2002). "Farewell to Mini-Me: The fight over when childhood began". Slate. The Washington Post Company. Arquivado do original em 12 de outubro de 2013.
  5. a b c d e f Schwarz, Benjamin (março de 2002). "New & Noteworthy". The Atlantic. Arquivado do original em 12 de outubro de 2013.
  6. Schwarz, Benjamin (outubro de 2004). "The Glass of Fashion". The Atlantic. Arquivado do original em 12 de outubro de 2013.
  • Cunningham, Hugh (1998). «Histories of Childhood». Oxford University Press on behalf of the American Historical Association. The American Historical Review. 103 (4): 1195–1208. ISSN 0002-8762. JSTOR 2651207. doi:10.2307/2651207